Gota d'água escrita por lelexc


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

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“Nunca pensei que seria capaz de tirar minha própria vida, primeiro porque sempre achei fraco quem desistia de viver por causa dos problemas, segundo porque minha vida era ótima e eu era feliz.

Se você está lendo isso creio que cheguei ao meu limite e desisti.

Sinto muito por você ter encontrado meu corpo e sinto mais ainda por te colocar nessa situação de ler as últimas palavras de uma pessoa morta, mas eu precisava dessa carta, não para me despedir, mas para explicar meus motivos e evitar que o que aconteceu comigo aconteça com outras pessoas, tenho certeza de que não fui a primeira.

O melhor jeito de fazer isso é contando uma história, a minha história.

Bom, lá vai:

Vivi alegremente com meus pais até meus 11 anos de idade, época em que eles morreram num acidente de trânsito, como não tinha nenhum parente vivo fui entregue a um orfanato. Eu chorava com bastante frequência por causa de pesadelos com meus pais o que acabou chamando atenção de um dos funcionários de lá, infelizmente para mim isso se provou ser o início dos meus pesadelos.

No começo ele chegava parecendo preocupado, conversava comigo, me acalmava e até me deixava feliz ás vezes, assim ele conseguiu minha confiança.

Cada vez mais se tornava fácil me abrir para ele até que contei sobre os pesadelos, ele como o cara atencioso que fingia ser ofereceu que eu dormisse em sua casa, longe dos resmungos e choros das outras crianças, disse que lá era tranquilo e que eu conseguiria dormir sem ter pesadelos.

Sinto-me obrigada a explicar que na época eu era ingênua e o fato de estar me sentido solitária e frágil não me ajudou a tomar uma boa decisão.

No início os outros funcionários desconfiaram das boas intenções do homem, mas como eu sempre voltava descansada e feliz para o orfanato eles acabaram ignorando a esquisitice da situação. Devo admitir: por mais que ele fosse um monstro, era um monstro esperto e paciente.

Depois de um mês dormindo na casa dele foi que ele revelou sua verdadeira face, naquela noite quando cheguei a sua casa a mesa não estava posta para o jantar, a tv não estava ligada e não havia a leveza que eu sempre sentia no ambiente.

Foi só eu colocar os pés dentro daquela casa que ele se transformou. “Hoje vamos brincar de algo novo, é assim: você é a boneca e eu faço o que quiser com você, simples não?” Me agarrou, me prensou contra parede, forçou um beijo e vários outros depois desse, arrancou minhas roupas e me violou ali mesmo, eu chorava muito e tremia, mas ele não estava nem ai, em algum momento daquela noite eu desmaiei, tenho certeza de que se ele notou não se importou porque quando acordei ele ainda estava “brincando” comigo, quando ele cansou me arrastou até um quarto, jogou-me lá dentro e trancou a porta.

Naquela noite eu não dormi.

Quando amanheceu ele veio me buscar, apertou meus pulsos com muita força e olhou em meus olhos “Nós ainda vamos brincar muito ouviu, boneca?” tremi da cabeça aos pés com o sorriso que estava em seu rosto “Eu posso ser um cara legal, mas pra isso você vai ter que manter nossa brincadeirinha em segredo, senão serei obrigado a te castigar” ele apertou mais me fazendo soltar algumas lágrimas de dor e deixando marcas roxas no local “E nenhum de nós quer isso, não é?”

Voltei bem triste, cabisbaixa e quieta para o orfanato, mas ele já tinha uma desculpa preparada para isso: era o aniversário de morte dos meus pais, não foi difícil convencer a todos de que eu estava assim por causa disso.

Por mais ingênua que eu fosse, sabia que ele podia ser preso pelo que me fizera e naquele dia fui a delegacia ao invés de para a escola, tudo que tenho a dizer sobre isso é: foi um erro.

Digamos apenas que ele tinha amigos na polícia e que aquilo não terminou bem.

Ele nunca mais me levou para sua casa, ao invés disso brincávamos em um porão no próprio orfanato. Arrependi-me com todas as minhas forças por ter ido a polícia quando os castigos começaram, nunca mais fui vista sorrindo, todos achavam que o motivo da minha tristeza era não dormir mais com ele.

Passei alguns anos assim até que me levaram em um psiquiatra, ele era um cara legal, mas acho que você compreende o motivo de eu não ter me aberto muito com ele, não é? Bom, em todo caso, ele me receitou alguns anti-depressivos leves e garantiu que eu melhoria, pena que eu nunca cheguei a tomá-los já que meu caro amigo os tomava de mim e os vendia para drogados.

Tentei buscar ajuda de novo, novamente não tive sucesso, acharam que eu estava mentindo e conversaram com ele sobre isso. Resultado: ele me sequestrou e fez parecer que eu havia fugido, trancou-me no mesmo quarto da primeira vez e passei a viver lá sem nunca sair.

Você deve conseguir ver as cicatrizes em meus pulsos, não é? Elas começaram mais ou menos nessa época, não, por incrível que pareça eu ainda não estava com a ideia de me matar na cabeça e também não fiz essas marcas, o que aconteceu foi que os clientes dele queriam alguma coisa mais forte do que os comprimidos que me eram destinados, então ele resolveu começar a me cortar para que achassem que eu queria me matar e me levou em um novo psiquiatra para que eu recebesse remédios mais fortes, funcionou.

Devo dizer que aquilo meio que foi a primeira gota para que a ideia de suicídio começasse a se formar em minha mente, cada coisa por que passei, o fato de não conseguir ir bem no colégio e depois não poder nem mais ir pro colégio, não conseguir fazer amigos por não ter confiança em ninguém, viver sempre a mercê de um monstro, eram apenas mais gotas que iam se juntando em um copo que se enchia bastante depressa.

Eu ainda acho fraco quem desiste de viver por causa dos problemas, mas todos passam por um ou mais momentos de fraqueza em sua vida, esse foi o meu.

Eu tinha 16 anos quando escrevi essa carta e não sei exatamente quanto tempo se passou depois disso nem qual foi a gota d’água que fez o copo transbordar, só sei que deve ter sido algo muito grande porque apesar de tudo, eu não queria morrer.”


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