Premonição Chronicles 3 escrita por PW, VinnieCamargo, Felipe Chemim, MV, superieronic, Jamie PineTree, PornScooby


Capítulo 9
Capítulo 09: M u r p h y s_l o v e


Notas iniciais do capítulo

Escrito por 483ViniKaulitz.



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Mariano recostou-se contra a parede da recepção do CAPS, os olhos azuis fixos no ponteiro do relógio na parede oposta. Meio dia. Ele já sabia que era mais um daqueles dias que levariam uma eternidade para acabar, e ele simplesmente não teria nada para fazer. Não tinha ninguém para perturbar, sequer alguém precisando de ajuda. Por incrível que parecesse, o acidente no túnel e a ilha em quarentena tinha diminuído o fluxo de pessoas no prédio do CAPS. No caso, pois o mesmo fluxo de pessoas que geralmente percorriam pelos corredores do Centro de Atenção Psicossocial agora estava enfurnado em algum canto de algum hospital de Cabo da Praga.

            E assim, as horas não passariam. Justamente nesses dias, a vontade de dar o fora daquele lugar, fugir e tentar construir um abrigo, uma segurança, algo para si mesmo, era mais forte.

            Ele sabia que seu cérebro não funcionava como o cérebro das outras pessoas. Ele sabia sobre sua esquizofrenia, e ninguém jamais conheceria a história tão bem quanto ele. Ele sabia sobre suas crises, ele sempre estava consciente do que estava fazendo durante essas crises, mas ainda era algo que não podia controlar. Às vezes sentia-se como uma criança: sabendo que a tomada dá choque, mas mesmo assim continuaria enfiando o dedo para ver se obteria algum resultado diferente.

            Perguntava-se se tivesse sido instruído com religião, as coisas fossem mais fáceis. Passou a vida ao lado de médicos convictos: quase como se seguissem o tal lema de que se algo puder dar errado, vai dar, então nunca viu muito sentido em rezar. Se soubesse como, se conhecesse quais botões ele deveria apertar para enxergar Deus, Jesus e a tribo inteira, pelo menos poderia bater um papo com eles.

            Os médicos haviam tentado colocar na cabeça dele que ele nunca tinha tido visão alguma e não tinha visto o acidente do túnel acontecendo muito antes, em seus pesadelos. Mariano poderia ser louco, mas sabia diferenciar acontecimentos em uma linha de tempo, e também o que não tinha ou não acontecido.

E de qualquer jeito, não era a primeira vez.

Jesus, Mariano. — Mario falou consigo mesmo, mexendo as mãos como se uma estivesse falando com a outra numa voz esganiçada. — Você só tá assim porque é véspera de Natal.

            — Mario? — O rapaz virou-se com o chamado. Era Amélia. — Tá tudo bem?

            — Agora sim. — Ele sorriu, fingindo que nada estava acontecendo. — Tudo ótimo.

            XXXXXX

— Parece uma piada muito longa. — Max comentou, abraçando Natasha por trás. — Quarenta dias trancados na ilha? Isso nunca vai funcionar.

            — Feliz natal, Max.

            — Feliz natal, Nat. Ainda não deixa de parecer uma piada longa e sem graça.

            Natasha sorriu com o aperto de Max, sentindo-se em paz. Estavam no terraço do prédio que moravam, observando o dia estranho se desenvolvendo em Cabo da Praga.

            Desde o dia do acidente, ninguém havia entrado ou saído da cidade, como Vitor havia dito. Em seguida o aviso oficial tinha surgido nas notícias e pareceu uma piada mesmo, mas três dias haviam se passado e a tal quarentena de fato estava acontecendo.

            No lado de fora, as únicas pessoas que eram contra o lacre da cidade era quem tinha familiares lá dentro. O resto das pessoas – todo o mundo – estava ok com aquilo, assim o vírus não iria se espalhar além da ilha.

            — Eu sei que está certo, fazer essa quarentena. — Max encostou o queixo no topo da cabeça de Nat. — Se eu estivesse do lado de fora ia protestar para que trancassem a ilha para sempre. — Ele riu. — Mas a cidade está uma zona, parece um filme de apocalipse.

            — Parece um cenário de Apology Girl. — Natasha riu.

A rua estava praticamente vazia lá embaixo: os prédios e casas pareciam abandonados e as árvores do parque próximo ao apartamento de Nat balançavam calmamente numa sintonia triste. Ouviam sirenes no horizonte.

            — Exato, parece Apology Girl. — Max cutucou Nat, empolgado. — Se tivesse feno por aqui, rolava.

            Natasha tinha a mente em outras coisas. Por exemplo, pessoas atacando e mastigando outras pessoas com violência, que nem o filme do Brad Pitt, mas não quis trazer à tona naquele instante. Parecia que a situação tinha sido controlada nos últimos dias, mas já que o governo apontava que continuariam com o lacre então a situação toda ainda não estava absolutamente segura. E não importava, Natasha continuaria imaginando que quando saísse de casa com Max, um dos dois seria atacado.

            Um barulho atrás dos dois fez eles se virarem. Alisson se desenroscou da portinhola apertada do terraço do prédio e sorriu desconcertada. Tirou um gorro vermelho do bolso da blusa e colocou na cabeça.

            — Feliz véspera de natal, viados. Estou interrompendo alguma coisa?

            — Não está. — Max riu. — Estávamos falando de você agora.

            Natasha revirou os olhos para Max e sorriu para Alisson, encarando os olhos côr de âmbar da garota. Ainda pareciam olhos de raposa, e Nat sequer se lembrava como eram olhos de uma raposa na verdade.

            — Falando de mim?

            — Nem pergunte. — Natasha suspirou. — Ele é trouxa.

            — Alguma novidade no caso Vírus Praga? — Alisson bocejou.

            — Nenhuma. — Natasha deu de ombros. — Ainda trancados. Ainda fodidos.

            Um caminhão surgiu na esquina da rua do prédio, dois homens com roupas seladas brandiam canos que pulverizavam um spray branco em direção aos prédios.

            — Parece um caminhão da dengue. — Natasha riu. — Agora vão nos tratar como bichos. Odeio essa cidade. Já pode admitir que você também odeia, Alisson.

            — Ainda não. Me sinto segura aqui.

            Natasha riu e deu de ombros.

            — Do alto, tudo no mundo parece seguro.

            Um caça sobrevoou o prédio fazendo as vestes do grupo balançar. Os três acompanharam a aeronave voando em direção aos destroços do túnel, na ponte. A fumaça negra ainda se erguia no céu, uma constante lembrança de que algo muito errado tinha acontecido.

            E aparentemente ainda duraria por muito e muito tempo.

            XXX

            Amanda estava recostada contra uma parede da rua, um binóculo nas mãos. Não tinha visto nenhum infectado até aquele instante. Observou um movimento estranho no topo de um edifício e correu observar com um binóculo.

            — Algum zumbi? — O drogadinho do lado dela gemeu. Ele cheirava remédio e crack. — Se for eu quero ver.

            — Lógico que não, blér. — Amanda tirou os binóculos. — É só um casal de otários. E uma vela a tira colo.

            — Você tá no lado errado da cidade, ow. — Drogadinho continuou. — Se quiser ver zumbi é mais pro lado do campo, das fábricas. Nego me disse que lá tá feio. Vaca radioativa e tudo.

            — Se enxerga. — Amanda desdenhou. — Se eu quiser ver vaca, dou a volta na rua e entro na avenida. Um monte de vaca alienada.

            — Você é estranha moça. Inteligente. Crítica do mundo, se acha grande bosta. Tipo de gente que poderia estar fazendo coisa melhor da vida.

            Um carro passou na rua e Amanda encarou e cheirou o carro.

            — E quem disse que eu quero? — Amanda deu de ombros e pôs-se a sair correndo atrás do veículo. — Eu faço o que eu quero!

            — Onde você tá indo? — Drogadinho gritou, quase se desequilibrando.

            — A moça do carro! — Amanda riu enquanto corria e gritava. — Ela me dá pão!

            XXX

            Maria Raja ajeitou o jaleco e apertou a prancheta contra o peito. Saiu da sala da secretaria e deu de frente com Dra. Maciel. As duas sorriram.

            — Terceira vez hoje? — Dra. Maciel tirou uma caneta do próprio bolso do jaleco e riscou uma anotação na própria prancheta.

            — Terceira. — Raja continuou andando, agora em direção a saída do prédio. Precisava pegar os documentos de um paciente que seria transferido de um posto de saúde na Baixa Praga para o Hospital do centro. Era um senhor de idade e a as únicas cópias estavam naquele prédio.

            Os últimos dias passavam num borrão. Raja estava ou cuidando de alguém, ou sendo chamada para cuidar de alguém. Ela não queria admitir, mas estava esgotada.

            — Vai sair do edifício? — Maciel perguntou. O cansaço também era também notado na voz da outra doutora. — Tô indo pra Unidade do centro agora. Quer carona?

            — Aceito. — Raja riu e ajeitou o cabelo.

            As duas viraram o corredor e deram de cara com Mariano e Amélia caindo na risada. Mariano fez uma pose charmosa enquanto as duas se aproximavam enquanto Amélia tapava a boca para interromper o sorriso bobo. Raja sorriu de canto e deu um mini jóia escondido que só Amélia pode enxergar.      

            A jovem estagiária piscou de volta.

            — Trabalhar, senhorita Amélia. — Dra. Maciel advertiu, num tom sério, mas com um sorriso gentil no rosto.

            — Eu já tô indo, desculpa Dra. — Ela sorriu e ajeitou o jaleco enquanto se levantava.

            As duas doutoras chegaram até a saída do prédio do CAPS, então Dra. Maciel abriu a bolsa rapidamente e tirou duas máscaras. Raja pegou a que tinha seu nome etiquetado e colocou ao redor do rosto.

            — A Amélia sabe que ele é esquizofrênico? — Raja perguntou.

            — Ela sabe. — Dra. Maciel respondeu, esticando o elástico da máscara. — Talvez ela seja louca também.

            As duas deram de ombros e saíram andando em direção a carona: uma ambulância.

            XXXX

            Thereza desceu do carro com pressa, rapidamente abriu a porta traseira do veículo, pegou uma caixa que havia recebido para o restaurante e saiu em direção aos fundos do restaurante.

            — Ei?

            Thereza virou-se, assustada.

            — Jesus menina. — Apertou a caixa com força no braço. — Tá querendo me matar é?

            — Eu segui você. — Amanda sorriu. Ela suava da cabeça aos pés, poeira grudando ao redor. O cabelo estava desarrumado e tinha binóculos pendurados ao redor do pescoço.

            — Eu notei. — Thereza tinha visto uma sombra atrás do carro enquanto dirigia até o restaurante, mas achou que era coisa de sua cabeça. Havia metido o pé no acelerador e feito a sombra comer poeira gostoso.

            — E então...?

            — Ah claro. — Thereza forçou um sorriso. — Desculpa, é que eu tô meio assustada ultimamente. — Você espera um pouquinho?

            — Lógico. — Amanda sorriu. — Quer ajuda?

            — Não, obrigada.

            Thereza travou o carro com o botão da chave e andou em direção aos fundos do restaurante.           

            A dona adorava chegar de surpresa. O pânico instantâneo na cara dos funcionários. Só foi ela pisar no degrau dos fundos da cozinha que já viu alguém pulando de susto lá dentro. Inalou o cheiro da comida sendo feita e sentiu-se um pouco aliviada, parecia bom.

            — Márcia? — Empurrou a caixa sobre uma das estantes metálicas e limpou as mãos num pano. — Márcia, tá surda garota?

            Márcia surgiu por trás de um balcão da cozinha. Ela era bonita, um pouco atrapalhada. Tinha olhos castanhos que as vezes pareciam verdes, mas eram só castanhos mesmo.

            — Desculpa, sargento... eu quis dizer Dona. Eu tô meio louca aqui hoje.

            — É, eu notei. — Thereza encarou desconfiada. — Cadê o pão da menina?

            — Nossa, de novo?

            — De novo! — Thereza pegou uma touca, jogou o cabelo dentro com maestria e correu até um caldeirão de feijão. — Essa menina todo santo dia. “Mê vê um pão, senhora” — Thereza imitou. — Senhora...

            — Uma coitada essa moça. — Márcia suspirou enquanto corria pela cozinha atrás do pão.

            — É uma coitada sim. — Thereza provou a sopa e segurou-se para não cuspir. — Jesus, Márcio Vinícius, falta sal aqui! Tá achando que é a gringa e a gente come feijão doce? Tá doido menino! Bota sal no feijão. Meio tempero também.

            — Desculpa senhora...

            — Eu também tô um pouquinho estressada. — Thereza sorriu, agora correndo até uma frigideira com peixes. — Não deveria descontar na coitada da... da... menina.

            — Tá aqui! — Márcia entregou o saco de pão para Thereza.

            — Obrigada, Márcia. — Thereza pegou o pão. — Agora vai atender aquele peixe que já tá virando um polvo, olha que cor esquisita menina. Eu vou resolver um negócio no sindicato e volto logo.

            A mulher voltou com o pão em direção a saída. Parou de último instante, bufou. Arrancou a touca do cabelo, parou na frente do espelhinho dos funcionários e ajeitou o penteado.

            Desviou o olhar e enxergou a menina já na porta dos fundos.

            — . — Thereza entregou o pão para a menina, que agarrou o saco. Esfomeada.

            — Brigada. — Ela sorriu e virou-se, saltitando de volta para a rua.

            Thereza esboçou um sorriso, que pareceu estranho no início, mas então se tornou sincero. A garota desapareceu de vista e a mulher instantaneamente lembrou-se que tinha coisa para fazer. O sorriso desapareceu e então ela tirou as chaves do bolso e destrancou o carro.

            XXX

            “Você acredita em Deus? ”

            A frase ainda ecoava no interior do cérebro confuso de Renan.

            Andava pela rua com umas sacolas do mercado, sem medo e talvez um pouco sem destino. Aquilo parecia clichê, e só pelo fato dele achar aquilo clichê um pouco do coração dele se aquecia.

            Se ele podia sentir e definir coisas como clichê, talvez um fragmento de seu antigo eu estava finalmente escapando pelas rachaduras.

            Bastava ele destruir as paredes para descobrir o resto. E quando ele pensava melhor sobre a questão da esquisitona senhora de dreads, é, talvez tivesse sido Deus mesmo. Ou talvez fosse uma coisa que ele sempre teve, mas não tinha memórias sobre como usar.

            Existia um leque de possibilidades.

            Observava as decorações tristes de natal, esquecidas e muitas vezes desligadas. Tantas vidas tinham sido perdidas que a comemoração da data em si parecia ter se transformado num preparatório para um velório. Virou para entrar numa rua e viu o caminhão da dengue pulverizando as casas, só que com agentes químicos atuando no sistema respiratório dos habitantes da cidade. Talvez fosse a porra de um placebo. Evitou e deixou para pegar a rua seguinte, então ouviu um carro se aproximando.

            — Renan?

            Toda vez que ouvia seu nome sendo chamado por uma voz não familiar, um arrepio deslizava em seu interior, na ideia de que talvez alguém finalmente tivesse o encontrado. Porém, no fundo ele já estava se acostumando com a ideia de que sequer pertencesse a aquela cidade.

            Encarou a mulher no carro. Era a loira do túnel, usando óculos de sol e um vestido chique. A loira que acreditou nele.

            — Thereza, certo? — Renan se aproximou da janela do carro. — Tudo bem?

            — Tudo ótimo. — Ela sorriu. — Graças a você.

            Renan forçou um sorriso, incerto do que dizer.          

            — Você acreditou em mim.

            — Acreditei. — Ela concordou. — Olha, eu também tenho visto algumas coisas...

            — Visões?

            — Não. — Thereza fez uma careta desconfortável. — Escuta, você tem algum compromisso para hoje à noite? Não é uma espécie de encontro, não pense por esse lado... Eu tenho um restaurante, que por incrível que pareça ainda tem movimento, e hoje tem especial de natal e vai ter bastante gente, enfim, eu gostaria de te agradecer de uma maneira. Posso te pagar um...

            — Não precisa nada. — Renan voltou a andar.

            — Eu sei que não precisa, mas não consigo em pensar de um jeito melhor para te agradecer, e eu não vou conseguir me concentrar em nada pensando que te devo alguma coisa...

            — Você não me deve nada. — Renan respondeu. — E o universo não funciona assim, em função de favores, pessoas se ajudam. Se você tivesse visto o que eu vi, você faria o mesmo por mim.

            Thereza encarou em silêncio, um pouco abatida pelas palavras. Renan recuou e sentiu pena.

            — Exatamente. — Thereza mediu as palavras. — Eu quero conversar sobre essas coisas. Quero entender o que aconteceu com você, e também comigo. Por favor, aceite meu convite.

            Renan ponderou sobre o convite. Sorriu, pois sentia que a mulher estava sendo honesta e talvez, seja o que for que ela tivesse vendo, poderia ajudá-lo.

            — Considerando que quem mora comigo vai passar o natal transando, eu aceito seu convite.

            Thereza abriu um grande sorriso.

            — Você é meu convidado de honra. — Ela tirou um cartão com o endereço do restaurante do porta-luvas do carro. — Aparece hein.

            Ela colocou os óculos de volta e ligou o carro.

            — Feliz natal, Thereza.

            — Feliz natal, Renan.

            Renan observou o cartão. Lamounier. Talvez ele precisasse de uma roupa melhor...

            Seus pensamentos foram interrompidos por uma buzina de carro. Virou-se e viu Thereza na esquina discutindo com um casal que andava distraído na frente do carro.

            Thereza também estava nervosa com alguma coisa. Renan guardou o cartão do restaurante no bolso e sentiu-se leve.

            A noite acabaria sendo mais legal do que ele inicialmente imaginava.

            XXX

            — E então eu internei aquela doida. — Alisson terminou, secando os olhos. — Vazei do Brasil.

            Um silêncio pairou sobre a sala de estar de Natasha. Max estava boquiaberto, apoiando o rosto com o braço nos joelhos, ainda processando as informações recebidas. A negra a encarava da parede oposta, os braços cruzados e os olhos lacrimejados. Alfa encarava a janela, os olhos azuis distantes, quase como se não estivesse sintonizado na mesma estação do restante do grupo.

            A sala de estar do apartamento de Natasha era um cômodo pequeno, mas confortável. Dois sofás e uma poltrona reclinável, na qual Max estava empoleirado. Uma mesinha de centro com alguns livros e revistas distribuídos cuidadosamente, quase que calculados. Cada um dos copos de suco (todos da mesma cor) estava posicionado sobre um pires, todos ajeitados por Max também. O desenhista, sério e com a barba por fazer quase chorou de raiva quando Alfa errou o pires e colocou o copo de suco acima do vidro da mesinha. Uma TV 42” ligada num noticiário, mas sem volume.

            Alisson não esperava pena de ninguém quando contava sua história. Ela já havia repetido aquela história umas três vezes, por vezes omitindo, por vezes adicionado pontos para que seu respectivo público entendesse melhor, mas aquela vez tinha sido, de longe, a mais intensa.

            Simplesmente pois aquela história parecia estar se repetindo com aquelas mesmas pessoas.

            — De fato, você é uma Apology Girl. — Max soluçou.

            O grupo se entreolhou. Alfa voltou a encarar o grupo, como se despertasse de um transe. O homem parecia ter apanhado muito nos últimos dias. O que de fato, era verdade.

            — Oi?

            Max virou-se para explicar e Natasha o acenou para não o fazer.

            — Isso não pode estar acontecendo. — Natasha disse suspirando. — Parece um filme.

            — É um filme. — Alisson disse. — Pelo menos era o que todos acreditavam.

            — O filme foi baseado na lenda. — Alfa disse. — Lendas, histórias antigas transformadas em roteiros, isso acontece todo dia.

            — Era para estar acontecendo com a gente agora. — Alisson sorriu fraco para Alfa, que retribuiu.

            — Eu salvo vocês. — Natasha riu. — A morte tem medo de mim. É sério.

Eu já deitei com cadáveres...

            — Ela é viciada em serial killers. — Max advertiu. — É quase um fetiche. Na verdade, é um fetiche se você considerar quando ela se veste como um deles...

            — Xiu Max! — Natasha sussurrou. — O que eu estou tentando dizer, é que já vi muitos casos envolvendo assassinatos, mortes...

            — Ela criou um clube para os amantes de serial killers. — Max continuou. — Bizarríssima.

            Natasha encarou Max.

            — Eu sou uma ótima investigadora. Se a morte começar a atacar que nem os filmes, vocês podem ficar tranquilos.

            Alisson riu. Se ela soubesse...

            — Eu lutei tanto para chegar até aqui. — Natasha continuou com convicção. — Eu percorri um caminho longo na minha vida. Fiquei sozinha por muito tempo, o Max ficou sozinho por muito tempo, e acaba comigo pensar que uma caveira ridícula pode arruinar a nossa história. Essa jornada é minha e não é um saco de ossos que vai acabar com ela.

            Rafaela havia surgido no canto da porta da sala, encarando e divagando sobre a última frase de Natasha com um olhar engraçado na cara. Ela vestia roupas sociais, uniforme de seu trabalho como repórter.

            — Eu sabia que iria encontrar vocês aqui. — Rafaela disse e então encarou o homem disperso por mais tempo que deveria. — Oi Alfa.

            — Oi Rafa.

            — Oi. Enfim, como aparentemente o vírus já foi controlado, estão combinando uma festa perto do porto. Vão acender uma fogueira para as vítimas, soltar fogos de artifício, coisas do tipo.

            — Coisas que não deveriam ser feitas quando você está trancado em quarentena na sua cidade. — Alfa encarou o grupo.

            — Exatamente, lindo. — Rafaela mordeu o lábio inferior. — A galera do jornal tá indo, e enfim, decidi avisar vocês. Não aguento mais ver vocês trancafiados nessa casa, parece que vão mofar. Até a Alisson já tá sumindo nos móveis. Eu consigo ver que ela tá doida pra sair, quer uma companhia, mas não tem coragem de pedir.

            — Lógico que.... Olha, é perigoso, Rafa. — Alisson advertiu. — É absolutamente o pior lugar para ir, considerando o que tá acontecendo, o Alfa está certo.

            — Eu tô com ela. — Max ergueu o braço. Rafaela fez uma careta para ele.

            — Talvez eu vá. — Alfa deu de ombros. — Preciso de um ar. Preciso parar de pensar um pouco nessas coisas.

            — Ok. — Rafaela sorriu.

            — Se o Alfa for, então eu vou. — Natasha deu de ombros. — Se algo tiver que acontecer, então vai acontecer. Quero estar lá pra ver.

            — Não é a melhor das ideias, na minha opinião, mas eu também vou. — Alisson riu.

            — Fechado. — Rafaela sorriu. — Encontro vocês por lá. — A jovem desapareceu da porta novamente.

            — De volta ao trabalho então? — Natasha riu.

            — Que trabalho? — Max riu. — Tá caduca?

            — Ainda que talvez ele seja invisível e carregue uma foice, a Morte é um serial killer. Vamos fazer o que eu sei fazer de melhor...

            Alfa franziu a testa, confuso.

            — Traçar o perfil do assassino, é claro. — Natasha deu de ombros e virou-se para Alisson. — Me fala novamente do garoto amassado pela caixa d’água que eu não entendi nada...

            Alisson começou a falar o que sabia. Observou Alfa levantando-se e andando em direção a janela, de volta em sua própria galáxia.

            A jovem conhecia aquele olhar.

Ele estava perdido.

            XXXX

            — Caso Roswell, 1947. — Gustavo comentou, tapando os olhos de encontro com o sol, finalmente caindo no horizonte. O rapaz andava com uma máscara na mão e um sorriso bobo no rosto. — Primeiro foi de fato anunciado como uma nave extraterrestre que colapsou em solo americano. Foi um oficial que liberou a informação.

            — Horas depois, informaram que na verdade tinha sido um engano e o acidente não passava da queda de um balão meteorológico. — Diana sorriu. — Mais um daqueles casos que o governo acobertou, certo? Pois eu tenho outro ainda melhor.

            Os dois jovens andavam calmamente na rua, próximos a produtora de Alfa. Nenhum dos dois tinha algo a fazer naquela tarde, e acabaram se encontrando por acaso.

— Qual? — Gustavo riu. — Césio 137? Eu tinha é medo desses casos quando passavam no Linha Direta...

            — Incidente em Varginha, 1996. — Diana riu. Ela observou uma expressão de alegria surgir no rosto de Gustavo.

            — Não acredito, como fui esquecer? — Os olhos do rapaz brilharam. — O maior acontecimento acobertado pelo governo Brasileiro, certo? Na verdade, é um caso similar a Roswell, só que sem documentos oficiais.

            — As três meninas ficaram famosas. — Diana comentou. — Eu devia ter pensado em algo assim quando era mais nova.

            — Provavelmente a mídia faria você acreditar na sua mentira e hoje você seria uma lunática. — Gustavo refletiu. — Melhor não.... 11 de setembro de 2001.

            — Esse é um golpe baixo. — Diana disse impressionada. — Tem tantas teorias que você pode escrever um livro...

            — Eu te empresto se quiser. — Gustavo riu. — 2001, Uma Jornada em Nova York.

            — Pois eu adoraria. — Diana riu. Ela pensou sobre as últimas horas com o rapaz e suspirou, aliviada. O dia tinha passado tão rápido com ele... — Obrigada, Gustavo. Eu realmente precisava disso.

            — Eu que agradeço. — Ele riu de volta. — Eu também precisava me distrair um pouco. Desde o dia do acidente...

            O silêncio caiu entre os dois.

            — Cabo da Praga, 2016. — Diana começou com sua voz de narradora. — Existem rumores que a praga foi liberada pelo governo, para testes em sua população...

            — É, eu andei me perguntando se um dia pensariam isso sobre a gente. Não gosto de me imaginar envolvido em algo estranho.

            — Às vezes eu acho que já estamos. — Diana riu baixinho. — Você leu as notícias sobre ácido sulfúrico, certo? Acidentalmente misturado em desinfetantes, sendo distribuídos aqui em Praga... E também, considere a doida que quase atropelou a gente, vai que ela seja militar do governo? Gus, eles estão eliminando evidências!

            — Considerando o que aconteceu, eu não duvido. — Gustavo riu. — Não duvido de mais nada...

            Os dois observaram uma senhora de dreads sendo perseguida aos trancos e barrancos por uma ameaça invisível. Trocaram um olhar sinistro e franziram ao mesmo tempo.

— Está acontecendo... — Diana narrou.

            XXXX

            — Onde você vai passar o natal, Mario? — Amélia perguntou, os cabelos agora amarrados num coque bonito. Ele observou a por alguns segundos enquanto ela assinava a ata de presença, prestes a ir embora.

            — Ué, aqui mesmo. Não gosta dos meus planos?

            — Não é isso. — Amélia riu, envergonhada. — Achei que você encontraria alguns colegas, amigos, quem sabe?

            — Eu já falei que não tenho amigos. — Mariano riu desconfortável. — Na verdade eu tenho o Marco e a Janisce, que agora estão com suas famílias. Eles me convidaram para ir com eles, mas eu não me sentiria confortável. Eles já têm a cota de louco da família preenchida faz muito tempo, não precisam de adicional.

            — Não é bem assim....

            — É difícil de achar companheiros quando todo mundo te trata como uma BOMBA RELÓGIO! — Mariano gritou em direção aos seguranças próximos a entrada da recepção. Alguns pacientes olharam preocupados para ele. — Mas tudo bem, eu me acostumei.

            — Pois não devia. — Amélia o encarou. — Toda pessoa boa que você encontrar e parecer importante para você, que aparentemente se importa com você, vai esperar que você devolva o seu melhor para ela. É simples.

            — Você não está me cantando, né Amélia?

            Amélia ficou vermelha.

            — Lógico que não, Mariano. Você é muito bobo...

            — Se não estava me cantando, então porque está da cor do extintor?

            Amélia pensou em dizer algo, mas pausou. Olhou para o canto, refletindo, e Mariano a encarou, os olhos semicerrados como se tentasse decifrá-la.

            — Vem comigo. — Ela pegou-o pela mão e levou-o ao corredor oposto a porta de saída do prédio.

            — Eu acho que estou entendendo... — ele riu.

            — Cala a boca, Mariano. — Ela sussurrou e o encarou. — Você não vai passar o natal sozinho...

            XXX

            A estranha névoa de negatividade que cobria a cidade estava finalmente se desfazendo. Já era quase 20:00 horas e era possível ver os fogos de artifício explodindo acima do Porto Albuquerque. A fumaça no ar, visível devido a iluminação gerada pelos fogos refletia uma cor laranjada que Natasha presumiu que seria a fogueira.

            Max e Natasha andavam de mãos dadas. Ele vestia um moletom com capuz e uma calça jeans, Nat vestia uma jaqueta e jeans também e Alisson estava enrolada num sobretudo. O frio do sul do país tinha atingido em cheio aquela época, contudo as pessoas na rua pareciam mais alegres e dispostas do que nos últimos dias. Muitos haviam pintado as caras de vermelho e branco, um suporte as cores do brasão de Praga, e talvez também, uma singela homenagem ao natal. A maioria das pessoas parecia estar indo em direção ao porto, e pela primeira vez desde o acidente, a cidade parecia voltar a ser um reflexo um pouco distorcido do que um dia já havia sido.

            — Eu nunca vou odiar a sua cidade, Nat. — Alisson riu.

            — Eu também acho que não. — Natasha riu de volta. — Só as vezes.

            Natasha se perguntava se Alfa apareceria mesmo. O cineasta havia combinado de dar as caras também, mas ela achou que ele só não queria fazer desfeita. Ele tinha perdido muita coisa.

            Os fogos explodiram próximos demais e Max apertou a mão de Nat com força. Ela afagou a mão dele e puxou-o mais próximo de si.

            — Então, pelo que eu entendi... — Natasha comentou. — A morte só ataca com testemunhas por perto? Isso quer dizer que essa noite é uma oportunidade perfeita?

            — Mais ou menos. — Alisson a encarou. — Olha, eu errei em contar aquilo para vocês. Eu deveria estar dando suporte, agradecendo o que vocês estão fazendo por mim, e estou aqui enchendo a sua cabeça com essas coisas.

            — Alisson, se você acha algo estranho demais, eu confio em você. Não existe problema nenhum em prevenir...

            — Prevenir é uma coisa, agora botar merda na cabeça de vocês é totalmente diferente. — Alisson aqueceu-se em seu sobretudo. — Olha, qualquer um poderia ter previsto um acidente no túnel, simplesmente pois era óbvio. Estava claro que algo aconteceria. Todos nós vimos o horror que estava lá. O acidente teve uma proporção gigante, ok, mas é isso que aconteceu e ponto. Esquece tudo o que eu falei, okay?

            Natasha iria responder, então alguém gritou o que pareceu ser um berro de um suíno. Todos na rua pareceram congelar por um instante, com medo de que talvez a contaminação estivesse de volta, então logo ficou claro que era apenas uma risada embriagada de uma moça feliz.

            Max e Natasha se encararam, absorvendo a sensação de que a cidade continuava traumatizada pelos incidentes. Não era de se esperar menos. Natasha lembrou se do ditado que sua mãe, Úrsula, costumava dizer: “Você pode colar de volta todos os cacos de um coração, mas ele nunca mais vai ser o mesmo”.

            E era exatamente aquilo. O coração de Praga se recuperaria e cresceria a partir daquilo, mas era evidente que a cidade nunca mais seria o que costumava ser.

O trauma duraria para sempre.

            — Ei. — Alisson cutucou Natasha. — Aquele não é o Renan? O que viu o acidente?

            Natasha olhou. Max nunca saberia, mas Natasha identificaria aquele que homem em mil quilômetros. E lá ele estava, sentadinho numa mesa próxima a vitrine, no interior do Restaurante Lamounier.

            — É ele sim. — Natasha disse.

            — Chegamos tarde?

            Os três se viraram. Alfa vestia uma camiseta azul e branca dos Yankees de Nova York com o número 18, um boné escuro e social, e sentada ao redor de seus ombros estava Ester. E nos braços de Ester uma chinchila parecia desesperada.

            — Chegaram na hora. — Natasha aproximou-se sorrindo e brincou com Ester. A garotinha pareceu aprovar a mulher e sorriu.

            — Olha quem tá ali no Lamounier. — Max comentou. — O cara que teve a visão.

            Alfa pareceu interessado. Uma expressão curiosa em seu rosto.

            — Vocês acham que a gente deveria ir falar com ele? — Alisson perguntou.

            — Lógico! — Nat e Alfa exclamaram em uníssono. Ambos riram e saíram andando em direção ao restaurante, com Ester se divertindo observando o mundo de uma posição privilegiada.

            Max e Alisson se encararam sérios, ambos abandonados. Seguiram os dois.

            XXXX

Pessoas rezavam, algumas choravam, e outras apenas observavam a fogueira – incluindo Diana e Gustavo. Os dois haviam passado a tarde conversando, e então haviam decidido passar algumas horas na fogueira.

Algumas pessoas vestidas de Papai Noel, ou até roupas com acessórios natalinos corriam pelo lugar, mantendo acesa a chama da data. Outros ainda usavam máscaras, assustados, e não era de se estranhar. Gustavo tinha deixado a sua em casa. Algumas dezenas de metros de distância, eles podiam ver o que poderia ser chamado de litoral da Ilha, contudo ninguém se arriscava a brincar na água. O rio refletia os desenhos dos fogos de artifício coloridos no céu de Praga.

            — Tá tudo bem? — Gustavo sentiu Diana se encolhendo.

            — Não acha que esses fogos estão pertos demais? — Ela disse com uma expressão de medo sutil.

            — McKinley, Pensilvânia, 2005. — Gustavo começou. — Quatro pessoas morreram devido a um incidente...

            — Não. — Diana interrompeu. — Estou falando sério.

            — Você tem medo de fogos? — Gustavo riu. — Você?

            — Lógico que não. — Diana fechou a cara. — Só acho que estão próximos demais.

            — É impressão. — Gustavo riu. Quase como uma piada sinistra, fogos de artifício estouraram acima dos dois. Diana abaixou-se de reflexo e apertou o braço do jovem.

            Ele sentiu o aperto e suspirou. Sorriu para ela.

            XXXX

            — Então, esse é o tal lugar? — Mariano riu. — Só isso?

Ele parecia desapontado, mas Amélia não estava completamente surpresa e nem ressentida. Ela não esperava que de imediato Mariano começasse a sentir nostalgias, sendo que apenas Amélia teria memórias boas daquele lugar.

Talvez ela estivesse começando a se arrepender.

            Ela tinha escapado do edifício do CAPS com Mariano. E não tinha sido difícil, visto que a maioria dos seguranças estavam de licença ou folga devido ao feriado, e não tinha muita gente nas garagens. E então, Amélia havia trazido o rapaz para o topo de seu prédio.       

Durante a viagem de carro, Mariano havia falado que iria buscar vingança e tentar recuperar o dinheiro de sua família de volta, e Amélia tratou de acalmá-lo. Decidiu omitir a parte que aquilo seria uma tarefa impossível.

Agora o rapaz encarava os prédios iluminados de Cabo, e ainda mais distante, as outras cidades fora da ilha e do outro lado da ponte, visíveis no horizonte apenas por seus pontos de luzes misturados.

            — Não é muita coisa, eu sei. — Ela admitiu. — Só te trouxe para mostrar a cidade de um ângulo que talvez você não tenha visto ainda. Logo eu te levo lá na fogueira.

            — Tudo bem. — Ele riu e apontou para a ponte de saída da ilha no horizonte e para alguns helicópteros que a circulavam com seus flashes poderosos de luz. — O que você acha que tá acontecendo?

            — Aparentemente algumas pessoas estão conseguindo atravessar os escombros para o outro lado. Estão apenas vigiando e segurando esse pessoal.

            — Não vão conseguir vigiar aquele trecho inteiro até a tal da quarentena acabar. — Ele coçou o queixo. — Haja combustível.

            — Provavelmente vão pensar em algo melhor. Mario, hmm, posso te fazer uma pergunta?

            — Faça né.

            — Ok. — Amélia evitou o tom de Mariano, acostumada. — O que você viu antes do acidente?

            Mariano a encarou.

            — Como você sabia?

            — Até você, Amélia?

            — Oi?

            — ATÉ VOCÊ? VOCÊS NÃO ME DÃO SOSSEGO?

— Não Mario, eu não...

            — É SEMPRE A MESMA COISA! — Ele cuspia enquanto falava. — Toda maldita conversa que eu entro, já querem invadir meu psicológico! EU NÃO MEREÇO ISSO, AMÉLIA! — Ele levou as mãos a cabeça, quase como se estivesse prestes a explodir!

— Mario, pelo amor de Deus, não é nada disso!

            — “Você não deve ter visto nada, Mariano. Você é apenas louco! Você sequer aprendeu a usar seu coração!” — Ele imitou os médicos. — Eu devia saber que você é só uma estagiária do Alex. O Alex é um saco!

            — Mario, me escuta! — Amélia agarrou no pulso dele. — É exatamente esse o problema!

            — Que problema? Todo mundo tentando abrir meu cérebro e falando sobre mim como se soubessem como eu funciono? Como se eu não estivesse presente?

            — Eu sei que já fizeram isso com você! — Ela cuspiu dessa vez. — Mas eu, Amélia, não a estagiária, não a tal pau mandado do Alex, eu não quero fazer isso. Eu não estou prestes a dar meus pareceres médicos ou seja o que for que você está esperando! Você não precisa explodir em todo mundo!

            Mariano a encarou.

            — Acorda, Mariano! — Ela urrou. — Nem todo mundo está tentando te decifrar. As pessoas querem se aproximar de você pelo que você é. Eu quero me aproximar de você.

            Ela soltou os pulsos dele.

            — Eu achei que seria uma boa ideia te trazer aqui. — Ela deu de ombros. — Esse é o meu problema, tentar ver o melhor de cada um. Eu sou uma estúpida. Me desculpe, vou te levar de volta.

            Mariano a encarou, perplexo, um pouco chateado. Então ele sorriu.

            — Amélia, se eu não achasse você legal eu já tinha fugido quando você abriu a porta do carro. Isso, pelo menos para mim, é dar o meu melhor.

Ela colocou os braços na cintura e encarou a cidade.

— Não estou vendo.

            — Lógico que está. — Ele se aproximou. — Eu não fugi, eu tô aqui. Eu fiquei aqui contigo. Feliz natal, Amélia.

            Ela deu de ombros, olhando séria. Não o encarou.

            — Feliz natal, Mariano.

Os dois ficaram em silêncio observando a cidade. Amélia se encostou no parapeito e olhou para baixo.

            — Às vezes eu sinto como se o universo me odiasse. — Mariano falou calmo. — Como se eu não devesse ser feliz. Como se qualquer oportunidade que me surgisse para ser feliz, rapidamente desaparecesse.

            — Mas você não é o único. — Amélia sorriu. — Mariano, não tem nada te perseguindo, ou conspirando para você não conseguir viver sua vida. É apenas... Murphys love.

            — Murphys love? — Mariano franziu a testa, imitando a expressão de Amélia. — O amor de Murphy?

            — Não, seu bobo. Eu sou metade holandesa... e isso é o equivalente holandês da lei de Murphy.

— Se algo pode dar errado, vai dar errado. — Ele sorriu, um pouco charmoso, como se já conhecesse muito bem sobre aquela expressão.

            — O que tiver de acontecer de ruim, vai acontecer Mariano, independente das escolhas que você tomou. A vida consiste em você saber viver por cima desses erros, e tirar o melhor proveito deles.

— Ah. — Mariano sorriu. — Gostei.

XXXX

            — Eu continuo tendo uns sonhos esquisitos. — Thereza disse com cuidado, para não perder o tom feroz que sempre tinha.

            Renan concordou. Ainda não tinha tocado no prato de comida. O Lamounier era um restaurante chique, como ele havia previsto. O som de fundo era o tilintar de garfos, facas, taças e louças caras. O restaurante finalmente estava enchendo de gente, e ele provavelmente tinha chegado cedo demais.

            — Sonhos que se realizam? — Ele perguntou. — Visões? Como a minha?

            — Não. — Thereza sorriu triste. — São coisas pequenas.

            — Que tipo de coisas?

            Ela parecia não querer falar. Finalmente mordeu os lábios e cedeu.

            — Eu vejo uma figura num bote. — Ela não olhou diretamente para Renan agora, e ele percebeu que ela revivia os sonhos em seus pensamentos. — Na água eu vejo o reflexo do meu ex-marido e meu irmão, minha sobrinha, ambos se despedindo. Na ponta do bote, guiando, vejo uma figura alta e coberta por um manto viscoso. Eu sinto que é a morte.... Às vezes eu vejo rostos cadavéricos no manto...

            — Rostos? — Renan estava mais interessado do que admitiria. — Rostos familiares?

            — De início eu achei que não. Então eu te vi e...

            — Eu sou um dos rostos?

            — Isso. Eu também sou um dos rostos. Um bebê com as mesmas das minhas feições também é um dos rostos.... Os outros rostos não são tão familiares, mas eu já vi eles antes. No túnel.

            — As vítimas? Pessoas que você perdeu?

            — Não as vítimas. — Thereza encarou Renan diretamente nos olhos. — Os sobreviventes.

            Renan encostou-se de volta no assento caro e suspirou.

            — Se isso realmente for uma visão... — Thereza mediu as palavras.

            — Não deve ser uma visão. — Renan disse. — O acidente afetou o psicológico de todo mundo...

            — Se for uma visão — Thereza continuou. — eu acho que vou ter que morrer para descobrir, não é?

            Renan não respondeu. Ele forçou um sorriso triste e virou a taça de champanhe goela abaixo.

            — Você falou que vê um bebê? — Renan mudou o rumo da conversa. — Você não está... grávida, não é?

            Thereza bebeu champanhe.

            — Eu? — Ela descarrilhou. — Não.

            — Tem certeza? — Renan forçou. — Eu tô me surpreendendo todo dia com coisas que ando descobrindo. Por exemplo, a visão. Você pode estar grávida.

            — Eu.... Eu não posso engravidar.

            Renan concordou com um aceno positivo.

            — Me desculpe...

            — Não. — Ela riu. — Tudo bem... nem todo mundo quer um filho. Não é todo mundo que quer ter uma criança, certo?

            — É. Deve ser. — Renan concordou.

            Mas pela expressão no rosto da mulher, o rapaz sabia que era mentira.

            — Sargento? — Uma atendente surgiu com uma expressão preocupada. — Pode vir comigo rapidinho?

            A expressão no rosto de Thereza mudou instantaneamente de dócil e distante para focada e ligeiramente mal-humorada.

            — Posso sim. — Ela concordou e virou-se para Renan. — Me espere aqui. Eles não sabem ligar um fogão sem mim...

            Renan sorriu e observou ela se afastando. Teria ele visto uma lágrima?

            XXXX

            Alfa e Nat tinham escolhido uma mesa próxima de Renan e a mulher, que por sua vez, agora tinha saído com uma atendente do Lamounier em direção aos fundos. Ester estava no colo de Alfa, brincando com o boné do pai, enquanto Alisson e Natasha babavam em cima da garota. Alfa ria, o rosto corado, um pouco devido ao abatimento, um pouco devido a estar um pouco tímido com a atenção. A chinchila estava parcialmente escondida no colo de Nat - o local era meio rígido quanto a animais acompanhando os donos.

            Max encarava os três com desprezo. Max sempre está lá o tempo todo, mas quando chega o Alfa, meu caro, e ainda mais com uma criança, meninas sempre perdem o controle e ficavam soltando “awws” um atrás do outro.            

            Então, Max tratou de fazer o que sabia de melhor: organizar os talheres da mesa. Pegou um guardanapo, enrolou entre os dedos e passou a distribuí-los de maneira com que encaixassem com o tamanho da mesa e com os pratos.

            Nossa. Tinha ficado muito melhor. O que tinha de chique no lugar também tinha de desorganizado em alguns aspectos.

            O celular vibrou em seu bolso e ele deu um pulo de susto, balançando a mesa inteira e chamando a atenção do grupo.

            — Desculpa. — Notou que os talheres estavam desorganizados novamente. Suspirou de ódio.

            Puxou o celular e era uma mensagem de Vitor.

            “NÃO SAIA DE CASA DE JEITO NENHUM. TRANQUE TUDO MANO. SÉLOCO. VITOR.“

            — Opa. — Max mostrou a mensagem para Natasha e o resto do grupo.

            — Tarde demais. — Natasha observou a mensagem.

            “O que tá acontecendo bro?” — Max enviou de volta.

            Vitor apenas recebeu a mensagem. Visualizou. Não respondeu.

            — Filho da mãe. — Max sussurrou.

            — Vocês acham que a gente deve ir embora? — Alfa perguntou. — Não posso arriscar com a Ester....

            O som de uma colisão violenta do lado de fora da rua explodiu os vidros do restaurante. O grupo jogou-se para baixo da mesa e Ester começou a chorar. Várias pessoas começaram a gritar no restaurante e também na rua lá fora, ainda se recuperando do susto. As luzes piscaram.

Embaixo da mesa, o grupo trocou um olhar rápido de confusão.

— Que porra tá acontecendo? — Max berrou e observou Ester. Tapou a boca. — Ah, desculpa bebê.

— Cadê minha chinchila? — Alfa olhou preocupado.

— Tá aqui, calma. — Natasha ergueu a chinchila e mostrou.

            — Sempre acontece desse jeito. — Alisson suspirou. — Sempre começa assim.

            O grupo levantou-se de baixo da mesa. Pelas vidraças quebradas, podiam ver que uma van havia atingido em cheio um dos postes da rua, e em seguida capotado. Ainda tinham pessoas lá dentro.

            Max sacou o celular do bolso e discou para a emergência, tremendo. O grupo seguiu lentamente até a saída do estabelecimento, cautelosos.

            — Vamos embora. — Alisson encarou o grupo. — Agora.

            — O carro que eu aluguei tá aqui perto. — Alfa falava e tentava acalmar Ester. Algumas pessoas já passavam correndo pela rua agora, várias saindo dos respectivos estabelecimentos da avenida, curiosos. — Eu levo vocês para casa, fiquem tranquilos.

            As luzes no poste piscaram novamente. Os habitantes se aproximavam do veículo capotado, fumegando no meio da avenida. Era uma van branca e fechada, sem estampas ou decalques. Finalmente um dos civis conseguiu abriu a porta traseira.  

            Max observou cinco infectados saírem do interior da van capotada, furiosos e famintos.

            — Oh não.

            Os gritos na rua se tornaram intensos em questão de segundos. As pessoas corriam desesperadas dos infectados, e o grupo ficou congelado na entrada do restaurante observando a cena se desenrolando. O primeiro infectado pulou numa das janelas quebradas do Lamounier e capotou sobre uma das mesas lá dentro. Ele atacou uma moça que parecia não ter ideia do que estava acontecendo, o pescoço da jovem virou e um jato surreal de sangue espirrou em direção ao teto.

            Max sentiu seu coração parar.

            — Atrás da van! — Natasha gritou e apontou para um beco, parcialmente escondido atrás do veículo fumegando. — Precisamos nos esconder deles!

            Um homem surgiu de um dos estabelecimentos do outro lado da rua com um extintor na mão. Ele se aproximou de um infectado cuidadosamente e nocauteou o homem com tanta força que cérebro jorrou pelo pavimento.

            E o grupo finalmente estava correndo em direção ao “beco”, consecutivamente sendo atingidos por pessoas correndo para todos os lados.

            — De lá eu posso chegar no meu carro! — Alfa gritou. — Vamos!

            Foi aí que a van que havia capotado explodiu.

                        XXXX

            Vários funcionários saíram correndo da cozinha e Thereza não entendeu nada.

— VOCÊS ESTÃO DOIDOS? — Ela berrou. — VOLTEM!

A funcionária Letícia tinha chamado Thereza para verificar um dos vazamentos no encanamento dos fundos – se Thereza soubesse que era isso, não teria abandonado Renan. Em poucos minutos de conversa com o rapaz – um jovem muito perdido por sinal – ela se sentia confortável. Talvez o que fosse estranho demais para outras pessoas, para Renan, após a visão, tinha se tornado algo mundano.

            As luzes apagaram repentinamente. Thereza não viu a poça de óleo no chão do corredor da cozinha diante de si mesma e pisou em cheio.

            Ela tombou de lado, subitamente desesperada para agarrar em algo. Então seu braço inteiro esquentou repentinamente e ela soube o erro que tinha cometido.

            Gritou enquanto sentia a pele queimar. Sentia como se seu braço repentinamente esquentasse muito, então a pele ficou muito seca e pareceu rachar. Ela tinha caído com o braço na panela de óleo quente. Esse tinha sido seu erro.

            — SOCORRO! — Ela berrou. — ALGUÉM ME AJUDA!       

            Mas ninguém iria ajudar. Apesar de toda a dor excruciante do calor do óleo quente, ela ainda conseguiu equilibrar-se nos saltos e tirou o braço do caldeirão gigante. Sentiu o horrível cheiro de queimado.

            Thereza pôs-se a chorar e deitou-se de costas no chão. Ainda não conseguia enxergar nada pois estava sem luz, e ela ergueu o braço queimado e dormente na frente de seu rosto para tentar descobrir como estava a situação.

            As luzes voltaram. Seu braço parecia um pedaço de carne mal frito - sangue queimado vazando pelas rachaduras, pedaços de músculos e tecidos pendiam pendurados de seu membro torrado. Ela sentiu nojo, ânsia, dor e medo.

            Seria o tal sonho uma profecia de verdade?

            Finalmente observou onde estava. Tinha caído de costas contra a estante de produtos da cozinha. No topo do móvel metálico, uma caixa de papelão que ela havia trazido cedo contendo produtos de limpeza balançava perigosamente, prestes a cair.

            Na direção dela.

            XXXX

            Natasha havia se jogado no chão quando ouviu a explosão, e milagrosamente não tinha sido atingida, considerando o quão próxima ela estava do veículo. O medo crescente em seu peito, finalmente ergueu a cabeça e olhou ao redor.

            Um milhão de destroços em chamas do veículo estavam espalhados pela rua. Alguém balançava desesperadamente em chamas, Nat não saberia se era um dos infectados ou um pobre coitado que estava próximo a explosão.

            — Max? — Ela gritou. — MAX?

            Um braço agarrou ela e a levantou num só puxão. Era Alisson, com um Max machucado apoiado ao seu lado.

            — Vem Nat!

            Ela viu Alfa, Ester e a chinchila esperando no outro lado da rua.

            — Uma placa passou muito próxima ao seu pescoço! — Max berrou. — Eu quase te perdi, Natasha.

            Ela encarou os olhos do namorado que agora chorava, mancando. Não soube o que dizer.

            XXXX

            A caixa caiu na direção da sargento, porém seus reflexos foram mais rápidos. Ela chutou o cubo de papelão, que foi arremessado para longe.

            Com dificuldades, sentindo o corpo inteiro ardendo devido ao braço horrivelmente machucado, ela sentou-se no chão. A cozinha estava vazia e a luz continuava piscando e voltando.

            — Socorro! — Ela gritou, apoiando se na estante e levantando. — Voltem!

            Renan surgiu na entrada da cozinha, aterrorizado. Ele rapidamente passou a correr na direção dela, então algo explodiu numa nuvem laranjada e ela fechou os olhos novamente enquanto sua mente entendia o motivo da explosão.

            A caixa com produtos de limpeza havia caído no óleo quente, provavelmente derretido e uma reação química havia acontecido.

            Mas não deveria explodir daquele jeito. Deveria?

            Sentiu seu rosto queimar instantaneamente.

            — O que tá acontecendo? — Ela gritou, incapaz de enxergar agora. — O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ME AJUDA!

            — Calma! — Renan gritou agarrando-a pelos braços. — Calma!

            Ela levou ambos os braços em direção ao rosto e sentiu sua pele se desfazendo, praticamente cedendo ao toque. Não conseguia sequer chorar.

            Tentou sugar o ar de volta para seus pulmões, mas pareceu uma tarefa impossível. Sentia o próprio rosto descolando como se fosse um corpo estranho, como se não pertencesse ao próprio crânio. Seus olhos arderam, queimaram ao entrar em contato com o líquido da explosão, e Thereza berrou novamente.

            Entre os borrões violentos de visão que ela conseguia enxergar, via um Renan tentando segurá-la, as luzes piscando e via a fumaça saindo de seu rosto com a sensação de que estava em chamas.

            — O que está --

            O líquido desceu em seu estômago, e ela sentiu seu interior queimar também. Tentou gritar para aquilo parar, porém mais líquido veio e ela tropeçou contra uma das paredes enquanto vomitava o conteúdo inteiro.

            Ela queria gritar por ele, gritar por ela mesmo, mas em sua mente nada funcionava direito. Sequer enxergava os borrões mais.

            Ela estava cega.

            Empurrou Renan e apalpou as paredes, tentando entender onde estava.

            Sentia seus pulmões fechando. Sentia seu rosto lentamente se desfazendo, e aquilo tudo parecia um pesadelo horrível, mas com muita dor. Respirava com dificuldade pois seu próprio nariz parecia estar derretendo e trancando as vias nasais.

            Quando aquilo acabaria?

            Disparou a correr pelo corredor em direção ao depósito, tateando entre as paredes, mas tropeçou e mergulhou num tombo violento de cara em direção ao chão. Fechou o que restava de seus olhos, e esperou.

            Ela sequer conseguiria gritar. Um momento de clareza em seu cérebro indicou que a inércia de seu tropeço a levava de cabeça em direção a máquina de lavar louça industrial gigante. Que é claro, estava aberta para manutenção.

            Atingiu o chão num baque dolorido e de uma só vez enfiou a cabeça entre o monte de louças e escovas lá dentro. Seu braço queimado bateu no termostato da máquina com a inércia continua do tombo e o aparelho ligou em full mode assim que a energia voltou.

            Sentiu as escovas duras do mecanismo atingindo seu rosto com força, e de uma só vez, metade de seu rosto e seu olho direito parcialmente derretidos pelo produto químico, agora foram arrancados pela máquina num só golpe do mecanismo furioso. Pele e sangue foram pulverizados da máquina como num chafariz, colorindo a parede oposta próxima ao mecanismo. O espelhinho na parede tinha desaparecido entre a matéria orgânica.

A mente de Thereza apagou num estalo, como se um interruptor tivesse sido desligado. O último pensamento visualizado por Thereza, o bebê no manto da morte, tinha acabado de ser arrancado da mente dela.

Arrancado à força.

XXXX

            Renan aproximou-se do corpo de Thereza, caída contra a máquina de lavagem industrial.

O corpo da mulher convulsionava numa poça de sangue, pele e cabelos, derretidos e moídos, cuspidos pelas escovas duras do mecanismo da máquina. Como se a visão perturbadora não fosse suficiente, a convulsão e os estalos secos não eram porque Thereza ainda estava resistindo, e sim pois as escovas duras da máquina estavam agora nocauteando o crânio exposto da mulher.

            Renan estendeu o braço e desligou a máquina, antes que as escovas quebrassem o crânio e partissem para o cérebro.

            Virou-se, agora encharcado de sangue, de volta para o corredor da cozinha. No segundo passo, desabou de joelhos no chão, vomitando o que sequer havia comido, e sentindo a pior sensação do mundo.

            Como ele não previu aquilo?

XXXX

All around me are familiar faces

Worn out places, worn out faces

Bright and early for their daily races

Going nowhere, going nowhere

Um último helicóptero afastou-se da ponte Theodoro Kaulfuss. Foguetes reluziam no horizonte, gritos surgiam no lado oeste da cidade, mas nem Amélia e nem Mariano diziam nada.

            Então o lado oposto da ponte explodiu. Dejetos foram expelidos pelos ares e na água enquanto a estrutura desmoronava, e Amélia tapou a boca, chocada. Lágrimas começaram a cair de seus olhos e ela encostou contra o peito de Mariano, que recuou nervoso. Mas então ele deixou.

            Sem saber o que fazer, sem saber o que dizer com aqueles últimos acontecimentos, Mariano apenas fechou os braços ao redor da cintura de Amélia e suspirou.

Their tears are filling up their glasses

No expression, no expression

Hide my head I want to drown my sorrow

No tomorrow, no tomorrow

 

Amanda observou as luzes da explosão do local do prédio que estava. Sentiu um arrepio percorrendo sua espinha e lágrimas involuntárias surgindo em seus olhos.

            Mordeu um pão, chocada.

A jovem nunca havia se sentido tão sozinha.

And I find it kinda funny

I find it kinda sad

The dreams in which I'm dying

Are the best I've ever had

 

            Rita observava a cidade desmoronando diante de sua janela. Espiava entre os vidros, tremendo, rezando para que seu Deus a poupasse um pouco de toda aquela provação.

            A rua estava uma zona, e pessoas corriam de um lado para o outro gritando. O mercadinho da esquina provavelmente tinha sido assaltado, pois gente surgia de todo lado carregando mantimentos.

            No horizonte, ela via a fumaça se erguendo nos céus. De fato, o fim estava próximo. Em sua calçada, dois homens apontavam para os resquícios da explosão no céu e diziam alguma coisa. Então eles se beijaram.

            Rita fechou os olhos e afastou-se da janela, enojada. Um dos motivos principais para o apocalipse estava parado diante de sua calçada.

I find it hard to tell you

I find it hard to take

            Alfa com Ester em seu colo, Chinchila no colo de Max, Natasha e Alisson estavam sentados apertados no banco traseiro da caminhonete espaçosa de Vitor, que havia surgido de última hora para resgatar o grupo.

            No banco da frente, Vitor dirigia, uma expressão de batalha perdida no rosto, e Rafaela em silêncio no banco do passageiro.

            Passavam pela cidade observando o caos horrível. O número de infectados parecia ter voltado a crescer exponencialmente nas últimas horas, e o fim parecia inevitável.

            Nenhum deles dizia nada.

When people run in circles

It's a very, very

            Renan acordou num espasmo. Levantou-se enjoado, o gosto horrível na boca, pedaços da cabeça de Thereza colados em suas vestes.                                       Ouvia gritos de horror lá fora e olhou ao redor na cozinha, procurando algo que pudesse ser útil. Enxergou um maçarico com um mini botijão de gás embutido, pegou o objeto e acendeu.

            Observou as chamas azuis, coloridas e suaves. Quase como se fossem macias. Empunhou o objeto em sua frente, como uma arma, e saiu em direção a saída do Restaurante, agora vazio.

            Era natal.

Mad world, mad world


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Notas finais do capítulo

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