Coração De Seda escrita por Maria Fernanda Beorlegui


Capítulo 62
Capitulo 62




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Amanheci abraçada á Hur, seu corpo está sobre o meu criando um certo peso, sinto-me incomodada por que estou respirando com dificuldades, mas mesmo assim não me afasto dele um só momento. Me lembro de ter tirado Hur do quarto de Uri, quando o clamor das mães cessou, eu pude acalmar meu marido aos poucos até ele mesmo dormir. Não foi fácil ver Hur tão debilitado como eu vi ontem, mas também não vai ser fácil agora que o dia já amanheceu e Uri não irá mais encontrar com seu pai. Todavia eu tento ser forte por Hur, tento ser forte por que somente assim poderei ajudar meu marido.

—O que vai ser de nós agora? —Pergunto assustada e abraço meu marido mesmo que ele esteja dormindo. Eu sei que estou sendo infantil, estou sendo até mesmo indiferente desde que me tornei rainha. Mas agora com a morte de Uri vejo que a vida é muito curta, preciosa demais para perdê-la ao se pôr acima de tudo e de todos.

Vejo Anippe entrar em meu quarto totalmente muda, mas ela vem até e beija o topo da minha cabeça. Suas mãos vão até o braço de Hur, mas ela não chama pelo pai. Anippe me ajudou muito na noite em que Uri morreu, somente eu e ela conseguimos acalmar Hur.

—Meu tio está péssimo. —Anippe fala entristecida. —Agora a pouco ele me falou que agora Djoser é o futura rei, mas parece que meu tio está louco. Como isso vai acontecer?

—Então vai ser como pensei. —Falo pensativa ao acariciar Hur. —Eu não sei o que será de nós agora já que Djoser é o futuro rei.

—Eu não sei se vou ter coragem em deixá-lo aqui, sozinho com meu tio. —Anippe desabafa. —Como a senhora vai fazer para ir até Canaã no estado em que está, mãe? Mal pode se esforçar o que dirá andar pelo deserto? —Anippe pergunta aflita com a minha segurança enquanto eu olho para Hur. —O que vai fazer,mãe?

—Você tem razão, Anippe. Não vou conseguir ir a lugar algum no estado em que estou. Pelo o que estou vendo, vou me separar de Moisés mais uma vez. —Falo angustiada. —E de você também. —Falo ao olhar nos olhos da minha filha. —Eu não sei se isso é bom ou ruim...

—Eu vou para Canaã com Moisés e Arão. —Anippe reforça sua ideia. —Fique no Egito ajudando Djoser a se tornar o rei, ajudando meu tio...

—Eu sei o que devo fazer, Anippe. Mas eu planejei tanto a minha ida para Canaã com Moisés e o seu pai. —Falo fracassa ao notar que tudo o que fiz foi em vão. —De nada adiantou tudo o que aconteceu.

—Eu penso que sim. Talvez tudo o que aconteceu tenha ocorrido para que a senhora se torne mais forte pois algo espera pela senhora: O Egito. —Anippe fala tentando me fortalecer. —Quem sabe esse sempre tenha sido o plano que Deus reservou para a senhora.

—Mas eu quero tanto ir com você e Moisés, Anippe. —Lamento. —Conhecer a terra que foi dos antepassados de Moisés, de Hur... —Falo tendo a mútua possibilidade de viver em Canaã com Hur. —Não quero me separar de vocês.

—Mas a senhora não vai. —Anippe fala me deixando confusa. —Quando sentir minha falta, ore a Deus e peça para que ele me proteja. Eu farei o mesmo pela senhora, farei isso por todos ao final do dia. —Anippe fala emocionada. —Olhe para as estrelas, eu estarei olhando para elas também e isso será como se nós duas estivéssemos juntas. —Anippe falou, mas em seguida beijou o topo de minha cabeça com delicadeza e demoradamente enquanto eu olho para Hur que ainda dorme em meu colo. —Eu sou o seu sangue, carrego teu nome, nenhum deserto vai ser tão extenso para nós duas. O que há entre uma mãe é uma filha é maior que o infinito das estrelas que brilham no céu, que a abundância dos oceanos, maior até mesmo dos corações que pulsam nelas...

(...)

—Se sente mais calmo? —Pergunto ao massagear os ombros de Hur. Meu marido não me responde, apenas segura em minhas mãos e me faz sentar ao seu lado. —Quer que eu peça outra bebida que te acalme?

—Você já fez muito por mim e eu ainda não agradeci. —Hur fala entristecido, mas é então que ele beija minhas mãos. —O cortejo de Uri...

—Eu e Djoser cuidamos disso. —Respondo ao interrompe-lo bruscamente. —Não se preocupe com nada. Apenas tente superar isso e tudo vai ficar bem. —Falo forçando um sorriso e toco no rosto de Hur.

—Obrigado. —Hur agradece, mas volta suas atenções para o meu ventre. —Eu ouvi sua conversa com Anippe. —Hur revela, me surpreendendo. —E de fato você não pode ir para o deserto como está.

—Eu sei. —Afirmo lastimada, entristecida por não poder ir. —Mas você tem que ir. Você precisam ir... —Insisto ao ver Hur negar. —Bezalel! Ele precisa de você!

—Não invente desculpas, Henutmire. —Hur fala seriamente. —Eu não vou sair daqui sem você.

—Eu sei muito bem disso. —Falo fracassada e suspiro ao ver que de fato Hur não vai se separar de mim. —Você sabe que agora Djoser é o herdeiro do trono e com isso eu sou obrigada a ficar no Egito. Com isso eu nunca vou poder sair daqui...

—O meu lugar é com você. Mesmo que em alguns momentos você me tire a paciência quando está com ciúmes. —Hur brinca, mesmo o assunto sendo sério, eu acabo rindo também. —Pelo o que vejo Anippe irá sozinha para a terra prometida.

—Você não sabe como eu estou preocupada. —Falo.

—Mas nossa descendência irá crescer e multiplicar em Canaã, veja isso como o lado bom. —Hur fala orgulhoso e tenta me aliviar.

—Mas eu me sinto culpada por ter feito você sair do palácio quando eu quis ir para a vila e esperar a partida dos hebreus. —Falo entristecida.

—Isso já passou. Eu pensava que Uri iria para Canaã, mas agora... —Hur tenta evitar as lágrimas e para de falar imediatamente. —Eu não acredito que isso está acontecendo comigo, Henutmire. —Hur não hesitou em me abraçar, assim como eu também não hesitei em afagar a sua dor. Suas lágrimas molharam-me, acabei chorando junto á ele.

(...)

—Minha irmã. —Ramsés fala ao me ver entrar na sala do trono em passos delicados e lentos. Forço um sorriso, mas de longe pode ver a minha tristeza. —Sinto muito se ao coroar Djoser como meu herdeiro e futuro rei, você não possa mais partir.

—Já conversei com Hur sobre isso. —Falo tentando evitar a mesma conversa.

—E Uri? —Ramsés pergunta calmo.

—Morto. —Respondo friamente. —Eu me enganei. Pensei que Djoser também sofreria com a praga por ser meu primogênito, mas na verdade somente Uri seria atingido.

—Hur deve estar como eu estou agora. —Ramsés fala desolado,mas é então que ele vem até mim com minha coroa em mãos. —Pode aceitá-la de volta? —Ramsés pergunta e então eu permito que ele ponha a coroa em minha cabeça. —Eu devia ter evitado isso. Mas agora é tarde demais. —Ramsés lamenta infeliz.

—Eu sinto muito por Amenhotep, Ramsés. Assim como eu sinto por Uri. —Falo entristecida pela morte de meu enteado e do meu sobrinho. —Eu preciso me recolher, meu irmão.

—Faça isso. —Meu irmão fala e então eu me retiro da sala do trono sentindo o peso da criança em meu ventre. Ao sair me deparo com Djoser e Arão, sorrio ao ver o irmão de meu filho e então nos abraçamos.

—Moisés pediu para vim buscá-la. —Arão fala, no mesmo instante meu filho se despede e me deixa sozinha com Arão.

—Eu não irei mais, Arão. —Falo para sua súbita tristeza. Esforço um sorriso para tentar animar Arão, mas seu semblante é de preocupação. —Djoser...

—É o herdeiro do trono. —Arão concluí entristecido. —E Anippe? Ela também não vai?

—Com toda a certeza deste mundo Anippe irá, Arão. —Falo fazendo-o sorrir de alegria. —Somente eu não posso ir por conta do meu estado, assim como Djoser que não pode abrir mão do trono.

—E Hur também vai ficar, certo? —Arão pergunta risonho, mas de imediato põe sua mão em meu rosto, mesmo que ainda envergonhado por isso, mesmo que eu estranhe essa aproximação, sorrimos.Nos olhamos por alguns instantes tentando entender o que está acontecendo. Eu vejo em Arão o protetor de Anippe durante sua jornada no deserto. —Eu vou cuidar de Anippe como se fosse minha filha.

—Isso é o que me deixa tranquila. —Falo. —Antes Anippe era rebelde demais, vivia negando o sangue que corria em suas veias...Mas Anippe agora é uma princesa hebreia, não é mais uma princesa egípcia.

—Anippe é uma princesa híbrida. Meio egípcia, meio hebreia. —Arão brinca, acaba me fazendo rir como uma criança, mas ao mesmo tempo me faz ter orgulho da minha filha. —Eu vou buscá-la.

—Estou aqui. —Anippe fala sem sua peruca e dá espaço aos pequenos fios de cabelos loiros que pairam me seus ombros.—Eu preciso me despedir da minha família. —Ela fala no mesmo momento em que Djoser volta com Hur.

—Anippe, minha filhinha! —Hur fala ao abraçar Anippe com todo o seu carinho. —Eu ainda não estou pronto para me despedir de você. —Meu marido fala enquanto eu permaneço ao lado de Arão.

—Eu vou para a terra prometida, pai. Não vou me casar com um desconhecido! —Anippe brinca, mas Hur dá lugar a emoção. —Eu vou ficar bem...

—Eu sei que vai. —Hur fala ainda sem acreditar que Anippe irá embora. —Mas eu não me acostumo com a ideia, Anippe. Eu não quero você longe de mim, mas eu também não quero que você se sinta presa. —Hur deixa claro a sua indecisão nos fazendo rir. —Vá em paz e com Deus, Anippe. —Hur fala antes de abraçar a nossa única filha, mas em seguida Anippe vai até Djoser.

—Entre em Canaã por mim, Anippe. —Djoser pede ao tocar no rosto da irmã. Tento segurar as lágrimas ao ver meus filhos se despedindo.

—Governe o Egito por mim, Djoser. —Anippe pede, mas em seguida os dois irmãos se abraçam emocionados.

—Anippe. —Yaffa chama pela minha filha. —Eu não desisti em ir, minha amiga.

—Também não desistimos. —Chibale e Gahiji falam juntos ao aparecerem logo em seguida.

—Eu acho que minha filha não estará sozinha. —Falo alegre. —E estará bem protegida. —Falo olhando para Arão.

—Eu acho que agora posso ir. —Anippe fala temendo, mas mesmo assim vem até mim e me abraça fervorosamente. —Eu vou ficar bem. Vou tentar mandar notícias lua após lua e vou saber sobre todos vocês.

—Arão, me prometa que você vai cuidar de Anippe e Yaffa. —Peço seguro e faço Yaffa sorrir. —Eu sei que os pais dela a deixam ir apenas por que Anippe vai. Mas mesmo assim eu me preocupo.

—Eu vou cuidar das duas, pode deixar. —Arão promete me deixando segura, mas antes Hur vai até ele.

—Eu confio a minha filha nas suas mãos, Arão. Se algo acontecer com ela será como se estivesse acontecendo algo comigo. —Hur fala deixando claro que confia a vida de nossa única filha nas mãos de Arão.

—Anippe entrará em Canaã sã e salva, ilesa, feliz... —Arão promete enquanto eu beijo a face de minha única filha.

—Fique com isto. —Anippe fala ao me entregar a sua coroa. —Eu não vou mais usá-la. Talvez sirva para a criança que está no seu ventre. —Minha filha me devolve o que uma vez foi meu. Todos olham para mim e para a minha filha emocionados, mas nós duas não nos deixamos envergonhar.

—Ficará muito bem guardada caso um de seus descendentes venha ao Egito. —Falo e então recebo a coroa em mãos. Eu e minha filha nos abraçamos pela última vez. Por que agora eu estarei com a minha história no Egito, mas Anippe irá para Canaã.

(...)

—Cuidarei de Anippe. —Moisés promete mais uma vez ao beijar minha mão respeitosamente. —Cuidarei dela como a senhora cuidou de mim.

—Eu acho bom. —Djoser brinca enquanto vai de encontro à Moisés.

—Minha sogra. —Zipora chama por mim e em seguida me abraça emocionada. —Foi ótimo conhecer a senhora.

—Cuide bem do meu filho, Zípora. E cuide bem também dos meus netos. —Falo ao olhar para os filhos de Moisés. Meus netos vem até mim e me abraçam juntos, eu tento evitar as lágrimas, mas não resisto.

—A avó de vocês vai ficar bem. —Anippe fala ao segurar meus netos nas mãos. —Ela é a rainha e sabe como se cuidar.

—Eu vou cuidar dela. —Hur promete.

—Eu acho bom o senhor cuidar dela ou caso contrário eu e a tia Anippe voltamos para o Egito. —Gérson brinca e nos faz rir.

—Eu gostaria muito de ficar e ver o meu irmão nascer. —Moisés fala nervoso e entrelaça suas mãos. —De pegá-lo nos braços, de saber como é... —Meu filho acaba me fazendo rir e chorar ao mesmo tempo. —Mas Deus fez com que a senhora se tornasse a rainha do Egito, então isso deixa claro que Canaã ainda é pouco para o que lhe é reservado.

—Eu sempre irei mandar mensageiros para saber como todos vocês estão. —Falo melancólica. —Quero saber como Canaã é.

—Quem sabe um dia essa criança chegue em Canaã, minha mãe. Eu irei recebê-lo de braços abertos. —Moisés fala ao tocar delicadamente em meu ventre. —Oi, meu irmãozinho, você sabe de quem vai ser filho? —O libertador pergunta ao olhar para mim e para Hur. —Da mulher mais nobre, com o mais belo e sedoso coração. Vai ser filho da mulher que acolheu o libertador de um povo, mas também vai ser filho da rainha do Egito... —Em seguida em abracei Anippe e Moisés ao mesmo tempo. Totalmente emocionada, vendo o povo hebreu esperar por Moisés para poder sair do reino.

Olhei para todos, olhei para cada rosto e vi que em cada uma dessas pessoas vai um pouco de mim. Olhei em especial para meus netos, mas também olhei para Anippe. —Os olhos azuis de minha única filha se cruzaram com os meus e me fizeram acreditar que ela ficará bem. —Eu vou deixar Moisés partir, mas também deixarei Anippe ir e com isso eu percebo que a única missão de Anippe é pôr seus pés em Canaã para honrar o meu desejo e o nome de seu pai.

—Eu não sei dizer adeus. —Anippe fala ao unir suas mãos na minha e na de Hur. Lágrimas rolavam em seus olhos, mas de imediato tratamos de nos abraçar.

 

—Isso não é o fim, Anippe. È apenas o começo. —Hur fala tentando acalmar a nossa filha.

 

—Filhinha querida...—Falo emocionada ao abraçar minha única filha com todo o amor que cabe em mim. —Você sabe onde me encontrar.—Sinto o vento soprar em meu rosto ao falar as mesmas palavras que um dia meu pai falou para mim.

 

(...)

Quando subo na sacada do palácio, ainda posso ver, ao lado de Hur e de Djoser, Moisés conduzir o povo hebreu com seu cajado em mãos. Um só povo, uma só nação clamando e passando unida para que toda o Egito veja. Vi Anippe entre Moisés e Arão, mas parecida que ela estava conduzindo o povo, mas na verdade ela conduzia apenas o seu coração valente. —Vejo Yaffa ao lado de Halima, sorrio ironicamente, mas ao mesmo tempo sei o quanto está sendo doloroso para ambas irem embora sem Djoser. —Sorrio ainda mais ao pôr minhas mãos em meu ventre e ouvir toda a glória do povo hebreu.

—Gab. —Hur fala de súbito ao lembrar do meu irmão. —Gab não vai?

—Eu não o vi passar. —Djoser argumenta. Sinto meu coração pesar ao lembrar de Gab. Onde ele pode estar?

Volto minhas atenções para o povo que parte do meu reino rumo a terra que Deus prometeu. O sol brilha mais forte, mas também ilumina a coroa que está sob minha cabeça. A pedra da lua que está no centro de minha coroa reflete contra o sol, mas ao mesmo tempo eu sinto-me feliz por estar com ela em minha cabeça.

Olho para Hur e agradeço a Deus por tê-lo ao meu lado como sempre pensei em ter. Meu marido pode não ver o quanto estou contemplando-o agora, mas Deus pode ser testemunha do quanto eu admiro meu marido. Ele não errou ao ir até a vila pedir o perdão de Miriã, ele fez o correto. Meu marido não é um homem qualquer, ele é o homem da minha vida. O homem que frutificou o meu ventre e teceu a seda de meu coração. Seda essa que foi rasgada com as armações de Disebek. —Hur me fez nascer novamente. Me fez abandonar a crença egípcia, me mudou de todas as formas.

—Para você guardei o amor que nunca soube dar. —Falo surpreendendo meu marido. Repouso minha cabeça em seu ombro e fecho os olhos tentando me acalmar. Com nosso filho ao nosso lado e outro em meu ventre, eu e Hur observamos o povo hebreu passar. Se esse fosse o final da minha historia, poderia dizer que é um final feliz. Mas este não é o final, é apenas o começo.

(...)

—Gab? —Pergunto incrédula ao ver Gab no jardim real. —Gab os hebreus estão partindo! —Falo ao ver que ele não está disposto para nada.

—Eu não vou, Henutmire. —Gab fala me deixando incrédula. —Ramsés pediu para que eu fique já que agora temos Djoser como futuro rei. Isso é muito significativo já que Djoser é sobrinho de Ramsés, não filho.

—Eu sinto muito, Gab. —Falo no mesmo momento em que abraço Gab tentando consolá-lo. —Pelo o que vejo, ter meu filho como futuro trás muitos problemas.

—Eu não posso largar a Núbia também. —Gab ressalta. —Mas fico feliz que Anippe tenha partido.

—Eu já sinto a falta dela, acredita? Sinto falta de vê-la dançar no jardim fazendo-me rir. —Falo nostálgica. —Anippe é minha única filha, Gab.

—E você era a única filha de nosso pai. —Gab ressalta. —Gosto dessa ironia da vida. —Ele fala me fazendo rir. —Acho que você e Anippe pensam mais em viver o agora do que construir um futuro.

—Anippe tem uma alma viajante, ao mesmo tempo independente. —Falo orgulhosa da minha Anippe. —Espero que ela entre em Canaã ilesa. E que lá tenha seus filhos, que crie sua descendência enquanto Djoser cria a dele aqui.

—Isso seria maravilhoso. —Gab fala risonho. —Você deu algo que nem mesmo Ramsés poderia dar. Nem eu mesmo...

—O quê?

—Uma descendência. —Gab revela orgulhoso. —Um rei, uma princesa que vai entrar gloriosa em Canaã, e essa criança...

—Que nem sabemos o que será. —Falo entristecida com a possibilidade de não ver meu filho já que temo pela minha vida. —Você deveria ir para Canaã. Quem sabe lá você não encontre alguma mulher que te faça feliz.

—Henutmire, eu não tenho certeza disso. —Gab fala conformado. —Mas de uma coisa eu tenho certeza: O amor não foi feito para os filhos de Seti, mas apenas para a filha dele. —Gab fala ao lembrar de nosso pai e então beija o topo de minha cabeça em total forma de carinho e respeito.

—Mexeu. —Falo ao sentir meu filho se mexer dentro de mim novamente. Gab me olha assustado, mas em seguida esboça um belo sorriso.

—Por que eu sinto que essa criança vai nos surpreender? —Gab pergunta emocionado.

—Talvez por que vá. —Respondo contente por sentir meu filho se mexer mais uma vez. —Mas eu sinto que essa criança pertence a terra prometida...

(...)

—Beba, soberana. —Paser pede ao me oferecer sua fórmula calmante. —Vai ficar menos preocupada com Anippe.

—Não estou preocupada...

—Não como eu estou com Simut. —Paser fala me deixando curiosa. —Esqueci de falar que Simut se juntou aos hebreus levando consigo os restos mortais de José.

—José? Então ele existiu! —Falo assustada ao me lembrar da história que Hur me contou outro dia.

—Sim, soberana! —Paser afirma alegre. —Imagino que agora, Anippe esteja ao lado de Moisés, ambos fora do Egito.

—Anippe não tem os pés presos no chão, Paser. Ela tem a alma livre. Você pode até tentar prender Anippe, mas ela escorre pelas  suas mãos. —Falo orgulhosa pela minha única filha. —Não vai demorar muito para que ela e o povo hebreu cheguem em Canaã.

—Essa terra deve ser muito longe, mas nada é páreo para Deus. —Paser fala e de certa forma me surpreende. —Eu só lamento muito pela morte de meu único neto.

—Eu também sinto muito por isso, Paser. Acredite. —Falo. —Mas Ramsés foi o responsável por tudo isso.

—E pensar que tudo começou quando a senhora encontrou Moisés em um cesto. —Paser fala emocionado. —Eu me lembro até hoje de quando a vossa mãe veio pedindo minha ajuda. A rainha Tuya estava louca, pensando que talvez o rei pudesse considerar a própria filha louca por adotar um menino hebreu.

—No final, todos os netos que dei ao meu pai são hebreus. —Falo ironicamente.

—Mas o rei sorria todas as vezes que a senhora sorria, soberana. Somente a senhora podia fazer isso com ele. —Paser acaba me fazendo rir com o que fala. —No final o rei só temia pela paz espiritual da senhora.

—É... —Falo ao acariciar o meu ventre como de costume. —Sabe, Paser. Quando estive grávida das outras vezes, não senti o que sinto agora...

—O que sente? Algum incomodo no corpo? —Paser pergunta me fazendo rir.

—Não falo disso. —Falo e o faço rir também. —Todas as vezes que penso em meu pai, meu filho se mexe dentro de mim. E todas as vezes que imagino essa criança, lembro dos olhos de meu pai, mas também lembro dos olhos de Hur... —Falo acariciando o meu ventre com mais delicadeza do que de costume. —Fico pensando em como era a infância de meu pai.

—O rei era filho único, disso todos nós sabemos. —Paser fala pensativo. —Mas uma certa vez o rei me falou sobre a mãe dele.

—Eu só ouvi falar mais sobre o pai de meu pai. —Falo curiosa. —O que ele falou sobre minha avó?

—Não somente ele como também a rainha Tuya. Ela sempre recordava bem da sogra com muito amor. —Paser acaba me fazendo sorrir ao poder imaginar como era a mãe de meu pai. —Mas ela morreu alguns anos antes da senhora nascer.

—Sabe-se de quê? —Pergunto.

—Sobre isso os pais da senhora nunca me falaram. A única coisa que eu me lembro é que o rei sempre comparava a mãe com a senhora. —Paser me surpreende com tal revelação. —Ele sempre me falava a incrível semelhança entre as duas.

—E minha mãe?

—Acreditava que os deuses haviam enviado a mãe do rei através da princesa.

—Uma reencarnação como falam no politeísmo? —Pergunto curiosa. —Meus pais nunca falaram disso.

—Isso de certa forma sobrecarregaria a senhora. —Paser fala e eu concordo com ele. —Quando o príncipe Djoser nascer eu pensei que ele poderia "ser" o faraó Seti de volta.

—Mas os dois são distintos...

—Mas protegem a senhora de tudo. —Paser ressalta e acaba me fazendo sentir orgulho de Djoser. —Isso é o que há de mais comum entre os dois.

—Djoser sempre foi o meu maior orgulho, Paser. Desde que estive grávida senti que ele e eu tínhamos uma ligação especial. —Falo, mas no momento que Hur entra em meu quarto, eu paro de falar e observo meu marido vir até mim.

—Como você está? —Hur pergunta ao beijar o topo da minha cabeça e acariciar o meu ventre. —Se sentiu mal?

—Apenas cuidados. —Paser ressalta. —Com licença, soberana. —Paser pede ao ver que eu e Hur queremos ficar sozinhos. Assim que Paser sai, meu marido toca em meu rosto.

—Já sinto a falta dela. —Hur lamenta sobre a partida de Anippe. —É estranho ir no quarto dela e não encontrá-la.

—Minha única filha... —Falo orgulhosa. Hur então se senta ao meu lado e segura as minhas mãos. —Eu espero que Anippe seja feliz em Canaã e que forme uma família.

—Esqueci de falar para Moisés que não deixe Anippe se casar tão nova. —Hur fala pensativo, mas ao mesmo tempo enciumado. —Mas também não tão velha...

—Hur...

—Anippe ainda é muito nova, embora nossa filha seja extremamente bela, não deve se casar agora. —Hur fala preocupado  com nossa filha. —Não quero que ela perca a adolescência. —Meu marido fala e me faz observá-lo com uma certa preocupação. —Depois dos vinte e cinco anos Anippe poderá se casar.

—Hur, você pode parar com isso agora mesmo? —Pergunto ao ver que meu marido está levando a história longe demais. —Anippe estará muito bem ao lado de Moisés e Arão. Eliseba e Zípora vão cuidar de Anippe quando Moisés e Arão não puderem fazer isso.

—Espero que elas fiquem de olho em Zion. —Hur fala totalmente enciumado. —Eu sei que ele é um bom rapaz, mas eu não vejo Anippe e ele juntos como um casal.

—Eu gostei de Zion. Assim como gostei de Halima. —Falo orgulhosa ao me lembrar da bela moça que é apaixonada pelo meu filho. —Ela é muito doce, me simpatizei com ela.

—Você sempre simpatiza com as pessoas. —Hur ressalta um pouco irônico me fazendo olhá-lo com uma certa indignação. —Anippe lhe devolveu a coroa. —Meu marido fala ao ver a coroa em meio aos meus pertences. —E eu pensando que Anippe iria se tornar uma mulher ao nosso lado.

—Não fique tão triste por isso, Hur. —Falo ao abraçá-lo delicadamente. —Nossa filha vai ficar bem.

—Disso eu tenho certeza. —Fala o meu marido ao olhar para meu ventre. —Agora eu apenas tenho que esperar essa criança nascer.

—Queria tanto que Anippe estivesse comigo nesse momento... —Falo pensativa e olho para Hur. —Mas essa criança vai ser muito bem-vinda a nossa família.

—Vai vir para curar a dor que sinto com a morte de Uri...

—Não vai ser nada fácil. —Falo ao ver a dor nítida nos olhos negros de meu marido, a mesma dor que vi em Ramsés. —Eu tentei evitar a morte de Uri, mas ele estava confiando sua vida nos deuses e não em Deus.

—Eu sou culpado por isso. Acabei envolvendo Uri com as crenças egípcias, e meu filho acabou que não acreditando mais em Deus. —Hur culpa-se pelo que fez pelo filho, mas eu logo trato de tirar o peso de suas costas.

—Uri já era um homem feito, Hur. Até mesmo Anippe que negava suas origens, acabou se rendendo a Deus. Até mesmo eu que sou a rainha ainda permaneço fiel ao nosso Deus. —Falo, tentando aliviar a dor de meu marido, mas ele é que tenta me aliviar com tudo o que aconteceu. Hur beija o topo de minha cabeça, um ato doce e delicado que ele sempre fez comigo.

—Essa criança vai nascer e crescer sendo fiel á Deus. Não vai se misturar com a crenças egípcias como Djoser e Anippe. —Hur decreta, me fazendo rir, mas ao mesmo tempo eu concordo com ele. Tocamos em meu ventre ao fazermos planos para a criança que nele está, a sintonia entre nós dois é mais do que perceptível, é verídica.

Quando Hur se aninhar em meu colo, começo a deslizar meus dedos por entre seus cabelos. Coisa que faço desde que nos casamos, nunca perdi esse hábito. Eu preciso evitar que a tristeza afete Hur da pior maneira possível, preciso fazer com que meu marido não se sinta culpado pela morte do filho e nem que sinta tanto a falta de Anippe. Mas como irei fazer isso se agora não tenho tempo nem para mim mesma?


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Notas finais do capítulo

Estou em lágrimas coma segunda partida de Anippe, gente! Se preparem para o mar vermelho e a segunda temporada!



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