Todo dia chuvoso ela fica ali, bem naquele ponto do apartamento. Parece que não se dá conta do trânsito abaixo do prédio nem das luzes à frente. A garota só observa os pingos caindo na janela, como se isso a entretece.

Todo dia chuvoso eu fico aqui, na janela do prédio a frente, a observando, tento lhe dar oi, mas me parece que, novamente, ela não vê meu aceno. Não sei seu nome e no meio da chuva não vejo muitos detalhes de seu rosto, só seu cabelo perfeitamente vermelho. Ela me entretém, como legítimo pesquisador que sou fico imaginando mil teorias para alguém apreciar tanto a chuva.

A garota me parece triste. Será que eu deveria tentar novamente?
Fico imaginando se ela não usa os pingos da chuva como uma forma de "meditação". Deveria eu, reles mortal, atrapalhá-la? Aceno novamente. Ela não me vê. Parece que sou invisível. Será que morri?
Oras, que pensamento absurdo, estou sendo patético. Deveria eu procurá-la? Talvez devesse tomar cuidado para não pensarem que sou obcecado. Gostaria de lhe perguntar certas coisas, e talvez, de botar um sorriso no rosto dela.

Tomada minha decisão, vesti meu casaco e desci todos os andares, essa acredite, foi uma decisão impulsiva, mas já fazia dias que lhe acenava e ela não respondia.

Parei no portão do prédio a frente, com um lindo trabalho em ferro, e chamei o porteiro.

-Para que lhe serei útil? - indaga, visivelmente abatido.

-Tenho de encontrar alguém - lhe respondi.

Então o porteiro abriu a porta, sem muitas perguntas, bem que o achava um tanto cansado.

-Gostaria de saber quem é a menina de cabelos vermelhos do prédio a frente do meu, creio que é no andar 24... - começo a falar rapidamente.

-Sinto muito senhor. Mas não nos permitem divulgar informações de moradores para estranhos. E se você não mora aqui, nem conhece ninguém que vive aqui, peço para o senhor se retirar - ele semicerra os olhos.

Um guarda chuva passa voando perto de mim, e antes que pudesse responder ao porteiro, lhe dizendo que era um intolerante, fui correndo atrás de uma guarda chuva azul, quando finalmente o apanhei percebi que não havia ninguém o procurando.

Sem ligar para o porteiro, que pelo menos havia me deixado entrar, andei mais alguns passos para a frente e a encontrei, ela estava com a cabeça inclinada para cima, com os olhos fechados, usando um vestido de verão, então me aproximo:

-Donzela de cabelos vermelhos, aqui está seu guarda chuva. - digo, colocando o guarda chuva em cima da cabeça dela e a despertando de seu transe.

Ela me olha, e se desvia do guarda chuva.

-Qual é o seu nome, gentil cavalheiro? - ela meio que sorri, meio que ri - não acredito que ainda chamam garotas de donzelas.

-Luis - respondo.

Depois de alguns segundos desconfortáveis de silêncio lhe pergunto:

-Qual é o seu nome mesmo...? - quase com a boca aberta, depois de tantos meses, para mim, ela mais parecia uma figura mítica do que uma pessoa.

-Morganny. Simplesmente Morganny. - ela revira os olhos.

-Posso te fazer uma pergunta...?

-Depende de qual... - ela meio que ri.

-Por que gosta tanto da chuva? - sou direto.

-Essa é uma boa pergunta, cavalheiro Luis - Morganny reclina a cabeça - talvez seja porquê a chuva seja o fim e o recomeço de todas as coisas boas e ruins, talvez até de um novo romance.

Quase me espanto com tamanho "atrevimento", apesar que da donzela de cabelos vermelhos era possível esperar de tudo. Morganny toca minha mão, tirando o guarda-chuva e o jogando no chão:

-Apenas sinta. A chuva limpa a nossa alma. - ela continua - É um recomeço e atrai boa sorte. Afinal, o que lhe trouxe aqui?

-O amor. A boa sorte também. - passo a mão em seus cabelos vermelhos molhados.

-A chuva atrai o amor - Morganny passa a mão no meu rosto e toca seus lábios no meu.

A chuva atrai amor, penso enquanto lhe beijo, apreciando os pingos de chuva gelados que caiam.