Estávamos parados no meio do nada — pela milésima vez nessa viagem— provavelmente não muito longe da rodovia principal, segundo às instruções que estávamos seguindo.

Se me dissessem antes da viagem que havia tanta área rural deserta nos Estados Unidos, eu provavelmente chamaria essa pessoa de louca, ou teria convencido meu pai a me pagar uma passagem de avião.

Harry conseguiu um número de um mecânico "perto" de nós. Perto, tipo, quase duas horas. Então eu tinha praticamente duas horas grátis de puro tédio.

Estava sentada na grama observando um lago bonitinho a poucos metros de mim.

O dia estava refletindo meu humor: nem ensolarado, nem fechado; nem feliz, nem triste.

Eu ainda sentia pena de Teri depois do que aconteceu naquele galpão. Harry não deveria tratá-la como se ela fosse nada.

"Por que você se importou tanto?"Harry cortou minha reflexão sentando-se ao meu lado.

"Me importei tanto com o quê?" eu perguntei sem olhar para ele.

"Com o modo que tratei a Teri. Não tem vinte e quatro  horas que a conhecemos.

Isso não o impediu de dar uns belos amassos nela. 

Argumentei mentalmente.

Ele brincava com a grama que estava sob nós quando disse:

"A menos que você sabe alguma coisa que eu não saiba" e então olhou para mim.

"O que eu poderia saber? Nem cheguei a conversar com a garota."eu disse na defensiva olhando em seus olhos.

"Não sei." ele deu de ombros "Me diga você."

Eu respirei fundo e voltei a olhar a paisagem. Não entraria nesse jogo idiota.

"Você nos viu juntos." balançou a cabeça afirmando para si mesmo.

Fiquei em silêncio.

"E o que isso muda afinal? Você não deveria tratar ninguém assim. Tendo feito algo com ela ou não."

"Isso muda tudo, porque explica o motivo de você estar me tratando diferente  desde hoje de madrugada." sua cabeça estava baixa  agora, mas eu podia notar um pequeno sorriso em seus lábios e isso me deixou furiosa.

"E o que você quer dizer com isso?" eu cruzei os braços e o encarei.

Ele levantou a cabeça, seus olhos verdes fazendo um convite apelativo para que eu os olhasse com mais atenção, mas naquele momento eu estava com raiva.

"Você está com ciúmes." ele disse simplesmente dando de ombros como se estivesse falando um fato de conhecimento geral do tipo "o céu é azul".

Eu fiquei parada de queixo caído. Apesar de ele ter acertado em cheio, era muito presunçoso de sua parte falar isso na minha cara.

"Eu não estou com ciúmes."

"Está sim." ele afirmou outra vez e eu me levantei rapidamente.

"Você é ridículo. Pois fique sabendo que você não é o centro do universo." eu disse irritada pela falta de capacidade de camuflar meus próprios sentimentos.

Porém,  eu sabia que isso era porque eu nunca tive a necessidade de esconder meus sentimentos, eu sempre fui muito clara comigo mesma e com os outros. O problema era que eu não conseguia ser assim com o Styles e eu não tinha a menor ideia do porquê.

Senti sua mão segurar meu braço.

"Não há nada de errado em sentir ciúmes de alguém." ele disse me olhando nos olhos e por mais que eu tentasse desviar o olhar era impossível.

"O que você pensa que está fazendo?" eu tentei puxar o meu braço, mas esse era mais forte.

"Me diga, Aster, o que há de errado em admitir que sente ciúmes?" ele disse seriamente. "Isso te tornaria fraca? Porque eu não me importaria de me tornar um fraco por admitir que tenho ciúmes de você."

Então veio o silêncio e ele teve um efeito bem pior do que a última coisa dita por Harry.

"Me larga. Você é um egocêntrico!" eu olhávamos um nos olhos do outro quando eu soltei o ar frustrada. "Que diferença vai fazer se eu admitir ou não?"

Ele respirou fundo.

Uma. Duas. Três vezes. Parecia ponderar sobre algo.

Mal deu tempo  de respirar aliviada quando ele finalmente me soltou, pois no segundo seguinte seu braço passou ao redor da minha cintura, me puxando rapidamente para o inevitável choque entre nossos corpos e, enfim, bocas.

Eu fiquei paralisada por alguns segundos, com os olhos arregalados sem acreditar no que estava acontecendo.

Quando eu abri minimamente minha boca para protestar, Harry se aproveitou do deslize e aprofundou o beijo. Só então caiu a ficha. Aquilo era realmente um beijo. Nós estávamos realmente nos beijando. Eu e ele. Aster e Harry. Eu e meu meio-irmão.

E metade de mim não dava a mínima para isso.

Depois da minha outra metade fazer tentativas sem sucesso de estapeá-lo para que eu me soltasse, ela desistiu, eu desisti. Apenas me entreguei completamente para a metade sem juízo, para que ela tomasse o comando.

E aqui vai um segredo: foi a melhor coisa que eu poderia ter feito.

Harry pareceu perceber que eu não tinha mais resistência alguma e então o beijo se tornou muito mais natural do que forçado.

A sua outra mão, que não estava em minha cintura, foi ao meu rosto e o acariciou. A sensação era muito melhor da que eu imaginara que seria em Pittsburgh. Então ela se enfiou entre os meus cabelos. Nossos lábios se moldavam como se fossem feitos uns para os outros. E naquele momento, eu sentia com se eles realmente fossem.

Eu nunca havia sido beijada daquele jeito. Era tão doce, tão frágil e tão viciante. Fazia eu me sentir especial.

Nem nos joguinhos idiotas de verdade ou desafio, nem nas apostas loucas da escola que ninguém sabia, nem mesmo com o Tom  eu havia me sentido daquela forma.

Tom.

Tom! Meu namorado! Eu estava traindo o Thomas. Não, não, não.

Aproveitei que Harry não me prendia mais e o empurrei para longe de mim, ainda que meio a contragosto.

Ele me olhou assustado, fazendo eu me sentir mal e eu podia sentir meus olhos ficando úmidos.

Eu precisava acabar com aquilo antes mesmo de começar.

Um segundo depois, minha mão estava ardendo e suas mãos foram para o lado esquerdo do seu rosto.

"Nunca mais  faça isso." eu disse trêmula.

"Bom...dia." ouvimos uma voz e olhamos ao mesmo tempo para o mecânico que ou tinha acabado de chegar ou tinha assistido de camarote um capítulo daquela dramática novela entre mim e Harry.

Eu não olhei outra vez para a vítima de um dos meus ataques de loucura, apenas corri até a parte dos assentos de trás da kombi, entrei e bati a porta.

Ele não poderia ter feito isso.

Mas você deixou que ele fizesse. Minha mente argumentou.

Meu celular tocou naquele exato momento mostrando o nome de Thomas na tela. Que grande ironia!

Poderia até atender e dizer: "Oi, amor, sabe o que eu acabei de fazer? Adivinha? Te traí com o seu ex-melhor amigo que também é filho da minha madrasta."

Porém, ao invés disso, eu apenas silenciei todas as chamadas seguintes dele e me permiti chorar.

Sim, chorar.

Não prioritariamente por ter traído meu namorado, nem por ter sido beijada a força, mas porque lá no fundo, onde o resquício da  Aster que é super aberta sobre seus sentimentos, me dizia que eu passaria erroneamente um bom tempo revivendo aquele beijo na minha mente e que eu queria que aquele momento se repetisse quantas vezes fosse possível porque revivê-los apenas na minha imaginação não seria o suficiente.

Ironicamente, o beijo nos livros seria a solução de todos os meus problemas.

Com ele eu saberia se sentia realmente algo por um tal sujeito ou não, e então faria algo a respeito.

Para mim, esse "tal" beijo apenas serviu para que eu já confirmasse algo que já estava óbvio, eu gostava do tal sujeito e ponto.

E o pior, no meu caso eu não era uma das protagonistas fortes e cheias de autoconfiança dos livros. Eu era apenas Aster Duchassel e não sabia o que fazer depois de tal acontecimento.

De fato, esse "tal" beijo apenas serviu para me deixar ainda mais confusa.

********************************