Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 11
Confrontando Violet


Notas iniciais do capítulo

Olá! Capa nova, dessa vez feita por mim. Gostaram?
Boa leitura!



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É como disse a raposa no livro O Pequeno Príncipe: “se você vier às quatro horas, desde as três começarei a ser feliz”. Marquei com Serena oito e meia da noite, e agora, às sete horas e quarenta, estou em uma corrida para deixar tudo organizado.

Troquei o forro da cama – apesar de torcer para não ter que usar, mas ansiar por ter que trocar novamente amanhã; baixei toda a trilogia de Before Sunrise para caso queiramos virar a noite; escondi todo o dossiê para ela sequer suspeitar que eu sei a sua história; limpei o banheiro, porque apesar de não ser imundo e mal educado como os homens são comumente acusados, é sempre bom manter as aparências; guardei minhas roupas sujas no armário; e, enfim, por um toque a mais de vaidade, passei perfume. Ah, mas passei muito perfume. Passei tanto perfume que o quarto estava mais cheiroso do que eu mesmo.

Não sabia o motivo de tal arrumação. Eu sentia a necessidade de manter boas aparências, de fazê-la sentir-se especial para mim, mas não deveria! É um dilema total. Eu tinha três versões do que queria dessa menina no momento: a) distância. Queria que ela fosse para bem longe, seguisse sua vida, e não atrapalhasse o meu futuro acadêmico; b) afeto. Eu queria poder colocá-la no colo e fazê-la dormir, tirar toda a sua preocupação, fazer com que ela sinta-se segura e feliz novamente, ao meu lado, da forma mais fraternal possível; e c) a queria como mulher. A desejava e ansiava não apenas por cobiça, por sexualidade, mas porque via nela uma mulher que combina perfeitamente com o homem que sou. Uma mulher que faria de mim alguém realizado. Alguém que quero dividindo a cama e um futuro comigo. Mas não podia negar para mim... E se a letra c exista apenas por conta de seus traumas? E se toda a sua sexualidade vier proveniente de seu estado psiquiátrico? E se for tudo uma ilusão? Apesar dos contras, eu não conseguia me importar com isso. Eu queria apenas ter uma possibilidade de uma vida com ela.

O tempo passou rápido à medida que eu revia se tudo estava arrumando. Separei comida e água para nós dois passarmos a noite. Tudo estava pronto, e às oito em ponto eu ouvi baterem na porta. Ela veio antes do horário, pensei. Apesar de isso não ser um problema, era mais um risco. Acho que ela levou a sério a aventura que propus.

Fui abrir com o maior sorriso do mundo no rosto, que logo broxou tornando-se uma expressão surpresa.

– Juliet... Que surpresa. – falei, saindo e batendo a porta atrás de mim.

– Agradável, eu espero. – ela falou com um tom irônico.

– Claro, é claro... E... A que devo a honra? – tentei forçar um sorriso. Via todas as garotas serem evacuadas do palco por conta do horário, e nem sinal de Serena – o que é bom, até então.

– Vim ver o que vai fazer hoje. Pensei em darmos uma de Bonnie e Clyde, pegarmos o carro e sair por aí. Sem assaltar ninguém, é claro. – deu de ombros ainda com um sorriso tremendamente falso no rosto.

– Ah... Sabe o que é? Eu adoraria, mas tenho planos para essa noite. Vou corrigir alguns exercícios, passar as anotações da caderneta para a diretoria, essas coisas. Podemos no final de semana, o que acha? – perguntei. Tinha que evitar suspeitas, mas conhecia a Violet. Uma das coisas que mais gostava nela era a sua inteligência. Era sagaz como ninguém. Com certeza já havia entendido tudo.

– Então posso ficar aí com você. Eu te espero e depois assistimos a um filme. – sugeriu. E hesitei por um instante, e então ela soltou o ar e começou a resmungar. – Por que você não é sincero comigo? Eu já sei a verdade e ainda não contei nada a ninguém, então você pode confessar os seus encontros às escondidas.

– Novamente isso, Violet? Não posso acreditar que você ainda acredita que estou saindo com uma aluna. – falei. Precisava fazê-la ir embora antes da Serena chegar. – Sabe o que eu acho? Você deve estar enlouquecida procurando motivos para eu não te querer mais. Não consegue aceitar que se tornou desinteressante para mim e inventa que é culpa de outra mulher. – seus olhos se arregalavam após cada palavra. – Ao invés de investigar a minha vida, você deveria investir um pouco mais na sua. Sempre disse que trabalharia sem estagiar, e agora estagia por conta de mim.

Ela me fuzilava com o olhar. Conseguia imaginar fumaça saindo de sua cabeça, enfurecida. Ela fechou os punhos e eu já sabia o que vinha aí. Ela sempre se disse auto-suficiente, e por essa maneira nunca me deu a chance de lhe pagar um cinema, um táxi, um almoço, e nem mesmo já me deu motivo para levantar a voz para ela, lhe dizer um piu. Ela sempre disse: “se um homem faz alguma cavalice por um motivo besta, é certo que com problemas maiores ele se tornará um demônio”. Era por isso que nós durávamos. Eu gostava desse lado autoritário dela, e ela gostava de eu ser calmo, pacífico, gentil e paciente. Mas no momento... Ela estava quase surtando.

– Não sei o que fizeram para te transformar no que é agora, mas vejo que não sou mais bem vinda aqui ou em sua vida. Quer saber? Está certo. Vou seguir em frente. – falou, e eu comemorei internamente. – Inclusive vou fazer isso agora. Vou à sala da diretora Wilkes e pedir um turno monitorando as meninas que saem do quarto depois do horário. Ouvi dizer que uma tal de Serena Doolitle vive solta por aí. Não posso deixar que ela entre em quarto algum que não seja dela. Não concorda? Com licença. – ela virou de costas e saiu em passos acelerados, com um sorriso vitorioso no rosto.

Meu coração batia mais forte do que eu imaginava. Era como um samba dentro de meu peito, e isso fez com que eu agisse rápido demais. Ela sabia de Serena e eu, estava em direção à diretora Wilkes, sabia de nosso encontro e há uma grade chance de encontrar com a Serena no caminho. Eu simplesmente saí andando atrás dela, gritando seu nome.

– Violet, espera! – gritava, e enquanto ela acelerava os passos eu a seguia da mesma maneira.

– Me deixe em paz, Charles Humphrey! – ela gritava, andando mais rápido. Nessa altura, já estávamos correndo em uma perseguição pelo colégio, continuando a gritar pelo caminho. Por sorte não havia ninguém lá embaixo, apesar de eu pensar que muitos acordaram com toda a movimentação. Quando estávamos aos pés de uma escadaria que levava aos dormitórios e a sala da diretora, avistamos Serena. Tentei sinalizar que ela saísse, mas era tarde demais. Juliet a viu. – Não ouse correr, Serena Doolitle! – ela seguiu correndo até encontrar-se com a menina, que estava de olhos arregalados e um sorriso no rosto. Como sempre. Eu as alcancei.

– Boa noite professor Humphrey. E... Estagiária. – ela acenou.

– Juliet, o que pensa que vai fazer? – perguntei em tom alto.

– O que você deveria ter feito muito antes de eu chegar. Levar essa menina à diretora para ela ser punida. Afinal, você é seu professor. – falou com tom de incredulidade. – Se bem que... Depois de me ouvir, talvez, a diretora troque nossos cargos. Se é que você ainda vai ter algum aqui. – ela segurou o pulso de Serena, que se debateu.

– Me largue! Quem pensa que é, estagiária? Eu vim buscar alguma coisa e voltarei imediatamente ao meu quarto. Mas é claro que isso não é de sua conta, afinal não é paga para cuidar da vida dos outros, e sim para aprender a ser uma professora. Algo que, vendo esse olhar de enlouquecida, está em falta. – Serena falou, tocando na ferida de Juliet. Era cômico vê-la falar de loucura, levando em conta seu estado. Estado este que não deveria ser ameaçado por Juliet. Decidi intervir.

– A Srta. Doolitle tem razão. Eu assumo a partir daqui. – fiquei na frente de Serena, encarando Violet.

– Ótimo. Não seria a primeira vez que Charles me levaria para a diretoria. Vamos? – ela me olhou e pôs seu braço preso ao meu. Era uma atitude arriscada, mas talvez tenha sido boa. Eu, ao menos, gostei desse contato. Mesmo mínimo, ele era íntimo, expressava companheirismo. Os olhos de Violet pairavam sobre nossos braços, unidos.

– Está certo. Posso não ter o direito de intervir, mas posso muito bem acompanhá-los até lá e testemunhar o que vão inventar para a diretora. Afinal, como a menininha disse, eu estou aqui para aprender. Vamos? – falou, e dessa maneira fomos. Senti medo do que aconteceria, o que ela diria para a diretora Wilkes sobre nós, e tentei planejar o que eu diria em nossa defesa.

“Não, diretora. Estávamos nos encontrando às escondidas para um tratamento de psicanálise. Estou tentando enterrar os fantasmas do seu passado e transformá-la em uma pura e virgem menininha de quinze anos novamente. É claro, os beijos fazem parte. Psicologia reversa.”

Não tinha como melhorar a situação, então eu apenas cruzei meus dedos, apertando mais ainda o braço de Serena. Ela retribuiu o aperto, me tranquilizando um pouco. Enquanto caminhávamos, eu só conseguia admirar o seu talento de sorrir em todo momento. Ou, talvez, ela estivesse tranquila, já que nada de ruim nunca acontece com ela.

Ao chegarmos à porta da sala da diretora batemos e logo em seguida entramos, com a sua permissão. Ela franziu a testa da mesma maneira que sempre fazia ao ver ou ouvir o nome de Serena.

– Boa noite diretora. Desculpe interromper, mas... – Violet começou.

– Serena estava fora do quarto. Compreendo. E por que os dois vieram? Especialmente o senhor, Sr. Humphrey, que já teve essa conversa comigo. – ela falou, dirigindo-se a mim.

– Sim senhora. Na verdade acho que Violet está sendo bem desnecessária ao vir aqui incomodar. Eu disse a ela que podia resolver a situação, mas ela insistiu. – falei, erguendo as mãos para o céu em forma de rendição. Serena riu enquanto Violet olhava confusa para mim.

– Mas diretora... Não é apenas isso. Eu tenho certeza de que ela estava fora do quarto para se encontrar com o professor Humphrey. Em um horário fora do permitido, inclusive. – ela parecia estar prestes a anunciar o nosso comportamento indevido, mas sabia que precisaria de provas. Provas que não conseguiu e que nem iria conseguir.

A diretora Wilkes respirou fundo e esfregou o cenho, como fazia costumeiramente ao tratar desses assuntos.

– Srta. Doolitle, querida. Pode esperar lá fora um minuto? – a diretora pediu, ela assentiu delicadamente e se retirou. – Sr. Humphrey, é verdade o que Juliet diz? – perguntou.

Respirei fundo. Violet suspirou vitoriosa – ela sabia que eu não mentia. Mas eu conseguia omitir detalhes facilmente, ou até mesmo alterá-los... A depender do desespero.

– É verdade, diretora, mas não da maneira que ela insinua. Desde que recebi o dossiê em mãos tenho me preocupado muito com Serena, e acho que ela precisa de companhia. Soube que as meninas estavam causando certa pressão nela e resolvi chamá-la para conversar. A esperava às sete horas, próximo aos quartos, mas ela não veio. Achei que tinha desistido e iria ver se estava tudo bem pela manhã. Foi quando encontrei com Violet que supôs saber mais do que eu, e foi acusando. Acredito que por motivos particulares e completamente desnecessários. – falei.

A diretora suspirou e encarou Violet.

– Humphrey, você está liberado. Escolte Serena até o quarto. Vou explicar a situação da menina para Violet. Boa noite. – falou, logo eu saí e me encontrei com Serena.

– Tudo ocorreu bem? – perguntou, abraçando novamente meu braço. Eu assenti e fomos andando até seu quarto em silêncio. Ao deixá-la na porta paramos para nos despedir. – Não posso mesmo ir com você até o seu quarto? Agora não há perigo.

– Já tivemos aventura demais por hoje. Jesse e Celine podem esperar até outro dia. – eu sorri. Inconscientemente levei meus dedos até seu rosto, alisando-o. Ela sorria com o toque, de olhos fechados. Segurou minha mão e a pressionou no rosto. Seus olhos eram uma mutação da natureza. À noite pareciam brilhar mais. O seu azul era ainda mais intenso do que o do céu ao meio dia. – Estamos pisando em ovos. – falei pensativo.

– Não tenho medo de quebrá-los, você tem? – perguntou, segurando minha cintura. Olhei em volta para averiguar o perigo de mantê-la tão próxima de mim, mas tudo estava escuro e vazio. O silêncio era tanto que ouviríamos até mesmo a respiração de alguém que ousasse chegar aos portões do colégio. Fiquei encarando-a.

– Por que eu? Por que confia tanto em mim?

Ela olhou para baixo com os lábios murchos.

– Acho que você foi o único a me tratar do jeito que eu sempre quis. Como se eu fosse uma pessoa comum entre outras pessoas comuns. – falou. Eu podia sentir que ela estava quase se abrindo para mim.

– Mas você é. Por que te trataria de maneira diferente? – joguei verde. Era a melhor maneira de ter essa conversa com ela. Ela hesitou. Por um instante senti medo de me tornar invasivo, mas ela voltou a olhar para mim e sorrir.

– Porque você é, simplesmente, meu professor. Que, a propósito, não é nem um pouco feio e é completamente bem dotado... De charme, é claro. – ela riu. – E eu, pobrezinha... Uma debutante que cria seu hímen com tanto esmero... – ironizou. Eu voltei a enxergar desejo entre nós. Nossos corpos voltavam a se atrair, a colar-se, e eu fixava meus olhos em seus lábios. Doido por eles. Não foi preciso muito, e muito menos um pedido. Rapidamente ela pôs sua mão em minha nuca e me puxou para um beijo. Um beijo agitado e esfomeado. Sentia que nossas línguas dançavam entre si, e nossos corpos exalavam calor e agitação. Passávamos as mãos em nossos corpos de uma maneira tão desesperada que logo nos faltou ar. Tivemos que nos afastar. Seus lábios, que sempre foram rosados, estavam vermelhos. Imagino que os meus devem estar da mesma maneira. Ela olhou para mim de maneira quase hipnótica, depositou um beijo rápido em minha bochecha, me desejou boa noite e entrou em seu quarto.

Fui caminhando meio tonto e muito lentamente até o meu quarto. Pelo visto, o grande mistério, a grande dúvida, a questão filosófica da minha vida era: letra a, b ou c? O que Serena era para mim?

E isso nem mesmo Descartes poderia desvendar, quem dirá eu.


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Notas finais do capítulo

Olá! Geralmente eu deixo o capítulo falar por si só mas precisei pedir desculpas. Sei que muitos não tem tempo de ler capítulos grandes, mas esse foi inevitável. Espero que tenham gostado de ler tanto quanto eu de escrever. Admito estar interagindo muito com a fanfic... Meus planos iniciais para o capítulo eram apenas um filminho a dois, romântico, mas é como eu disse... Os personagens fazem o que querem.
Beijão, e até o próximo!