Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 18
Torturado


Notas iniciais do capítulo

Olá! Estou sempre me atrasando... Bom, esse capítulo é de transição. O próximo vai ser muito mais interessante, tenho certeza. Espero que gostem. Boa leitura!



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Passaram-se exatos onze dias. Não posso dizer que foram bons onze dias. Esses onze foram ainda piores do que os catorze que fiquei de repouso após a cirurgia de apendicite. Foram piores do que o luto após a morte da minha avó. Foram piores do que as centenas de noites que fiquei sem dormir após filmes de terror, ou o mês depois da minha primeira – e única – nota vermelha na escola. Esses onze dias em que passei sem a Serena – ah, antes fosse só isso! Mas sendo totalmente desprezado e esnobado por Serena – foram de longe os piores de toda a existência planetária.

No primeiro dia eu sequer saí do quarto. Ignorei qualquer um que ousasse bater à porta – seja a diretora, alunas, professoras, Violet. Mas eu sempre estava atento. Atento para saber se o delicado toque da Serena estaria entre eles, ou se sentia seu cheiro por trás da porta, ou se via seus cabelos pela fresta. Mas ela não apareceu. Nem mesmo no dia seguinte, quando tive que encarar meus problemas, afinal ainda era um suspeito de incêndio.

A história ainda não havia se encerrado. Eu era suspeito, sim, mas fiquei bastante tranquilo em relação a isso quando conversei com a diretora Wilkes. Sabia que não seria punido por conta disso.

– Bom... Professor Humphrey, eu realmente não acredito que o senhor tenha sido o causador do incêndio, tal como acredito que seja inocente nas acusações imundas da Violet. – ela havia dito. Eu estava muito mais confortável quanto a isso e só conseguia pensar: “agora Serena e eu podemos ter mais privacidade, com consentimento da diretora”, o que me desanimava, levando em conta que não haveria mais contato entre nós. – Serena veio conversar comigo logo em seguida. Disse que você havia ido embora e que estava querendo esclarecer mais a situação.

Meus olhos se arregalaram. Ela seria capaz de entregar o jogo por vingança? Acredito que não, afinal a diretora acredita em mim.

– O que ela disse? – perguntou.

– Ela disse que o senhor tinha sido um bom amigo para ela, o que me deixa feliz, já que desde que chegou ela mal apronta, e com certeza aparenta estar mais feliz. – ela falou me arrancando sorrisos de imediato. – Mas, disse também que sabia que vocês aparentavam um comportamento vulgar, e que pararia com isso já. Disse que voltará a sua vida anterior e você vai ser só um de seus professores. Eu não tenho certeza de que isso seja bom... Acredito que ela esteja incomodada com os boatos das colegas, mas a sua ajuda fez muito bem a ela. Já pensou em ser psicólogo? – perguntou. Eu estava travado. Era duro ouvir aquelas palavras, a confirmação de que o meu primeiro romance sincero e, espero que me entendam, aventureiro e literário, chegou ao fim. Sentia a parte inferior de meus olhos estava pesada com o acúmulo de lágrimas que, há dias, não ousam cair.

– Não. – eu falei, então pedi licença e segui o meu caminho. Depois desse, foram os dez dias ruins. Mas o pior decerto foi o seguinte: primeiro dia de aula. Serena passou a sentar atrás. Conversava, escrevia, mas sequer olhava para frente, nem mesmo quando eu chamava a sua atenção. Foi o dia com mais cochichos de todos. O que devem dizer? O professor e Serena terminaram? Brigaram? Isso não me interessava. Foram onze dias desde que minha sanidade foi comprometida. Desde que Serena terminou comigo, e desde então não dormi, não comi, não fiz nada direito. Tenho uma pilha de atividades para corrigir, das quais só toquei na de Serena. Acredito que nem um dez a faria voltar para mim.

Eu menti, mas nada muito grave. Entendo que ela esperava criar uma vida comigo, contar sua história, apreciar minha admiração com o seu passado. Mas eu sou professor! É claro que tinha o direito de ver essas informações. Acredito que a única parte relevante em sua fúria seja o fato de eu ter mentido sobre não saber de nada. Mas isso é perdoável, não é? A partir do terceiro dia eu estava disposto a pedir perdão, e ainda mais a seguir com o plano de fuga. Eu sonhava com nós dois em um carro, na estrada, basicamente todas as noites. E fui atrás. Eu a chamei depois da aula, eu bati em seu quarto, a cacei, mas não consegui segurá-la. Ela corria, fechava a porta, me ignorava. E foi aí que comecei a ouvir os boatos das garotas. Vez ou outra encontrava bilhetes. Um deles dizia: “Serena voltou!”, outros marcavam lugar e horário depois das luzes se apagar, e eu notava a movimentação por meio delas. Sei o que significa. Aquela espécie de seita lésbica delas. Serena voltou para aquilo. Ela havia me dito uma vez que era a nova rainha do grupo, que a própria rainha anterior, a garota de dezoito anos, a havia designado para isso. Era engraçado, me lembrava a Sociedade dos Poetas Mortos, mas agora eu não a conseguia imaginar dessa maneira. Beijando outras pessoas. Eu estava com ciúmes.

Foram dias a fio ouvindo cochichos e imaginando as situações, foi quando os professores também passaram a cochichar. Diziam sempre os feitos. Tal menina fez isso, a outra isso, e foi então que ouvi Serena Doolitle entrar na conversa.

– Ah, pobrezinha... A menina surtou novamente. Acho que deveriam aumentar as doses de seus remédios. Ela tem quebrado coisas, tem saído da sala sem autorização, peitado os professores. – uma das professoras falou.

– Sim! Soube que ela quebrou alguns vasos sanitários, e também que cortou todo o cabelo daquela menina... Como é o nome? A do mesmo quarto que ela. A que testemunhou contra ela no auditório. Bom, não importa. Foi o que houve. – e rapidamente mudaram de assunto.

Foi quando eu decidi. Serena precisava de mim. Eu, acima de tudo, preciso dela. Mas no momento ela tinha que se impor limites, voltar a ser aquela doce menina que me atraiu, me seduziu, me usou. Ela não é assim – eu, pelo menos, nunca a vi assim – e sei que pode voltar ao seu normal.

Então o que vou fazer é bancar o Príncipe Encantado. Vou beijá-la. Só isso pode fazer com que a) ela acorde do seu transe e b) ela pare e me escute. Ou me bata.


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