Depois da esperança - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 7
Capítulo 7




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/666241/chapter/7

Como todos esperavam, a gravidez de Katniss logo no início se provou ser extremamente difícil. Mas tentamos nos preparar. E quando eu me refiro a tais circunstancias no plural, não me refiro apenas a mim e a Katniss.... Me refiro á todas as pessoas que de alguma forma inexplicável se tornaram parte de mim. E assim, as coisas ficam mais calmas mesmo quando tudo parece prestes a desmoronar. Eu quase esqueço que posso perder Katniss para sempre, quando subo da padaria e me deparo com Johanna rodando pela cozinha com Prim, enquanto elas tentam fazer o jantar que já prevejo ser algo como intragável. Ou então, quando me deparo com Carolynn sentada na cama ao lado de Katniss, contando alguma história sobre Cinna o que faz com que ambas adquiram um brilho saudoso no olhar. Mas logo a real situação me atinge e eu não consigo me sentir plenamente feliz, enquanto a barriga de Katniss cresce na mesma velocidade em que ela adoece. O que me mantém em pé, que me faz ter algum resquício de força, é minha filha. Eu não canso de me admirar por cada gesto seu. Pela sua sabedoria, sua amabilidade, sua beleza.

Depois de apenas algumas horas de trabalho, resolvo voltar para casa e deixar as encomendas sob os cuidados de meu atrapalhado assistente. É difícil ficar muito tempo longe de Katniss, que ultrapassa os 5 meses de gestação e não consegue sequer levantar da cama. E apesar de nossa casa sempre estar cheia com nossos bons amigos cheios de vontade de ajudar, eu prefiro que eu mesmo cuide de Katniss. Afinal, muitos anos atrás, ela cuidou de mim, ela salvou minha vida nos jogos que eu ainda luto para esquecer, mas que jamais sairão da minha mente. Ao ver a casa vazia, vou até o quarto, e encontro Annie ao lado de Katniss. Escuto fragmentos da conversa, onde Annie comenta sobre como eu cuidei dela quando ela estava grávida, e eu vejo Katniss sorrir orgulhosa.

Pigarreio.

– Onde estão todos? – pergunto, e me sento ao lado das duas, dando um beijo na testa de Annie, e um nos lábios de Katniss.

– Effie resolveu levar as crianças para tomar sorvete na praça, o que eu não considerei uma boa ideia. Não com aqueles saltos de uns 20 cm que ela está usando – Katniss comenta, sarcástica, apesar de mal ter forças para falar.

– Mas aposto que Haymitch está com ela – eu insinuo e todos damos risadas. Quem diria, que esses dois, opostos como água e óleo iriam ficar juntos.

De repente Katniss faz uma careta de dor, e eu sofro com ela, pois sua próxima dose de remédios será daqui a quatro horas. E serão longas horas para ela, que vive num estado intermitente de dor. A incerteza se ela sobreviverá ao parto, paira sobre nós, e conforme os dias vão passando, vai nos sufocando. Annie segura a mão de Katniss, como se quisesse pegar um pouco de sua dor para ela. Katniss a fita, num misto de culpa e gratidão.

– Eu... Eu não entendo... Porque você tem sido tão boa comigo. Finnick morreu, por minha culpa, por estar tentando me salvar. Você deveria me odiar – Katniss murmura, e eu vejo as lágrimas em seus olhos.

– Não diga isso – Annie replica, de olhos arregalados. – Você não teve culpa.

– Claro que tenho – Katniss rebate. – Pessoas morreram, por estarem tentando me salvar. Finnick foi uma delas e eu nunca me perdoarei por isso.

– Pare, Katniss – eu digo, firme, e a envolvo em meus braços, no exato instante em que seu corpo começa a tremer. Devida a quantidade de remédios, Katniss aparenta estar totalmente fora de comando de seu estado emocional. E isso faz com que ela passe a maior parte do seu tempo, remoendo o passado e suas perdas.

– Ele escolheu lutar, mesmo sabendo dos riscos – Annie diz, com a voz tremula.

– É só que... Eu queria ter dito a ele, o quanto ele foi um bom amigo para mim – Katniss murmura e chora abraçada a mim. Tenho que conter minhas próprias lágrimas, pois ainda tenho pesadelos com os gritos de Finnick agonizando. E ainda sinto o peso em meu peito, de tudo aquilo que eu queria ter dito a ele, e nunca poderei dizer. Finnick foi um amigo fiel, insubstituível. Espero que onde quer que ele esteja, ele saiba disso.

– Se ele já não soubesse disso, ele jamais teria escolhido lutar ao seu lado, ao invés de apenas sentar e assistir tudo virando um completo caos – Annie diz, e enxuga os olhos, sorrindo em seguida.

O som de palmas faz com que nos viremos assustados para trás, e nos deparamos com Johanna batendo palmas, e sorrindo.

– Annie, ás vezes tenho sérias dúvidas se você é louca mesmo. Pois o que você disse é a mais pura verdade – Johanna diz, e vai até a janela, onde puxa as cortinas fazendo o sol bater em nossos rostos.

Annie fica visivelmente confusa com as palavras de Johanna. Até eu ficaria, pois não dá pra saber ao certo se foi um elogio ou uma ofensa.

– Você deveria bater antes de entrar – Annie murmura, e sem se despedir, sai do quarto apressadamente.

– Que louca – Johanna murmura. – Agora chega dessa choradeira.

Olho para Johanna um pouco irritado. Ela definitivamente precisa mudar um pouco seu jeito de tratar as pessoas.

– Que foi? – ela pergunta. – Eu mais do que todo mundo aqui, sei como é perder pessoas que a gente ama. Mas, me respondam, vocês acham que Finnick, está feliz vendo todo mundo aqui chorando por causa dele?

Em meio ao nosso silencio, ela mesma decide responder.

– É claro que não, seus tolos. Eu conhecia Finnick. E eu posso afirmar que ele amava viver, amava ser feliz, e o mínimo que ele deve querer é que todos sejam felizes mesmo sem ele. Qual é, fazem tantos anos – Johanna conclui.

– Você está certa – Katniss murmura, me surpreendendo ao concordar com Johanna. – Mas é mais difícil para nós, que assistimos aqueles monstros devorando ele, enquanto ele gritava de dor e desespero.

Johanna estremece.

– Eu também sinto falta dele. Mas ele se foi, e já passou da hora de nos conformarmos com isso – Johanna diz, e se senta ao meu lado.

Ficamos os três em silencio.

– Que tal me ajudar a dar um banho nessa barriguda? – Eu pergunto por fim.

– Nem pede mais minha opinião sobre quem vai me ver sem roupas – Katniss brinca, pondo fim ao doloroso assunto de nossas perdas.

– Ta com medo do que, desmiolada? De eu tentar me aproveitar da sua situação? – Johanna diz, e chega mais perto de Katniss, que faz uma careta.

– Credo Johanna, depois de todos esses anos, você ainda me assusta – Katniss retruca, e eu apenas sorrio, contente por ter alguma normalidade de volta. Johanna gargalha.

– Vamos logo com isso, mas eu só vou lavar seus cabelos. Peeta cuida do resto, aposto que com muita satisfação.

– Johanna – Katniss e eu gritamos ao mesmo tempo, fazendo com que Johanna apenas gargalhe mais uma vez.

Depois de darmos um longo banho em Katniss, e vestir uma roupa bem confortável nela, ficamos a sós, pois Johanna decidiu ir atrás de Effie, Haymitch e as crianças, na praça. Eu me deito ao lado de Katniss, abraçando seu corpo com certa dificuldade, pois sua barriga já está enorme.

– Peeta, se eu não... não resistir... preciso que você prometa que...- Katniss começa.

– Não ouse terminar essa frase – eu a interrompo, colocando meu dedo sobre seus lábios. – Dessa vez vai dar tudo certo. A cirurgia do seu parto já está agendada. E antes que essa criança pense em sair daí ela já estará com a gente.

– Mas, Peeta...

– Mas nada, Katniss. O médico nos disse, que fazendo a cesárea aos 7 meses, você não vai correr os mesmos riscos que o da gravidez da Prim. E talvez você não corra risco algum, nem nosso bebê – eu digo, e acaricio sua barriga. – Não tenha medo, Katniss. Desta vez, nós estamos preparados.

Katniss assente em silencio. Na hora, achei que o tremor em seu corpo fosse pelas dores, ou pelo frio constante que ela sentia, mas analisando depois, era como se ela tremesse de medo, por algo que ela já sabia que poderia acontecer.

Exatamente dois dias depois dessa nossa conversa, tive que correr com Katniss e Prim para o hospital, pois sua bolsa estourou e se não bastasse o líquido transparente escorrendo pelas roupas de Katniss, havia sangue ali também. Era mais uma vez, o corpo de Katniss rejeitando nosso bebê. E não importou o fato de estarmos tentando nos preparar para o pior, pois fomos surpreendidos.

Ao chegar no hospital, mantive Prim no meu campo de visão, enquanto carregava Katniss quase desacordada pelos corredores, gritando por ajuda. Médicos apareceram, tiraram Katniss dos meus braços, e a levaram numa maca, diretamente para a sala de cirurgias. Minha real vontade, era desabar. Nunca imaginei que iria vivenciar toda essa angustia, e esse medo aterrador novamente. Mas ao olhar para o lado, vejo Prim em pé, abraçada ao próprio corpo, chorando, com o olhar perdido. Eu então me ajoelho ao seu lado, afasto seus cabelos negros do seu rosto, e seguro seu belo rostinho com as duas mãos.

– Escute, minha querida – eu começo, sem saber o que falar, tentando controlar o embargo em minha voz. – A mamãe passou mal, porque, o bebezinho que está dentro dela, que vai ser seu irmão, ou irmã, está com muita pressa de sair. Ele quer muito conhecer a irmã linda dele. Então, não precisa se assustar. Vai ficar tudo bem.

– Mas... Papai... – Prim começa, e me abraça, aos soluços. – Tinha sangue na roupa da mamãe. Fala pro bebê que eu aguento esperar ele. Fala pra ele ficar lá dentro, porque eu não quero que a mamãe sinta dor.

Não encontro mais palavras, apenas um grande nó em minha garganta, que se desfaz, quando sem aguentar mais, deixo as lágrimas vencerem. Ficamos assim, abraçados, chorando, pai e filha, por vários minutos que pareceram uma eternidade. Até que mais uma vez, Haymitch chega para amparar a nossa dor. Ao vê-lo, Prim pula em seus braços, e enterra o rosto molhado por lágrimas em seu pescoço. E eu faço o mesmo, pois neste momento, não consigo me sentir um pai, ou um esposo, me sinto apenas um garoto perdido, ferido, e totalmente, completamente, absolutamente desolado.

O dia ensolarado, dá lugar a noite. Prim dorme em meu colo, depois de horas de um choro silencioso. Eu apoio minha cabeça no ombro de Carolynn, enquanto Johanna anda de um lado para o outro e Haymitch toma quantidades enormes do que eu julgo não ser agua. Annie permanece de mãos juntas, como se estivesse fazendo uma prece silenciosa. Posy faz o mesmo ao lado dela, e de tempo em tempo enfia um cubo de açúcar na boca. Cressida se juntou a nós a algumas horas, e está fazendo um grande estardalhaço na recepção, exigindo notícias. E quando um médico aparece, e nos encara, o ar parece ter desaparecido de meus pulmões. Prim se remexe em meu colo, e abre os olhos, sonolenta, parecendo sentir a tensão.

– O que aconteceu? – Johanna pergunta e avança sobre o médico, o segurando pelos ombros.

Ele a olha assustado, e logo o médico que é o responsável por ambas as gestações de Katniss, também aparece, e fita diretamente a mim.

– Conseguimos realizar uma cesárea de urgência, e o bebê, apesar de extremamente prematuro, está bem, e não corre riscos – ele informa. Escuto um suspiro de alívio coletivo, e apesar de também me sentir aliviado, anseio mais do que tudo sua próxima notícia, que será sobre Katniss. – E... Katniss está na UTI, mas não corre riscos graves, e já pode receber visitas.

Pisco, atônito. E demoro vários segundos para processar a notícia. Prim gargalha enquanto me abraça, e logo Carolynn e todos os outros se juntam num grande abraço sobre mim. Katniss está viva. O bebê está bem. Eu mal consigo acreditar. Com Prim eu meu colo, eu rodopio com ela, rindo, chorando, num êxtase de felicidade. Em seguida, acompanho o médico até o quarto onde Katniss está. Assim que ela me vê, ela sorri. Apesar de estar fora de risco como o médico me informou, sua aparência denota o contrário. Ela está pálida, os lábios arroxeados, os olhos injetados de vermelho, e muitos tubos ligados ao seu corpo.

– Oi – eu sussurro, e sorrio, sentindo mais lágrimas em meus olhos. – Céus, como é bom te ver.

Ela fecha os olhos, e uma lágrima escorre.

– Eu lutei... – ela balbucia, extremamente fraca. – Eu lutei pra ficar com vocês.

– Você é uma vencedora, meu amor – eu digo, e me inclino para beijar sua testa.

– E agora somos quatro – ela diz, e sorri ainda mais. – É um menino.

Me sento ao seu lado na cama, e seguro sua mão.

– Somos pais de dois filhos – eu digo, incapaz de acreditar em tamanha dádiva.

– Peeta... Eu quero dar um nome especial ao nosso filho. Ele foi um lutador. Ele também lutou para sobreviver.

– Acho digno – eu respondo, e já me vem algo em mente.

Quando acaba minha visita a Katniss, procuro por Annie e a chamo para ver o bebê comigo. Ela aceita, feliz e surpresa pelo meu convite. Eu sinceramente, esperava ver um bebê com cabelos escuros, como quando vi Prim pela primeira vez, mas para minha surpresa, o bebê que o médico nos indica, é loiro como eu.

Ele é tão pequeno, e aparenta tanta fragilidade com um monte de tubos ligados ao seu corpo... Ele dorme serenamente com um dedinho sobre os lábios. Sua pele é tão branca e tão fina, que é possível distinguir suas veias por debaixo dela.

– Ele é lindo, Peeta – Annie diz, com lágrimas escorrendo por seu rosto.

– Ele é... Maravilhoso – eu sussurro, encantado. – Katniss disse que ele lutou para sobreviver.

– Eu não tenho dúvidas. Olha o tamanho dele... – Annie diz, enquanto roça seu dedo na mãozinha dele. Imediatamente ele segura seu dedo.

– Acho que ele gostou de você – eu digo, e ambos rimos, com lágrimas banhando nossos rostos.

– Annie... Katniss e eu, queremos dar um nome especial a esse pequeno lutador. E, Finnick foi uma pessoa que lutou também pela vida dele, e por nossas vidas. E... Nós queremos saber, se poderíamos colocar nessa criança, o nome dele.

O sorriso de Annie morre em seus lábios. Ela olha para a mãozinha do meu filho segurando seu dedo, e olha para mim, bem dentro dos meus olhos.

– Isso... Isso seria... Realmente uma honra, Peeta – ela diz, e começa a chorar copiosamente.

Eu coloco meu braço em volta dos seus ombros, e tenho o prazer de assistir meu pequeno filho abrindo seus olhos pela primeira vez. E seus olhos, são cinzentos e belos como os de sua mãe.

– Bem-vindo ao mundo, meu pequeno guerreiro. Bem-vindo ao mundo, Finnick Mellark.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!