The Orange House escrita por Innanis


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Essa história nasceu de uma madrugada onde eu morri de raiva de tudo e senti vontade de pegar uma serra elétrica e sair matando todo mundo que cruzasse comigo na rua Ç_Ç - não se preocupa, eu não faria isso >...>
De qualquer maneira, despejei meus sentimentos aqui nessa one em uma escrita um pouco... diferente? Ainda sim, espero que agrade a você que deseja ler =3
Boa leitura e nos vemos lá embaixo.
*Ah, mais uma coisinha, por algum motivo o texto meio que desalinha em alguns momentos e eu não faço ideia do porquê disso acontecer, espero que não incomode muito :c*



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   Era uma rua. Uma rua calma. 
O solo não era asfaltado, no lugar do asfalto pedras em formato hexagonal cobriam a terra.
Nesta rua muitas casas foram construídas lado a lado. 
Casas pequenas, simples. 

Dentre todas estas casas, tinha uma que se destacava. 
A casa laranja da esquina. 
Uma casa com uma extensão duas vezes maior do que todas as outras. 
Uma casa com uma beleza contrastante com a de todas as outras. 
E tinha a cor. A cor deixava a casa mais bonita ainda. 
Dentro da casa morava um casal de idosos. 
O senhor descansava sobre o sofá preto de couro. 
Um descanso merecido, afinal, o pobre senhor trabalhava.  Mesmo com sessenta anos, trabalhava. Tinha que sustentar aquela casa. 
A senhora estendia roupas calmamente no varal. 
Pelo chão, duas lindas cadelinhas passavam correndo vez ou outra recebendo repreensões da senhora que quase caía quando passavam pelos seus pés.
Naquele dia o senhor dormiu profundamente, perdeu a hora para voltar para seu trabalho. 
A senhora não gostou nada disso. Ela ficou brava.
Muito brava.
Andou até o pobre senhor e deu um tapa em seu rosto. "Só eu faço alguma coisa por essa casa, você não faz nada!" Gritou com o rosto retorcido por sua raiva.
O senhor já não aguentava mais. A senhora nunca fazia nada e sempre reclamava dele. Quando ela iria perceber que sem ele aquela casa iria por água a baixo?
Palavras voaram pela pequena e decorada sala da casa laranja naquela tarde. Voaram como lâminas arremessadas um contra o outro. E o senhor foi. 
Foi, e nunca mais voltou. 
        
Anos depois aquela rua mudou. No lugar de todas as casinhas simples que uma vez repousaram alegremente atrás das calçadas, uma densa e enegrecida floresta, dominada por uma névoa que nunca ia embora, reinou.
A cidade que existia ali foi abandonada pelo bicho homem. Eles diziam que quem morasse ali seria amaldiçoado e morreria em pouco tempo. 
Mas tinha uma casa que resistiu a todos os castigos do tempo. 
Certa casa laranja. 
Perto dali um grupo de amigos se aventurava. "Estamos na cidade amaldiçoada!" Gritava um deles com deboche. "Agora iremos morrer." Outro ria.
Não demorou muito para eles chegarem à tal rua. 
Casas destruídas. Mato. Uma névoa densa. 
Foram algumas das coisas encontradas por um daqueles jovens. Aquele que sugeriu que eles fossem para lá. 
Na verdade era uma garota. 
Uma garota chamada Chery. Amante de mistérios. Juntou um grupo com seis pessoas sem contar ela. 
Eles apenas riam e caçoavam de tudo que se encontrava ali. 
— Ei Chery, vamos ver se encontramos um motel 5 estrelas para deixar as coisas mais interessantes nesse lugar parado. - Disse um garoto que estava com o braço apoiado sobre os magros ombros de outra garota.
No fim não apenas eles saíram, entre reclamações de outros membros do grupo apenas Chery permaneceu ali. Sozinha. 
"Não preciso de pessoas como eles." Pensou enquanto caminhava entre raízes e folhas secas que cobriam o chão de hexágonos quebrados, consumidos pela floresta. 
E assim ela chegou lá. 
Lá.
Na casa laranja. 
Ela encarou aquela bela casa que não se permitia ser engolida pela grande floresta que a cercava. A curiosidade e o fascínio dominaram a garota que já caminhava com seus tênis surrados para dentro daquela construção. 
E foi com um rangido duradouro que a porta de madeira abriu. Revelando o que havia dentro do lugar. Dentro da casa. Uma sala conservada, limpa. Sobre a mesinha de centro um vaso com flores murchas descansava calmamente. Era como se o tempo não tivesse feito nada ali. 
Então uma senhora apareceu. Caminhando lentamente com um regador em sua mão. Chery assustou-se com aquilo. Como alguém morava ali?
— Senhora? - Ela andou até a idosa que regava a planta morta - O que faz aqui? 
A senhora por sua vez virou-se em seu ritmo desacelerado e pousou suas mãos enrugadas sobre os ombros firmes da jovem.
— Minha netinha, você voltou! - A voz desgastada pelo tempo flutuou para dentro dos ouvidos ocultos pelo liso cabelo preto de Chery - Venha, venha, preparei um lanchinho para você.
E tornou a andar até um comprido corredor, diretamente conectado com a sala, que tinha cinco portas. Duas do lado esquerdo. Duas do lado direito. Uma no final. 
E foi na primeira porta do lado esquerdo que a velhinha entrou. 
O início do corredor era onde estava a abertura para a sala onde Chery estava analisando aquele estranho local. “Uma casa sobrevivente?” Indagava.
E então foi atrás da idosa. Era uma cozinha espaçosa com uma longa mesa branca em seu centro. Atrás de uma das pontas da extensa mesa estavam o fogão e as bancadas. A geladeira ficava num local peculiar, encaixada na parede. 
— Vamos, vamos, sente-se minha netinha. - Antes que Chery pudesse fazer algo a senhora já a puxava até uma cadeira enferrujada.
Tinha algo estranho ali. Não era para ser daquele jeito. A jovem sabia disso. Ela tentava falar para a senhorinha que não era sua tal neta, mas esta sempre a impedia. Falava algo por cima. 
— Desculpe-me senhora, mas eu-
— Acabei de preparar - A idosa despejou um líquido avermelhado no interior de uma xícara preta que já estava ali antes de Chery se sentar. 
Um cheiro estranho exalava daquele líquido. Não era café. Os dedos magros da jovem seguraram a xícara quente e a levaram até seu nariz, mas antes que ela pudesse inalar o cheiro que dali saia fora impedida por certa mulher enrugada.
— Não, não, minha netinha, não sabe que é feio cheirar antes de consumir algo? - Falou abrindo a geladeira e tirando algo dali. 
Colocou o recipiente com algo que Chery se assustou ao ver. 
Tripas. 

Muitas tripas.

Moscas sobrevoavam aquele monte freneticamente enquanto larvas deliciavam-se com o banquete no qual se encontravam.
— Coma - Ordenou a velha. Sua voz estava distorcida. - Coma!
Assustada a jovem levantou-se ao mesmo passo que a pele da velha começava a derreter, exibindo tudo aquilo que estava por baixo. Os serenos olhos da senhora saltaram das órbitas enquanto ela estendia a mão, que caíra também, na direção da jovem.
Chery correu. Fora para a porta de entrada. Mas de nada adiantou ir até ali, estava imóvel. 
Em um piscar de olhos a casa atrás de si transformou-se. Estava destruída. O sofá, rasgado e empoeirado. A mesinha, coberta de sangue seco. A TV, que ficava ao lado da porta, estava quebrada. O vaso não existia mais. 
A jovem apavorou-se diante daquela realidade. Como aquilo pudera ter ocorrido? Em alguns minutos atrás estava ouvindo as piadas de seus amigos. 
Ela percebeu. 

Precisava sim deles. 
Mas agora estava sozinha. Na casa laranja. 
Voltou ao corredor, hesitante. O corredor não havia mudado muito, apenas tinha poeira e teias de aranha nos cantos da parede agora. Retornou à cozinha. 
Também havia mudado. 

A mesa estava tombada. Sobre ela não tinha nada senão a solidão. Tudo estragado pelo tempo. A velha sumira. 
Quando se virou para retornar ao corredor caíra no chão pelo susto. Um corpo encontrava-se estirado do lado de fora da cozinha. Sangue em todo lugar. 
Mudanças novamente. 
Sobre a mesa, em pé novamente, um festival de putrefação. Carnes estragadas largadas por toda ela e tal velha sentada em uma cadeira as devorando com voracidade. O som de mastigação nauseou a pobre Chery que cobriu seus olhos sem querer ver mais. Quando a idosa percebeu a presença da garota, abriu um sorriso sangrento que fez um pedaço de víscera cair de seus dentes. 
Chery ignorou o corpo. Correu dali abrindo rapidamente a próxima porta. Enquanto recobrava seu ar a fechava. 
Atrás de si um banheiro pequeno cheirava mal. Hesitante, ela decidiu verificar o local no qual o cheiro saia: A privada. 
O terror paralisou todos os seus membros. Dentro do buraco uma cabeça virada para cima a encarava. A boca aberta. Dentes substituídos por unhas fincadas nas gengivas. 
E o sangue. Ah, o sangue. 
Sangue. 
Sangue com pedaços de algo amarelado por toda a privada. E começou a vazar. Os tênis de Chery afastaram-na imediatamente dali, e antes de fugir pôde observar dentro da antiga banheira ao lado da pia que um bando de olhos boiava sobre sangue. Eles pareciam fitá-la, dentro de sua alma. 
E saiu batendo a porta com força. O corpo que estava tombado diante da cozinha agora se encontrava em pé, indo a sua direção. A salvação estava na porta ao lado. A segunda porta da direita que abriu vagarosamente. 
Chery entrou sem pensar. Queria sair daquele pesadelo sem fim. Era um local escuro, mas por sorte ao lado da porta encontrava-se o interruptor. Ao ser ligado revelou um quarto de tamanho médio. Estava limpo. 
Inacreditavelmente.

De um lado um beliche, do outro uma cama de solteiro. Ambos feitos de madeira legítima. Sobre a cama de cima do beliche, um leãozinho. Um leãozinho de pelúcia. Diante dele uma carta. 
Chery escalou desajeitadamente com ajuda de uma janela no final do quarto para subir na cama. Não tinha uma escada. E pegou a carta.

        27 de Abril, 1999. 
        Caros Sr. e Sra. Davidson,
        Escrevo esta carta com pesar para informá-los sobre a triste morte de Dana Harlliz nesta manhã. Voltava de um barzinho que fora com seus amigos quando uma bala perfurou seu peito. Morreu na hora. Eu lamento. 
        Meus pêsames, Davi.

A jovem dobrou a carta ao meio e ponderou. Assustou-se com a data, afinal estava em 2016. Mas antes que pudesse chegar a alguma conclusão sentiu algo molhado sobre seu ombro. Era sangue. 
Mais uma vez, sangue.
Olhou para cima. O líquido vermelho saía do teto. E então percebeu algo pelo canto de seu olho. Uma corda. Cabelos loiros. Uma jovem garota pendurada no teto. 
— É mentira. - Sussurrou entre seus lábios rachados - Não acredite na luz. 
Assustada, Chery caiu da cama. De cara no chão gelado. Ela logo se levantou, e, no lugar da garota enforcada, encontrava-se outra. 
Uma morena. Bonita. 
Ela sorriu. E em seu peito uma perfuração. Um vermelho. 
Aumentando.  
Uma mancha. Uma mancha vermelha. 
Agora o rosto alegre da garota contorcia-se, em um sentindo literal. Sangue passou a vazar de seus olhos. Sua boca. Seus ouvidos. 
Um grito ensurdecedor. 
Chery tampou seus ouvidos que ardiam e o leão caiu sobre seus pés, com uma faca ensanguentada na mão fofa.
E foi aí que algo gelado tocou seu rosto. Dedos. Uma mão. 
— Você também vai. - Disse em um sussurro.
A jovem apenas empurrou-a e saiu correndo. O corpo no corredor não estava mais lá. Em seu lugar tinha um papel amassado.

       Lista de coisas para comprar:
      - Ovos;
      - Carne;
      - Leite;
       - Papel higiênico;
       - Uma faca de cortar carne nova;
       - Ban

Estava incompleta. Fora escrita com uma letra tremida, porém bela. A curiosidade de Chery a fez virar o papel.

         Você não devia ter feito isso...

Em sangue. E então olhou para a primeira porta do lado direito. Havia uma seta apontando e com algo escrito que a jovem teve que se aproximar para ler. "O quarto do pecado" Em sangue escorrido. 
Ela quase não conseguia conter seu pavor. Mas tinha que aguentar. Tinha. 
Abriu-a. 
Este estava fracamente iluminado por um abajur posto sobre a escrivaninha ao lado de uma cama de casal. Sobre a cama um corpo despedaçado. Órgãos. O sangue mais uma vez. Vísceras. Tripas. Pedaços. Destruição. O odor pútrido impregnado.
Chery quis fugir dali, mas percebeu que havia um papel na escrivaninha. Tinha que pegar. Colocou a gola de sua camisa sobre o nariz e foi. Pegou o papel e saiu rapidamente.

       Pai,
       Eles estão brigando mais uma vez. Ela sempre fala que ele é um incompetente. Por que as coisas têm que ser assim aqui? Por que sempre é assim? Agora as louças estão sendo quebradas. Pai, por favor, me tira daqui! Estou ficando louca nessa casa! Não aguento mais passar férias nesse lugar de loucos... Que a luz recaia sobre meu pobre avô que não merece nada disso.
      Com sinceridade, Luana.

Mais uma vez Chery ponderou por um tempo. O que acontecia naquela casa? Aquilo só ficava mais bizarro para a jovem. Ela era apenas uma garota fã do mundo sobrenatural. 
— Você nunca mais irá embora - Sussurrou uma voz - Nunca.
E a última porta abriu-se. Uma atmosfera sombria dominou o corredor. Ficou mais escuro. Mais escuro.
Não se enxergava mais nada. Nem mesmo um centímetro a frente. Ela estendeu a mão para a escuridão e apalpou-a como se aquilo resolvesse alguma coisa.
Mas não resolvia. 
"É só seguir em frente" pensou arriscando seus primeiros passos. Estava receosa. Seus pés. Suas pernas. Bambos. 
Seu corpo seguia o ritmo. 

A sensação de estar sendo devorada pela casa. Pela escuridão que ela proporcionava. 
A sensação de estar sendo observada. 
E foi quando tocou no batente da porta que viu. Viu a esperança diante seus olhos. 

Correu com sua respiração ofegante por conta do medo na direção daquele objeto sagrado que seus olhos aflitos enxergaram: 

Uma lanterna acesa. 
Seus dedos desesperados agarraram-na e o espaço a frente dela foi iluminado. Mato.
Tinha mato.
"Eu fugi?" Perguntou-se incerta enquanto corria a lanterna pelo local.
Mas ainda estava na casa. Aqueles eram apenas os fundos. A pequena esperança dela transformou-se em uma amarga decepção em formato de suspiro. 

Tinha um varal ali. Era sustentado por dois pedaços de madeira de aproximadamente dois metros de altura. 
E nele não eram roupas estendidas.

Mas sim pele.
Dois grandes pedaços de pele.
Reprimindo a repulsa, Chery foi checar mais de perto. Eram pele de cães. Ia da ponta cauda até a cabeça. 
E então um latido. Dois cães dilacerados apareceram ao lado dela. Não tinham mais dentes. Um deles esticou a cabeça e seu pescoço rasgou. Simplesmente separou-se de seu corpo e rolou até os pés da garota que deu um pulo para trás. O outro correu até a cabeça e suas patas dissolveram. Começou a ganir enquanto agonizava no chão. Ela não conseguiu mais olhar. Teve que sair dali. Tinha uma pequena construção conectada com a casa do lado de fora.
Era um banheiro. Mais um banheiro. E bem menor do que o outro, dessa vez sem banheiras asquerosas.
Na pia havia uma foto. Um casal de idosos junto de três garotas. Todos sorriam. Pareciam felizes. Atrás da foto algo escrito.
       
        Mentirosos. Queimarão no inferno.

E a torneira abriu-se. Um som estranho saiu dali junto com o cheiro. O cheiro que ela mais sentira ali, o cheiro da morte. 

Um dedo. 
Foi o que caiu.
Ela tropeçou para trás com o susto e apoiou-se na válvula que abria o chuveiro sem perceber.
Cabelos avermelhados caíram de lá. Sujos pelo sangue. 

Obviamente Chery saiu o mais rápido possível dali e deparou-se com o que ela menos queria. 
Quatro pessoas - se podiam ser chamadas assim - em pé diante de si. Desfiguradas. Dilaceradas. Mas ainda dava para ver o casal e duas das meninas que estavam na foto. 
"Mas cadê a terceira?"
Eles apontaram para uma casinha construída próxima ao banheiro. A porta não existia mais, estava destruída. 

Ainda apavorada, Chery andou sem tirar os olhos dos quatro que a fitavam intensamente. Era a pior sensação da vida dela. 
Ao entrar, colocou uma cadeira podre diante do vazio deixado pela porta enfiando na cabeça que aquilo impediria a entrada deles ali e virou-se. 
Seus olhos arregalaram, atônitos. 
Notícias, várias delas, espalhadas por toda a parede de madeira da casinha. Todas falavam de uma só coisa: O homicídio do casal Davidson. As datas de todas estavam rasgadas, ou riscadas, ou apagadas. Não dava para ver. Sobre uma pequena mesa encostada na parede havia mais notícias, agora falando de duas pessoas distintas. Umas falavam sobre o assassinato de uma adolescente chamada Dana. Dana Harlliz. Outras falavam sobre o suposto suicídio de uma tal Luana Kimber. 
A carta. A garota enforcada e a com o peito perfurado.

E um som de algo se fechando atrás de si a forçou a se virar. Uma porta.
Uma porta?
Ela andou até ela e girou a maçaneta. Um longo corredor revelou-se diante de si. Estava iluminado, portanto a lanterna fora desligada. Sem portas, sem janelas. Apenas alguns papéis e fotos.

       Olá vovô e vovó,
       Nessas férias irei com a prima Dana para a casa de vocês! Fiz um desenho da linda casa laranja que vocês moram. Espero que gostem!
        Luana

Era um desenho infantil. Chery enfiou a mão no bolso para pegar o bilhete que encontrara anteriormente. O bilhete no qual Luana implorava para que o pai a tirasse dali. Se ela estava tão feliz em ir, o que mudaria a opinião dela?
Alguns passos adiante tinha uma foto com uma senhora lavando a louça e no chão uma garota, aparentemente adolescente, brincando com um dos cães. Ao lado tinha algo parecido com uma ficha médica.

        Paciente: Luana Kimber
        Idade: 16
        Doença: Transtorno mental

        A paciente usufrui de um comportamento infantil que pode alterar para agressivo caso esteja em um local que afeta a sua mente de uma maneira negativa.

E uma pequena foto colocada ali por um clipe. Era Luana. Chery decidiu guardar aquela foto consigo. 
Continuou a andar e deparou-se com o leão de pelúcia. Sua barriga estava rasgada e dentro dela havia uma carta.

        Me desculpem por ter defeito, eu não queria nascer assim. Vovó disse que eu sou uma abominação, que eu não devia ter nascido assim. Ela não sabe, mas eu ouvi ela falando com titia Allison. Não quero ser um problema. Não quero ser um defeito. Eu vou consertar isso, eu prometo. Não serei mais problema papai, mamãe.
      Amo vocês. 
       Luana.

Um arrepio percorreu todo o corpo de Chery. Aquela fora a última carta de Luana.
A jovem sentiu-se comovida pela carta. Não queria mais ver. Apenas voltou a seguir em frente. O local escureceu mais. E papéis voltaram a aparecer. Primeiro uma foto de um grupo de jovens, entre eles uma garota que Chery já vira. 
Um pouco mais a frente um bilhete.

         Voltarei mais tarde hoje. Não, não usarei drogas nem farei sexo com meio mundo. 
          Dana

Aquilo soava realmente adolescente. Mais a frente outra foto. Agora ela beijava um jovem tão bonito quanto ela. Ao lado, uma carta.

         Harry,
         Nós já temos um rolo há muito tempo. Quando você vai me pedir em namoro? Se não fizer isso logo nunca mais ficarei com você novamente, se quiser transa contrata alguma das suas amigas prostitutas! Idiota. 
        Dana

Ao que aparenta ela era a rebelde. Chery não deu tanta importância e seguiu em frente, curiosa para saber mais. E então outro papel apareceu. A data estava riscada.

       Hoje estou com um estranho sentimento. É como se eu fosse morrer. Eu não acredito nessas merdas de outro mundo e tal, mas... É apavorante. De qualquer forma não vou dar fora com a galera, que venham os espíritos.
        
Pelo aspecto da folha era de um diário. Mas Chery sabia, sabia que naquela noite alguém atiraria na jovem e ela daria seu suspiro final enquanto seu coração pararia de bombear a vida para o seu corpo. Seu cérebro se desligaria. 
E o que a jovem encontrou mais adiante a deixou um tanto receosa. Uma arma com uma foto de Dana e Luana em cima. 
De repente um som.

Um disparo.

Chery se jogou no chão por reflexo até sentir algo molhado cair sobre suas costas. Havia começado a escorrer sangue pelas paredes e teto. Muito sangue. A jovem tentou fugir, mas fora carregada pelo líquido que inundou a sala. 
Mas não foi por muito tempo. Foi deixada na atmosfera mais sombria. Teve que acender a lanterna novamente. Suas roupas agora encharcadas e manchadas com um cheiro de ferro por todo seu ser. Ela correu a lanterna pelo local. Ainda era o corredor, porém estava bizarro, havia manchas negras pelas paredes, as quais Chery não soube dizer o que era.

E então uma carta apareceu pregada a uma foto de uma garotinha de cabelos pretos que quase cobriam o seu rosto. Por algum motivo era familiar para ela.
       

       Cheguei ao inferno. Nessa droga de casa dentro dessa porcaria de cidade. Aqueles velhos asquerosos ficam fazendo aqueles sorrisos ridículos para nós três. Só queria ir embora dessa merda.
        
Sem assinaturas, Chery assumiu que era da terceira garota. Atrás da folha havia um sorriso desenhado com sangue escorrido. Os lábios da jovem retraíram-se e ela largou a folha no chão. Aquilo se tornava ainda mais bizarro porque fora escrito por uma criança.

Seus tênis, agora sujos pelo sangue, encaminharam-na para mais um pedaço de papel, este estava rasgado.
         
          Sinto que minha cabeça vai explodir a qualquer momento se eles continuarem vivos.

       E tem aquelas duas. Uma delas é uma demente que pensa ter quatro anos e a outra se preocupa mais em dar para todos os garotos que aparecem.

Algo naqueles papéis e em todo corredor deixava Chery mais tensa do que estivera antes. Era sombrio. Era macabro. Muito mais do que no resto da casa. No verso daquela carta tinha outra foto da menina. Os olhos dela pareciam penetrar na alma da jovem e torcê-la até que sangrasse. Tomada pela sensação ruim, Chery a largou e seguiu em frente com as mãos voltando a tremer.

— A verdade está na luz. – Uma voz sussurrou oculta nas trevas – Está na luz.

Abruptamente, Chery jogou-se contra a parede e apontou a lanterna para todos os cantos. Percebeu uma movimentação mais a frente e a sala mergulhou na escuridão total.

Uma terrível sensação, descrita na carta lida mais cedo de Dana, tomou conta da jovem. Era como se a morte fosse iminente. Mas de repente ela lembrou-se de algo, algo que fora proferido mais cedo pela escritora da carta.

“Não acredite na luz”

E foi nesse momento que algo pareceu acender-se no final do corredor. Era como se fosse um farolete cuja iluminação era bem forte.

Entretanto tinha alguém.

Alguém na frente da luz.

Uma menininha.

Sua silhueta estava enegrecida graças ao ofuscante brilho, mas dava para perceber que sua mão estava estendida.

— Você não quer saber da verdade? – Perguntou em um sussurro. E a garota apareceu diante de si.

A luz ainda estava acesa. Os olhos aflitos de Chery encheram-se de lágrimas quando percebeu que seus braços estavam amarrados atrás de suas costas. As mãos gélidas da garota encostaram-se suavemente no rosto trêmulo dela. Subitamente seus olhos foram forçados a se abrir enquanto a língua negra da garota começou a se aproximar de um deles.

O desespero dominou o corpo de Chery e ele apossou-se ainda mais quando ela notou que estava imóvel. A asquerosa língua enfiou-se embaixo de seu olho e começou a penetrá-lo lentamente. A dor era óbvia, a luta para mover-se era violenta.

Precisava se mover. A língua começava forçar o olho para fora.

Acumulando cada vez mais o desespero, conseguiu soltar-se das cordas e desferir um golpe na menina que não estava mais lá. Não era mais o corredor. Agora ela estava em algum outro local sem a forte iluminação do farolete.

Porém a lanterna estava novamente em sua mão. Tentou ligá-la. Estava com mau contato. Chery começou a dar leves tapas nela para tentar fazê-la funcionar. Depois de várias tentativas ela piscou levemente exibindo um chão de madeira, ainda estava na casa. Quatro piscadas depois ela finalmente acendeu.

Um velho estava diante de si. Seus olhos estavam enegrecidos pela escuridão daquela casa. Pareciam sugar pouco a pouco o mínimo de sanidade que ainda existia em Chery. Ainda sem saber em que local estava, resolveu correr, fugir dele, não queria mais aquilo.

Entretanto, antes que pudesse dar seu primeiro passo, o velho agarrou a mão trêmula da jovem. Ela tentou soltar-se com toda a força. Usou tudo de si. A mão do idoso simplesmente não se soltava dela, parecia fixa.

De repente a sala da casa estava de volta, mas agora era diferente, estava tudo claro. Sobre o sofá o senhor cochilava, o típico cochilo depois do almoço. Na cozinha a já conhecida senhora preparava um almoço que exalava um perfume delicioso, fazia a boca de Chery salivar.

— Não, não precisa se preocupar. Não, cara, cala essa sua boca, velho!

Uma bela garota entrou na sala escovando seus longos cabelos castanhos enquanto conversava com alguém no telefone. O tom de sua voz era muito alto, acabou acordando o idoso que dormia tranquilamente sobre o sofá. Sua expressão não era das melhores, na verdade, a expressão dele era de uma pessoa cansada da vida. Uma pessoa que desistiu faz tempo.

— Dana, minha querida, você poderia falar um pouco mais baixo? – Pediu com o sono impregnado na voz – Você sabe, eu logo vou trabalhar.

— Malz aê, vô!

E voltou para o corredor. Chery atreveu-se a segui-la, estava curiosa. Como esperado o quarto no qual ela entrara foi o segundo da direita, onde havia o beliche e a cama de solteiro. Dentro dele uma garotinha com cabelos negros lia um livro silenciosamente enquanto uma loira brincava com um leãozinho de pelúcia no chão.

Era Luana e a garota cujo nome ainda não era do conhecimento de Chery. Dana subiu no beliche facilmente, era óbvio que ela já deveria ter feito isso tantas vezes antes que pegou prática.

— Shopping, cara? E por acaso tem shopping nessa cidade, tá maluco? – Seu tom de voz era realmente alto demais, e isso parecia ter irritado a menina que lia na parte de baixo do beliche.

— Porra, Dana! Ninguém aqui é surdo! - Exclamou virando uma página.

— Não enche Gaby! – Rebateu a morena acomodando-se no beliche.

Gaby. Este era o nome dela. E ela parecia profundamente irritada.

E então tudo sumiu. Uma escuridão cercou mais uma vez Chery. Uma escuridão que pouco a pouco foi esvaindo e revelando o quarto novamente, mas dessa vez apenas duas das garotas estavam ali. Gaby e Luana.

— Você entendeu? Se continuar agindo assim seu pai e sua mãe não irão querer mais que você viva com eles. – A de cabelos pretos disse. Ela segurava uma corda em suas mãos.

— O-O que eu posso fazer? Eu... Eu não quero ser um problema! – A voz da loira estava entrecortada graças aos soluços.

Gaby entregou-a a corda.

— Não se preocupe, Lua. Isto é o remédio, você só precisa amarrá-lo em um lugar muito alto e com a ponta que sobrar amarrar seu pescoço.

Luana abraçou a criança com força e murmurou contra o pescoço nu desta um “obrigada” abafado pelo choro.

A escuridão retornou, dessa vez deixando Chery na sala mais uma vez. Desta vez era Gaby e Dana que retocava sua maquiagem com a ajuda de um espelho de bolso.

— Vai sair? – Perguntou Gaby. Ela não estava com um livro desta vez, apenas sentava sobre o sofá encarando a morena que fazia um biquinho para ver se o batom estava bem colocado.

— Vou, marquei com a galera hoje naquele bar perto da praia, sabe? – Fechou o espelho e jogou-o na bolsa.

— Ah... Sim.

Mais uma vez. Chery estava entendendo. Estava juntando tudo quando foi deixada no local citado pela garota. Mas ao seu lado, Gaby. Esta estava oculta em uma moita, espreitando. Logo a outra saiu, seus cabelos estavam bagunçados e ela parecia cansada.

Uma arma foi erguida.

E disparada. Por Gaby.

O corpo morto de Dana tombou no chão e fora logo cercado pelo seu próprio sangue.

Mas alguém tinha a seguido até ali. Certo senhor que havia brigado com a esposa mais cedo naquele dia e prometera nunca mais voltar à casa laranja. Ele abordou a garota quando ela atravessava uma sombria ruazinha como atalho.

O sermão, o sermão que entrava pela orelha direita da garota e saia pela esquerda. E a arma fora disparada mais uma vez, agora na cabeça do idoso.

Por que nunca encontraram seu corpo? Porque foi enterrado no meio da densa floresta que existia naquela cidade. Ninguém sentira falta dele. Ninguém.

Agora na casa apenas tinham Gaby e a senhora, que dormia passivamente em sua cama de casal. O quarto do pecado.

Com uma faca de cortar carne a idosa foi simplesmente estripada bem ali.

Você não se lembra... Chery?

A jovem voltara a casa. Agora se encontrava sentada no sofá. Um som. Um som de crepitação. A casa queimava em sua volta, espedaçava-se. Nas magras mãos da garota encontrava-se uma faca ensanguentada.

A faca.

Chery Strabitz. Um nome colocado após a garota ter uma amnésia e esquecer-se de absolutamente tudo em seus sete anos de idade. Seu nome real? Gaby. Gaby Virgleon. Uma garota órfã deixada com seus avós após um suposto “acidente” onde seus pais faleceram. Após a carnificina ocorrida na casa, fora recolhida e tratada. Como era bonita não demorou para que fosse adotada.

E assim viveu. Até hoje. Até aquele momento. Seus olhos que refletiam o fogo ao seu redor encaravam a faca. Aquela faca que arrancou os órgãos de uma senhora que dormiu pela última vez há dez anos. Tempo suficiente para que a cidade fosse abandonada pelo bicho homem e acolhida pela densa floresta. 

Ela havia feito Luana caminhar para o suicídio.

Ela havia assassinado Dana. Assassinado seu avô.

Desmembrou sua avó e arrancou a pele das pobres cadelinhas que acompanhavam o casal na casa.

E assim foi feito o último sacrifício. As mãos pálidas giraram a faca para que a lâmina apontasse para seu pescoço.

E enterraram-na lá.

Seu corpo tombou no sofá e fora dominado aos poucos pelas chamas. Chamas que estavam ali para julgá-la por tudo que havia feito antes.


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Notas finais do capítulo

E esse foi o resultado de uma raiva exorbitante misturada com a casa dos meus avós <.<
Quando escrevi essa one não planejava postar ou nada do tipo, mas quando li achei que havia ficado interessante, então me agradaria bastante se você dissesse o que achou do que leu em um simples comentário ♥ (Simples mesmo, pode até ser um "legal" que vai me deixar bem feliz)
Um ótimo dia para você, nos vemos numa próxima. Quem sabe? c:



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