A Garota do Bar escrita por Carla Morgenstern


Capítulo 2
People That You Must Remember


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Mais um capitulo e esse ficou enorme, peço desculpas desde já. Fiz esse capitulo um pouco com sono e espero que gostem mesmo assim.
Coloquei um link nos nomes dos personagens foto de atores que me inspiraram.



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Minha primeira noite em Seattle foi completamente tranquila, não esperava que fosse festiva, mas fiquei feliz por Carina ter me deixado sozinha. O quarto que eu iria ficar tinha uma pequena cômoda e uma cama de casal recém-pintada, dava pra sentir o cheiro da tinta branca ainda, as paredes tinham um tom de creme e as cortinas eram brancas com umas flores vermelhas. Coloquei a mala ao lado da cômoda e sentei na cama avaliando o lugar, havia um porta retrato com uma foto minha, do João e Carina de quando estávamos na faculdade. Senti um nó na garganta, ele sempre uma pessoa boa e feliz, parecia que nunca tinha um dia ruim e isso fazia com que Carina passasse a inferniza-lo sempre.

– Se você não tem um dia ruim, eu serei o seu dia ruim todos os dias João Felipe Correia. – ela dizia e jogava o cabelo preto pra trás.

– Pra que dizer que um dia é ruim se você pode apenas ignorar as coisas ruins? Você faz o seu dia, cabe a cada um levar o que acontece de forma boa ou ruim. Eu prefiro apenas absorver e fingir que foi apenas um acidente. Não existem dias ruins, existem situações que não são agradáveis. – ele dizia sempre isso, despreocupado e feliz.

João era o tipo de cara que uma menina faria de tudo para ter como namorado, mas era uma pena que nenhuma menina fez de tudo para tê-lo como um. A decepção era algo constante na vida de nós três. João dizia que nunca tinha dias ruins até que um dia ruim o pegou, e é por isso que eu estou aqui.

A chuva batia na janela e o quarto estava frio, fui até o banheiro que ficava no corredor e preparei um banho quente. Eu só havia tomado banho de banheira duas ou três vezes e foi em viagens que eu fazia com meus pais, o que fazia muito tempo. O banheiro de Carina tinha um jeito extremamente só dela, me perguntei se ela e João haviam separado a casa no meio e cada decorou seu lado. Uma parede era roxa, o vaso tinha desenhos de borboletas na tampa e a cortina era feita de desenhos dos personagens do Johnny Depp e nesse momento havia um Willy Wonka olhando pra mim.

***

O despertador tocou às sete e meia e parecia que eu não havia dormido nada, olhei pela janela e o sol brigava com as nuvens de chuva lá fora, fiquei deitada olhando o teto por um tempo e pensando no que iria fazer no meu primeiro dia em Seattle. Levantei e fui para o banheiro escovar os dentes e tomar um banho logo, antes que eu ficasse com preguiça, decidi lavar o cabelo e também decidi que iria sair e conhecer a cidade.

Quando desci para a cozinha, Carina estava sentada na mesa tomando café e comendo torradas. O cabelo estava solto e caia pelo ombro parecendo uma cortina escura, ela estava vestida com uma calça jeans e uma blusa básica preta e parecia uma modelo, me senti confortável por ter optado por uma calça jeans e uma blusa cinza de manga comprida.

– Bom dia, Ana. Pensei que fosse dormir mais um pouco. – ela sorriu e pegou uma torrada e levou até a boca.

– Eu coloquei o despertador, achei que fosse precisar de mim pra alguma coisa. – disse indo até o armário pegar uma caneca. O armário era preto, talvez o João tivesse ficado com a cozinha, a geladeira era branca com uns desenhos de câmera fotográfica grafitada.

Ela ficou me olhando colocar o café, pegar a geleia e passar a torrada. Eu sabia que ela queria pedir ou perguntar alguma coisa, era típico dela ficar encarando a você com aqueles olhos verdes esmeralda até sugar toda nossa energia.

– O que você quer? – perguntei ainda com a boca cheia.

Ela pousou a caneca na mesa e abaixou a cabeça.

– Eu vou doar as coisas do João. – ela falou baixo, senti que um peso de dor na sua voz e eu conhecia muito bem aquele tom.

Coloquei minha torrada no prato e segurei a mão dela.

– Você tem certeza?

– Tenho. Eu... Eu e ele estávamos juntos. Iriamos te contar quando noivássemos, eu ia contar ontem, mas deixei você se instalar primeiro. – ela me olhou e olhos estavam marejados. – Ver as coisas dele aqui é muito ruim, é como se ele fosse entrar por aquela porta a qualquer minuto trazendo uma pizza ou comida chinesa e sorrindo. Ele nunca mudou Ana, ele continuou sendo o mesmo sorridente de sempre.

– Eu sinto muito, Cá. – disse tentando conforta-la, mas eu sabia que nenhum aperto de mão aliviaria aquela dor, só o tempo iria tornar as coisas mais suportáveis.

– Eu vou separar as roupas, sapatos e irei levar a uma casa filantrópica perto daqui – ela limpou uma lagrima e sorriu – Ele sempre doava roupas que ele não usava mais pra lá, acho que ele iria gostar que eu fizesse isso.

– Claro que iria e ele te amava, ele era incrível. – disse sorrindo de volta – Vou ajudar você a separar e levar as coisas pra lá.

– Obrigada, agora termina de tomar seu café.

Ajudando Carina a separar as roupas e sapatos do João, percebi que assim como eu, ela agora tinha um lado cinza dentro dela. A dor de perder alguém que amamos era maior que a dor de um corte na mão, era maior que a dor física.

– Ele adorava quando eu cantava essa música enquanto cozinhava. – ela havia colocado musica pra tocar no computador e quando Make You Feel My Love da Adele começou a tocar ela se abraçou em uma blusa dele e começou a chorar. Eu a deixei chorar, não havia nada que eu pudesse fazer para aliviar e apenas chorar iria fazer ela se sentir melhor.

– Você não precisa fazer isso hoje. – falei colocando a mão em sua perna.

– Sabe no dia que me ligaram do hospital, eu havia acabado de fazer um teste de gravidez. Ele saiu animado pra trabalhar quando eu disse que iria fazer o teste, uma hora depois meu telefone tocou. Dá pra acreditar? Um AVC? – ela pegou uma foto dos dois – Os médicos disseram que ele tinha um tumor comprometendo metade do cérebro e foi fatal. Ele nunca se queixou de dor de cabeça ou qualquer outra coisa.

– E o teste? – perguntei.

– Deu negativo. – ela voltou a chorar e então eu a abracei.

– Pelo menos ele decorou a cozinha e a sala. – falei e ela riu.

– Um horror, não é?

– Melhor que ter vários Johnny’s Depp olhando a gente nua. – e ela sorriu. – Cá, não precisa fazer isso agora. Dê um tempo pro seu luto. Olha, eu vou ao mercado e vou fazer uma comida caseira típica brasileira pra você e vamos jantar, beber um vinho e ver seriados na tv.

– Eu estava com saudades. – ela disse e me abraçou.

– Eu também estava.

Carina me explicou onde eu devia ir para comprar a comida, coloquei um gps no celular para ajudar a me guiar, mas ao o sinal estava muito ruim para que a internet móvel pegasse e eu já estava ficando desesperada. Parei no meio da rua para conseguir sinal quando um rapaz esbarra em mim, ele era alto e parecia um adolescente.

– Moça, me desculpe, eu não vi você... – ele começou a falar rápido demais que meu inglês enferrujado emperrou.

– Ah, tudo bem, eu que peço desculpas por parar assim no meio da rua. – falei um pouco atrapalhada. – Eu acho que me perdi na ida pro mercado e meu celular não ta com um sinal muito bom pro gps.

– Entendo. Eu estou indo pra um lugar perto de um mercado, com certeza deve ser o qual você esta procurando já que fica no centro, posso te mostrar como chega. – ele disse ajeitando a mochila no ombro e percebi que ele tinha uma barba bem rala no rosto e talvez não fosse um adolescente indo para a escola. – Eu não vou te sequestrar moça.

Eu devia ta encarando ele com uma expressão bem assustada, mas eu não estava. Olhei envolta e percebi que eu estava completamente perdida.

– Eu nem pensei nisso, mas já que você falou – falei colocando o celular no bolso do casaco.

– Meu nome é Grant – ele esticou a mão para que eu pegasse – Grant Shepherd.

– Ana Costa – retribui o aperto de mão e ele repetiu meu nome.

– Você não é daqui – ele disse confuso – De onde é?

– De um lugar onde as pessoas não ficam se apresentando parados no meio da rua. – respondi e fiz menção para que ele começasse a me guiar na ida ao mercado.

– Claro. Você é latina? Você não parece ser latina.

– Sou brasileira. – respondi dando um sorriso falso no rosto.

– Serio? Sempre quis conhecer o Brasil, dizem que lá é lindo. Você é meio pálida pra ser brasileira. O que te trouxe pra Seattle? – ele andava e mantinha um olho na rua e outro em mim.

– Você sempre faz perguntas para pessoas que acaba de conhecer? – olhei pra ele e ele sorriu, mostrando os dentes.

– Só quando conheço brasileiros e você é a primeira. – ele respondeu.

– Bom, eu cheguei ontem aqui e vim por que meu amigo morreu tem três dias e só soube um dia depois da morte dele. – falei soando triste demais.

– Eu sinto muito. Veio pra ficar?

Dei uma olhada meio dura pra ele, começava achar que ele poderia sim me sequestrar ou me roubar, mas ele não tinha cara de ladrão.

– Vim. Minha amiga era noiva dele e ela precisa de alguém pra ficar com ela. – respondi.

Grant parou de fazer perguntas e continuamos a andar por uns 10 minutos até que finalmente chegamos no mercado e juntamente a chuva também havia começado.

– Aqui é o mercado e eu trabalho ali na frente. – ele apontou para uma loja de carros – Sou estagiário do setor financeiro daquela concessionaria e moro naquela rua que esbarrei em você. Grant Shepherd, o GPS de brasileiras em Seattle.

Senti-me um pouco estupida por pensar que ele era alguém ruim, porém o fato de pensar que ele poderia ser uns cinco anos mais novo que eu me deixava menos à vontade com aquele sorriso dele pra mim.

– Obrigada, Grant Shepherd. – disse e estiquei a mão para ele.

– Disponha, Ana Costa. – ele retribuiu o aperto de mão e atravessou a rua.

Acho que gastei muito tempo para chegar no mercado, muito tempo para comprar as coisas que até liguei para Carina avisando que iria me atrasar e segundo ela, não tinha problemas e pediu que eu comprasse algumas coisas para ela e eu aproveitei para comprar shampoo, sabonete e essas coisas mínimas que são presas em aeroportos.

Tentei não ir muito além das lojas que tinham perto do mercado e da concessionária que Grant Shepherd trabalhava e confesso que queria encontra-lo, não queria correr o risco de me perder novamente.

Entrei em um bar onde não parecia um bar, estava frio e eu precisava de uma bebida quente ou iria congelar no meio do caminho de volta pra casa. Era um lugar aconchegante, parecia o Central Perk do seriado Friends. Sentei no banco e coloquei minhas sacolas no chão e peguei o celular para ligar para Carina novamente, queria avisar que tinha parado em um lugar para beber algo quente e que ela não se preocupasse.

– Oi, o que a senhorita vai querer beber? – um rapaz com uma cara de entediado veio até mim e colocou um pano sobre o ombro e me encarou.

– Vocês tem café? – perguntei olhando aos arredores e voltando olhar para o rapaz.

– Temos apenas um expresso ou duplo expresso. – ele fez um bico e aquilo me irritou.

– Um duplo, por favor. – disse e ele saiu indo pegar meu café.

Olhei em volta meio inquieta e comecei a reparar nas pessoas ao redor, havia gente de todo tipo e um cara loiro me chamou atenção por estar sentado em uma mesa com uma criança de mais ou menos quatro anos e outro menino que parecia ter quatorze. Eles pareciam estar em uma conversa bem importante pra chegar à conclusão no que iriam comer.

– Aqui está seu café, moça. – o rapaz com cara de náusea colocou a xicara no balcão e eu o paguei. Bebi meu café e a curiosidade de olhar para o rapaz com as crianças era grande e então eu ficava olhando os três de minuto em minuto.

Levantei-me, peguei minhas sacolas até uma delas se rasgar e chamar atenção de todo lugar pra mim, o rapaz com náusea me entregou uma sacola e uma moça me ajudou a colocar tudo na sacola. Sai com a cabeça baixa deixando o cabelo cobrir meu rosto que sem duvidas parecia um tomate.

Sai andando as pressas para evitar que as pessoas olhassem pra mim pela janela do bar. Quando passei de frente a concessionária, Grant Shepherd estava saindo de lá e me viu.

– Ana Costa.

– Grant Shepherd. – falei parando e suspirando.

– Você estava me esperando esse tempo todo aqui fora? – ele parecia feliz com aquilo.

– Não, estava numa replica de Central Perk de Friends logo ali e vi que passei o dia todo fazendo vários nada na rua hoje e percebi que tinha um jantar para fazer. – respondi e ele começou a rir.

– Lá é o Rum’s Coffee, é um bar/café/restaurante, muito famoso aqui no centro. Gostou de lá? – ele começou a andar e eu fui o acompanhando.

– É bem legal. Só o barman que parece infeliz com a vida. – respondi.

– Me deixa ajudar com as sacolas. – ele pegou as sacolas que estavam na minha mão direita. – E o barman é o Sam, ele sempre foi daquele jeito.

– Você o conhece?

– Todos conhecem o Sam e o Rum’s Coffee. Antes de se tornar um café, lá era apenas um bar até que o dono vendeu para o tio de Sam que transformou em um lugar para pessoas que não gostam de álcool apreciarem também.

Pensei no cara loiro com as crianças. Durante o percurso, Grant não fez tantas perguntas apenas falou da cidade e me ensinou algumas formas fáceis de sair andando por ai.

– Posso te deixar em casa? As sacolas parecem pesadas. – ele parou no local onde havíamos nos esbarrado mais cedo.

– Se você prometer não fazer o fato de ficar parado no meio da rua um costume, eu deixo você me acompanhar até em casa. – respondi e ele riu.

Andamos até minha nova casa e Grant me entregou as sacolas, perguntei se ele queria entrar e beber agua, mas ele disse que não queria me assustar mais do que havia feito. Grant Shepherd era meu primeiro conhecido americano e morava perto de onde eu morava. Sorri com a ideia de ter um amigo.

Entrei em casa e fui direto colocar as compras na geladeira, logo depois fui avisar Carina que havia chegado e contar que tinha me perdido e uma cara chamado Grant Shepherd havia me ajudado.

– Oi Cá... – fui interrompida ao ver Carina lendo um papel e chorando intensamente, não precisou eu perguntar o que havia acontecido para explicar.

– João hipotecou a casa. Tenho três meses para conseguir cinquenta mil dólares para pagar ou vou pra rua.

E ali eu percebi que João tinha dias ruins e que ele apenas escondia das pessoas e que a decepção era algo que realmente nos acompanhava.


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Notas finais do capítulo

É isso ai, espero que tenham gostado.
To tentando melhor a escrita, mas vai da certo. Obg



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