Saori entrou naquele ambiente escuro e abafado com o nariz torcido. A jovem encarnação da deusa Athena já havia descido ao Inferno e nem lá sentiu-se tão incomodada, de certo Hades era um ótimo organizador tanto quanto um tirano louco. A imagem dos três juízes vestidos de faxineiras lhe invadiu a mente e a fez soltar um riso abafado. Ao final do corredor havia três portas, uma parecia trancada, então ela a ignorou, bem como a que estava escancarada e foi logo para a última, que estava apenas encostada. Teve que controlar a ânsia que a atingiu em cheio ao entrar no quarto de seu problemático cavaleiro.

- Seja quem for, se tem amor a própria vida, é bom que saia – uma voz rouca e meio enrolada disse em algum canto do local escuro.

- Mesmo que seja eu, Máscara da Morte? – ela perguntou irritada, encontrando o interruptor e ligando a luz.

A cena não era das melhores. O quarto estava todo bagunçado, com roupas e restos de comida espalhados, pareceria o quarto de um adolescente não fossem as manchas de sangue pelo chão, tapete, paredes, móveis, cortinas e até mesmo no teto. O homem que estava ali não lhe lembrava nada o grandioso cavaleiro que um dia a protegeu. Se bem que aquele pouco o fez. Ele estava espalhado na cama apenas com suas roupas de baixo, com os olhos cerrados pela exposição repentina à luz. Estava com a barba por fazer, cabelos compridos e desleixados, fedia a suor e tinha diversas feridas abertas pelo corpo, menos em um certo ponto nas costas. Na cama e no chão, garrafas de bebidas completamente vazias, algumas quebradas e com os cacos ensanguentados.

- É assim que pretende defender a casa de Câncer? Com fedor e cacos de vidro mortais? – ela ironizou.

- Perdão, minha deusa – ele se levantou com certa dificuldade e se postou de joelhos perante à jovem.

- Não foi para isso que os trouxe de volta, Máscara. Queria que vivessem, mas se não o quer, então pelo menos tenha uma vida digna como cavaleiro!

Ele se limitou a ficar quieto.

- Não permitirei que continue assim! Daqui para frente terá que ajudar Aioros com o treinamento dos novos cavaleiros e arrumarei uma serva para colocar esse lugar em ordem o mais rápido o possível!

- Mas minha deusa, não há necessidade de colocar alguém aqui para limpar o lugar eu...

- Você tem feito um PÉSSIMO trabalho. Shaka e Mú não tem servas, mas seus templos estão sempre impecáveis. Dá gosto de entrar e ver! O seu também dá gosto, gosto de vômito!

- Mas...

- CHEGA! ISSO É UMA ORDEM MÁSCARA DA MORTE!

O cavaleiro se encolheu enquanto a deusa saía batendo o pé, encontrando Aioria nos fundos da casa de Câncer a esperando.

- Está tudo bem, Athena? – o leonino perguntou, estranhando a irritação da jovem.

- Não, não está! Avise seu irmão quando ele voltar que ele terá um companheiro para o treino dos discípulos – ela disse mal parando para falar.

- Sim, minha deusa – o cavaleiro fez uma mesura educada enquanto ela passava feito um furacão – Pobre do meu irmão...-murmurou para si.

Chegando à casa de escorpião, a deusa chamou por seu guardião diversas vezes antes que este aparecesse com o cabelo um pouco despenteado e o rosto corado.

- Minha deusa, em que posso servi-la? – ele perguntou, tentando ao máximo soar casual.

- Tenho uma missão para você, Milo – a jovem, por sua vez, tentou ao máximo se manter calma – Quero que vá a vila das servas e arrume uma para a casa de Câncer.

- Xiii, isso vai ser difícil, mas porque eu, minha deusa? – ele disse encostando-se em uma pilastra.

- Porque você parece ter muita intimidade com elas – Saori disse encarando uma jovem que se esgueirava pela porta da área privada do templo, com roupas desalinhadas e amassadas além de um largo sorriso no rosto.

O escorpiano que acompanhou o olhar e corou, coçando a cabeça envergonhado.

- Missão aceita, minha deusa.

Athena, em sua jovem encarnação, saiu da casa de Escorpião e foi para o seu templo, passou por seus cavaleiros de bronze sem nem cumprimentar e foi direto para seu quarto.

- É, Seiya, acho que alguém vai ter que acalmar a Saori hoje – Hyoga comentou fazendo os demais rirem enquanto o cavaleiro de Pégaso tentava encontrar algum lugar para enfiar a cara.

Em seu quarto, Athena fitou a paisagem pela janela distraidamente. Preocupava-se com seus cavaleiros, via os dourados como seus irmãos mais velhos, confiava neles não apenas por seus grandiosos cosmos, mas pelo forte amor que sentiam pela paz na Terra. Temia por Máscara da Morte mais do que pelos outros simplesmente porque o cavaleiro de Câncer sempre parecia...estranho.

Ela não sabia explicar, mas desde que voltaram a vida, Máscara fora o único que não conseguira se adaptar. Todos diziam que aquilo que ela vira era o que ele escolhera se tornar, porém a deusa sentia seu peito oprimido sempre que o olhava. Isso porque ele nunca, jamais, desde que voltara, retribuíra seu olhar, mirava o chão com os ombros caídos em atitude de culpa, remorso e vergonha.

Saori ainda podia não saber como, mas prometera a si mesma que curaria as mágoas de seu cavaleiro.

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