O Poema Dos Surdos escrita por Nena Lorac


Capítulo 8
Estrofe III


Notas iniciais do capítulo

"O teu falar arrepia a gente
És falante de um sistema linguístico
Muito diferente"



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/664179/chapter/8

Naquela manhã, eu acordei com ele remexendo meu ombro esquerdo. Eu estava sentado sobre o chão gelado, e estava me sentindo meio tonto. Matthew parecia que tinha dormido bem, e logo fez o sinal de bom dia para mim e me pediu para levantar. Por eu ainda estar um tanto tonto, eu demorei a responder.

Quase não me comuniquei com ele de manhã, pois as cenas da noite passada ainda estavam vagando pela minha cabeça. Ainda não entendi o motivo dele ter me beijado, mesmo que não tenha sido um beijo de verdade. Ele apenas tinha encostado os lábios, mas não foi por muito tempo. Entretanto, a dúvida ainda permanecia.

Matthew se encontrava em frente ao minúsculo fogão preparando o café, e eu estava sentando próximo à mesa sem muitas ideias do que eu faria naquele dia. Vejo que o bloco de notas que ele usava para se comunicar comigo ainda permanecia ali. Vez ou outra ele usava para tentar especificar as coisas que ele me pedia. Peguei aquele bloco e um lápis e comecei a pensar em versos para iniciar algum outro poema ruim.

Fazia tempo que não escrevia os poemas que me mantiveram lúcidos enquanto eu estava encarcerado, então comecei a misturar palavras naquela folha em branco. Senti meu tornozelo coçar, e por algum motivo aquilo não parava. Era apenas aquela tornozeleira irritante da polícia que me incomodava mais uma vez. Olhei para ela, tentando ver os dias que restavam para eu me livrar daquilo... faltavam alguns meses para ela ir embora.

Olho mais uma vez para Matthew, colocando o café quente numa garrafa, e percebo que seus cabelos estão muito bagunçados e que ainda tem vestígios de sono em seu rosto. Ele se aproxima com a garrafa e alguns pães numa cesta velha, me oferece alguns e senta para tomar café. Nem percebi o quanto eu o encarava até ele me encarar de volta e perguntar, em língua de sinais, se eu estava bem.

“Você me beijou ontem.”

A cara de desentendimento dele deixou obvia o modo como eu respondi. Eu ainda fui idiota o suficiente para responder, usando a fala, uma pessoa surda. Usei o sinal de desculpa e aponte para ele, fiz o sinal de beijar, e depois apontei para mim.

Ele começou a ficar vermelho e balançou a cabeça em negação. Fez vários sinais que eu desconhecia, tentando se explicar, mas era inútil pois eu não compreendia nem 20% do que ele me dizia em sinais. Então peguei o bloco de notas e pedi para ele escrever, mas ele foi bem rápido para me responder.

“Eu não posso ter feito isso!

Por que eu beijaria você?”

Achei ofensivo, mas de certa forma, ele estava certo. Ele não tinha motivos para me beijar, mas isso não explicava o fato dele ter ficado vermelho e nervoso. Então eu apontei para ele, e fiz os sinais de “Ontem” e “Noite”, para que ele pudesse saber quando ele tinha feito isso. E mais uma vez, ele balança a cabeça em negação, pegou o bloco de notas e se pôs a escrever mais uma vez.

“O que tiver acontecido ontem, esqueça.

Eu não lembro, então não aconteceu.

Por favor, vamos só voltar as aulas.”

Logo em seguida ele levantou e foi para o sofá pegar as apostilas. Fiquei encarando como ele tropeçava nas coisas e ficou mais nervoso depois que eu mencionei sobre o beijo. No fim eu resolvi seguir seu concelho. Comecei a rir toda vez que ele batia em algum móvel e esqueci do beijo estranho da noite passada.

A manhã ia ser mais agradável se ele não tivesse encontrado meu maço de cigarro no armário e começado a se irritar mais comigo. Mas fora isso, a manhã foi tranquila.

xXx

“Francis tinha acordado em uma cama de hospital, com algumas faixas na cintura. A dor da bala ainda era presente, então se levantar ficou um tanto complicado para ele. Ele olhava seu quarto, não aguentando mais o branco daquele lugar. Se levantar era inútil. Fora o ferimento da bala, ele ainda estava amarrado pelos pés e pelos braços para que não fugisse.

— Eu não sou louco... então não tem motivo para me amordaçarem numa cama!

Ele fazia forças no braço e nas pernas para tentar arrebentar os cintos que prendiam seus pulsos e tornozelos, mas era tudo em vão. Ficou se remexendo tanto que fez um alarme soar, para que logo em seguida, vários enfermeiros entrassem para acalma-lo.

Uma das moças que o segurava, gritou para que acalmassem ele de uma vez, fazendo com que injetassem um líquido transparente em seu braço. Francis o xingava, gritava e esperneava. Ele não aguentaria ficar naquele lugar. Precisava ir embora e recuperar suas pedras.

O tempo no hospital foi passando, e sempre ele foi inventando de arrumar jeitos de escapar. Mas nem os médicos, nem os policiais, deixaram que isso acontecesse.

— Francis, você precisa aguentar uns seis meses aqui!

— Vocês não entendem... Me manter preso não vai adiantar em nada.

— Você vai se curar do seu vício.

— Eu não quero me curar! Então me soltem!

— Para você agredir alguém inocente mais uma vez?

— Eu não quis agredir ele, mas a situação pedia aquilo.

— E por causa desse seu pensamento é que ficará preso por mais 6 meses aqui.

Partir para cima do médico era uma opção viável se ele não estivesse amordaçado, mas ele apenas começou a gritar mais uma vez. Com as semanas passando, ele foi se acalmando. Conseguiu permissão para escrever, e todo dia, inventava de fazer poemas para se distrair e não quebrar o pescoço dos policiais.

Mas durante as noites, a falta da droga era inevitável. Ele tinha convulsões, pesadelos, falta de ar e enormes hematomas causados por si em diferentes partes do seu corpo. Seu corpo já estava entrelaçado com a pedra branca.

E depois de tanto tempo, o único plano que fez foi de aguardar a sua soltura para poder recuperá-la.”

xXx

Olhei para o calendário que ficava pendurado perto do relógio, e vi que Matthew já estava me acompanhando por alguns meses. Desde o início, ele nunca reclamou de morar aqui nesse tempo que ele me vigiava. Não li aqueles documentos que ele me jogara logo no primeiro dia falando sobre como a polícia lidava com gente como eu, mas nos últimos dias, eu resolvi ler aquele monte de lixo.

Me impressionei do início ao fim. Matthew é o único desses agregados da polícia que inventa de morar com os suspeitos que fica responsável. A polícia não faz isso, mas ele faz. Ele gosta de ver como as pessoas vivem, se comportam, como agem... só para poder ajuda-las. Talvez, pelo fato dele ser surdo, a polícia tenha mesmo deixado ele fazer as coisas como ele bem entende para tentar inseri-lo sem ser acusada de preconceito. Mas esses idiotas nem perceberam o tanto que eles ganharam fazendo isso.

Pelo que pesquisei, os tutores vão algumas vezes na casa do suspeito e fazem perguntas para ver se ele melhorou a sua conduta. Matthew não faz isso. Ele não precisa perguntar, pois ele percebe tudo. Talvez eu tenha medo dele, algumas vezes, por causa disso.

Mas se ele tem uma casa, e não precisa morar comigo, porque ele faz esse sacrifício todo? E como fica a situação da casa dele? Ele prefere gastar um ano de sua existência para me ajudar?

Eu não iria perguntar essas coisas dele, mas a curiosidade sempre vai ficar. Ele se aproxima de mim e me dá um bilhete. Quer que eu vá ao mercado e compre mais alguns pães. Confirmei com a cabeça e me arrumei para sair de casa no fim daquela tarde. A noite anterior estava quente, mas era uma noite diferente das outras naquela cidade. Tudo voltou a ficar frio, então, até de cachecol eu saí. O mercado mais próximo ficava umas três ruas de distância, mas mesmo assim eu fui correndo e comprei tudo o que precisava. Na volta, eu vejo um cara magrelo passar por mim, e isso me deixou nostálgico. Durante o resto trajeto de volta, eu senti que algo ruim iria acontecer.

Não demorou muito para que que aquela sensação incômoda se realizasse. Um dos becos pelos quais eu passava para cortar caminho, estava repleto de viciados em crack. Quando eles estão cheirando aquela droga, são bem inofensivos, mas o problema maior era eu estando lá.

Poderia ter pegado o caminho mais longo, pois eu sabia que naquele beco teriam pessoas daquele tipo. No fundo, eu sabia o motivo de ter passado correndo por aquele lugar. Eu queria sentir o cheiro de novo, mesmo que por alguns segundos. O pouco que eu senti me fez lembrar das coisas que já vivenciei... e que queria voltar a vivenciar.

Estava perdido em pensamentos quando me deparo com a porta do lugar que atualmente eu chamo de lar. Olhei para cima e vi Matthew na janela. Ele acenava para mim, e eu retribui o aceno com outro. Ele voltou para dentro e eu olhei para baixo. Minha ansiedade começou a voltar, e eu estava ofegando.

Eu não deveria ter passado por aquele beco...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

* Eu não consegui achar nenhum vídeo com o sinal de "Ontem", mas eu vou tentar descreve-lo: basicamente, você forma um "L" com o polegar e o indicador, coloca o polegar próximo a um dos cantos dos seus olhos (é próximo, e não exatamente no canto) e move a mão para trás.

* Bem, o sinal de noite eu também não encontrei, mas em capítulos passados eu deixei o sinal de "Boa Noite". O segundo sinal é o sinal de "Noite".

Sinal de "Beijar": https://www.youtube.com/watch?v=25y2OTIPDHg

Sinal de "Tudo Bem": https://www.youtube.com/watch?v=ix4-tXaO2Ck

* O sinal de "Tudo Bem" pode ser usado para pergunta, como Matthew fez, mas você precisa fazer uma expressão de dúvida para a pessoa, senão fica só aquele significado de "tudo bem", e dependendo do contexto da conversa, fica estranho.

—---- xXx-----

Olha eu aqui de novo~

Pois é, estou adiantando logo as coisas antes do fim de semana terminar. Aproveitar que consegui a tarde livre.

Pois é... vai começar as merdas :'D

Só lembrando que se você se sentir incomodado com drogas e violência (sim, eu vou escrever sobre isso aqui) se sinta no seu total direito de abandonar a fic. Não quero ninguém me escroteado porque eu escrevi com drogas e violência. Eu to avisando!

Enfim, eu espero atualizar logo a fic... e terminar logo também! Me ajudem com isso~

Até o próximo capítulo~~



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Poema Dos Surdos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.