Ciranda escrita por Felipe Martins


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Essa é a primeira vez que eu escrevo um angst, então não sei se ele ficou muito choroso, não. Bom, eu espero que você goste! ♥

Boa leitura!



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As oferendas foram colocadas em ordem crescente, dispostas sob um prato próprio para isso. As cores vibrantes chamavam a atenção em meio à cor escura que predominava no local e os novos aromas pareciam ser levados à estátua posta num local estratégico como forma de dizê-la “sua devota chegou e lhe traz oferendas com um puro e sincero coração.”

— Ganesha, eu preciso da sua ajuda.

Kala mantinha-se impassível diante da estátua de mármore cuidadosamente colorida. Desde criança, fazia as suas preces àquela deusa mais por fé que por hábito. Sabia desde que se entendia por gente que, quando tudo soasse impossível e não houvesse a quem recorrer, o templo era sua casa e Ganesha, sua mãe.

— Eu sei que não sou digna de sua atenção, tendo tantos problemas no mundo, mas... por favor, me escute.

Seus dedos valsavam nervosamente, apoiados nas pernas levemente trêmulas e coordenados com um suspiro profundo.

— Sempre fui ensinada a cuidar da família antes até de mim mesma. Há um provérbio indiano que diz "O sorriso que dás volta para ti mesmo" e sinto que é esse o meu grande problema.

Silêncio. Pensou um pouco e observou as outras estátuas ao seu redor, procurando palavras e forças para o resto.

— Como você já bem sabe, eu vou me casar com Rajan daqui a um tempo indefinido e não o amo. O problema é que, bem, faz um tempo desde que nos falamos e... eu conheci alguém novo. E algo novo após uma única música.

Sorriu involuntariamente. Era natural que, ao pensar em Wolfgang, seus lábios insistissem em forma um arco ao invés de se encolherem, como quando viam o CEO da empresa em que trabalhava.

— Ele sabe me fazer bem e todos, apesar de não saberem de sua existência, não precisam de muito para saber disso. O maior problema é que há uma pequena confusão nisso e tenho visto uma confusão maior que eu nesse casamento.

Pausa. Olhos abertos. Pensamentos distantes. Presença constante. Âmago ardente, mas não pelo bonzinho.

— Entretanto, mostrou-se não ser perfeito e resolveu deixar isso bem claro para mim. Não garanto que esquecerei tão cedo e não sei o que pensar a respeito, na verdade... é isso que me causa confusão. O que eu devo fazer? Como proceder?

A indiana apertou o pano da sua saia amarela. Fazia um dia radiante naquela manhã, então não viu problemas em usar roupas mais frescas principalmente para esquecer do fardo que carregava consigo ao entrar ali.

— O que mais me afeta — confessou — é que todos dizem que será tudo perfeito, mas... se nada é perfeito, como isso seria? Como eu posso cobrar tanto do homem que me ama (muito além do que ele pode controlar, aliás)? E como todas as pessoas nunca notaram meu desconforto, inclusive meus pais?

Mais uma vez, olhava aos lados, um pouco desconfortada com aquela situação. Não pelo fato de conversar tranquilamente com aquela que confiava, mas por escutar constantemente um murmúrio no seu subconsciente.



Bem distante dali, Wolfgang ouvia uma música para concentração enquanto analisava a chuva caindo do lado de fora do seu apartamento e ouviu ao longe o que parecia algum murmúrio de Kala. Olhou para os lados e subitamente viu-se dentro do templo, atrás dela. Percebendo que ela parecia mais concentrada que o normal, ficou quieto atrás de uma coluna, observando-a falar.

Ela continuou:

— Infelizmente, eu acho que sei qual é o melhor jeito de resolver essa situação, mas... eu não quero. Não parece ser o certo. Não... eu não quero. Mas resolvi pedir a sua confirmação, porque sei que você sempre buscará o melhor para mim — olhou para frente, mirando uma janela, constatando que o céu parecia bem azul, e continuou a falar —, então peço uma única confirmação para ti: se os céus regerem alguma chuva para quando eu sair desse templo, saberei que você aprova o meu casamento com Rajan e, por isso, casarei com ele sem receios, pois sei que você me dará forças para isso.

Dessa vez a pausa foi curta. Suspirou novamente.

— Porém, se não cair uma gota de chuva quando eu chegar lá fora, saberei que o coração fala mais alto que a mente.

Apertou a barra da saia.

— Nos dois casos, dê-me forças, por favor. Não conseguirei fazer tudo sozinha.

Olhou pela última vez nos olhos do Removedor de Obstáculos e levantou-se, limpando um pouco de pó do seu corpo. Olhou para os lados, sentindo alguém observá-la, mas como não encontrou ninguém, resolveu ir embora.



Wolfgang, agora na Alemanha, via a chuva ao seu redor como sua sina. A cada barulho de trovão, sentia sua raiva crescendo mais e mais, sentindo que aquilo que considerava ser seu eternamente simplesmente fluiria das suas mãos à eterna lamentação por umas míseras gotas d’água. Num ímpeto furioso, socou a mesa à sua frente, quase que imitando o trovão que há pouco soara ali.



Kala sentia que algo estava errado desde que entrara no templo. Aquela ventania não era comum em monções de inverno e tampouco naquele mês, o que a deixou meio receosa.

Ao sair do templo, não olhou para o céu com medo de seus temores se confirmarem. Porém, não pôde ignorar o mandar divino quando, em um ambiente completamente aberto, uma gota caiu sobre o seu braço.

“Talvez tenha sido só uma gota qualquer, não chuva; há muitas pessoas ao meu redor.”

Mas a segunda gota não mentia.

O trovão não mentia.

O céu não mentia.

Uma chuva aparentemente fraca, mas constante começou a cair. Kala sentiu sua pele arder, fosse por susto, por estar desacreditada ou por preferir não ver aquilo que era mostrado. Seus olhos ficaram marejados e a tempestade que surgia dentro de si foi traduzida em lágrimas.

“Não é possível.”

Um calor anormal surgia dentro dela ao mesmo tempo em que sentia a ponta dos seus dedos estarem tão frias quanto gelo, sua saliva simplesmente sumiu de sua boca, assim como as forças de caminhar naquele campo onde sua sina havia sido marcada.

As pessoas corriam ao seu redor, procurando um abrigo para a chuva, mas Kala não sentia nada. Não queria nada. Nada.

“Por quê?”



Dois anos depois, Kala fazia o de sempre: cuidava de seu novo filho, cumprimentava o marido com um beijo apaixonado, resolvia os contratempos do trabalho e falsificava a si mesma numa ciranda eterna do viver.


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