Um Conto dos Lobos — Peeira escrita por Viktoras


Capítulo 3
Os Corvos Cerram os Olhos


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá ^^/
Esse capítulo obviamente ficou bem grandinho, por que é o final, mas também acho que não há problema nisso :3
Muitíssimo obrigado pelo retorno deste conto, fico muito agradecido mesmo.
Estou pensando seriamente em fazer uma long deste conto contando a vida do jovem Wesen como um caçador de Peeiras :o mais pra frente aviso vocês sobre isso!
Sem delongas... Vão ler :D



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Depois do ocorrido na floresta todos do vilarejo a beira do bosque negro tomaram o jovem Wesen por louco e assassino cruel por ter matado dez homens a sangue frio. Fora acusado injustamente após acharem os pedaços sangrentos dos caçadores aos pés do vilarejo. Chorava desesperadamente alegando-se inocente, mas as pessoas o viam como um monstro, ignorando completamente sua fala, sem um pouco deliberar. Fora colocado em praça pública sendo apedrejado e ficando alvo de humilhações das famílias enlouquecidas querendo justiça.

Naquele dia chuvoso, as gotas de chuvas caíam tão pesadas em sua face... Todos falavam mal, o humilhavam e o tinham linchado se o senhor da cidade não tomasse a frente para que a devida ordem fosse feita.

Subiu no palanque com as mãos amarradas para trás, sem camisa após quase ser violentado por um filho de outro caçador. Não tinha mais emoções, fala e lágrimas para expressar sua dor, mas o que iria falar já que todos estavam cegos e surdos? Era claro que um garoto de quatorze anos não mataria vários homens fortes, experientes e hábeis caçadores.

— Monstro! — diziam uns. — Assassino! — gritavam outros levantando os garfos de feno e facões.

A cada cinco segundos uma fruta podre atingia sua face com tal veracidade que seu lábio estava mais grosso de seus dedos de tão inchado, sangue escorria no canto esquerdo pingando lento no seu pé. O laço da forca foi passado pelo delgado pescoço do menino que ainda chorava e pedia aos deuses para terem clemência de sua pobre alma. E quando a alavanca fora para ser puxada uma velha senhora saiu de em meio a multidão e interrompeu o errôneo ato.

— As palavras do miúdo não são levianas! Solte-o agora e deixe-o livre.

Uma torrente de palavrões proveniente das esposas desaforadas engoliu a voz da anciã, porém ela continuava calma e certa de suas palavras e foi isso que fez os espectadores ficarem em quietos.

 Dizendo calmamente suas palavras fizeram com que todos acreditassem nela, recordando-os da sétima filha morta pelos lobos na floresta há muitos meses passados. Curandeira de gerações, parteira e senhora das ervas ela estava certa e que uma Peeira tinha tomado a floresta para si e queria vingança pelo dia de sua morte.

— Como sabes disso, velha?

— As árvores contam ao vento que por sua vez sabe de todas as línguas que conta a mim... Hoje os corvos vigiarão mais uma vez uma vítima dela, daquela que quer a floresta para si, guardiã dos lobos e da vingança.

— Solte-o — disse o senhor da cidade que acreditava na anciã. — Deixe-o livre. Eu acredito na senhora.

— Mas fiques tranquilo que eu cuidarei dele e acalmarei seu coração para que esqueça o trauma desta vasta injúria — falou, levando Wesen através da parede de pessoas para sua casa, para o sossego longe daquele ambiente prejudicial.

 

                                                ↣↢

 

Crains agora tinha o seu mais forte guerreiro.

O pequeno Wesen de cinco anos atrás se tornou um robusto homem, de longos cabelos vermelhos encaracolados amarrados para trás presos na ponta por uma tira negra de couro. Seus músculos rígidos o deixaram grande e as veias sobressaíram na pele, os olhos verdes eram atentos como de um felino fazendo com que seus ângulos gélidos da face metessem medo no mais bruto homem das redondezas que se atrevia enfrentá-lo.

Depois daquele dia muitas outras pessoas morreram sob as garras da Peeira. Carcaças podres eram jogadas todo o mês aos pés do vilarejo para mostrar a força daquele mostro que tinha pegado a floresta para si. Quase uma centena de pessoas morreu para que os mais sábios percebessem que Wesen fora injustiçado e as palavras da velha agora morta eram verdadeiras. Chegara o dia em que os lobos vinham a beira da praça para agarrar as crianças dos braços das mães e que outro lobo maior os vigiava de longe, garantindo o sucesso da espreita. A anciã morrera fazia tempo, mas ensinara tudo o que sabia a ele, desde o metal puro para matar as crias da Peeira até ele mesmo a acalmar os lobos e matá-los. Tornou-se um conhecedor do vento, dos animais e da floresta, mesmo que pudesse entrar nela aos cuidados excessivos. Antes mesmo de morrer, quando a noite escurecera rápido e a lua brotou no céu tampada por outra sombra misteriosa, a dona que acolhera Wesen o chamou para o quarto onde deitara-se. Estava debilitada pronta para morrer, seu trabalho árduo sobre essa terra já tinha sido feito.

— Você foi gerado pela Floresta, querido Wesen — disse ela serena, piscando os olhos e o segurando-o com a mão flácida. — A floresta te criou para que cuidasse dela, nos protegesse e entrasse em contato com a pureza que emana de todas as coisas vivas.

— Eu não te entendo...

— Eu lembro que seu irmão te achou na floresta há muitos anos, coberto por uma cortina de musgo. Todos pensaram que você foi abandonado, mas eu tive a certeza que um filho da floresta vivia pleno.

— Mas por que a floresta me... Gerou?

— Para que anos depois você pudesse manter o equilíbrio da vida. A Peeira devia cuidar da floresta, acalmar a fera que reside dentro dos lobos, mas ela faz tudo ao contrário sua vingança está por demais e assim ela mata a floresta aos poucos com o sangue inocente que preenche seu solo.

— Você me ensinou tudo o que sei. Eu posso matá-la... — O peito de Wesen encheu-se de coragem.

— Não, não a mate. Só devolva a ela o equilíbrio. — Após essas palavras a anciã soltou lentamente a mão de Wesen e pereceu fechando os olhos ternamente.

A partir daquele dia Wesen resolveu caçar a criatura vingativa. A fala da anciã não causou tanto impacto como pretendia, entretanto, após isso sua esperança renovou-se e lembrou-se da Peeira falando que seu sangue não era de caçador. Tinha ele o sangue diferente. Ficou dias na forja fazendo pontas para as suas flechas, machados, espadas e floretes com único metal puro que podia matar a cria de uma Peeira, a prata. Embora, fosse forte e destemido sua guardiã dissera que as crias eram mais fortes que qualquer lobo ou qualquer homem existente, e que seu arranhão ou mordida disseminava uma doença que poderia transformar o ferido em uma cria. Sendo gerado pela floresta, de maneira pura, iria sim trazer o tal equilíbrio e deixar o coração calmo novamente.

No outro mês quando a lua estava para se levantar na noite Wesen reuniu os mais corajosos caçadores que haviam restado de Crains na praça pública da vila.

 — Farei uma pequena intervenção na floresta — disse aproximando do poço, envolto de sua capa verde e o arco na mão. — Quero que me sigam apenas os mais corajosos, que saibam que irão morrer. Não garanto sucesso, mas depois do dia de hoje nosso vilarejo, nossas casas e nossas almas serão mais seguras.

Muitos homens recuaram, mas muitos outros resolveram atirar-se a aventura perigosa, aliás, a carnificina. Resolveram partir dali mesmo, as seis da manhã muitíssimo antes que a noite os pegasse e a lua levantasse para presenciar mais mortes. Wesen distribuiu espadas de prata, pó do metal puro e machados. E ele mesmo armou-se de uma aljava carregada, um par de machados cruzados nas costas e seu poderoso florete.

— Se virem uma cria da Peeira, não a deixem arranhar vocês ao menos morder — explicou. — Peguem suas armas de prata e finquem em seus corações malignos. Eles não têm salvação... Já são cadáveres.

— Como saberemos o que é uma cria? — Alguém o interrompeu.

— É um filho da Peeira, uma mistura de homem morto como lobo! Em algumas regiões ele é chamado de loup-garou e em outras regiões lobisomem. Eles vivem quando a lua está cheia voltando a sua forma morta ao amanhecer, a floresta pode estar cheia deles.

Todos da cidade trancaram suas portas e janelas banhado as portas com sangue de carneiro para lhes trazer proteção, as ruas da cidade ficaram vazias e nem o vento ousava passar ali.

A entrada na floresta fora tranquila. Agora o moço sabia por que via os corvos em cima das árvores e escutava os sussurros das árvores, ele fazia parte daquilo tudo, daquela harmonia de vida. Só ele andava a cavalo, sobre um garanhão negro de crina branca e atrás quinze homens marchavam como soldados poderosos indo para a fúria de uma guerra. Ossos podres espalhavam-se pelo chão da floresta estalando a cada passo dos caçadores, crânios e ossos das mãos repletas de musgo e insetos rastejantes. Certos homens faziam ânsia de vômito quando inalavam o cheiro de podridão, realmente a floresta apodrecia juntos dos cadáveres.

— Fiquem todos atrás de mim — disse Wesen desmontando do animal. Logo, já pegou uma de suas flechas e alinhou no arco.

As folhas das árvores caíam. Muitas negras, outras amarelas já tinham muitas árvores nuas com os galhos grossos caindo. A floresta úmida deixava gotas acumularem-se no cabelo encaracolado deixando algumas mechas deitarem sobre sua face, mas ainda tinha uma visão apurada de tudo o que acontecia a sua frente. Bravo. Destemido. Enfim, esperançoso por dias de paz sem terror.

— Vamos fazer a armadilha aqui, é um bom lugar... Bem no meio da floresta.

Wesen foi amarrado num tronco de meio metro, com as mãos para trás dentro de uma gaiola quadrada de pura prata. Ele disse aos homens que só seu sangue poderia trazer paz ao vilarejo. Suas flechas e demais armas foram escondidas sob as folhas mortas do chão ao seu lado e todos os outros homens também, incitados a passar lama e musgo na pele para distrair o cheio dos lobos batedores. Por horas ficou ali, observando e escutando o silêncio que percorria o lar que parecia um eterno outono, a floresta não tinha nem um fio de vida verde. Sua esperança ainda vibrava em seu peito quando um corvo sentou-se no chão de folhas lamentando das almas perdidas nos ossos molhados de sangue. Instantes depois dezenas de outros corvos o fitavam com seus olhos reprovadores sobre os galhos secos. O nome do vento fora sussurrado e também as árvores murmuravam, as mais doentes tinham um único sussurro, enquanto as outras que estavam morrendo gritavam por ajuda.

De súbito, o vento percorreu as folhas do chão e um calafrio abalou seus ossos. A Peeira estava vindo, ele sentia, bem a frente depois de alguns galhos negros onde flores mortas despedaçavam-se com a brisa. A sombra negra de um enorme lobo caminhou em sua direção, lento com sede de sangue nos enormes olhos vermelhos de sangue. Wesen o fitou chegar mais perto e aquela sombra enorme tornou-se a mulher de trajes verdes e longos cabelos de ébano. Questionadora e imponente. Traçando com o olhar a pele no pescoço do moço onde devia cravar seus afiados dentes de lobo.

— Mais um coração cheio de medo para que eu possa deleitar-me com sangue. — Ela disse olhando-o através das frestas da grade. — Um jovem e belo caçador... Ah, que pena, o que fizeste em Crains para que te jogassem aqui? Roubo? Assassinato?

Wesen continuou a fitá-la com olhos vidrados em seu seio de horror, mas em seu coração não havia medo.

— Não há medo vindo de você, mas o medo percorre o ar... Você não está aqui sozinho, está?

— Me mate! — Wesen cuspiu aos seus pés. — Beba meu sangue e atire minhas vísceras aos seus lobos. Não há medo em meu coração, eu não a temo de modo algum!

Em seus lábios maliciosos um sorriso escarnecedor cresceu ávido por carne. Ela não esperava por aquilo. Ao tocar na gaiola seus dedos chiaram e uma fumaça de pura queimadura subiu. Wesen deu um salto para o alto jogando a gaiola para o lado, num movimento rápido pegou seu machado e o girando entre os dedos fincou na cabeça daquela criatura torpe. Sangue pingou no solo como a chuva cai depois da seca. Ela sorriu de novo e algum homem gritou não muito longe dali... O plano havia dado errado, ela sabia desde o começo. Então, uma cria da Peeira surgiu e pulou bem em frente do jovem moço, espancando-o jogando há vários metros de onde estava. Aquilo andava como um homem, mas tinha feições animalescas de lobo.

— Ataquem-na! — Wesen gritou ao se levantar para enfrentar a besta.

Flechas silvaram sobre a mulher vingativa que se tornou sombra novamente. Um uivo lamentoso estremeceu os homens e seus lobos surgiram de todos os lados para a pequena clareira.

— Subam nas árvores! — Gritou Wesen pegando um galho próximo, mas mãos poderosas agarraram-se em torno sua perna arrastando-o para baixo. A cria era surpreendente forte.

Wesen arfou de dor quando sentiu um fio de sua costela quebrar ao chocar violentamente contra o chão. Levantou-se, excitado pela luta. Segurando seu florete rasgou o ar em direção o lobisomem, mas ele esquivou-se habilmente saltando ao seu redor e rosnou expondo seus enormes dentes. Evitar sua mordida  e seu arranhão era prioridade. Os homens que estavam nas árvores atiravam suas flechas nos lobos, os que não conseguiram subir estavam sendo mutilados. No que se parecia, a Peeira tinha apenas uma cria e a força dela estava sendo gradualmente alimentada.

O moço girou o florete de prata, meneou e sacudiu diante a besta, embora, fosse hábil e forte nada se comparava aquilo. Pegando um machado das costas cortou uma de suas mãos. Fora um enorme erro. A cria enfureceu-se, mordendo o pano de sua camisa arremessando-o para o alto, prevendo que quando o moço caísse pudesse atravessá-lo com uma só de suas mãos. Ainda no alto, Wesen retirou o arco das costas e atirou uma flecha em seu peito varando seu coração escuro. Naquele momento a Peeira sentiu a dor de sua cria e caiu ao seu lado, fraca e quase mundana.

Diante de si, os pêlos da cria começaram a cair assimilando a forma de um homem por baixo do emaranho sombrio e podre. O que restava de alguma coisa viva respirou, por alguns últimos segundos e disse palavras quase incompreensíveis ao moço.

Wesen correu e sobre as folhas seu irmão jazia moribundo. Surpresa estampou sua face. Anos antes morto por um dos lobos agora tinha vida. Lágrimas escorreram e seu coração não sabia definir entre saudade e dor. Os lábios do jovem ruivo abriram-se, mas não tinha o que falar naqueles instantes, vê-lo trouxe boas memórias por mesmo que estivesse ali não mais no mundo dos vivos.

— Obrigado, Wesen. — Ouviu dos lábios alheios em um pequeno sorriso

E depois disso uma poeira cinzenta tomou os ossos limpos de seu irmão. Ele agora teria seu descanso, não seria mais uma marionete.

Raiva.

Raiva percorria os olhos de Wesen, ira misturada a vontade de fazer algo que estava em suas mãos. Olhou ao redor enfurecido, os homens já tinham dado conta dos lobos e metade jazia morta e metade olhava sua líder da matilha sem fazer nada, esperando alguma ordem.  Erguendo-se com os punhos fechados avançou contra a Peeira, acertando um forte golpe em sua face. Ela cambaleou para trás, mas firmou-se com uma das mãos no chão. O moço não perdeu tempo pegou o florete e a atacou com diversos cortes em todas as partes de seu corpo, deixando sangue podre espirrar no ar e empestear o vento. Porém os cortes se curaram. Num movimento rápido ela pegou o pescoço de Wesen e o ergueu do solo, apertando sentindo os ossos do pescoço espremerem-se sob a palma de sua mão.

— Você não irá me matar! Eu sou a pura vingança, eu sou imortal! Matarei de norte a sul a quem me negou ajuda!

Wesen perdia o ar sob aquela mão tão forte e tão maciça quanto chumbo, engasgando-se em sua própria saliva e sangue que enchia suas vias nasais.

— Você não é a vingança! — Wesen levantou a mão e colocou seu dedo na testa dela.

Dali em diante sua força esgotou-se. Ele a fez lembrar-se do tempo em que era uma menina, uma jovem pura. Um botão de luz cresceu em sua pele suja e depois sumiu. O moço aproveitou a oportunidade e enterrou o florete de prata no fundo de seu coração, eliminando a treva e vingança que ascendia que deixava sua mente e carne putrefata.  Ele caiu e a Peeira sorriu olhando em seu âmago, agradecendo-o por seu ato nobre desmanchando em seguida em folhas que foram levadas pela brisa. Os lobos agora livres correram para floresta adentro e as almas torturadas ganharam paz, esquecendo-se da feição maligna.

Agora o verde assumia a visão para qualquer lado, a floresta estava viva.  E o vilarejo estava em paz, graças ao jovem Wesen.

E assim os corvos cerraram seus olhos e voaram para longe, pois não queriam mais ver tristeza perpetuada sobre aquela terra. Porém, eles voltariam, pois a jornada do moço que a floresta gerara não terminaria por aqui.


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Notas finais do capítulo

Deixem suas opiniões deste final :D
Eu escrevi com muito carinho e dedicação, e espero que vocês tenham gostado!
Até mais, gente



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