O Curioso Caso de Daniel Boone escrita por Lola Cricket, Heitor Lobo


Capítulo 13
Holy Grail


Notas iniciais do capítulo

What's up, everyone! (Era pra usar uma interrogação em vez de exclamação? Eu usei o cumprimento do Vitor Liberato nos vídeos que ele faz? É domingo, no Fantástico!)
Voltei, como prometido, duas semanas depois daquele TOMBO chamado "Jar of Hearts". Eu e a Luce presenciamos um aumento incrível nas visualizações - embora a aparição dos leitores em forma de comentários não acompanhe esse aumento - e o episódio passado já é um dos mais vistos da fic toda *O*
Espero que vocês continuem lendo a história e deixando-nos felizes com suas opiniões. Vocês não precisam necessariamente contá-las nas reviews; podem nos procurar nas redes sociais e deixar um simples recado que ficaremos muito gratos pelo que fizemos a vocês, okay? ;)
"Holy Grail" marca uma nova fase em OCDB. Shawn vai aparecer bem mais, levando não só o pobre Daniel como também todos nós à loucura; todos os personagens apresentados antes terão suas relevâncias e vocês serão tombados a cada capítulo que passar! *UI QUE DELÍCIA* O capítulo de hoje segue os eventos de "Brave" e dá um novo rumo ao ship Shawniel. Espero que realmente gostem, e tenham uma ótima leitura!
PS. As músicas virão agora no início do capítulo!



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“Você arranca as roupas do meu corpo e eu deixo. Você rouba a comida de minha boca e eu te vejo comê-la, e eu ainda não sei por que te amo tanto… e você suja meu nome, apesar de me causar vergonha; joga todas as minhas roupas na rua, limpas ou imundas. Mas ainda não sei por que te amo tanto. Você tira o ar de meus pulmões sempre que precisa. Você passa a lâmina direto no meu coração só para poder me ver sangrar. E eu ainda não sei por que te amo tanto. E, querido, é maravilhoso estar nesse labirinto com você. Eu apenas não consigo decifrar seu código, pois em um dia você está gritando que me ama em voz alta e em outro dia você é tão frio. Um dia você está aqui, um dia você está lá. Você é tão injusto…”

— Jay-Z feat. Justin Timberlake, “Holy Grail”

Washington, D.C.

7 de Junho de 2015

314 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

Por mais que eu realmente esteja com um sono dos grandes e meus olhos queiram se fechar para o mundo até amanhã de manhã, algo não me deixa finalmente dormir após uma cansativa viagem de volta num avião com Andrew Boone roncando ao meu lado em todo o tempo e não me deixando relaxar naquela cadeira que pedia por um sétimo sono. Boatos de que Jason Ross é o culpado pelo relaxamento comportamental do meu tio não são descartados nessas horas.

E eu sei que são mais de onze horas da noite e todos na casa já estão dormindo, mas decido me virar para o criado-mudo e pegar meu celular, a fim de visualizar mais uma vez a fatídica coisa que fiz na quinta à noite.

“Não aguento mais ficar calado sobre isso, então vou falar logo: gosto de você. E é bom que ninguém saiba disso.”

Deslizo meu dedo sobre a tela para verificar, pela décima vez, o que Shawn respondera.

“Você é gay?”

Lembro de minha incrédula reação ao ver que ele ainda conseguia ser mais burro que uma porta até mesmo nos momentos mais sérios. Eu quase pedi ao barista outro copo de qualquer bebida que aparecesse porque eu simplesmente não conseguia crer que o Hans não enxergava o óbvio.

Aí você pensa que eu respondi algo do tipo “sim, algum problema?” ou “alô, eu gosto de você, isso não te diz nada?”. Mas não. Eu fiz algo completamente diferente do comum, tão diferente que até mesmo Raven se surpreenderia se eu contasse a ela sobre essa história.

“Essa é uma pergunta para a qual ainda não tenho resposta.”

Desde o momento em que acordei no dia seguinte e me dei conta da merda que enviei, não paro de bater em minha própria cabeça e repetir as palavras “Burro, idiota, filho de uma égua!”, referindo-me a mim mesmo. Por que raios eu tinha que ser tão idiota a ponto de enviar uma resposta enigmática a um cara reprovado duas vezes e claramente privado de dramas mais sérios?

Em outras palavras: por que eu tentei ser inteligente na frente de um estúpido?

Vamos repassar a conversa pra quem não entendeu porra nenhuma.

Mensagem de Daniel Boone

“Não aguento mais ficar calado sobre isso, então vou falar logo: gosto de você. E é bom que ninguém saiba disso.”

Mensagem de Shawn Hans

“Você é gay?”

Mensagem de Daniel Boone

“Essa é uma pergunta para a qual ainda não tenho resposta.”

Fim da conversa. Ele não me respondeu e eu também não respondi de volta porque não havia a mínima necessidade.

Passei o resto daquele feriado prolongado tentando não me preocupar acerca do que diabos Shawn pensou ou fez ao ter recebido aquela declaração minha por mensagem de texto, e não contei nem para meu tio e muito menos para Jason — que por mais que fosse um dos caras mais legais que eu já conheci, eu ainda não me sentia pronto para contar a ele uma dessas bombas da minha vida — mantendo a agonia para mim mesmo. Talvez não tenha sido a decisão mais saudável a se tomar, mas nem sempre saúde é sinônimo de sensatez, certo? Certo.

A tela do computador pisca. Alguém mandando mensagem pra mim a essa hora?

“Voltou de viagem?” — Melanie

Sem nem notar, me pego passando por cima das roupas espalhadas pelo chão (não é porque eu gosto de um garoto que eu vou adotar manias de limpeza) para pegar o notebook encostado no criado-mudo de tamanho grande (sei lá o nome dessa joça) e trazê-lo para a cama.

“Alô, alô, graças a Deus!” — Daniel

“Fiquei me roendo durante toda a semana pra te contar como foi aquele tenso momento de revelação com Shawn Hans. Acha que está pronto?” — Melanie

“Ninguém está pronto para o que a vida oferece. Pensei que já soubesse disso” — Daniel

“Tudo bem, tudo bem, você está certo. Eu vou te mandar os prints” — Melanie

Momento de preparação psicológica para a prévia da revelação. Mel com certeza vai soltar os cachorros na minha linda face quando eu contar a ela sobre o que fiz nessa viagem, mas por enquanto, vamos aproveitar a parte onde como teria sido minha vida se eu não tivesse feito o que fiz.

“Tem um garoto que gosta de você. O nome dele é Daniel” — Melanie Schmidt

“Que Daniel?” — Shawn Hans

“Daniel Boone. Aquele da van” — Melanie Schmidt

“Em que sentido ele gosta de mim?” — Shawn Hans

“No sentido de que ele seriamente gosta de você. Seriamente, do tipo que é pra caramba” — Melanie Schmidt

Eu sei que ela diria “pra caralho” em vez de “pra caramba”. Mas assim como eu, Mel não gosta de causar péssimas primeiras impressões.

Ainda bem, não é mesmo?

Retomando.

“Sério que ele precisou perguntar “Em que sentido?” pra entender?” — Daniel

“Eu também fiquei chocada em Cristo, mas fazer o quê… vamos seguir o fluco da vida” — Melanie

“Fluxo**” — Melanie

“TENHO UM NOVO MEME” — Daniel

“VOCÊ NÃO PERDOA MESMO, NÉ” — Melanie

“Anos de conversa e você ainda não tinha se tocado? Eu não deixo passar batido um único erro, minha cara” — Daniel

“Nessas horas eu te odeio” — Melanie

“Tem um fundinho de amor nessa história que eu sei” — Daniel

“Vai catar coquinho na beira da estrada, vai” — Melanie

“Mas não tem coqueiro lá” — Daniel

“TÔ NEM AÍ” — Melanie

“Voltando ao assunto… você tem alguma opinião formada sobre o q ue ele me respondu?” — Melanie

“Primeiramente, você errou de novo. E já tirei print” — Daniel

“CACETE” — Melanie

“E segundo… Admito que eu sabia que Shawn era mais inteligente que uma porta e menos inteligente que duas, mas não fazia ideia da proporção” — Daniel

“Eu não devia ter deixado que você fizesse isso, Mel. Eu mesmo devia ter feito” — Daniel

“Oh, espere” — Daniel

“Eu mesmo fiz” — Daniel

“GAROTO, DO QUE VOCÊ TÁ FALANDO? VOLTA AQUI” — Melanie

“VOCÊ NÃO SAI DESSE CHAT ATÉ EXPLICAR, MATE” — Melanie

“Calma. Sem grito. Sem estresse. Sem pânico. Sem pressão” — Daniel

“Desde quando eu sou panela pra você mandar eu ficar sem pressão?” — Melanie

“QUE PIADA BOSTA” — Daniel

“Desculpa, é o calor do momento” — Melanie

“E eu nem tenho uma bela relação com panelas de pressão” — Melanie

“Conta pro tio, vai” — Daniel

“Teve uma vez que eu estava sozinha em casa, minha mãe ia sair e disse algo do tipo “Vou demorar, tem carne na panela em cima do fogão… É só esquentar e pronto, almoço feito”. Eu fiquei tipo “beleza, tranquilo e favorável”... aí lá fui eu, toda serelepe abrir a panela. CADÊ AQUELA MERDA ABRIR?” — Melanie

“Insira aqui 500 emojis de risadas porque tô com preguiça de por todos” — Daniel

“E depois de algo semelhante a um parto, eu finalmente consegui abrir aquela panela. Mas… eu ainda tinha que fechar” — Melanie

“Não me diga que foi outro parto” — Daniel

“CLARO QUE FOI! O que você esperava de mim?” — Melanie

“Esperava que você deixasse a tampa por cima com um pano de prato pra cobrir, ué” — Daniel

“Poxa. Eu podia ter feito isso.” — Melanie

“No dia em que eu te conhecer pessoalmente, vou te lembrar disso, então” — Daniel

“Você não perdoa uma, né” — Melanie

“FALANDO EM PERDOAR, você não explicou o enigma ainda” — Melanie

“Ai, tá bom, tá bom” — Daniel

“Nesse tempo que fiquei com meu tio, eu mandei uma mensagem pro Shawn” — Daniel

“Conta pra tia” — Melanie

Como sou desses que admitem o uso da expressão “uma imagem vale mais que mil palavras”, tirei print da conversa e enviei para ela.

Sim. Eu mantenho a conversa pra martelar minha cabeça a respeito do quanto eu fui burro. Claro que alguns vão dizer “não é uma burrice dizer para seu crush que você gosta dele, burrice é esse povo que faz joguinho de gato e rato e nunca se decide” como se fossem os grandes filósofos do momento. Queridos, deixem-me especificar uma coisa: se eu não admito pro crush que gosto dele, É PORQUE EU TENHO JUÍZO.

E juízo é algo que eu perdi no momento em que mandei aquela mensagem em 4 de junho.

Meus pensamentos são interrompidos pelas letras em caixa-alta que minha adorada e super calma amiga envia por chat.

“JESUS, MARIA, JOSÉ, SEAN MAGUIRE QUE ME SEGURE NO COLO PORQUE EU TÔ JOGADA” — Melanie

“Nem um pouco exagerada…” — Daniel

“Me compreenda, mate. É muita coisa pra processar!” — Melanie

“Não, não é. Foi só isso: eu tentei fazer bonito, o gol bateu na trave e pra finalizar eu ainda fiz close errado” — Daniel

“Deixa disso. Você fez o que tinha de fazer. Se ele não compreendeu, problema dele e você não tem que se preocupar com isso. O pior já passou” — Melanie

“Tenho medo de que o pior venha a partir de agora, Mel” — Daniel

“Pois se vier, eu juro que faço minhas malas, viajo pra aí e faço aquele Shawn Hans se arrepender de ter feito todas aquelas coisas contigo” — Melanie

“O que eu menos quero é violência” — Daniel

“Mas é o que vai ter se ele escrachar seu nome.” — Melanie

 

Washington, D.C.

8 de Junho de 2015

313 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

 

— Você O QUÊ?

Raven Fields e Peter Zaslavski dão um daqueles gritos capazes de curarem a surdez de algum deficiente auditivo só com o timbre de voz em larga escala — e deixá-lo surdo outra vez com a magnitude das vozes.

— Eu agradeceria bastante se vocês não dessem o grito da pantera…

— Desculpa, mas é que não dá para agir normalmente com uma bomba dessas — Peter argumenta, com seus olhos quase saltando para fora das órbitas — e você sabe o quanto eu sou sensível a altas emoções.

— O que não te dá o direito de dar um grito de pânico dentro de uma sala de aula cinco minutos antes do professor entrar, seu palerma — Raven… ah, Raven, tão delicada como coice de cavalo.

— Ai, gente, vocês não precisam fazer seus comentários sobre o que eu fiz… eu fiz e pronto. Tem algo a ser discutido sobre isso?

— Pensando bem, não — Raven conclui, meneando a cabeça para o lado e aparentemente lembrando de alguma informação perdida naquele cérebro mais bagunçado que o meu quarto — aliás, preciso perguntar uma coisa pra vocês.

— Manda bala — respondo, respirando fundo antes de ouvir o que aquela louca tem a dizer.

— Como vocês fazem o número 1 naquele negócio que só tem no banheiro masculino?

— O mictório, você quer dizer — o outro garoto da conversa responde, arregalando os olhos — mas, espera aí… — e essa é a parte onde ele eleva a voz — pra quê você quer saber?

— Sei lá, fiquei curiosa!

— Que curiosidade mais… mais… viu? Nem acho uma palavra pra descrever! — Exclamo.

— Qual é, vocês não vão me responder?

— Eu não uso o mictório, ué — digo logo de uma vez pra sanar a dúvida da menina Fields — porque não me conformo com a ideia de liberar minhas emoções em público na frente de outros machões. Já pensou se algum deles põe o olho de lado pra ver minhas expressões quando faço o que tenho de fazer?

— Bom, diferente do feio, recatado e do lar aqui chamado Daniel, eu faço — Peter me contraria, e eu franzo as sobrancelhas para ele.

— E como é que é? Vocês abaixam as calças e ficam com o traseiro pra fora de boas?

— OI? — Grito sem pensar, e quando ponho o olho em visão periférica, noto pelo menos umas dez pessoas me encarando.

— Raven O’Mara Fields, pra quê você acha que nós, homens, temos um zíper no meio das calças? ME DIGA, PRA QUÊ?

— Calma aí, Pete, não precisa ser tão rude — ela põe suas mãos nos ombros do moreno, que ainda parece estar tenso.

— Peter, ela não é homem. Ela não sabe pra que as coisas de homens servem — argumento.

— Deixa, Danico. Agora eu entendi pra que serve aquele zíper — a cara de alívio dela está me assustando pra caralho, alguém pode levá-la a um hospício? — mas tem descarga, tem ralo, como é o tamanho?

— O ralo é a própria descarga e o negócio fica meio acima do chão pra nossa mira ser certeira — o Zaslavski responde com tanta naturalidade que eu continuo de olhos arregalados.

Daniel, acho que ninguém liga pra essa conversa sobre o xixi dos homens.

Mas ela é engraçada e mostra o quanto esse trio é inusitado, consciência!

FODA-SE, É IRRELEVANTE!

Tô nem aí, tô nem aí… pode falar dos seus problemas que eu não tô aí!

— E como vocês fazem pra segurar o número 1 em lugares públicos?

— Olha, número 1 eu não sei — ergo as mãos como quem se livra de um fardo — mas eu já segurei o número 2 por quatro dias porque não quis liberar num retiro da igreja.

— Não sei com o que me surpreendo: com o recorde de dias sem excretar ou o fato de que você faz parte de uma igreja — Peter diz — porque é cada coisa que a gente descobre da tua vida…

— Eu não fui feito pra ser facilmente compreendido, Zaslavski — pronuncio seu sobrenome ainda com certa dificuldade, mesmo o conhecendo há cinco meses — então não discuta.

Washington, D.C.

16 de Junho de 2016

305 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

Querido leitor invisível cuja existência eu conheço porque eu mesmo te criei pra não ficar sozinho neste mundo de merda,

você deve estar se perguntando porque eu pulei tanto tempo em apenas um episódio.

Simples.

Porque não houve nenhum momento memorável entre esse espaço de tempo.

Shawn e eu acabamos não nos falando, e eu não o culpo por isso. Eu mesmo notei a burrada que fiz, certo? Então ele tinha o direito de se afastar e pensar um pouco sobre o que descobrira. Na minha cabeça, só me vinha essa ideia quando no primeiro desses dias, ele me deu vácuo total. Sem contato pessoal, sem contato online, vácuo profundo. Foi triste? Foi, mas também foi necessário. Se passamos essa semana sem nos comunicarmos, foi por razões que só Deus e ele sabem, porque eu estive lá para quando ele quisesse falar comigo. Ele não veio. Vou fazer o quê? Prendê-lo na parede e implorar por uma resposta? Isso seria doentio, não?

Eu aprendi que a vida não é como nesses filmes de romance onde o cara prende a garota na parede pedindo por alguma coisa e essa atitude termina em beijo apaixonado. Eu aprendi que eu talvez nunca passaria por esse tipo de situação com uma garota. Porque eu estava fissurado em outro cara que talvez pensasse em fazer isso com uma menina futuramente. Eu seria só o intruso? Seria. Então era melhor que eu aprendesse uma lição com isso e vivesse minha vida sem depender 24/7 de um heterossexual assumido, machão e popularzinho a ter que passar por todos os prós e contras de ter crush num cara assim.

Tá. Estou falando como se fossem meses sem olhar na cara dele. DESCULPA O EXCESSO DE DRAMA.

Eu nasci assim, eu cresci assim. Gabrie-e-la!

Oh, espere. Eu sou Daniel.

Eu nasci assim, eu cresci assim. Danie-e-el!

E então veio a semana de provas. De novo. Essas merdas não se cansam de repetir na minha vida e eu sou obrigado a lidar com elas do jeito que todo aluno exemplar sempre lida: estudando na semana em que elas acontecem. Quem nunca, não é mesmo?

E então (vivo repetindo esse conectivo de introdução porque não tenho outro na cabeça) saio do segundo dia de provas. Dia de humanas é ótimo, monas: história, geografia e filosofia (AMO E CUIDO!). Eu não tenho do que reclamar. Se humanas existe, graças a Deus porque existe.

— DANIEL! — Raven grita em meu ouvido.

— QUE É, DESGRAÇA? — Grito de volta.

— A van chegou lá do outro lado da rua. Você não vai?

— A questão é: você vai?

— Não, minha mãe vem me buscar pra eu fazer minha manutenção dentária.

— Oh, beleza, vou ficar sozinho lá — reviro os olhos, esperando a rua ficar livre de carros transitórios — então tchau, né?

— Até amanhã, Danico.

— Não provoca, tiriça.

— Vou fazer o que eu quiser porque sou feminista.

— Quê que isso tem a ver?

— Nada, só queria causar a ira das radicais mesmo — em seguida ela ri como uma gralha. Mas não contem pra ela que eu disse isso — vou-me embora pra longe da tua respiração, com licença…

— Espero que você seja feito de trouxa hoje! — E ela ri mais ainda, só que dessa vez meio mundo desvia suas atenções para uma louca Fields imitando um macaco.

Como é aquela música mesmo? Minha amiga da escola é uma macaca, CACA, CACA, CACA!

Fiz as adaptações necessárias para o momento. Me amem.

Então, tendo em mente que enfrentarei sozinho uma longa jornada chamada “sentar sozinho num banco desse transporte escolar num horário mais cedo que o normal e com isso lidando com pirralhos de seis a dez anos que só sabem perguntar as coisas ou repetir vinte fucking vezes a mesma coisa como se suas vidas dependessem disso”, atravesso a rua, dando um breve “oi” para a motorista e já sentando numa das primeiras fileiras — mais precisamente, o famoso banco da janela.

Sim, eu mal cheguei e já quero sentar na janelinha. POSSO E VOU.

Retiro os fones do meu bolso e os conecto ao meu celular. Quando finalmente vou colocar o lado esquerdo, meus olhos encontram Shawn Hans entrando na van também.

Eita.

O botãozinho do “vai dar merda” está apitando!

Sei que ele notou a minha presença no veículo, mas tudo o que faz é se dirigir para a última fileira de bancos da van e jogar seu corpo na cadeira da janela (sem comentários), pondo sua bolsa sobre as suas pernas.

“Bom”, penso comigo mesmo, “já que ele aparentemente não vai me incomodar, ficarei aqui ouvindo minha amada Taylor Swift”. Sendo assim, ponho também o fone direito, abro o aplicativo de músicas e escolho I Wish You Would. Encosto minha cabeça ao vidro da janela e me deixo ser levado pelas batidas da primeira estrofe desse verdadeiro hino da loira — na verdade, todas as canções do álbum 1989 são hinos — enquanto penso, mais uma vez, nas provas que fiz há alguns minutos e no porquê do moreno de olhos sedutores ainda não ter vindo falar comigo sobre a mensagem que enviei no dia 4 de junho. A paisagem se movendo do lado de fora do transporte dá um clima ainda mais filosófico aos meus pensamentos, quando…

Alguém me cutuca no meu braço direito.

— QUEM É A DESGRAÇA QU-— já começo a gritar quando finalmente noto quem está do meu lado — Oi, Shawn. Você não estava lá atrás?

— Resolvi ficar perto de você. Não posso?

AH, VÁ!

— É um país livre, você pode fazer o que quiser — dou de ombros, insinuando que colocarei de volta os fones.

— Não vai me cumprimentar direito?

— E como você espera que eu te cumprimente? — Respondo inocentemente, e sei que ele sabe disso.

Porque no segundo seguinte eu sinto seus braços envolverem meu pescoço e minha cintura, me puxando para um confortável abraço. Inicialmente eu fico sem reação, mas quando me dou conta, meus braços também o envolvem, e aquele abraço dura uns três ou quatro segundos.

— Estava falando disso? — Volto a falar, ainda com o lado esquerdo dos fones em meu ouvido.

Taylor já está cantando a segunda parte da música quando meu ouvido livre escuta algo que em dias anteriores seria um abusrdo para ambas as partes dessa estranha relação.

— Poderíamos nos beijar também — e seu polegar, então, acaricia de leve a minha bochecha.

MAS, OI? O QUÊ QUE ESTÁ ACONTECENDO, ARROBA DEUS? Eu acordei num universo alternativo onde meu crush está me correspondendo? Por favor, preciso de respostas!

Este é o momento no qual agradeço ao meu subconsciente por me salvar de um vácuo total na conversa nessas horas, porque se não fosse por ele, eu não diria algo do tipo:

— Aqui não, Shawn. Já viu quantas crianças estão aqui?

Juro que eu recusei um beijo. É uma atitude sensata? Devo proteger os pequenos de uma cena ainda chocante para a década de 2010?

— Tudo bem, você está certo — ele ergue as mãos como quem se rende.

Ou desiste.

Porra, Daniel, você o fez desistir!

— Posso ao menos ver seu celular? — o Hans pergunta, mas antes que eu formule uma resposta, meu iPhone de classe média já está em suas mãos — Certo, sua senha é… 1-2-5-6, não é?

No segundo em que ele desbloqueia a tela do aparelho telefônico, meus olhos se arregalam e tudo o que vejo são minhas mãos tomando meu bebê do controle de seus dedos.

— Como diabos você sabia?

— Desculpa, eu acabei vendo um dia desses — meus olhos, se já não estavam arregalados, agora parecem querer saltar das órbitas com a revelação do menino Hans — mas por que você colocou esses números? Representam algo em especial?

— Não adianta mentir pra você porque a senha já é de seu conhecimento, então… — deixo escapar o gás carbônico que até então estava preso nos meus pulmões devido ao nervosismo — não, esses números não representam nada relevante. Só se posicionam bem próximos e eu não queria mover muito meus dedos, daí…

— Daniel Boone, movido à preguiça e não ao oxigênio — rio levemente com seu comentário.

E quando, pela segunda vez, eu tento colocar meus fones de volta, a motorista passa pra trás uma garrafa d’água para quem quiser beber. Shawn estende a mão esquerda para pegar o negócio lá cujo sinônimo eu não sei, mas por uma intervenção do destino, ele não consegue segurar a garrafa direito e…

Acaba derramando um pouco na minha camisa.

Oi, mãe! Tudo bem se minha camisa estiver molhada com água derrubada pelo meu crush?

— Nossa, cara, me desculpa aí, tá? Juro que não era minha intenção... — ele rapidamente nota a situação da minha camisa, e tenta tirar a água com a mão. Só que ele acaba esfregando minha barriga. E eu acabo me segurando pra não rir ou ficar corado — Acho que agora melhorou, né?

— Está tudo bem, foi apenas água — sorrio de lado, tentando não transparecer meu nervosismo quando o Hans olha nos meus olhos e também sorri, envergonhado pelo que fez.

— Agora que estou olhando pro seu rosto mais atentamente… você fez a barba, não fez?

GRITO! Ele notou? Sério mesmo?

Não que eu tenha feito só pra ele ver, imagina…

Realmente não foi pra isso. Foi porque mamãe Ellis não aguenta ver algo de diferente no meu rosto.

Minhas espinhas que o digam.

Então resolvo me fazer de difícil. Até o momento eu estive praticamente denunciando por meio de ações “cara, eu tô tão na sua!” como se fosse o Greg de Todo Mundo Odeia o Chris, e isso era algo que eu jamais deveria fazer — por mais que meus sentimentos agora estivessem claros para ele.

Mas ainda não eram claros para mim. E nunca seriam completamente esclarecidos.

— Oi? — Franzo as sobrancelhas ao perguntar, mas logo finjo assimilar o que ele dissera antes — Ah, sim, eu fiz. Ficou legal?

— Ficou da hora — pisca o olho esquerdo, me levando ao delírio interno novamente — ah, eu só quero que saiba de uma coisa antes de colocar os fones de volta.

— E o que seria essa coisa? — Demonstro interesse.

— Te amo — finaliza, jogando um beijo no ar para mim.

Eu poderia simplesmente acabar a história aqui e dizer que nesse momento eu o agarrei pela gola de sua camisa, pronto para tacar um beijo apaixonado e me declarar de vez para o outro personagem desse romance, deixando vocês, leitores, imaginando um futuro onde Daniel Boone e Shawn Hans são casados e têm dois filhos, dois cachorros e um box com todas as temporadas de House, M.D.

Mas não.

Sou obrigado a dizer que minhas ações seguintes são apenas revirar os olhos, sorrir timidamente — do tipo que exibe as covinhas que até então eu não sabia que tinha, ou seja, VIU O EFEITO QUE ESSE CARA CAUSA EM MIM? — e recolocar meus fones, pondo “I Wish You Would” de volta para o começo.

Só sei que vou contar tudo isso pra Melanie quando chegar em casa. Ela vai surtar. E eu vou surtar, e a ficha vai cair, e eu vou me tocar de que talvez as coisas deem certo entre nós.

Talvez. Porque a vida é tipo Game of Thrones. Do nada eu posso bater as botas.

Washington, D.C.

21 de Março de 2016

26 dias antes da facada que pode ou não ter me matado

— Daniel — sinto uma cutucada no meu braço direito, enquanto estou sentado numa das últimas fileiras da sala de aula.

Estou aqui porque, nas aulas à tarde que tenho em algumas vezes na semana, não chego a tempo de arranjar lugar na primeira cadeira (tudo graças à minha trouxa atitude de ir pra casa na van [por questões de Shawn Hans estar lá] e meu retorno à escola nas pressas com mamis Ellis) e me vejo obrigado a sentar mais atrás.

— Daniel, está na Terra?

Viro para o cutucador e finalmente percebo que é Edward Hong quem me chama. O líder de sala. O super educado. O super hétero.

Ops. Essa última foi um insulto ao pobre menino que tem crush na garota da outra turma, a intocável, a diferentona. Parei.

— Ah, oi, tô sim — sussurro, para não chamar a atenção do professor de matemática — algum problema?

— Você é gay, não é?

Fodeu. Eu não contei isso pra muita gente. Na verdade, as únicas pessoas nesse prédio todo que sabem da minha sexualidade são Peter, Raven, o próprio Shawn e Klaus (este porque o Hans fez questão de contar fora das minhas vistas, SENDO QUE EU PEDI SEGREDO). A não ser que essa joça de segredinho tenha vazado por algum -A da vida real. O que eu não deixaria acontecer em hipótese alguma porque tenho meus contatos.

Mentira, não tenho. Mas seria uma boa.

— Quem te contou esse boato? — Dou uma ênfase absurda na palavra “boato”.

— Olha, eu vou ser honesto contigo porque, apesar de não sermos amigos muito próximos, ainda somos amigos — respira fundo e une as palmas de suas mãos, como se fosse me jogar uma bomba — tem um print de uma conversa circulando pelos celulares de todo mundo nessa escola desde o meio do ano passado. Nessa troca de mensagens, tem um cara se declarando pra outro cara, mas sem admitir que é gay — Ai. Meu. Santo. Tom. Holland. — e por meses esse print circulou sem o nome de quem havia enviado a mensagem, a parte do remetente fora cortada… mas um dia desses eu recebi a foto completa.

Sem nem perceber, já estou mordendo meus lábios de tanto nervosismo.

— Daniel, é o seu nome que está lá. É a sua foto de perfil que está lá. E o destinatário era Shawn Hans.

Ele vazou o print da conversa.

Em outras palavras:

Daniel Boone se declara para Shawn Hans por mensagem de texto.

Daniel Boone pede segredo a Shawn Hans sobre a declaração.

Daniel Boone se fode nessa história meses depois.

Porque agora o nome de Daniel Boone está sendo escrachado escola abaixo.

E isso vai custar muito para Daniel Boone.

Mas Shawn Hans também pagará seu preço.


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Notas finais do capítulo

Agora vocês sabem que precisam prestar bastante atenção nas datas em que ocorrem os eventos, não é mesmo?
O que acharam do episódio? As conversas hilárias com a Melanie e depois com Peter e Raven foram épicas, não é mesmo? (Elas realmente aconteceram!) Mas nada que seja comparado ao momento SHIPPÁVEL AS FUCK de Holy Grail. O QUE FOI SHAWN MATANDO NOSSO MENINO BOONE? GENTE? TÔ PERDIDO? OI? (Essas coisas também aconteceram de verdade. Fatos reais, booners!)
Deixem seus comentários, aqui ou nos contatando pelas redes sociais. Sabem como adoramos saber o que vocês estão achando... e o próximo episódio sai no dia 13 de julho, ainda escrito por mim! *u*



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