Shikashi!! escrita por Uma Qualquer


Capítulo 1
Meninos também gostam de shoujo mangá


Notas iniciais do capítulo

Onde conhecemos o Sr. Perfeito, colamos retículas e descobrimos que a Miku pode ser mais trouxa do que ela pensava.



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Quanto será que eu levo de um a dez na escala trouxa?

Ele é uma graça. Atencioso, inteligente, gentil. E lindo, absurdamente lindo. O tipo de cara que faz a garota mais discreta virar a cabeça que nem a menina do Exorcista, só pra olhar pra ele. Além de ser mais velho e estar na universidade, o que dá todo aquele ar maduro e responsável a ele.

Eu mencionei que o Sr. Perfeito é irmão da minha melhor amiga? Acho que não.

E claro, um cara tão perfeito assim, com certeza estaria namorando uma garota tão perfeita quanto ele. Além de ser praticamente a versão feminina dele, essa garota não sou eu.

Nada que me impeça de ser apaixonada por ele, de qualquer maneira. Todo castigo pra trouxa é pouco.


Essa minha amiga, irmã do Sr. Perfeito, se chama Kamui Megumi. Também conhecida como Gumi. Desde sempre a Gumi foi fascinada por desenhar, ler e escrever. Então, meses atrás ela ganhou o prêmio de uma importante antologia de mangás, e agora está publicando sua primeira série. A grana não é muita, afinal a Gumi é só uma iniciante. Mas não é como se ela estivesse nessa por dinheiro. Ela está feliz da vida em ter sua história conhecida.

Ter dinheiro ajudaria em algumas coisas, apesar de tudo. Gumi não pode pagar uma equipe de assistentes, e não pode trabalhar sozinha, já que seu mangá é quinzenal. No fim das contas ela ainda é uma adolescente no ensino médio, precisa de um pouco de vida fora do trabalho. E é aí que eu entro como assistente voluntária, desenhando cenários, linhas de ação, esse tipo de coisa. Como é um mangá shonen os cenários não são super detalhados, então até que é um trabalho fácil. No fim das contas, não é nada de mais ajudar uma amiga.

Ainda mais, quando o Sr. Perfeito é o outro assistente.


Ouvi minha mãe abrindo a porta lá embaixo, e meu coração deu aquela acelerada. Respirei fundo, "ele é só um ser humano, Hatsune!" e examinei meu quarto pela centésima vez. Pôsteres de grupos coreanos nas paredes, estantes cheias de livros, revistas e mangás, a cama cheia de mascotes de pelúcia. Tudo ali gritava 'adolescente'. Eu suspirei frustrada e resolvi pelo menos esconder os mascotes dentro do guarda-roupa.

Não que eu não fosse uma adolescente. Mas perto de Kamui Gakupo, eu sentia que tinha voltado a ter cinco anos de idade. Nunca seria madura o bastante pra ele.

Hah. Eu nunca seria o bastante pra ele. Mas não custa se iludir, né?

Mamãe bateu na porta do quarto. Ele estava ao seu lado, carregando uma pasta de arquivos, e curvou-se educadamente ao me ver.

– Konbawa, Miku-chan– ele me saudou.

– Konbawa– respondi, bastante sem graça.

Ouvi mamãe se afastar, dizendo que traria um chá com bolinhos em breve. Em outros casos, talvez ela só fizesse isso pra verificar se estava tudo bem no quarto de sua filha. Mas eu sabia que ela só queria dar uma olhadinha a mais no Gakupo. Que mulher não iria querer?

Não tem como ele ser humano. E toda essa perfeição inalcançável me deprime pra caramba.

– É bem espaçoso– Gakupo comentou, totalmente alheio enquanto observava o quarto.

– Deve parecer meio... infantil– murmurei insegura.

– Oh não. Me lembra o da imouto-chan. Vocês são muito parecidas– ele sorri gentil.

É, ele me vê como sua outra irmã mais nova.

Havia uma mesa baixa no centro, com algumas almofadas, onde me sento. Gakupo está observando os mangás na prateleira junto à escrivaninha. É agora que ele descobre que eu gosto de shoujo. Eu devia ter colocado umas enciclopédias ali ou sei lá. A vergonha me corrói; Gakupo não pode me ver mais como uma menininha do que ele normalmente já vê. Incrível como sempre consigo estragar tudo.

Antes que eu falasse qualquer besteira, mamãe chega com bolinhos e chá gelado. Gakupo é realmente educado com ela, um perfeito cavalheiro. Agradece o lanche e senta-se perto de mim, abrindo a pasta sobre a mesa.

A dele é delicada, branca, como porcelana. Ele parece ser quente, macio ao toque. Está sempre cheirando bem. Não simples perfume, algo que qualquer homem usaria. Apenas ele exala aquele aroma.

E apenas aquele aroma faz meu corpo inteiro tremer nas bases.

– Então– eu jogo um pouco de chá gelado garganta abaixo e respiro fundo. –Gumi tem alguma coisa pronta?

– Sim– Gakupo me estende algumas páginas. –Ela tá trabalhando nas cenas principais, mas já terminou essas. Eu ponho a retícula e você faz os efeitos.

– Certo.

Junto com a minha parte vem um recado da Gumi, explicando como ela queria os efeitos em cada quadro. É uma pessoa bastante organizada, a minha amiga. Pego os pincéis, réguas e o nanquim em meu estojo, enquanto Gakupo tira um estilete pequeno, um lápis e as retículas de dentro da pasta. E então, colocamos as mãos à obra.

Enquanto eu me distraía no trabalho, lembrava de como tinha conhecido a Gumi, dois anos atrás. Ela tinha acabado de se mudar pra Tóquio junto com o irmão, e como Gakupo tinha acabado de passar na Toudai, quase nunca estava em casa. Ficamos amigas na escola, onde frequentávamos o clube de artes. Apesar do talento absurdo pra alguém tão jovem, a Gumi era uma pessoa muito simples e simpática. Não demorou a fazer um monte de amigos na escola, mas eu ainda era a sua melhor amiga. Acima de tudo, Gumi era alguém muito leal.

Um ano depois ela me apresentou o irmão, que tinha vindo passar as férias em casa. Eu nunca tinha tido interesses amorosos, e até onde sabia, nunca havia me apaixonado. Quando meus olhos encontraram os dele, lilases agudos e serenos, foi como se tudo parasse ao redor e dentro de mim. Tempo, espaço, pensamento. Eu estava condenada a nunca me interessar por mais ninguém além de Kamui Gakupo.

Ele está concentrado em seu trabalho, eu percebo pelo canto do olho. Os cabelos da cor dos olhos escondem parcialmente o rosto. São bem compridos, presos num rabo de cavalo que cai pelas costas. Eu baixo a cabeça, continuo a traçar as paredes de um prédio, e as janelas do prédio, e o brilho do sol refletido nas janelas.

Sei que é clichê, mas dá vontade de pedir pro meu senpai que ele me note. Deus sabe o que tenho que fazer pra me segurar.

Ele sorri, um sorriso de lado. Olha pra mim rapidamente, voltando a recortar as retículas. Eu paro de desenhar, confusa. Ele está achando graça de alguma coisa que não percebi?

Será que eu guardei todos os mascotes de pelúcia?

– "Nana"– ouvi ele dizer, sem desgrudar os olhos da página. –Era esse mangá que eu lia quando entrei na Toudai.

Engoli em seco, aliviada e surpresa. – Você lê mangás shoujo?

– Sim, são meu gênero preferido– ele sorriu de novo. – A Gumi sempre preferiu shonen, claro.

– Nossa– eu nem sabia o que dizer. Aquilo foi um tanto aleatório pra eu saber lidar.

– Eu sei... Estranho um cara gostar de mangás pra garotas, né?

– Não... Não– exclamei. –Quero dizer, meninas gostam de mangás pra meninos também. É normal.

– Verdade.

Poxa, pensei admirada. Sempre tinha uma coisa nova, um novo detalhe que me fazia gostar mais dele. O Sr. Perfeito era cheio de surpresas. Quem diria que ele gostava de um mangá tão deprê que bateu a bad na autora antes de ela concluir a história?

Tá, não foi por isso que ela largou o mangá. Mas eu divago.

Ele me conta que Nana foi uma história que ele se identificou muito na época, por ter acabado de se mudar para Tóquio e entrado na universidade. Digo a ele que é um de meus mangás preferidos, e então estamos conversando sobre nossos shoujos favoritos com bastante entusiasmo. Gakupo não parece conversar a respeito com alguém além de mim e Gumi, o que me deixa lisonjeada de certa forma. É bom quando ele conversa comigo de igual pra igual.

E a voz dele... Grave e ressonante, música para meus ouvidos. Me perco em suas palavras bem articuladas, fazendo o possível pra não ficar sorrindo feito uma retardada. Ele está em meu quarto, conversando comigo. Eu podia trabalhar pra Gumi o resto da vida, se aquilo significasse outras oportunidades como aquela.

Mas claro, alguma coisa tem que acontecer pra estragar minha festa.

Ao primeiro toque do celular eu já sei que é ela. Gakupo pede licença, apanha o aparelho e vai até o corredor. Conversa em voz baixa, por poucos minutos. Sua expressão está consternada.

– Desculpe, Miku-chan... Houve um imprevisto e vou ter que sair. É provável que eu não volte por hoje... Sinto muito mesmo.

"Mas vocês têm um trabalho pra terminar! Hatsune, diga isso a ele! A Gumi tá em cima do prazo, e ele nem terminou de colar as retículas! Não deixa ele sair assim!"

– Tudo bem– eu sorrio amarela, ignorando os gritos escandalosos de minha consciência. -Se quiser eu posso terminar de colar as retículas que você cortou.

– Oh não, não se sobrecarregue com o meu trabalho-

– Não, tudo bem. Eu posso terminar essa noite e entregar pra Gumi na escola amanhã!

Ele me olha indeciso. – Tudo bem. Não vai acontecer de novo, Miku-chan.

Eu o levo até a porta. A coisa parece ser séria, visto a pressa dele e o ar preocupado. Minha parte má torce pra que a namorada dele tenha batido a cabeça num poste ou algo parecido. Essa mesma parte se arrepende logo depois: se a mulher se machucou, Gakupo vai passar mais tempo cuidando dela do que ao meu lado...

Minha parte má é uma vaca de primeira.



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Notas finais do capítulo

Retícula (ou screentone) é uma folha contendo tons, padrões ou estampas, para serem aplicados nos desenhos dos mangás. A folha é cortada com um estilete de precisão, no formato do desenho onde ele vai ser aplicado (no corpo de alguém que tenha um tom de pele mais escuro, na saia de um uniforme etc.), e depois a parte recortada é colada na página do mangá (com cola ou o adesivo da própria folha). Mais informações no Glúglou.
Eu não coloquei quem são os shipps porque achei que ia ser meio spoiler... Tipo, talvez a Miku e o Gakupo fiquem juntos. Talvez não. DESCUBRA!!!
A você que leu, meu muito obrigada! Se puder deixar uma review com sua opinião, crítica, sugestão, agradeço mais ainda. Té maisinho!



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