O dente de leão escrita por Diluah


Capítulo 1
Capítulo 1




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O sol havia se posto mas através da janela da cozinha ainda era possível admirar o laranja favorito de Peeta desaparecendo gradativamente no horizonte, atrás das colinas e dos vales que agora crescem e florescem de forma magnifica devido a primavera. Hoje completa um ano. Um ano sem minha mãe que agora trabalha no maior hospital de Panem localizado no distrito 4. Um ano sem Gale que por sua vez vive em uma casa pequena de um vale no distrito 2 onde trabalha em uma das fábricas. Um ano sem as arenas que por ordem da presidente Paylor foram destruídas e jazerão apenas na memória daqueles poucos que sobreviveram a elas e dos seus telespectadores mais apaixonados. Um ano sem o governo autoritário e repressivo que mudou a vida de centenas de pessoas ou as matou. Um ano sem Prim.

Todos os acontecimentos que cercaram aquele ano são fortes o suficiente para me deixar no chão, não fosse a presença incomparável de Peeta que mesmo sofrendo com suas lembranças paralisantes e seus terríveis flashbacks consegue suprimir minha necessidade avassaladora de calor humano a qualquer hora do dia ou da noite sem me forçar a contar o que acabei de viver no meu mundo particular onde infelizmente ele não pode me proteger. Ele apenas acende a luz do abajur que instalou na mesinha de cabeceira do lado esquerdo da cama, do meu lado da cama para ser sincera. Quando o questionei sobre isso ele apenas deu de ombros e disse que serviria quando eu me sentisse perdida na saída dos pesadelos. A luz me faria enxergar a tranquilidade do nosso lar. Mordi o lábio para não lhe dizer que a unica tranquilidade daquele momento era tatear no escuro e encontrar seus braços quentes. Por algum motivo ainda é complicado dizer o que sinto.

Mas de qualquer forma as noites serão sempre um tormento e é quase insuportável esperar o nascer do dia para que enfim os pesadelos desapareçam, e faço isso sozinha já que eu não acho justo tirá-lo do seu sono tão importante depois de um dia exaustivo na reconstrução da padaria de sua família. E também tem o fato incontestável de que para Peeta é ainda pior se convencer de que a fase atual de nossas vidas é de verdade e no fundo eu sei que a ideia do abajur é mais para que o ajude a se localizar do que para clarear minha mente. Ele adquiriu um pavor doentio pela escuridão durante sua estadia tenebrosa na Capital, coisa sobre a qual não conversamos em momento algum e quando ele tenta tocar no assunto eu o impeço com algo bobo ou apenas finjo não estar ouvindo enquanto dou nacos de gordura para Buttercup. Mas ao que parece o dia de hoje está fadado ao confronto já que ele se encontra parado ne minha frente de braços cruzados encostado na pia me olhando com aquele seu ar de decisão e superioridade que na maioria das vezes me deixa com frio na barriga mas hoje só consegue arrepiar os pelos dos meus braços de puro nervoso.
     — Katniss, você sabe não podemos fugir das lembranças para sempre. — Peeta começa.— Já se passou um ano e ainda não melhoramos nem 60% de acordo com o doutor Aurelius.
     — Eu sei que não podemos. Até por que nossos pesadelos são nitidos o suficiente para serem ignorados. — respondo com irritação. — Eu perdi tudo, você perdeu boa parte de sua sanidade mental, isso já não é o suficiente por uma vida inteira?
      Peeta suspira vindo se juntar à mim na mesa da cozinha de sua casa. Nossa casa. A mansão designada a minha família quando venci os Jogos Vorazes agora é um lugar lacrado visitado apenas por ratos, baratas e fantasmas. Buttercup passou meses indo diariamente aquele lugar a procura de algo que ele logo percebeu que jamais encontraria e não posso julga-lo por isso se também levei semanas para me convencer de que o pedido de Peeta para que morássemos na sua casa e não na minha era bem mais saudável para os três.

— Não somos mais os mesmos, nem Haymitch, Johanna, Beete, Enobaria... Nem mesmo esse gato ai é! - disse apontando para o gato feioso e tristonho que agora me pertencia e me protegia todas as noites substituindo sua antiga dona.

— Haymitch consegue sobreviver porque sempre está bêbado, não tenho noticias de Johanna mas tenho certeza de que se transformou em uma morfinácia. Eu por sempre estar ocupada demais seja aqui ou na floresta, e você com todas as suas ocupações na padaria. Era para estar agradecido por eu nunca tocar nestes assuntos.

— Por que? — ele pergunta enquanto corta o pão que acabara de tirar do forno. — Por ignorar a realidade?

Bato meus punhos na mesa sem me importar com seu risco ao manusear a faca amolada.

— Tudo bem Peeta, falemos sobre os piores dias da minha vida que no caso contabilizam todas as vezes em que eu achei que você estivesse morto e desovado dentro de uma cova rasa onde Cinna foi parar! Ou pior do que isso, que estivesse servindo de Avox em algum lugar daquele centro de treinamentos à espera de outros competidores dos Jogos Vorazes! Vem, vamos falar sobre isso, eu to super afim de te contar como foi usar uma pulseira que me definia como mentalmente desorientada e ficar vagando em um lugar sinistro há quilômetros e quilômetros de você e sendo obrigada a atacar Snow pelo simples prazer de te ver chegar ao limite de tortura. Ah e que tal falar sobre o maravilhoso dia do seu resgate quando meu coração martelava no peito quase me deixando surda e quando achei que suas mãos fariam carinho no meu rosto elas fizeram uma curva e apertaram meu pescoço. Vamos falar sobre isso.

Arrependo-me de ter falado assim que fecho a boca pois Peeta agora está parado diante de meus olhos segurando a mesa. Sei que ele está usando toda a sua força já que seus tendões estão vermelhos e há rugas no canto de seus olhos apertados. Espero quieta segurando minha xícara de chá fumegante enquanto conto até 10 vagarosamente e ele continua paralisado olhando fixamente para meu rosto. Espero. Sei que em poucos segundos ele estará de volta como tem acontecido há um ano mas então começo a me apavorar a medida que conto um minuto e logo estou de pé em sua frente.

— Peeta! Eu estou aqui. Estou aqui. Bem aqui. — Olhe para mim.

Seguro seu rosto com as duas mãos sentindo o frio de sua pele lisa e pálida mas ele não relaxa, simplesmente não move nada alem dos olhos que vagueiam pela casa fora de orbita como se estivesse assistindo televisão em flash rápidos. Esse é forte, esse ta doento mais do que o normal. Sem exitar colo meus lábios nos seus esperando tirá-lo daquele estado desolador. A principio nada acontece mas quando separo seus lábios e o beijo com mais intensidade ele larga devagar a cadeira e põe os braços ao redor da minha cintura. Agora estamos nos beijando quase violentamente, de uma forma que poderia incendiar toda a campina que acabei de ver através da janela. Peeta me encosta na mesma cadeira em que estava segurando e imagino se talvez ele me carregue ate o quarto onde acabamos indo parar quase todas as vezes que começamos com esses beijos. Sempre achei que havia provado de Peeta tudo o que havia de melhor mas estava enganada. Sua delicadeza ao me conduzir até o ápice do prazer é imensurável. A doçura com que me ama na cama é pura e forte. As vezes eu tenho medo de que um de nós dois acabe morrendo por cima um do outro todas as vezes que ele me olha com os olhos incrivelmente azuis. Se Ceasar Flickerman fizesse mais uma entrevista comigo e perguntasse qual a coisa mais especial que Peeta tenha me feito até hoje, eu com certeza ficaria ruborizada.

Perdida em meus devaneios abro os olhos vejo que os seus me encaram e que existem lágrimas ameaçando cair a qualquer momento. Afasto minha boca da dele e o abraço forte. Existem milhares de coisas que eu deveria dizer para ele nesse momento ou até mesmo poderia apenas ficar aqui em silêncio esperando que ele chore tudo aquilo que não teve oportunidade de chorar. Que não lhe dei espaço para chorar pois estava preocupada demais tendo meus pesadelos e meus medos enquanto ele estava ali tão aterrorizado quando a mim. Somos uma dupla marcada por desgraças, os amantes desafortunados do distrito 12 e nada que eu possa fazer amenizará sua dor. Decido abrir a boca e falar tudo aquilo que preciso não só por ele, mas por mim.

— Eu amo você. — digo com a cabeça enterrada em seu peito. — Amo você desde o dia em que você me salvou com aqueles pães, só não tinha certeza disso. Mas agora tenho. Eu sinto muito por toda a sua confusão, seu conflito e sua dor. Eu sinto muito que eles tenham conseguido te manipular, mas preste atenção no que eu vou lhe dizer — Seguro seu rosto novamente a poucos centímetros do meu — Ninguém nunca vai conseguir mudar seu coração. É nele em quem você deve confiar. Não em minhas palavras ou em sua mente. Mas sim aqui — coloco minha mão em seu peito onde fica seu coração que bate forte.

Aos poucos começo a engasgar com as palavras e percebo que estou aos soluços da mesma maneira que fiquei quando ele bateu contra o campo de forças no massacre quaternário. Peeta segura minha mão e me guia para fora de casa até a floresta. Antes que eu finque os pés no chão ele para e se vira para mim.

— Enquanto eu estava sob o controle da capital, antes das injeções de telessequestros... — ele espia por baixo dos longos cílios louros tentando identificar qualquer sinal de contestações vindas de mim mas a única reação que tenho é soltar um leve suspiro. Não vai adiantar adiar esse momento. Peeta não é como eu que consigo conviver mesmo de forma dolorida com meus segredos e angústias sem incomodar terceiros. — Eu pensei em como queria que nossa vida tivesse sido. A começar pelo começo. Mas percebi que não seria o mesmo apesar de que eu já era apaixonado por você ainda na escola.

Sorrio para sua boca repuxada em um lindo e delicado sorriso que faz covinhas em seu rosto. Não resisto e lhe dou um beijo de leve na bochecha vermelha pelo momento anterior.

— Enfim, não seria o mesmo. Você pode continuar dizendo que os Jogos Vorazes, o massacre quaternário e os dias terríveis no distrito 13 foram as piores coisas que poderiam ter nos acontecido e eu concordo totalmente. Mas Katniss, eu tenho que dizer que sou grato a tudo aquilo!

Não consigo esconder meu espanto e total desinteresse em continuar ali parada enquanto Peeta fala aquele tipo de coisa, mas seus dedos apertam os meus e ele chega mais perto.

— Sou grato por ter conhecido Finnick Odair e Annie Cresta e por saber quem foi o pai do pequeno Finn, o homem que me salvou duas vezes e uma delas foi de mim mesmo. Por ter conhecido a mente brilhante de Plutarch, a maldade do Snow, a loucura explicável de Johanna, o cozido de Carneiro — Nessa última frase misturo um riso com minhas lágrimas. — Feliz por ter conhecido sua mãe, Gale apesar de tudo e Prim.

Prim. O meu verdadeiro motivo de estar viva e morta ao mesmo tempo. Minha irmãzinha a quem protegi durante toda a sua vida, por quem aprendi a caçar e a vender minhas caças. A mesma garota pálida de cabelos lisos e louros que morreu diante dos meus olhos. Morreu com meu nome em seus lábios.

Peeta segura meu queixo e me beija delicadamente mas logo se afasta para me olhar.
    — Quando Prim foi sorteada na colheita eu decidi de imediato que me ofereceria como tributo. Eu jurei para mim mesmo que iria para aquele lugar junto com ela e faria sua irmã voltar para casa vitoriosa. Voltar para você... eu...
       — Oh Peeta!—  É tudo o que consigo dizer em meio aos espasmos de dor e misturados a surpresa de sua revelação. Eu jamais imaginaria tamanha gentileza. Eu duvidei de sua nobreza durante meses e no fim das contas sempre fui o amor de sua vida. Agora ele também chora segurando minhas mãos, somos o que restou de nós mesmos. Dois seres humanos devastados por lembranças e promessas.
       — Eu sinto muito por tudo o que você tem vivido desde a morte do seu pai e sinto cada dia mais todas as vezes que ouço seus gritos durante pesadelos que você não precisa me contar para que eu saiba sobre o que são. Mas eu prometi para mim mesmo, para Anne e para Johanna antes da minha primeira injeção, que não importaria qual fosse o mundo em que viveríamos, como seriamos e quando teríamos um ao outro novamente... Eu sempre daria minha vida para lhe dar a oportunidade de ter uma. — Peeta suspira e solta uma de minhas mãos, a colocando no bolso de trás de sua calça. — E hoje eu decidi não só lhe dar minha vida para que pudesse ter a sua, mas sim, lhe pedir o seu coração para que o meu continue batendo.
      Delicadamente, ele começa a se ajoelhar deixando a mostra a vasta floresta atrás dele e é então que eu vejo. Abaixo da colina onde estamos parados existe um imenso jardim com apenas dois tipos de flores: Primolas e Katniss. Já não sinto mais as lágrimas molhando meu rosto e quando olho para baixo na expectativa de vê-lo chorar, Peeta sorri com os olhos ainda molhados porém adoráveis. Em seu dedo existe um anel. Sou atingida por uma onda imensurável de felicidade. Dominada por um sentimento que jamais poderei descrevê-lo com as simples palavras do dicionário.
     Ele segura minha mão, a beija e olhando nos meus olhos sussurra quase como uma brisa da primavera:
       — Você quer se casar comigo. Verdadeiro ou falso?
Ajoelho-me em sua frente e com os lábios nos seus e respondo.
       — Verdadeiro.


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Notas finais do capítulo

Bem gente, esse foi o primeiro capítulo e em breve postarei o próximo.Espero que tenham gostado. Abraços a todos vocês.



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