Nossa passada pelo resto de Utah foi rápida, assim como por Nevada.

A cada minuto ficávamos mais próximos da Califórnia, mais o nosso silêncio aumentava, mais meu coração disparava e mais debilitados ficávamos.

Apesar das paradas em alguns lugares confortáveis, atravessar o país por um pouco mais de uma semana era desgastante.

Por isso cada um respeitava o momento de silêncio do outro. Revezávamos o volante com cada vez mais frequência.

Harry continuava carinhoso e eu continuava confusa.

Tom me mandava mensagens e chegava até a me ligar dizendo que estava ansioso para minha chegada.

Eu também.

Esse acontecimento era muito mais do que uma simples chegada. Era ali que eu resolveria todos os meus sentimentos, ou pelo menos, era assim que eu esperava que fosse.

Meu e-mail tinha um lembrete da editora que gostaria de ter uma conversa comigo, me lembrando que em três dias nós tínhamos uma "reunião" marcada.

Isso também estava me deixando ansiosa.

Eu e Harry conversávamos levemente sobre tudo que não havíamos conversado ainda durante a viagem quando ele me perguntou:

"Por que Scarlet? Digo, por que o nome da kombi é Scarlet?" eu ri de sua pergunta.

"Tem dois motivos na verdade. O primeiro era que Scarlet originalmente era vermelha, de um vermelho escarlate. E então depois que pintamos ela não fazia mais sentido o nome, mas minha mãe quis mantê-lo, alegando que não seria Scarlet por causa da cor e sim por causa da Scarlet O'Hara de 'E O Vento Levou'.

Ele riu.

"Então é apenas uma homenagem à alguma personagem de filme antigo? Achei que era o nome da irmã que você poderia ter desejado." eu sorri

"Não, não. Esse era o nosso filme favorito. Era longo mais tinha certeza que todo mês assistíamos pelo uma vez."

"Essas coisas marcam, não é? Eu tinha uma música que eu sempre tocava com o meu pai. Apesar de ele não ter morrido é como se estivesse morto para mim. A parte que eu gostava dele está, pelo menos.

"Acho que é pior não é? Digo, ter a pessoa ali, mas de certa forma tê-la perdido."eu disse acariciando seus ombros.

"Não pense que estou comparando sua dor a minha. Não sei o que eu faria se minha mãe não estivesse aqui. Não sei como eu me sentiria, mas é ruim. Ruim descobrir que a pessoa que você achava que era uma coisa é outra completamente diferente."Harry olhou rapidamente para mim.

"Imagina que você passou anos da sua vida amando uma pessoa que na verdade era outra."

Não gostava nem de imaginar isso. Deve ser uma experiência horrível.

Harry limpou a garganta.

"Ansiosa para chegarmos  em Lakeport?" mudou de assunto, mas esse não era mais leve do que o anterior.

"Sim. Quero ver Alice e rever a minha escola. Minha antiga casa..."

"E o Thomas." Harry disse normalmente e eu o olhei buscando algum ressentimento.

"É... e o Thomas." desviei o olhar tentando me concentrar na música que tocava na rádio.

"Não precisa fingir como se ele não existisse quando eu estou perto. Eu sei que ele ainda é seu namorado, mas –não quero te fazer pressão– você sabe que mais cedo ou mais tarde vai ter que deixar um dos dois." Sua voz era contida mas seu olhar era...arrependido?

"Harry..." comecei mas ele me interrompeu.

"Não, Aster, não fale desse jeito. Eu estou jogando sujo" ele apertava o volante com força. "Thomas nem está aqui para você realmente definir seus sentimentos por mim e por ele. É injusto."

"Harry."

"As, eu só estou me torturando, vivendo uma mentira, ilusão. Estou aqui com você fingindo que somos apenas você e eu, mas tem outra pessoa nessa história. Outra pessoa que viveu com você todo esse tempo, que conquistou você durante esse tempo apenas para eu aparecer e entrar no caminho de vocês." ele parecia desapontado consigo mesmo.

O frio na barriga era o mesmo que eu havia sentindo naquele sonho ridículo em que Thomas me traía e eu tinha que escolher entre ele e Harry num piscar de olhos.

O sonho não chegou até o fim para descobrir quem o meu inconsciente escolheria.

"Harry, me escuta. Você não entrou no caminho de ninguém inconvenientemente. Não como você tivesse me forçado a ter sentimentos por você...Amor é uma escolha." ele me encarou o tempo necessário para quem estava dirigindo e queria deixar claro que me encarava.

"O que foi agora?" perguntei e vi seu sorriso tímido chegando a lateral do seu rosto.

"Você me ama? Tipo..."ele lançou um olhar incrédulo para mim.

"Olha, Harry, eu não sei você, mas eu não sou o tipo que sai beijando o primeiro que aparece por pura carência. E o que tem demais? Não é como isso fosse mudar alguma coisa importante no mundo." eu acariciei seu braço descoberto. "Você precisa que eu diga? Okay. Eu te amo, Harry Styles. Mesmo se isso não for a lugar algum, eu te amo. "

"Aster, não. Eu só estou me torturando. Tendo você, recebendo seu amor quando tudo isso pode acabar daqui a menos de um dia. Quando você olhar para ele e ver que ele é o que você sempre quis não eu. E eu vou passar o resto dos meus dias imaginando como teria sido, se eu tivesse te encontrado em outras circunstâncias."

"Mas o que aconteceu com você? Estava tudo bem conosco ontem à noite." minha voz dava uns deslizes agudos que mostravam que eu estava ficando com raiva.

Harry parou no acostamento e se virou para mim.

"Eu te amo, Aster. Te amo mais do que você imagina. E é por causa desse amor que eu passei a noite acordado tomando essa decisão. Por você. Por nós." seu tom de voz não era um bom presságio.

"Harry," peguei seu rosto entre minhas mãos. "Olha, para mim. Que diabos de decisão é essa?"

Ele fechou os olhos apertados, pegou minhas mãos calmamente e envolveu com as suas tirando-as do seu rosto.

"Acabou, As." ele evitava olhar nos meus olhos.

"O-o quê?" minha visão estava ficando embaçada pois meus olhos estavam prestes a abrir uma represa.

Ele suspirou fundo:

"Acabou, Aster. Qualquer coisa que poderíamos estar tendo, acabou."

"Você está de brincadeira." eu ri sem humor. "Você acabou de dizer que me ama. Isso... é uma pegadinha. Você não me usaria desse jeito."

Ele abaixou o olhar e quando me fitou novamente seus olhos estavam sombrios.

"Eu não te usei, por Deus." sua voz vacilou. "Só tomei uma decisão."

"Uma decisão que não era exclusivamente sua! Você parou para pensar que não é só o seu coração que está envolvido nisso?" eu estava praticamente gritando, nossas mãos ainda estavam unidas.

"Aster, eu..." ele parou de falar no meio da frase e eu fiquei olhando para os carros passando lá fora até me virar para ele:

"Tudo isso é medo, Harry? Essa é a coisa sobre você?" minha voz foi para o tom complacente tentando achar uma saída para aquilo. "Você tem medo que eu descubra que sua vida não foi boa o suficiente, que ela te quebrou e você acha que não pode ser consertado, é isso?"

Ele engoliu a seco:

"Aster, escuta. Talvez tenha um pouco de verdade no que você disse, talvez eu esteja com medo, porém, talvez tenhamos sido precipitados." soltei  um riso irônico e puxei minhas mãos da suas, cruzando os braços em frente ao peito.

"Precipitados? Como poderíamos ter sido precipitados?" Harry largou o corpo no assento, mas ainda me olhava.

"Olha, você estava sem seu namorado há alguns meses, estava carente. Eu estava completamente perdido tentando tirar alguém da minha cabeça..." eu o interrompi não acreditando em suas palavras.

"Então eu era apenas um prêmio de consolação para você? Para te ajudar a esquecer essa garota que te esqueceu? E aquela história de que o que você sentia por ela, não se comparava ao que você sentia por mim? Era mentira?"

Não consegui mais me segurar. Soluços irrompiam da minha garganta e eu me virei para o outro lado.

"Aster," ele tocou meu ombro. "Eu nunca te usaria de prêmio de consolação, sabe disso. Sabe também que você está complicando as coisas. Estávamos carentes, no auge dos nossos hormônios presos numa viagem de um lado a outro do país." eu livrei meu ombro do seu toque

"Você quer me dizer que foi tudo apenas atração? Hormônios? Tudo bem, minta para si mesmo, mas eu cansei de mentir sobre o que eu sinto."

Segundos depois, a mão de Harry espalmou o painel da Scarlett com força, me fazendo pular no assento.

"Então me diga, Aster. Me diga que ao chegar na Califórnia você com certeza escolheria ficar comigo. Me diga! Diga que o que você sente por mim é maior do que o que você sente por mim." eu fiquei em silêncio.

 Ele não poderia me fazer escolher assim. Não agora.

"Viu? Você sabe que não vale a pena arriscar seu namoro de anos por uma..." eu o cortei novamente.

"Uma atração. Um caso isolado. Pode chamar do que você quiser, não vou me importar, só que você poderia ter me dito que o que tínhamos não era sério. Você disse que entendia o porquê de eu precisar de um tempo para pôr meus sentimentos no lugar e escolher." eu abri a porta da kombi.

"Aster, onde você vai?"

Abri a porta lateral e me joguei em um dos bancos da parte de trás da Scarlett.

"Quando você cansar de dirigir, você me avisa e eu troco de lugar com você." minha voz era fraca e eu fazia o máximo de esforço para não engasgar nas palavras.

"Aster, eu..." não terminei de ouvir o que ele dizia, pois meus fones agora tapavam meu ouvido e estavam meus olhos fechados para visualizar a expressão de pena que certamente estava no rosto de Harry.

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