Nightmares escrita por Rafú


Capítulo 4
Capítulo 4 - Burning the Past


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente linda!
É neste capítulo que veremos o que Peeta sofreu nas férias. Preparados para consolar ele?
Boa leitura!



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Tomamos o chá no mais absoluto silêncio. E Katniss agia de forma natural, não agia da forma que alguém agiria se tivesse tido um surto na sala da vice-diretora da escola com a visita do pai a menos de meia hora atrás.

O silêncio estava visível, mas minha cabeça estava uma confusão. Eu tinha inúmeras perguntas para fazer a Katniss, aliás, ela devia explicações. Mas não tive coragem de fazer alguma pergunta. E se ela surtasse novamente? Eu não faria a mínima ideia do que fazer.

Porém as perguntas giravam dentro da minha mente, me deixando zonzo. Eu queria muito as respostas. Eu necessitava daquelas respostas para silenciar o barulho da minha mente. Será que estou ficando louco?

Vou achar alguma resposta. Mas como vou achar uma resposta sem perguntar nada a Katniss?

O que sei sobre ela? Pouca coisa. Vejamos:

O lugar favorito dela na escola é a biblioteca.

Seu livro favorito é O morro dos ventos uivantes.

Ela é uma ótima mentirosa.

Sempre consegue se safar dos problemas de algum jeito.

O pai dela está preso por um motivo que não consigo nem imaginar qual seja.

Disfarça o que sente.

A pessoa que ela mais ama no mundo é o avô.

Espera! O avô dela pode me dizer alguma coisa. Mas como vou falar com o avô dela? Sem número, sem nada, será impossível.

Neste instante o celular dela toca.

O celular.

É claro.

O celular é o lugar mais óbvio para conseguir o número que preciso.

Como estava sentado ao seu lado, consegui ver ela colocando a senha no celular. Um L? A senha dela é um L? Quanta falta de criatividade!

— É uma mensagem do Gale. – afirma ela sorrindo , enquanto digita rapidamente no celular.

— Você deve ser muito apaixonada por ele. – afirmo sem ânimo nenhum.

Não posso negar. Eu tenho uma pequena queda pela Katniss. Mas como não ter? Ela é engraçada, divertida, compreensiva e, acima de tudo, ela é tão linda que minhas bochechas coram só de ficar meio minuto a encarando.

E sim. Eu tenho ciúmes do namoro dela com Gale. O que é idiotice. Não estou apaixonado. É uma quedinha. Nada sério. Talvez seja só uma atração física.

— Não. Na verdade não. – sorri ela pra mim. Logo em seguida ela olha para o chão – Ele é só o meu passatempo.

— E ele sabe disso? – pergunto tentando não sorrir com o que eu acabei de descobrir.

— Claro. Disse isso quando ele me pediu em namoro. – ela solta um suspiro – Olha Peeta. Eu sei que sou uma mentirosa e tanto, mas eu nunca dou falsas esperanças para alguém. Não sou uma garota que se apaixona com tanta facilidade. Comigo é só atração. Foi o que aconteceu com a gente ontem a noite.

Pela primeira vez no dia ela estava falando sobre o que houve de noite. Achei que era para simplesmente esquecer.

— E por que você parou? – não consegui segurar a pergunta.

Ela rapidamente tira o sorriso irônico do rosto e olha para algum ponto fixo do chão. De repente ela se levanta rapidamente.

— Eu vou tomar um banho. – diz ela seguindo para o corredor.

Antes de ela fugir para o banheiro, algo me veio a mente.

— Você é virgem? – perguntei antes que ela conseguisse alcançar o corredor.

Talvez ela tenha parado por isso. Pode ter ficado insegura ou com medo.

Ela para e se vira devagar com um minúsculo sorriso que notei ser forçado.

— Eu queria ser. – ela sussurra tão baixo que eu quase não ouço sua resposta. – E você, amor? É virgem?

— Com certeza não. – rio enquanto minha cabeça ecoa a voz dela me chamando de amor.

— É claro que não. Quem não gostaria de uma noite de loucuras na cama deste deus grego aqui? – ri ela mais descontraída.

Ela logo sai e se dirige ao banheiro para tomar seu banho.

— PELO VISTO, VOCÊ NÃO. – respondo a sua pergunta retórica e ouço ela rindo alto.

Assim que ouço a porta do banheiro sendo fechada, me escoro na porta do meu quarto. Vou esperar o barulho do chuveiro e vou pegar o celular dela.

Enquanto isso, fiquei pensando na resposta que ela me deu: “Eu queria ser”. O que ela quis dizer com isso? Não faço a mínima ideia.

Ela não me disse por que parou ontem a noite. E cada minuto que passa fico cada vez mais confuso. Ela deve sentir alguma atração por mim. Afinal, ela me chamou de deus grego.

Finalmente ouço a água do chuveiro e junto ouço a voz de Katniss cantando uma música de Johnny Cash. Mas ela cantava o mesmo trecho inúmeras vezes. Não cantava a música inteira.

I wear this crown of thorns

(Eu uso essa coroa de espinhos)

Upon my liars chair

(Sentado no meu trono de mentiras)

Full of broken thoughts

(Cheio de pensamentos quebrados)

I cannot repair

(Que eu não posso consertar)

 

Beneath the stains of time

(Debaixo das manchas do tempo)

The feelings disappear

(Os sentimentos desaparecem)

You are someone else

(Você é outra pessoa)

I am still right here

(Eu ainda estou bem aqui)

 

What have I become

(O que eu me tornei?)

My sweetest friend?

(Meu doce amigo)

Everyone I know

(Todos que eu conheço)

Goes away in the end

(Vão embora no final)

 

Que curioso. Este foi o último sucesso de Johnny Cash antes de sua morte. Mas estava pouco me importando com as músicas estranhas que Katniss canta durante o banho. Eu preciso do celular dela.

Fui ao seu quarto e achei o celular bem visível. Coloquei a senha e procurei na agenda o número do avô dela. Droga, eu não sei o nome dele.

Por favor, diz que o nome do contato é vovô. Por favor, por favor.

Por sorte, Katniss parece o tipo de pessoa que coloca o grau de parentesco no nome do contato. Achei rapidamente o número e usei meu celular para ligar.

Alô. – ouço a voz de alguém velho.

— Oi, meu nome é Peeta.

Eu não quero fazer assinatura de nenhuma revista. — ele me corta.

— O quê?

Você não é um daqueles malditos telefonistas que ficam me ligando o tempo todo para assinar alguma merda de revista?

— Não. Sou um colega de escola da sua neta, a Katniss.

Ah. Graças a Deus. Como vai minha docinho?

— Não sei. O pai dela veio visitar ela na escola e...

Espera! O Ben esteve aí na escola?

— Sim.

Ela surtou alguma hora?

Oh…. Então, pelo visto, esta não foi a primeira vez.

— É. Foi.

Ok. Garoto, estou indo aí. Não diga a ela.

— Não posso. Se não ela vai descobrir que estive mexendo no celular dela. – falo caminhando para o meu quarto.

Ótimo. Obrigado. Até mais.

— Não! Espera! Eu quero perguntar... – mas ele já havia desligado o telefone.

— Com quem estava falando? – pulo quando ouço a voz da Katniss na minha porta. – Calma aí. Sou eu, a Katniss. Não é a menina do exorcista.

Me viro e a vejo secando os cabelos com a toalha.

— Estava falando com meu tio. – minto.

— E como ele está?

— Bem, eu acho.

— Que bom.

Mais ou menos uma hora e meia depois, alguém invade a cabana seguido da vice-diretora Coin.

— É a minha neta, e eu tenho o direito de visitá-la em um feriado nacional. – diz um senhor de cabelos grisalhos.

A vice-diretora bufa enquanto gira nos calcanhares e sai da cabana.

— Vovô? – diz Katniss depois que a porta da cabana foi fechada.

— Meu docinho! – diz o velho abrindo os braços na direção dela.

Katniss corre até o velho e o abraça.

— Peeta, este aqui é o meu vô, Frank. – Katniss me apresenta como se estivesse apresentando o papa para mim. – Vô, este é meu amigo Peeta.

— Prazer. – diz Frank piscando um dos olhos para mim.

— O prazer é meu. – respondo com um sorriso torto.

— O que você faz aqui? – pergunta Katniss.

— Bem, docinho. Fiquei sabendo que seu pai veio visitar você.

— É, na verdade... Ei, como ficou sabendo?

Olho para Frank em pânico. Comecei a balançar negativamente a cabeça.

Não diga. Não diga que fui eu que contei.”

— É... Hã... Sua mãe foi visitar ele hoje e ele não estava lá. Disseram que ele foi visitar a filha na escola. – mente o velho descaradamente. Bem, agora posso ver de onde Katniss aprendeu a mentir – Liguei para cá e disseram que você teve uma crise.

— Mamãe é tão boba. Não deveria visitar ele. – murmura Katniss.

— Querida, você está tomando o remédio?

Remédio?

— Vô... Hã... Ah, vovô. Eu odeio aquele negócio. Me deixa gorda.

— Não minta pra mim, Katniss Everdeen. Você sabe que aquele remédio livra você de pesadelos e crises. – diz Frank zangado.

— Mas...

— Não tem mas. Ou você quer que eu coloque você na escola pública de Leesburg? Você sabe o quão caro esta escola é.

— Mas você tem dinheiro até pra comprar a Hagerstown City Park. Por que me colocaria naquela escola pública?

— Porque fica perto de casa e da psicóloga.

Psicóloga? Tudo bem, em vez de eu ter respostas, estou tendo mais perguntas.

— Não, não, não. Psicóloga não. Eu tomo o remédio. Eu tomo a porcaria do remédio.

— Quero ver, então. Ligarei para Johanna para confirmar. Ainda divide o quarto com ela, não?

— Sim.

— Ok. Bom feriado, docinho. Só vim ver se você estava em ordem. Ah! E no Dia de Ação de Graças e Natal, quero você em casa, ouviu?

— Sim, eu sei. Estarei em casa.

— Ótimo. Tchau. – diz Frank abraçando Katniss novamente.

— Tchau, vô. – devolve Katniss.

— Tchau, Peeta. – diz o velho pra mim.

— Adeus. – respondo.

O velho sai e Katniss se atira no sofá.

Me sentei ao seu lado. Mas que droga! Procurei o avô da Katniss para conseguir respostas e ele me traz mais perguntas.

Katniss encosta a cabeça no meu ombro.

— Você não deve estar entendendo nada. – suspira ela, abraçando meu braço. Não respondi. Não estava mesmo, e ela estava completamente ciente disto. – Eu sei que devo muitas explicações, mas não vou dizer nada. A única coisa que você vai poder saber é que eu odeio meu pai, tomo remédio controlado e frequentava psicóloga há uns quatro anos atrás.

— Por que você não me conta?

— Não é algo do qual me orgulho. Não quero sair espalhando por aí. Não quero que as pessoas saibam.

— Eu não contaria a ninguém. – sussurro.

Ela solta uma leve risada.

— Não é esta a questão.

— Então qual é a questão?

— Eu não quero perder você. Eu já contei para muita gente o que aconteceu comigo há cinco anos. E eles se afastaram. Johanna e Finnick são os únicos que não desistiram de mim. – ela para por um segundo e em seguida diz – Não pense em perguntar algo para eles. A boca deles é um túmulo.

— São só Johanna e Finnick? O resto... Annie, Madge...

— Eles não sabem de nada. Nem mesmo Gale. Johanna é minha colega de quarto e a pessoa que mais confio depois do meu avô. E Finnick é meu melhor amigo desde que me conheço por gente.

— Eu não me afastaria de você.

— Não importa. Não quero que você saiba. Desculpe pelo dia de hoje. Eu esperava que ele fosse divertido, mas acho que foi confuso.

— Me conte. – suplico segurando a mão dela. – Eu sou seu amigo, não sou?

— É, você é. – ela olha para meus olhos – Sinto muito por isso.

— Eu não sinto. – digo, mas ela apenas volta a deitar a cabeça no meu ombro.

Eu preciso saber o que aconteceu com ela. Isto está me matando.

Tive uma ideia. Mas não acho que seja muito boa. Pensei em contar pra ela o que me aconteceu na metade do mês de agosto. Eu nuca falei disto pra ninguém, com exceção do meu tio. Mas talvez ela conte o que aconteceu com ela. Uma experiência ruim por outra experiência ruim.

Suspirei longamente e apertei mais a sua mão.

— Quer saber o motivo que me trouxe para esta escola? – arrisco perguntar.

No fundo, eu torcia para ela dizer que não queria saber.

— Se você sentir necessidade de contar. – ela responde simplesmente. Isto não é um “não”.

— Tudo bem. – respirei fundo e Katniss se ajeitou no sofá para poder ver meu rosto, mas em momento nenhum soltou a minha mão. – Eu tinha uma namorada, Greta. Ela era simplesmente linda. E meiga. E inteligente. E...

— Acho que já entendi. – sorri ela.

— Ok, desculpa. Eu gostava muito dela. Ela era o tipo de garota que faz você perder o sono de noite e faz você imaginar uma vida toda ao lado dela. Mas... Ela era virgem. Eu não queria que a primeira vez dela fosse de qualquer jeito.

— Ah, você é romântico. – afirma ela.

— É. Eu sou. Bem, teria uma festa na casa de um colega meu. O meu melhor amigo. Tresh. Meus pais tinham um chalé perto da praia e eu ia pegá-la emprestado. Eu pensei em ir à festa e de lá, levar a Greta para o chalé. Ficava perto da casa de Tresh. Mas por alguma razão meus pais decidiram não me deixar ir á festa. Eu fiquei irado. Eu comecei a gritar com os dois. E saí mesmo sem a autorização deles. A festa estava incrível. Vindo de Tresh não dava para se esperar menos do que isto. Greta estava lá. Todos estavam lá. Mas à uma da manhã, decidi pegar Greta e ir para o chalé. Só havia um problema.

— Qual? – Katniss pergunta totalmente interessada na minha história.

— Onde estava Greta?

— Ela sumiu?

— Sim. Eu procurei pela casa inteira. Eu perguntei a todos que cruzavam meu caminho, mas Greta havia sumido. Então eu lembrei: eu tinha avisado ela de que havia deixado a porta do chalé destrancada. Então pensei que ela já estivesse lá, para fazer uma surpresa para mim. Caminhei até o chalé já que era perto. E entro, caminho até o quarto e abro a porta. E realmente tinha uma surpresa pra mim.

— Tinha? – pergunta Katniss mais animada.

— É. A surpresa era Tresh montado em cima da minha namorada.

— Oh... Merda!

— Calma. A história não acaba comigo sendo traído pela minha namorada. Aquela noite, foi, literalmente, a pior da minha vida. Greta havia me visto, ela se enrolou nos lençóis e correu até a minha direção. Mas eu me virei e fugi enquanto ela me chamava desesperadamente e pedia desculpas umas mil vezes. Mas eu simplesmente não quis ouvir. Estava tão atordoado que ao invés de pegar o carro para ir para casa, fui correndo. E tomo outro choque quando chego em casa e ela está tomada de policiais, bombeiros e ambulâncias. Perguntei ao primeiro que vi o que aconteceu. Um policial me respondeu que havia tido um vazamento de gás. A cozinha explodiu e minha família inteira estava na cozinha. Nós tínhamos o hábito de preparar as refeições todos juntos. – Katniss ficou de boca aberta enquanto eu me concentrava em não chorar na frente dela – Não sobreviveu ninguém. – falo não conseguindo segurar uma lágrima.

— Peeta...

— A única coisa que lembro é de ver corpos ensacados saindo da minha casa. Da minha cozinha estar irreconhecível. E da última vez que vi meus pais, foi quando eu estava gritando com eles feito um louco, enquanto eles, em momento algum, levantaram o tom de voz comigo. – não consigo me segurar e outras lágrimas seguem a primeira, junto com um soluço. Katniss pega minha outra mão e a aperta – Eu levei um choque e desabei no chão. Abracei meus joelhos e comecei a chorar sentado no gramado da frente de casa enquanto olhava para a cozinha destruída e sentia ódio de mim mesmo por ter tratado eles daquela forma. Lembro que poderia ter morrido junto com eles. Fui naquela festa só pela Greta. Não queria ir na festa. E no final vê-la me traindo. Enquanto policiais corriam para lá e para cá, fiquei sentado no chão. Até um deles me notar e perguntar quem era eu. O único parente que havia me sobrado foi meu tio. Então passei a morar com ele e vim parar nesta escola. Meu pai, minha mãe, meus três irmãos. Todos mortos. Em uma única noite minha vida virou de cabeça para baixo. E meu tio viajou hoje porque meus pais tinham uma padaria e algumas lojas em Atlantic Beach. E alguém precisa cuidar daquilo enquanto eu não chego à maioridade.

Acabei minha história ali, provando o gosto das minhas próprias lágrimas. Katniss parecia estar em choque. Pois ela continuou a me olhar de boca aberta. Ela se ajoelha no sofá e me abraça. Eu abraço ela de volta, pois ninguém havia me dado um abraço de consolo desde aquele acidente. Choro mais. Passei estes meses trancando tudo dentro de mim e finalmente estava conseguindo colocar para fora. Katniss apoia a cabeça na minha e acaricia meus cabelos.

— Peeta... Eu sinto muito... Muito mesmo.

Não sei quanto tempo ficamos ali. Mas eu estava gostando daquele contato. Da atenção que Katniss estava me fornecendo naquele momento.

— Eu estou bem. – sussurro com a voz embargada.

— Não. Você não está. – ela me abraça com mais força.

— Então eu espero ficar.

— Vem! Vamos lavar seu rosto. – diz ela me puxando pela mão.

Ela sabe lidar com uma pessoa chorando. Por que eu não consegui fazer o mesmo quando foi ela que estava chorando? Ao invés de abraçá-la e dizer que estava tudo bem, eu a beijei. Que tipo de consolo é este?

Ela liga a torneira e eu encharco meu rosto com a água. Quando me olho no espelho. Vejo minha cara vermelha.

— Minha cara está vermelha. – afirmo.

Katniss me faz sentar no vaso.

— É, está sim. – ela seca meu rosto com a toalha. Ela se agacha entre minhas pernas e apoia as mãos em minhas pernas. Fica me olhando. – Tudo bem?

— Eu acho que sim.

— Eu não vou contar a ninguém o que você me contou. Não se preocupe.

— Eu confio em você. – respondo. Ela me encara por mais um tempo até se erguer um pouco mais e beijar de leve meus lábios. Eu não tenho coragem de abrir meus olhos quando ela se afasta, mas sei que ela ainda está aqui. Suas mãos ainda estão apoiadas em minhas pernas. – Por que fez isto? – pergunto sem abrir os olhos.

— Eu não sei bem. Você fez isto comigo quando eu fui dormir com você. Foi reconfortante. Eu gostei.

Quando abro os olhos vejo ela sorrindo.

— Pensei que você fosse dar um tapa e me chamar de pervertido. – sorri de volta.

Ela apenas sacode a cabeça negativamente enquanto ri.

— Estou vendo que você está bem melhor. – diz ela se levantando.

— Foi seu beijo reconfortante que fez isto. – debocho, mas em parte era verdade.

— De nada. – diz ela antes de sair do banheiro.

— De nada. – repito.

Continuo sentado na privada me perguntando se é normal amigos se beijarem quando estão tristes. Talvez no mundo de Katniss Everdeen seja. Me levanto e vou até a cozinha tomar um copo de água.

— Sabe jogar? – ouço a voz de Katniss atrás de mim.

Quando me viro vejo ela segurando um jogo de xadrez.

— Onde conseguiu isto? – pergunto.

— Estava em um armário.

— Sei um pouco. Mas considerando o fato de que eu vou jogar com uma garota...

— Eu tenho um lugar bem bacana para enfiar este seu machismo. – diz Katniss levantando uma sobrancelha.

— Calma. – digo levantando as duas mãos – Era brincadeira. Vamos jogar logo isto.

E não é que ela me ganha?

— O que você estava dizendo? Jogar com uma garota e tal... – debocha ela enquanto guarda as peças.

— Tudo bem. Vamos deixar quieto.

Ela ri.

— Temos que arrumar nossas coisas, daqui a pouco teremos que voltar para os quartos.

— Tudo bem.

Arrumamos nossas coisas, que não eram muitas.

— Gostou de passar o feriado na escola? – pergunta ela enquanto caminhamos pela trilha.

— É, não foi tão ruim assim.

— Eu vou com você até seu quarto.

Caminhamos até o prédio D e chegamos no meu quarto.

— Bem-vinda ao Meu Quarto Traço Quarto do Gale. – digo jogando a mochila na cama.

— Será que vocês nunca arrumam as camas? – pergunta ela olhando para nossas camas.

— Pra quê? Vão estar bagunçadas de noite de novo. – digo tirando as coisas de dentro da minha mochila.

— Uau, este quarto exala masculinidade. – ri ela enquanto senta na minha cama. Eu apenas rio junto. – Obrigada por me fazer companhia hoje.

— Eu que agradeço.

Ela se estica pegando meu relógio despertador da cômoda.

— Um relógio despertador? Por que não usa o despertador do celular?

— Porque eu apaguei o despertador do meu celular sem querer. – falo sério mas ela cai na risada. Eu acabo rindo junto – O quê!? É tão difícil de acreditar nisto?

— Na verdade é sim. – diz ela pegando um álbum de fotos que fica embaixo do relógio despertador. – Posso? – pergunta ela levantando o álbum.

— Claro. – falo indo até o banheiro guardar a escova de dentes.

Não sei bem porque trouxe aquele álbum para cá. Estão cheias de fotos da minha família, dos meus amigos, enfim, da minha vida em Atlantic Beach. Não abri aquele álbum desde que fui morar no tio Phil. Sou muito covarde para olhar o passado.

Sentei ao lado de Katniss e ela parecia olhar cada detalhe das fotos.

— São seus irmãos? – pergunta ela apontando para uma das fotos.

Na foto eles estavam rindo enquanto apontavam para mim que estava dentro da piscina atrás deles. Esta foto era do verão do ano passado.

— É. Eles estão rindo porque antes de minha mãe bater a foto, eles haviam me jogado dentro da piscina. Não era fácil ser o irmão mais novo. – rio sem humor.

— Nem imagino. Mas acho que o que dizem é verdade.

— O que dizem? – pergunto sem entender.

— Que o filho mais novo é o mais bonito. – ri ela.

— Oh, obrigado pelo elogio. – rio.

— Não há de que. – ela vira a página e eu visualizo uma foto da Greta – Quem é ela?

— Greta. – respondo rapidamente.

— Ela é linda mesmo. Mas por que ainda tem uma foto dela no seu álbum? Você a perdoou?

— Nunca. – falo sem pensar.

Nunca a perdoaria. Ela tentou me ligar alguns dias depois, mas eu já estava no meu tio. Ela pediu perdão, mas eu falei que nunca a perdoaria.

Katniss retira a foto do álbum.

— Então podemos tirar esta? – diz ela balançando a foto para mim.

— Acho que sim.

— Por quê? – pergunta ela.

— Por quê? – pergunto pasmo.

— É. – ela olha para a foto. – É uma foto tão bonita. Por que quer se desfazer da garota que um dia foi a mulher da sua vida? Eu quero saber o por quê.

Agora eu estava ficando irritado. O que ela estava fazendo? Estava debochando de mim? Ela sabe o por quê.

— Porque ela é uma vadia e eu nunca mais quero ver a fuça desta vagabunda. – falo irritado.

Katniss sorri.

— É assim que se fala. Vem comigo. – diz ela largando o álbum na cama e caminhando até o banheiro com a foto na mão.

Ela me para na frente da pia e eu me pergunto o que ela vai fazer. Ela coloca a foto na minha mão e tira um isqueiro do bolso. Estende o objeto na minha direção, mas eu apenas olho confuso.

— Por que você tem um isqueiro no bolso? – pergunto.

— Eu roubei da cabana. Agora queime a foto.

— Queimar a foto? – pergunto.

— Sim. Queime a maldita foto. Você não quer se livrar dela? Ou vai deixar Greta ficar na sua vida?

— De jeito nenhum. – falo arrancando o isqueiro da mão dela e acendendo na foto.

A foto foi tomada pelas chamas e eu larguei dentro da pia vendo Greta queimando. Eu gostei da sensação. Não é loucura sentir prazer ao queimar uma foto? Me sinto aliviado. Parece que deixei um passado antigo para trás. Não me sinto assim desde as férias. Sorri para a foto.

— Diga adeus para a Greta, Peeta. – Katniss sussurra no meu ouvido como se estivesse falando com uma criança.

— Adeus sua grande vadia. Entre parênteses: Greta. – digo sorrindo mais para as cinzas das fotos.

— Como se sente? – pergunta a garota ao meu lado.

Eu me viro para Katniss e sorrio para ela.

— Traga a porra do álbum de fotografias, por favor. – peço.

Ela sorri com a minha resposta.

— Opa, palavrões. Acho que estamos chegando a algum lugar. Já volto. – ela sai e volta correndo com o álbum e me entrega. – Divirta-se.

— Pode deixar. – folheio o álbum e pego uma foto de Tresh arremessando a bola de basquete na cesta. – Esta? – pergunto mostrando a foto para Katniss.

— As fotos são suas. A raiva é sua. A vida é sua. A terapia é sua. Então: a escolha é sua. – afirma ela.

— Beleza. – digo acendendo o isqueiro e queimando a foto.

— Eu queimei todas as fotos do meu pai. – conta Katniss enquanto eu rio histericamente para a foto na pia. – Quebrei tantos quadros de casa. Não há nem uma foto do meu pai lá em casa agora. Minha mãe ficou tão furiosa. Mas eu nem me importei. Adorei aquela sensação.

— Eu sei bem como você se sentiu. – afirmo folheando o álbum.

Pego uma que está minha família toda e Tresh no canto. Eu a peguei e já ia colocar fogo nela, mas Katniss segurou meu braço. Eu a olhei confuso.

— Não! Você vai colocar fogo na sua família? – pergunta ela.

— Oh, não! O que eu faço com esta foto então? – pergunto.

— Você corta a pessoa.

— Só um segundo. – peço.

Vou ao quarto em busca do meu estojo. Há uma tesoura lá. Quando a acho volto para o banheiro e corto Tresh da foto.

— Isso. – diz Katniss.

— Eu queimo? – pergunto olhando para o pedaço de foto na minha mão.

— Ou pode cortar em pedacinhos. Só que isto faz muita sujeira. Eu sugiro que queime sim.

Coloco fogo nesta foto e em tantas outras e cada vez que vejo as chamas consumindo Greta e Tresh rio comigo mesmo enquanto Katniss só assiste. O álbum ficou bem mais leve, assim como minha alma.

— Vou precisar de fotos novas para completar o álbum de novo. – afirmo enquanto voltamos para o quarto.

— Ah! Mas é só tirar fotos novas. – diz Katniss, pegando meu celular da cômoda. – Você precisa colocar uma senha no seu celular, Peeta.

— O que vai fazer? – pergunto.

— Vamos tirar uma foto. – diz ela ligando a câmera. Ela se ajoelha na cama e fica atrás de mim. Mira a câmera do celular para nós, enquanto encaixa o rosto no meu ombro, ao lado do meu rosto. – Sorria! – eu sorrio para a câmera e ouço o “Click!” da câmera quando a foto é tirada. Katniss senta ao meu lado, olhando para a foto. – Olha! Ficou bonita! Revele ela no Feriado de Dia de Ação de Graças e coloque no seu álbum.

— Me deixe ver. – falo pegando o celular da mão dela. Olhei para a foto. Katniss sorria comigo. Seu sorriso demostrava muito mais emoção que o meu. Nada que eu não espere de uma farsante como ela. – Ficou boa mesmo.

— Ficamos bonitos juntos. – afirma ela deitando de barriga para cima na minha cama. Continuei a olhar para a foto. Ela tem razão. Ficamos bonitos juntos. – Ok. Não vá babar em cima do celular.

— Desculpa. – falo rindo e largando o aparelho na cômoda novamente.

— Eu tive uma ideia! – diz ela de repente sentando na cama.

Eu levo um susto e pulo.

— O quê? – pergunto enquanto me recupero do choque.

— Desculpa, eu não quis assustar você. – diz ela. – Bem, eu tive uma ideia. Você vai ligar pra ela!

— Ela quem? – pergunto sem querer acreditar que era quem eu estava pensando.

— Para Greta, é claro. – era quem eu estava pensando mesmo.

— Não! Não vou ligar para ela. Por que eu faria isto? – pergunto me levantando.

— Você chamou ela de vadia. Disse que nunca mais quer ver a fuça dela na sua frente.

— E daí?

— E daí que você precisa dizer isto na cara dela. Porra, Peeta! Ela traiu você com seu melhor amigo. Mande ela se foder! - Olho para ela em choque. Nunca a ouvi falando palavrões.

— O que foi? Ah, claro! Desculpa, me empolguei. Garotas falam palavrões, sabia? Desculpa se não sou uma patricinha nojenta. Quer saber? Até as patricinhas falam palavrões. – ela sacode as mãos. – Esquece isto! Liga para ela.

— Não! – falo.

— Liga!

— Não.

— Aposto que você ainda tem o número dela no celular. – diz ela pegando meu celular e mexendo. – Se você não fizer isto, eu vou ligar para ela e dizer que sou sua namorada, e depois mandar ela se foder por você.

— Me dê isso. – digo me aproximando mais, mas ela pula da cama. – Katniss!

— Só se você ligar para ela.

— Mas que merda, Katniss! Ok! Me dá a bosta do meu celular que eu ligo pra ela.

Katniss dá a volta na cama e me entrega o celular com um sorriso satisfeito.

— Coloque no viva voz. Quero ouvir. – pede ela.

— Você é folgada, hein!

— Obrigada pelo elogio.

Ligo para Greta e coloco no viva voz.

Alô. – ouço a voz da Greta no outro lado da linha.

Junto com a voz dela veio uma onda de lembranças das coisas estupidamente românticas que fiz pra ela. No final, eu ganho em troca a visão do meu melhor amigo em cima dela. Uma onda de raiva subiu pelo meu sangue. Katniss ficou séria quando me viu alternado.

— É o Peeta. – falo, tentando manter o som da voz estável.

Peeta? Oh, meu Deus! Como vai você? Eu sinto tanto a sua falta, amor! Você não sabe o quanto me arrependo de ter sido uma idiota com você. Por favor, meu pãozinho doce! Me perdoe!

Minha raiva sumiu quando ouvi a voz doce dela implorando meu perdão. Katniss revirou os olhos e saiu em busca de algo. Ela pegou um caderno e uma caneta minha e começou a escrever. Ela falou apenas com os lábios: “Fale com uma voz firme”. Li o que estava no caderno tentando falar com uma voz firme.

— Na verdade não liguei para ouvir seu mimimi, Greta! Liguei para dizer o que quero dizer pra você desde que vi Tresh montado em você como se você fosse uma égua.

Peeta! – é a reposta que obtenho enquanto Katniss vira o caderno e continua a escrever.

— Cale a boca, e me ouça sua grande vadia desgraçada. – continuo a ler. – Você quebrou meu coração. Eu confiava em você. E ver você com outro é algo que nunca me passou pela cabeça. – lembro da cena do chalé e descubro por mim mesmo as palavras que devo usar – Então quer saber? Eu só tenho uma coisa a dizer pra você. – Katniss me olha confusa e olha para o caderno vendo que não foi aquilo que ela escreveu. Ela volta a me olhar com um sorriso no rosto enquanto joga o caderno na cama – Vá se foder, Greta! Vá você e o Tresh para o quinto dos infernos. Espero que um tsunami atinga Atlantic Beach e vocês morram afogados.

PEETA! – grita Greta.

Katniss se apoia na escrivaninha.

— Amor! Com quem está falando? – diz Katniss com uma voz melosa acompanhado de um sorriso e de uma piscadela.

Quem é essa? – pergunta Greta com uma voz indiferente.

— É a minha namorada, Greta. Uma garota linda, talentosa, atenciosa. E com certeza, uma garota bem melhor que você.

Namorada? – pergunta Greta parecendo irritada.

— Vamos, Peeta! – diz Katniss – Eu esquentei o seu lado da cama pra você, meu ursinho! Não me deixa esperando.

— Estou indo, minha linda! – eu grito para Katniss e volto a falar com Greta – Vou ter que desligar. Não quero deixar o meu anjo na cama esperando. Foi bom falar com você. Mande o Tresh se foder por mim. Obrigado. Adeus, vadia.

Eu desligo na cara dela, sem dar chance de ouvir alguma resposta dela. Katniss e eu ficamos nos encarando até que ambos caímos na risada ao mesmo tempo.

— Que merda foi esta? “Adeus, vadia”? – pergunta ela sem conseguir parar de rir – Você é genial, Peeta.

— Tive que pensar rápido. – argumentei.

— Nossa! Você pegou pesado. “Não quero deixar o meu anjo na cama esperando”. Caramba! Se fosse comigo, me mataria. Uau! Foi o melhor trote que dei na minha vida. Como se sente depois disto?

— Leve como uma pluma. – admito sentando na cama.

— Sabia que se sentiria assim. Regra número um: não deixe seu passado preso dentro de você. Coloque a raiva e ressentimento em objetos, como você fez com as fotos, e xingue as pessoas que destruíram você, como a sua ex-namorada.

— Pode deixar, minha terapeuta particular. – levanto o polegar para ela.

Neste instante a porta é aberta e Gale passa por ela.

— Katniss, minha gata! O que faz aqui? – pergunta Gale jogando a mochila na cama.

— Estava fazendo companhia para Peeta até você chegar. – diz ela indo ao encontro de Gale, dando um beijo nele.

Me ocupo excluindo mensagens do meu celular. Não sou obrigado a assistir o romance de Gale e Katniss.

— Que bom. – responde Gale. – Eu vou tomar um banho.

— Ok. Vou pro meu quarto esperar a Johanna. – diz Katniss enquanto Gale pega uma toalha e vai para o banheiro.

— Até amanhã, gata. – diz Gale antes de entrar no banheiro.

— Vou indo, Peeta. Foi bom ficar com você este tempo. Tchau. – diz Katniss e logo se aproxima me deixando um beijo novamente no canto dos meus lábios.

Mas por que ela faz isto?

— Tchau. – digo meio inerte.

Ela sorri com os lábios cerrados e some do meu quarto.

Desabo com as minhas costas na cama e penso o que foi este dia.

Katniss aparece no meu quarto no meio da noite, chorando e pede para dormir comigo. Eu a beijo por um motivo que nem eu mesmo reconheço.

Deus! Eu a beijei! Ela me beijou! O que isto significa? Como fiz isto? Como tive este dia todo com ela? Se fosse outra garota, eu nunca faria isto. Eu provavelmente nem a permitiria dormir na mesma cama que a minha. Por que as coisas mudam quando Katniss é a garota?

Eu perguntei a ela se era virgem! Como consegui fazer esta pergunta simples sair da minha boca? Não perguntei isto nem a Greta! Foi ela que me contou no início do nosso namoro.

Eu sou um cara tão tímido, mas esta palavra some quando estou com Katniss. Ela me faz esquecer o conceito de timidez. Como?!

Ela está me levando à beira da loucura.

Não! Ela é a loucura em pessoa!

Queimei metade do meu álbum de fotos! Isto parece uma loucura tão grande agora, mas quando fiz isto com Katniss não parecia.

Ela faz tudo que seja estranho parecer normal.

Esta garota está mexendo com minha cabeça.

Com minha personalidade.

Com minha sanidade.

Esta garota está mexendo comigo por inteiro.


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Notas finais do capítulo

Coitado do Peeta, né pessoal? Eu fiquei tão triste escrevendo o que aconteceu nas férias dele. Sei que vocês irão me chamar de louca, mas não era isto que eu tinha em mente para ele. Eu ia escrever algo bem diferente nesta fanfic inteira, mas os personagens não deixaram. Eles sentaram ao meu lado enquanto eu digitava e disseram: "Não, não foi isto que aconteceu. Foi isto..." E... Bem, apenas escrevi o que eles me contavam.
Eu sei, podem me chamar de louca, hahaha.
PS.: A música que a Katniss cantou no banho se chama "Hurt", do Johny Cash.
PS².: O gosto musical da Katniss é diferente do meu. Hehehe.
Espero que tenham gostado do capítulo. Até domingo que vem.
Beijocas da Tia Rafú pra vocês. ;)



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