O CAMALEÃO SIDERADO escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 15
Capítulo 15




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Grossas gotas caiam no para-brisas rachado em diversos pontos enquanto o limpador lutava para espanar um pouco da água torrencial que despencava. Selma sugeriu que parassem um pouco no acostamento, contrariando Franco, que queria continuar a despeito da garrafa de aguardente já está quase no fim e os seus efeitos serem sentidos na falta de reflexo do velho que vinha ziguezagueando na estrada fazia tempo. Por sorte ali não passava ninguém.

— Vamos, pare esse caminhão agora! – Gritou Diolindo ao ver o veículo chegar perto demais de uma ribanceira no lado oposto da pista esburacada.

O velho que parecia acordar de um cochilo, obedeceu com dificuldade levando o Mack 1951 a parar meio enviesado.

— Pronto, e agora? – Perguntou com a lerdeza típica dos ébrios.

— Agora você vai pro carro lá atrás – Ordenou Selma sem chance de protestos – Assim que estiar eu dirijo daqui pra frente.

Olhou pra cara do filho e viu que era voto vencido. Abriu a porta, mas não saiu da cabine antes de dar uma puxada na corda da buzina que ecoou na escuridão como as trombetas do inferno anunciando a chegada do seu mandatário.

— Pronto, matei a vontade, tchau.

Selma baixou a plataforma conforme tinha visto o velho fazer e o viu trôpego conseguir alcançar o seu carro depois da terceira tentativa. Depois que teve certeza de ver Franco esparramado no banco de trás, deu a partida no bichão e foi soltando a embreagem lentamente. Depois do primeiros solavancos ela foi se acostumando a maneira rude de pilotar que lhe era exigida, bem como com as dimensões extras na largura e comprimento. Diolindo a olhava com admiração e teve certeza de nunca mais poder ficar longe de suas mulheres.

— Belezura, é isso que você é – Enfeitava as palavras o ex-padre fazendo um esforço para disfarçar seus gesto que com certeza estavam sendo vigiados pelos dois. Era algo que lhe subia ao juízo de vez em vez e ele não tinha para onde correr. Uma febre que lhe tomava o corpo fazendo-o entrar em transe, que só passava depois que consumia os seus desejos. E o desejo do momento era comer a loura do seu lado. Pousou sua mão na perna esquerda da boneca e lhe foi subindo as anáguas do vestido branco até visualizar suas pernas alvas e macias. Era como uma de verdade com a vantagem de não reclamar de porra nenhuma!

Divagava enquanto discretamente lhe abria as pernas. A chuva embaçara os vidros e agora ela seria dele. Deitou-a no banco e afastou seus pés revelando o tufo de pelos dourados. Com os dedos tocou-a com intimidade e começou a explorá-la por dentro. Ela era perfeita. Teve vontade de bater palmas, de fazer uma oração ao homem que inventou aquilo, mas o que ele fez mesmo foi penetrá-la com os dedos, enquanto com a outra mão tentava encontrar o seu pênis debaixo de tantas camadas de pano molhado. Penetrava os seus dedos cada vez mais fundo e de vez em quando olhava o rosto inanimado de Desirée na vã esperança de ver os seus olhos revirarem. Quando o velho começou a arfar, ainda sem uma ereção que pudesse ser chamada como tal, algo lhe espetou o dedo indicador e ele teve medo da boneca ter uma vagina dentata, como nos filmes pornográficos japoneses que assistia atrás da sacristia depois das missas.

Puxou o dedo de uma só vez e viu algo preso dentro da sua unha imunda. Ainda sob o efeito dos eflúvios alcoólicos, aproximou o dedo do rosto, cheirou-o imaginando algo que lhe surpreendesse, mas o aroma era de látex. Com a unha do polegar da outra mão, desincrustou o objeto. Sabia do que se tratava. Era o que estava buscando fazia tempo. Seu filho se achava esperto. – Esse tesouro é meu baby! Passou muito tempo namorando a pedra e não notou que o caminhão havia parado fazia tempo. Assustou-se com um baque surdo vindo do porta malas do carro e por instinto colocou a pedra na boca. Quando a porta do seu lado se abriu e viu a cara do filho, engoliu a pedra de susto. Agora é que ele tava fodido mesmo. Teria que comer alguma coisa pra fazer o intestino trabalhar. Mas só conseguia lembrar que por culpa de comer hóstias por tantos anos se tornaram um homem ressecado. Pediria um laxante a Selma e misturaria com qualquer coisa alcoólica ao seu alcance. Até enxaguante bucal já serviria.

— Vamos, saia daí! Já chegamos e precisamos nos abrigar da chuva e levar a coisa que tá no porta malas pra dentro antes que morra asfixiado – Gritava Diolindo todo ensopado.

Selma abrira a porteira do sítio com a chave que seu pai lhe dera. O capataz estava de folga até domingo por conta do carnaval. Abrigaria todos no estábulo onde havia os quartos dos antigos tratadores quando o seu cunhado ainda criava cavalos. Lá haveria um mínimo de conforto até encontrar a sua irmã.

— Minha boa mulata, será que seria abusar muito da hospitalidade da sua irmã se eu pedisse alguma coisa pra salgar o beiço?

— Você? Com fome? – Questionou a mulher olhando pra cara de Dioloindo, que ficara ali tentando imaginar qual seria a intenção de tamanho disparate. O velho só beliscava o que lhe era dado pra comer e enjeitava tudo por um copo.

— Vou ver o que consigo pra todos nós – Disse, enquanto Diolindo lembrava do filhote de lampião que ficara no porta malas do carro e se dirigia pra saída do estábulo.

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— Sr. Almeida, Diolindo já apareceu por aqui hoje, o filho da falecida Dona Dirce?

— Ainda não. Apareceu ontem de manhã quando você tava por aqui – Respondeu o senhor de longos bigodes brancos e um lápis pousado perfeitamente na sua orelha direita.

— Preciso muito falar com ele. Conversei hoje com a mãe da garota desaparecida e ela me contou uma história e tanto a respeito dele e da filha. A menina lhe fez algumas revelações antes de sumir sobre o seu cachorro desaparecido. Ela não deu ouvidos a filha na hora, afinal com onze crianças pra dar conta! Mas com o seu sumiço ela nos procurou lá na delegacia e me confidenciou coisas que me custa acreditar.

— Não me diga que Lindinho abusou da pobre?

— Não, mas temo que tenha ocorrido algo pior. Infelizmente não posso falar mais nada para não prejudicar as investigações. Você sabe onde Diolindo mora?

— Claro que sei. Minha falecida esposa ia muito lá na tentativa de convencer do Dona Dirce lhe costurar umas peças de roupa. Em vão. A mulher era estranha demais. Aliás, o filho saiu a ela. Mas lembro que era muito mais alegre na infância, bem diferente do que se tornou depois que a velha adoeceu. Anote aí como fazer pra chegar lá.

E o Detetive Fredson anotou direitinho. Iria fazer uma visita ao homem que, segundo a mãe de Felícia, havia profanado a cova de sua mãe para enterrar um animal junto ao seu corpo. E depois o fez outra vez para satisfazer a curiosidade da menina. O homem teria muito a lhe explicar, mas teria que ter paciência, pois conforme a sua falecida avó, ele não batia muito bem da cabeça. Acendeu um cigarro, abriu o guarda chuvas, e saiu do bar pensando em como convenceria o delegado a convencer o juiz a emitir alguns mandados.

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O filhote de lampião esperneava mais que um leitão que sabia que ia ser assado. No entanto, apesar de magro, Diolindo o dominou com facilidade e saiu arrastando-o pela corda que lhe prendia os pés até o estábulo. Lá dentro, Selma forrava uma mesa com ar preocupado, enquanto esquentava algo nas panelas em um fogãozinho de duas bocas em cima de uma bancada de cimento, próximo dos dois quartos que havia no lugar.

— Como foi a conversa com a sua irmã? Perguntou enquanto largava o homem no chão, que apenas podia escutar, já que os seus olhos estavam vendados para que não soubesse onde estavam e, amordaçado para não falar bobagens das quais podia se arrepender depois.

— Não houve conversa, ela não está. Minha sobrinha teve uma convulsão e ela foi pro hospital da cidade já que não confia no posto de saúde daqui. Me deixou um bilhete dizendo que talvez tenha que ficar por lá até amanhã à noite quando o seu marido chega e pode trazê-la de carro com o bebê. Temos uma prima lá perto que está lhe dando assistência. Estamos sozinhos na propriedade.

— Cadê Franco? – Indagou dando uma busca no local.

— No banheiro desde a hora que chegamos.

— O que vamos fazer com esse sujeito?

— Amanhã vamos levar os pneus no borracheiro e na volta colocamos ele na boleia daquela velharia lá no entroncamento. Seu pai....quero dizer.....Franco, vai dirigindo e eu vou atrás para trazê-lo de volta. Ele não vai saber nunca onde nos encontrar.

— E Desirée?

— Deixei-a deitada na cama do primeiro quarto. Há três camas de solteiro. Juntei todas elas, você se importa?

— Fez bem. Quero ficar perto de vocês – Se aproximaram e um beijo apaixonado foi inevitável, apenas interrompido por um ribombar de flatulência vindo do banheiro do segundo quarto.

Riram-se e continuaram a se acariciar com os lábios.

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TOC, TOC, TOC.

Fredson já sabia que não havia ninguém em casa, mas mesmo assim tentou mais uma vez. Uma janela da casa vizinha se abriu.

— Tão aí não moço. Saíram cedo. – Disse um rapaz de pouco mais de doze anos que nascera ali naquela casa mas nunca conheceu de fato os seus vizinhos.

— Saíram? Quem?

— O homem de nome Diolindo, uma moça negra, um velho vestido de padre e uma moça vestida de noiva. Mas acho que ela tava desmaiada, pois o moço Diolindo estava carregando ela pra dentro de um carro.

— Você sabe que carro era?

— Sei não.Num sei essas coisa não. Mas era preto e tinha quatro portas.

O detetive começou a tomar notas rapidamente tentando imaginar que diabos estava acontecendo. A descrição do carro e da mulata batia, mas um homem vestido de padre e uma mulher de noiva? Não fazia sentido. Ou será que fazia?

Voltou pra sua casa nos limites da comunidade, pegou o seu carro e saiu pra delegacia, mesmo sabendo que estava de folga.

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O velho se fartava à mesa como se o mundo fosse acabar pontualmente dali a cinco minutos. A feijoada da irmã de Selma era famosa já nos tempos em que ela fazia o almoço do bar do seu pai nos fins de semana, e com o tempo, pelo visto, só havia melhorado seus dotes. Diolindo estava boquiaberto com a voracidade com que o seu pai limpava o segundo prato. O que tinha dado na cabeça do velho? Ele próprio tinha dito que sua comida era pinga. Bebia até com farinha. Ficou na dúvida sobre qual farinha ele se referia.

Levantou e foi dar de comer a Godô que implorava aos gritos para que alguém, colocasse algo daquilo que tava cheirando na sua boca. Aquela altura Gemima já devia ter devorado o tatu. Afinal sua gorduchinha tinha dois grandes apetites. Um por comida e outro por sexo. Ficou preocupado com o segundo apetite, já que nas noites em que tinha que fazer vigília na plantação ela se ocupara sempre com um pepino. Mas vai que não tivesse salada hoje em casa? Quando lhe tiraram a mordaça usou a boca pra comer. Deixaria pra perguntar depois, já que tinham dito que o deixariam no entroncamento no dia seguinte.

Depois de meia dúzia de arrotos que nocauteariam um pugilista experiente, o velho pegou uma garrafa de Aperol e misturou uma dose generosa dentro de um copo cheio de leite de magnésia trazidos por Selma do casarão. Tomou de um só fôlego. Levantou e foi andando pro banheiro novamente esperando que o seu tesouro lhe saísse pelo rabo como uma galinha que põe ovos de ouro. Lembrando que não poderia usar o vaso sob pena de perder a pedra de vez, catou uma bacia de bom tamanho que estava embaixo da pia da lavanderia e se encaminhou com o resto que sobrara da bebida sofisticada já sentindo as primeiras contrações no seu intestino.


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