Sentada na cama, com estilete em mãos, Ashley repetia mentalmente “Mantenha-se forte, mantenha-se forte, mantenha-se forte”. Lembrou-se de todos os motivos que fizeram ela estar com aquela ‘arma’ nas mãos.
- Feia, gorda, chata, ridícula, horrorosa, vadia; órfã – repetiu todas as palavras ouvidas numa vida, como se eles estivessem certos e passou com força o estilete em seu braço. Se cortou. Pela primeira vez, não suportou tudo e... Se cortou.
Desde sempre sofria bullying por ser órfã. Não ligava para aquelas palavras, mas no começo do ano, tudo piorou. Os xingamentos estavam mais frequentes. Estavam piores.
Cortou-se várias vezes no braço esquerdo, e depois de passar o estilete uma vez no direito, jogou-o longe.
- Sua inútil! – gritou para si mesma.
Estava com ódio de si, as lágrimas pareciam não querer parar de cair. Os braços, ainda sangrando, não foram o suficiente para botar para fora toda aquela dor. Ashley ainda dava razão à todas as palavras, literalmente cuspidas, que ouviu durante a vida.
Levantou-se, chegou em frente ao espelho. Se observou. Olhou para seu rosto e se sentiu feia. Olhou para seu corpo e se sentiu gorda. Lembrou-se de suas atitudes e se sentiu chata. Lembrou-se de todas as vezes que disse algo, se sentiu ridícula. Observou seu braço, sentiu-se horrorosa. Percebeu as roupas que usava e se sentiu vadia. Lembrou-se de seu pai, ela era órfã.
Talvez, tudo que ouviu, era apenas a verdade.
Limpou o sangue dos braços e ligou para Adam. Precisava se distrair.
- Eu posso ir aí? – perguntou.
- Claro. Te espero. – o rapaz respondeu.
Vestiu um casaco e tapou os cortes. Não queria que ninguém soubesse. Se esconderia dentro daquele casaco enquanto se sentisse daquela maneira.
Chegou lá, cumprimentou Adam. Os dois eram amigos de infância. Não se separavam por nada. Para Ashley, era bom ter com quem contar.
- Eu vou lá dentro, preparar algo. – ele disse.
- Okay, eu vou ler um livro que trouxe.
Enquanto ele entrou, ela pegou seu livro. Estava com calor. Adam não retornaria tão cedo. Ele gostava de demorar na cozinha. Tirou o casaco e sentiu um alívio. Mas olhar seus braços não era nada agradável.
Lia distraidamente o livro. Adam chegou. Tomando um susto, a garota escondeu seus braços. Não o deixaria saber.
- Ash, o que é isso?
- Não é nada. – respondeu impulsivamente.
- Tem certeza?
As duas palavras fizeram ela chorar. Adam não sabia o que estava acontecendo. Mas odiava vê-la chorando.
- Ei, não chore. Só me conta o que aconteceu – tentou convencê-la.
Ashley não conseguia esconder nada de Adam. Ele era seu confidente. Sabia que podia contar com ele.
Ergueu os braços, ele observou o corte, espantado. Ela chorou.
- Por que você fez isso? – perguntou.
- As palavras, elas machucam.
Ele entendeu tudo e simplesmente a abraçou.
- Não conta para ninguém, Adam. Por favor – implorou.
- Não vou contar. Será mais um segredo. Mas você me promete que não fará mais isso?
- Não posso prometer algo do qual não tenho certeza – Adam suspirou pesado com a resposta – Mas eu vou tentar. Por você. – e, naquele dia, ela deu seu primeiro sorriso.