Espadas do Destino escrita por DewDrop-chan


Capítulo 6
Capítulo 4 – O Conto dos Lobos de Âmbar




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*CABRUUUM*
— Kagome... Isso tá me assustando...
— Tudo bem, Shippou. É só chuva.
A garota sorriu e afagou a cabeça do pequeno youkai raposa quando ele encolheu-se em seu colo. Aquela tempestade de primavera caíra de repente. Visto de dentro da pequena gruta, o céu parecia um grande manto cinzento, o vento forte uivando e trovoadas a cada vinte segundos. Bom, ao menos não havia sinal de relâmpagos.
— Feh! Seu babaca medroso! – Inuyasha abriu um sorrisinho provocativo.
— Senta.
*poft*
— Agh! – ele caiu de cara no chão – Por que você fez isso, Kagome?!
— Ai, como você é irritante!
Eu, irritante?! – fitou Kagome com uma cruzinha latejando na testa; ele não tinha culpa de nada, Shippou que era irritante.
— Nya... Vocês brigam muito... – Aino murmurou.
— E como tá sua perna, Aino? Melhorou?
— An-ham, eu to ótima.
A menina falou passando a mão levemente sobre as ataduras que lhe envolviam o tornozelo como um grosso bracelete branco. Nem estava doendo mais; não conseguia acreditar que logo ela desmaiara por tão pouca coisa.
*poc*tomp*capof*
Uma série de produtos de higiene pessoal e sprays pra cabelo e contra mosquitos foram lançadas no chão. *prac* E um espelho, *pec* uma escova roxa *bonk* e um livro de matemática. Com um suspiro conformado, Karen enfim parou de mexer na mochila de Kagome e reboar tudo o que lhe vinha às mãos para fora.
— Desisto, srta. Kagome... Não achei nada...
— Nada?! Nada, nadinha?!
— Não... *roooooooooooooooooonk* [Ai, que fome!] – a menininha pôs a mão na barriga, tentando faze-la parar de roncar. [Ú.Ù’]
— Deixa eu ver. – Kagome foi até a mochila amarela gigante e pôs-se a remexê-la, mas também não encontrou o que procurava. – Tá legal... Quem foi que comeu o pacote de biscoitos que eu trouxe? – ela começou a colocar tudo dentro da bolsa novamente, contrariada.
— Não fui eu. – disse Miroku.
— Nem olhe pra mim. – falou Sango.
— Não era pra comer? – Inuyasha balançou a embalagem vazia que tinha em mãos.
— Inuyasha – falando com cruzinha vermelha latejando na cabeça – você é... você é... *Grrrrrrrr* Impossível!
— Tudo bem, senhorita Kagome. Eu vou procurar alguma coisa pra comer.
— Vai sair, Karen? Com essa chuva?
— Ah, não tem problema. O senhor Miroku me empresta o chapéu de chuva, não empresta?
— Hã? Ah, claro... – o monge entregou para a menina o objeto, que mais parecia uma cesta com um cordão – ...Só que a corda está arrebentada...
— Pra mim tá num bom tamanho. – respondeu sorrindo.
Karen pôs o chapéu na cabeça e amarrou um laço com o cordão em volta do pescoço. Depois passou pela abertura da gruta e seguiu andando até os outros a perderem de vista.
— Ei, Yoh... – Kagome dirigiu-se à garota de pé recostada na parede rochosa – Acha mesmo seguro deixar ela ir sozinha?
— Aino. – a menina parou de brincar com Kirara ao ouvir Yoh dizer seu nome – Vá com ela.
— Tá.
Aino pôs-se de pé, enganchou a alça da bolsa vermelha no ombro e foi atrás de Karen, sem proteção nenhuma contra a chuva.
— Não, Aino, volta aqui! – Kagome quase gritou, mas a menina pareceu não ouvir – Que droga, Yoh! Não foi isso que eu quis dizer, você sabe disso!
— Hunf.

...

= Espera, Kouga!!! – eles berraram a mesma frase de sempre.
— Andem logo, seus molóides! – e ele respondeu a mesma frase de sempre enquanto ganhava distância dos amigos.
Tomando a forma de um pequeno tornado, o youkai lobo acelerou ainda mais, desaparecendo do raio de alcance da vista dos outros. Ginta caiu sentado, ofegante, e Hakkaku parou ao lado do colega limpando o excesso de suor na testa com o braço. Nunca alcançariam o Kouga naquele ritmo; permaneciam naquela correria já faziam dois dias seguidos, seus corpos estavam fadigados e exigindo um descanso. Tudo o que podiam fazer agora era continuar andando devagar, até que o próprio Kouga resolvesse parar e esperar por eles.
— Aaaaagh... Não to agüentando mais...
— Nem eu... Meus pés tão me matando!! – Hakkaku fazia uma massagem no dedão enquanto falava – Uuuuuiii...
— Só os pés?! Minha barriga é que tá me matando! Eu nem lembro mais como é ter comida na boca...
— Pára de falar de comida antes que eu desmaie!
— Que droga... Se a gente não ficasse tanto pra trás talvez o Kouga deixasse a gente parar pra comer de vez em quando...
— O problema, Ginta, é que a gente sempre vai ficar pra trás... O Kouga não esquece essa obsessão doida de ir atrás do Naraku... E, por causa daqueles fragmentos nas pernas, ele é super rápido...
— Ou será que a gente que é lerdo, hein?...
Eles se encararam por um instante, um com mais cara de cansado que o outro.
= Aaaahhhnn... – esparramaram-se de braços abertos no chão, olhando o céu – Que droga...
*funk-funk*funk-funk*
— Ei, cara... – Ginta farejou algo no ar, ainda deitado – Tá sentindo esse cheiro?
Parecia que os outros lobos que os seguiam haviam sentido algo também; estavam agitados. Hakkaku sentou-se e empinou o nariz, tentando apurar mais o olfato.
*funk-funk*
— To, sim...
— E esse cheiro... é...
— Cheiro de...
Os olhos de ambos se iluminaram como tochas; eles pareciam possuídos por uma nova força vinda de seu interior... ou, mais precisamente, de seus estômagos.
= COMIDA!!! – saíram correndo em disparada feito dois doidos.
...


Karen continuava a cantar alegremente, arrumando com cuidado as coisas que juntara. O céu ainda estava nublado e o tempo úmido, mas parara de chover. Agora a menina usava o chapéu de Miroku como cesta, pondo nele todo um sortimento de cogumelos, ervas, raízes e frutinhas silvestres. Podia fazer uma sopa excelente com aquilo e guardar as frutas para comer de sobremesa. Embrulhou tudo numa trouxa (o chapéu-cesta servindo de base dentro) com um paninho que trouxera. Sorriu satisfeita. Estava ficando muito boa naquilo. Há um ano atrás levaria o dobro do tempo para encontrar metade do que juntara ali.
Grrrrrrrrrrrrrrrrrr...
[Hã?] A menina virou-se ao ouvir o rosnado vindo de trás.
Grrrrrrrrrrrrrrrrrrr...
Auf-Auf! Grrrrrr...
Karen pôs-se de pé o mais rápido que conseguiu, apertando a trouxinha contra o peito. [Ain... não...] Aqueles animais não pareciam muito amigáveis e não paravam de rosnar; ela ficou assustada. Recuou um passo para trás, e eles avançaram um passo na direção dela. Recuou mais um, e eles avançaram mais dois. [A... Aiiiinn...] Tinha que manter a calma, não podia entrar em pânico, não podia... [AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!!!] Karen saiu correndo, e os bichos em seu encalço.

— KAREN!! KAREN, CADÊ VOCÊ?! – Aino respirou fundo e continuou chamando pela amiga enquanto andava – KAREEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEN!!! [Mas onde diabos essa menina se enfiou?!] KAaa... – ela avistou uma garotinha correndo aos tropeços em sua direção com um embrulho nas mãos, sendo perseguida por um monte de lobos – Karen?!
— AINO!!! SOCORRO!!
[Nya?!] Aino parecia uma estátua de tão pasma que estava, quando a pequena amiga enfim a alcançou e se postou atrás dela como se quisesse usa-la como escudo.

...
Yoh sentiu a lâmina da Tessaiga pulsar, inquieta. Já era a quinta vez que algo assim acontecia. [Essa espada não gosta mesmo de mim...] Mas pensando com sinceridade, isso não importava nem um pouco. Fitando a arma que agora trazia presa na faixa à sua cintura junto à outra (o cabo desfiado de Tetsusaiga agarrado à lâmina contida naquela bainha gasta), era mais do que claro o quanto eram incompatíveis. Deixou a mão deslizar sobre o pomo bem cuidado da espada que era realmente sua, como se lhe fizesse um carinho. [Tentetsu... você é mais que suficiente.]
Kagome cutucou distraída as brasas na pequena fogueira à frente com um graveto, atiçando um pouco mais as chamas.
— Ei, Yoh... me diz uma coisa...
— O que?
— Aquele fragmento da Jóia que a Kagura lhe deu, por que você não usou?
— Por que usaria?
— Ahn...
— Elas tão demorando muito, será que aconteceu alguma coisa? – Shippou mirou o olhar na abertura da gruta.
— Feh! Mas que mania maldita de sumir! Eu vou lá dar uma olhada. – Inuyasha levantou-se e limpou a poeira das calças – Mas... *funk-funk* Esse cheiro nojento é do...
Oi.
— Kouga! – Kagome inclinou-se para que Inuyasha saísse da frente de seu ângulo de visão.
— Kagome, sinto muito ter passado tanto tempo sem vir lhe ver. – ele segurou as mãos dela com vontade – Prometo que nunca mais vou deixá-la tão sozinha.
— Tu... Tudo bem... – Kagome respondeu com um sorriso desconfortável.
— Larga ela, Lobo Fedido!
— Ora, duas pessoas que se amam têm o direito de se abraçar. – Kouga agarrou-se em Kagome como um bicho preguiça numa árvore.
— Feh, só que vocês não são duas pessoas que se amam! Larga, AGORA!
— Vem me obrigar, Cara-de-Cachorro!
— Parem com isso... – Kagome mantinha uma enorme gota na testa enquanto Inuyasha tentava puxar Kouga pela cauda da roupa.
— Solta ela, seu parasita nojento!
— Solta você o meu rabo!!!
— Lobo Fedido! – berrou puxando Kouga, de um jeito que o lobo nem mais encostava os pés no chão.
— Cara-de-Cachorro! – berrou de volta, agarrado à cintura de Kagome.
— Lobo Fedido! – puxando mais.
— Cara-de-Cachorro! – ainda grudado.
— Lobo Fedido! – puxando muito mais.
— Cara-de-Cachorro! – ainda mais grudado.
— PAREM COM ISSO! VOCÊS VÃO ME PARTIR AO MEIO!! – Kagome respirou fundo – Inuyasha, Senta!
*poft*
*putuft*
Inuyasha despencou de cara no chão, como sempre ...e Kouga caiu por cima.
— Por que você fez isso, Kagome?... AUTCH! SAI DE CIMA DE MIM!!!
— “Autch”? Que que é isso, Cara-de-Cachorro? Mistura de latido com espirro?
— Tira esse seu pé da minha cabeça, Lobo fedido!

— Aiai... eles não vão mudar nunca... – Sango deu um suspiro leve.
— É mesmo... – Miroku virou-se para a abertura da gruta entediado, e só então notou a pessoa prestes a sair por ali – Ei, Yoh, aonde você vai?
— Atrás de Karen.
— Só da Karen?! E a Aino?! – exclamou Kagome.
— Eu já tava indo, por que você quer ir? – Inuyasha sentou-se, empurrando Kouga e catando uma garrafa de água mineral da mochila de Kagome, que o lobo tratou logo de tomar-lhe das mãos e começar a beber.
— Não confio em quem age como um pirralho birrento.
— Ele me chamou de Cara-de-Cachorro! – Inuyasha apontou o dedo bem no nariz de Kouga, que recuou para não levar um cutucão – Você ouviu!
— Tenha orgulho de seu rosto, Inuyasha. É o único que você tem.
— Pfffffffffff!!!!– Kouga cuspiu parte da água pelo nariz; parecia que ia desmaiar de tanto dar risada – KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!!!!!
— Ora, sua... – Inuyasha fez uma careta de raiva, mas não terminou a frase.
— E quanto a você, lobo...
— Que foi? – Kouga respondeu à Yoh ainda contendo um último acesso de risinhos.
— Tome um banho.
Essas três palavras foram a única coisa que ela disse antes de sair, deixando para trás o restante do grupo e Kouga com cara de tacho. Foi a vez de Inuyasha quase enfartar de tanto rir.
...

Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!!!
Mais um dos lobos que perseguiram Karen avançou para cima das duas.
— TOMA ISSO!
Aino esquivou-se da investida dando uma leve agachada e aplicou nele um chute alto caprichado no focinho. Outro tentou atacar, e ela golpeou o animal (com o punhal que sempre trazia consigo) como nenhum exterminador teria feito melhor; o bicho caiu para trás ganindo com a barriga vazando sangue.
Cain! Cain cain cain...
— Totó feio! Muito feio! – exclamava Karen de detrás de Aino, como se estivesse dando uma bronca num bichinho de estimação mal-comportado.
— Eh, e vão ficar ainda mais feios quando eu arrancar a cabeça deles!
— Vai, Aino! Manda ver! – se Karen tivesse algum daqueles pompons coloridos de torcida organizada provavelmente o estaria sacudindo agora.
Os lobos começaram a rosnar. Avançaram um pouco, bem devagar, e depois desataram a correr para cima delas.
— Nya! Tá legal, podem vir!!! – Aino fez uma carinha de assassina.

*puf-puf*puf-puf*
— Tem... certeza... *puf-puf* de que é... *puf* por aqui?... – se Hakkaku estivesse mais ofegante, não conseguiria falar.
— Quem tem... *arf* é meu... *puf-puf* nariz... *puf-puf* – respondeu o colega.
*tump*
*capof*
Ginta caiu no chão pela força com que a coisa foi lançada nele.
— Tá bem, quem foi o engraçadinho que jogou esse lobo em mim?! – momentinho de inércia – Pera aí... eu disse LOBO?!
— É o Cinzento!
— Cinzento! Por Deus, quem fez isso com você?!
Cain cain cain... – tudo que o pobre bicho conseguia fazer era ganir.
— Apareça, demônio do inferno! – Hakkaku olhava para todos os lados, à procura do agressor de Cinzento.
— É! Apareça de onde estiver! Nós vamos vingar nosso companheiro lobo! [Nossa, eu sou bom de drama, o Kouga ficaria orgulhoso...] Venha e enfrente a gente, covarde!
— Isso aí, aparece agora!

...
— Quem era aquela *glub-glub* – Kouga deu outro gole da garrafinha d’água – mulher estranha?
— É a Yoh. Ela tá andando com a gente por enquanto. – Kagome tentava inutilmente desamassar a própria blusa.
— Ah, sei... *glub*
— Por que o interesse, Lobo Fedido? Se apaixonou por ela, foi?
— Ah, nem vem, Cara-de-Cachorro! Eu só tenho olhos pra uma garota, – ele segurou a mão de Kagome de novo e a olhou nos olhos, com uma expressão bem romântica – que é você, Kagome. – encarou o hanyou novamente, com uma careta de “eu venci essa” ­– Não sou que nem você, Inuyasha!
— EI!
— Se você disser que é mentira vai ser mentira, Inuyasha... – Shippou mostrou todo o esplendor de sua sabedoria infantil, *soc* e levou um soco na cabeça.
— Pra mim você é quem tem uma quedinha a mais. Já não bastavam duas, Cara-de-Cachorro, tá querendo três de uma vez?!
— Ora, seu...
— Kouga, controle-se, por favor! – Kagome encarou o youkai lobo com censura; ele entendeu e ficou bem quietinho... por um tempo – A Yoh tomava conta do Inuyasha quando ele era pequeno. Daí, a gente encontrou ela a alguns dias e ela...
— Pera, pera aí... haha... Eu ouvi direito mesmo?! Hahaha! VOCÊ TEM UMA BABÁ, CARA-DE-CACHORRO?!
— TEM SIM! – bradou Shippou, os olhinhos brilhantes de emoção por ter encontrado alguém que também achava aquilo muitíssimo engraçado – TEMSIMTEMSIMTEMSIM!!!!!
— Oh, céus! O Inuyashazinho é tãaaaaaaaao pequenininho e bonitinho... – Kouga fez um gesto como se fosse apertar a bochecha do hanyou ­ – É um bebê levado, não deixe ele se machucar! KKKKKKKKKKKKKK!!!!
— Grrrrrrrrr...
— Ih, tá rosnando pra mim? Que bebê mal comportado! Kkkkkkkkk!!!!
— FEH, VAI TOMAR BANHO, SEU LOBO SARNENTO!
...

— Venha e enfrente a gente, covarde!
— Isso aí, aparece agora!
Covarde é quem chama, bando de esquisitos! Me vençam se puderem!
— Aino, esses aí são diferentes, ó, andam em pé... não era melhor a gente ir embora?
Hakkaku e Ginta olharam na direção de onde as vozes vinham. Mais três lobos, o Marrom-Claro, o Marrom-Escuro e o Malhado, vieram como que acuados para trás deles, buscando proteção. A dupla de youkais lobos ficou surpresa. Não eram demônios, nem mesmo youkais... eram só crianças humanas... uma menininha com um embrulho nas mãos e uma um pouco maior segurando uma lâmina curta.
A gente vai lutar contra uma criança com uma faca?!
— É um punhal!!! – berrou Aino, claramente ofendida.
— Eh, e pra comer a gente vão ter que passar por cima da gente primeiro! – complementou a amiga.
— Karen, se eles devorarem a gente é óbvio que vão passar por cima... [U.Ú۵]
— Eu sei, foi o que eu disse. [-º-º-]
— Você é estranha, sabia? [¬_¬۵]
= EI! Esqueceram da gente?! – Hakkaku e Ginta exclamaram em coro.
— Nya, é mesmo... Esqueci, desculpa. – Aino falou com a expressão mais inocente que havia.
= ... Esqueceu mesmo?... [°.°’] ­– eles realmente não esperavam por isso – PREPARE-SE, GAROTA! NÓS VAMOS TE ENSINAR UMA LIÇÃO!
— Podem vir, lobos de araque!!!
Karen afastou-se um pouco para trás, dando maior espaço à amiga e deixando uma pequena parte de seu conteúdo escapar sem querer da trouxa e rolar pelo chão.
= YAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHH!!! – Eles desataram a correr na direção delas.
Aino guardou o punhal na cintura e puxou a bolsa vermelha para frente, tirando dela um punhado de globinhos escuros que lembravam bolas de gude. [Uma ou duas dessas deve bastar, a senhorita Yoh não ia gostar que eu gastasse muita munição com eles.] Mas...
— Ei! Afasta aí, eu também quero!!
— Seus folgados comilões! A gente defende vocês e vocês nem dividem o que acham?! Sai, sai! –
Ginta continuava tentando puxar um dos lobos pelo rabo ­– SAI!!!
— A gente sentiu esse cheirinho primeiro e tem tanto direito quanto vocês, sabiam? EI! Esse aí é meu! Não come, por favor, vai... Não come!!!
Era uma cena curiosa, pode-se dizer. Os lobos agruparam-se formando um círculo fechado em torno dos cogumelos no chão e abocanhavam tudo sem dó, enquanto o duo de youkais tentava desesperadamente catar alguma migalha e puxava e empurrava uns aos outros querendo abrir espaço.
— Nya, isso aí é... [-_-’]
— Acho que não era bem da gente que eles estavam atrás, né, Aino... [°.°’]
— An-ham...
Hakkaku e Ginta foram ‘tangidos’ pelos lobos do meio do círculo. Dando-se por vencidos, se puseram a apenas assistir os bichos fazerem aquele lanchinho, caindo sentados sobre a grama.
— Ei... – Karen aproximou-se deles – Vocês só estão... atrás disso?
= An-ham... – eles suspiraram – Desculpa, parece que a gente deu o maior susto em vocês... Mas é que a gente não come nada a dias...
— Ah... Tem mais aqui. – ela descobriu a cestinha.
= Você... vai dar isso pra a gente? – Hakkaku e Ginta encararam Karen chorando de felicidade.
— Nya, olha, eu e a Karen temos que ir embora porque já devem estar preocupados com a gente. Mas se quiserem vir junto tá tudo bem, modéstia à parte eu sei fazer uma sopa ótima.
= JURA?! [*v*]
*trect*prec*prec* Som de folhas em movimento, farfalhar de galhos. Um pouco agitado demais para ser obra do vento. Alguém ou algo estava vindo, bem rápido. Aino e Karen quase foram atropeladas pela nova onda de lobos que saiu de detrás das árvores e se aninhou atrás dos dois youkais.
— Ei, quantos mais desses bichos tem por aqui?! – reclamou Aino.
— Só esses, mas – Ginta tentava tirar os bichos de detrás da própria sombra enquanto falava – parece que tem alguma coisa errada.
— Nya, errada tipo o quê?
— Não faço... UGH! – Ginta sentiu alguma coisa pontuda espetar seu bumbum; um dos lobos mordera-lhe a roupa na esperança de não precisar mais soltá-la – ...ui... idéia...
— Deixa, eu descubro. – Hakkaku agachou-se e se pôs a falar com seus mascotes, no idioma deles – Au au, auauau. Au?
Auf! Auf!
— Cain! Caincaincaiiiiin!!!
— Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu...
— O que eles disseram? – Karen agachou-se também, como se isso fosse fazê-la entender melhor.
— Bom... Disseram que o nosso amigo Kouga encontrou a garota que ele gosta e está com ela agora. Só que...
— “Só que” o quê?
— Só que tem algo assustando eles, coisa de instinto de lobo. Eles estão com medo que seja um inimigo. Pelo que eu entendi, representa um perigo enorme. Querem que a gente vá atrás do Kouga...
— Nya, se vocês quiserem ir, tudo bem. Mas aí, nada de sopa.
= Mas a gente tá com fome! [Ó^Ò]
— Então não vão, ora. Esses bichos malucos quase mataram a Karen de susto, nem sei pra quê dar ouvidos a eles – ela encarou os lobos, respirou fundo e continuou – ...e a gente aproveita e arranja uns curativos pra eles... Eu fiz estrago, então eu assumo.
— E depois da sopa tem frutinhas pra a sobremesa! [^v^] – completou Karen, feliz como sempre.
— Tá bem... talvez seja melhor mesmo...
— Hihihi. Eles são bonzinhos... – disse a menininha quando um dos lobos lambeu-lhe o rosto – Quais são os nomes deles?
— Quer saber todos mesmo?
— An-ham! [^^]
— Certo, então, começando da direita pra a esquerda: Malhado, Chuva, Cinzento, Travesso, Marrom-Claro, Marrom-Escuro, Nuvem, Doce, Trevo e Bolinha.
— “Bolinha”? Que bonitinho!
Um novo farfalhar de folhas, passos. Os bichos recuaram para trás de Hakkaku e Ginta novamente, só que agora rosnando baixinho e sem parar.
— O que é que foi agora?! – Aino pareceu irritada.
— Tem alguém vindo – sussurrou Hakkaku – e eles tinham razão... Dá uma sensação estranha...
— É – complementou o amigo – como um frio na barriga...
A moça andou por entre os espaços das árvores até alcançar as crianças, limpando com a mão um pouco de poeira que se alojara na manga do quimono.
= Srta. Yoh! Veio buscar a gente? – as meninas disseram em coro.
— [Hunf. Então havia mais lobos além daquele...] – Yoh fitou de relance os dois youkais perto de Karen e Aino – Eles estavam incomodando vocês?
— Nya, mais ou menos... eu diria que não.
Aino foi quase contando sobre a perseguição à Karen, mas tratou de ficar de boca fechada. Nem queria pensar no que aconteceria aos pobres coitados se a pergunta “eles estavam incomodando” fosse respondida com um “sim”...
— Eles disseram que tão com fome, deixa eles voltarem com a gente? – pediu Karen, sorridente.
— Hum... – ela analisou o duo de cima a baixo – Talvez...
— Êba!
— ...se eles pararem de babar. Vamos.
— Hã... – Karen encarou os novos amigos enquanto recomeçava andar; eles estavam ambos com uma expressão de [-¬-] que podia matar alguém de tanto rir – Nossa...
— Nya, de novo não... [¬x¬’] – ela parecia já estar farta de presenciar aquela mesma cena.
— Aino... você acha que era isso que tava assustando os lobos? – Karen sussurrou à colega.
— Não sei – ela respondeu, enquanto assistia ao duo seguí-las andando “flutuando” a um palmo do chão deixando um rastro de coraçõezinhos e os lobos, relutantes, vindo atrás – mas com certeza eles estão assustados agora. [¬3¬]
...

= Senhorita Kagome, senhor Inuyasha, Shippou! Gente! Voltamos! – exclamaram as duas meninas ao adentrarem a abertura da gruta.
— Nossa, como vocês demoraram! – reclamou Kagome – Eu já estava ficando preocupada...
— E eu já estava ficando com fome! – reclamou Inuyasha – Trouxeram o que de bom aí?
— Amigos novos! – Karen abriu um sorriso do tamanho do mundo encarando o hanyou.
— Feh! Eu não como gente!
— Nya, bocó, eles não são comestíveis. – Aino aproximou-se da fogueira que Kagome havia feito – A Karen catou umas coisas por aí pro jantar.
Hakkaku e Ginta aproximaram-se também, e somente então Kouga pareceu notar a presença dos dois ali.
— Por onde andaram, seus molóides?
— Pôxa, Kouga... Pega leve na corrida na próxima vez...
— Eh, a gente não acompanha, você sabe disso.
— Ah, vocês são uns molóides mesmo! – exclamou o youkai lobo.
— Você cozinha, Aino? – perguntou Sango, curiosa ao ver Aino pôr uma panelinha que achou dentro da mochila amarela em cima da fogueira e ir colocando dentro dela tudo que Karen trouxe.
— Nya, um pouco. Depois de uns quatro anos andando por aí, a gente aprende a se virar.
— Hehe, essa eu vou querer ver... – Kouga inclinou-se para perto da panela – E se esse treco for comestível mesmo, eu chego até a comer!
— Que interessante, eu não sabia que você comia alguma coisa além de aldeões e pacotes de batata frita indefesos, Lobo Fedido.
— Você não sabe mesmo nada sobre mim, né, Cara-de-Cachorro?
— Feh! Tá bem, então: e desde quando alguém sabe qualquer coisa sobre tribos de lobos? – retrucou Inuyasha, recostando a cabeça na parede rochosa.
— Nya... Até eu sei! – Aino ignorou a cara emburrada que Inuyasha fez por ter sido chamado de ignorante e continuou remexendo o conteúdo da panela em círculos com uma colher de madeira – Desconsiderando as híbridas e as muito pequenas, existem oito legiões de youkais lobos espalhados pela região de Mori: os Lobos Cinzentos, os Lobos das Montanhas, os Lobos Solares, os Lobos das Grutas, os Lupinos Caçadores, a Alcatéia Branca, os Lobos da Terra Verde e os Lobos de Âmbar. – ela terminou de cozinhar e distribuiu uma pequena porção de sopa em cada prato que lhe estenderam ­– A maioria era nômade até 400 anos atrás, mas de uns tempos pra cá conseguiram porções de terra em troca de oferecerem 1/3 dos guerreiros subordinados a Sawa e 1/3 a Hayashi.
— Hayashi? Sawa? Quem são esses caras? – Inuyasha deu um empurrão em Kouga para chegar mais perto da panela e reencheu a tigela de sopa.
— KKKKKKKK!!! Boa piada! Essa eu vou lembrar por um tempão! KKK!! – Aino levou bastante tempo para conseguir parar de rir.
— Hã? Que piada? – o hanyou pareceu confuso.
— Nya... você tava... falando sério mesmo?... – Aino quase teve um ataque – COMO ALGUÉM PODE SER TÃO BURRO?!?! HEIN?!

— Psss... Senhor Inuyasha... – Karen cochichou a ele no tom mais meigo que conseguiu – Hayashi e Sawa não são pessoas, são lugares...
— ...
— Tá bem, eu explico. – Aino fez uma expressão de “eu me rendo” – Na verdade essas denominações costumam ser usadas pelos daiyoukais e pelos youkais habitantes. Por exemplo, aos humanos Sawa corresponde às regiões de Kanto, Chubu e Kinki, ou seja: oeste; já Hayashi é o leste. Só não sei como você não sabia disso, porque os cães youkais dominam essas regiões desde não sei quando.
— É, mas as tribos são independentes. E o meu território era o maior! – Kouga abriu um sorrisinho arrogante.
— Mas se tem uma coisa que eu nunca entendi foi aquela história da divisão de terras... Tá certo que vocês não tinham onde morar antes, mas ceder dois terços dos lobos pra ganhar um monte de cavernas em troca não foi meio, digamos, burrice?
— Como é?! – o lobo pareceu não gostar da frase da menina.
— É que, sem querer ofender, eu iria pedir pelo menos uma casinhas junto... e uma roupas mais bonitinhas.
— Olha, disso aí eu não... EI! O que tem de errado com a minha roupa?!
— Nya... – ela fez uma careta de “se você não sabe, então está ficando cego” – Tá, esqueça essa parte do que eu disse... Mas eu continuo achando que foi burrice.
— Eu ainda era um moleque quando decidiram isso, nem lembro direito como foi...
***

Os garotos vieram correndo alegres pela beirada do rio, onde a água rasa batia nos tornozelos e levantava gotas geladas até suas pernas a cada passo. O mais veloz do trio, como sempre, dava pequenas carreiras que fazia os outros o perderem de vista, e daí parava e esperava que o alcançassem. Estava num desses intervalos, embora já avistasse os colegas retardatários ao longe, e o sol batia contra o rosto moreno e os olhos azuis, dando uma idéia do dia lindo e ensolarado que viria pela frente.
— Andem logo, seus molóides! – berrou o garotinho, provocativo, num convencimento incomum para o seu tamanho.
— Da próxima vez, *puf-puf* vai devagar, Kouga! – exclamou um menino usando um rabo-de-cavalo longo na nuca, que aparentava por volta dos seis anos assim como o restante dos colegas.
— É! – completou o outro que veio logo atrás, ofegante – Tá achando que só porque é filho do Okami-sama pode deixar todo mundo pra trás?!
— Mas eu não deixei todo mundo pra trás, só vocês dois! Aliás, eu fui o único que parei pra esperar! O papai e os outros lobos já devem ter até escolhido onde a gente vai passar a noite hoje à essa altura!
— Não sei por que a gente não pode ficar num lugar só, de uma vez... – suspirou o garoto à direita, coçando o único tufinho de cabelo escuro no meio dos fios curtos e claros.
— Pôxa, Ginta! Você só reclama!
— Ei, Kouga, você ainda tá usando esse treco? – riu o amigo à esquerda, referindo-se à liguinha de cabelo que o youkai usava ao estilo Miroku – Desiste, cara, você não tem cabelo o bastante pra prender!
— Ele vai crescer, você vai ver! – retrucou o garoto, contrariado – E que tal se eu passar uma faca no SEU cabelo e deixar só uma listra dele na sua cabeça, que nem um cavalo?!
— Hei, cuidado que inveja mata, hein? – disse o colega enquanto passava a mão nas mechas longas de cabelo cinza ultra-claro, como se quisesse fazer carinho nelas.
— Hunf! Você vai ver, Hakkaku! Um dia você acorda careca e eu é que vou ficar rindo!
— Uau, o Hakkaku careca... Não, careca não, semi-careca! Ia ficar engraçado, eu bem que queria ver! – comentou o lobinho à direita, em meio a um acesso de risinhos.
— Eu detesto mesmo tirar você e o Kouguinha desse sonho horrível, Ginta... Mas a gente não devia já ter alcançado os adultos?
— Não muda de assunto, que eu to gostando! – riu Kouga, do topo de seus 1,20m de altura.
— Ah, admite, Hakkaku! Você ia ficar uma graça careca!
— Não ia não, e eu tava falando sério! Eu não sei vocês, mas eu já to indo porque não quero correr o risco de ficar tão pra trás que eu me perca! – Hakkaku recomeçou a correr, ultrapassando os colegas – Tchauzinho, molengas!
*zuuuuuuuup*
Kouga recomeçou a correr também, e em míseros segundos tomou a dianteira e foi ganhando distância.
— Tchauzinho, molóide!
— Ei, esperem por mim! – berrou Ginta, tentando acompanhar os colegas.
...
Eles enfim alcançaram o restante dos youkais lobos. Havia outras crianças ali, algumas mais novas, outras maiores, mas em sua maior parte o grupo era formado por adultos. Estavam todos próximos à base de uma cascata onde aquele rio tinha início, grande parte analisando o ambiente em volta. Um cenário bonito, diga-se de passagem.
Ah, vocês chegaram, até que enfim.
O pequeno trio parou de correr, ofegante, frente ao youkai mais velho que falara. Era um homem alto e de aparência forte e rude, que usava um cavanhaque preto e uma grossa faixa marrom na testa como acessório.
= Sim senhor, senhor Okami-sama! – exclamaram Hakkaku e Ginta em coro, em posição de continência.
— Oi pai! – completou Kouga, rindo das caretas invejosas que os amigos fizeram como resultado da frasezinha descontraída e informal.
— Olhem em volta e me digam: o que acham desse lugar? – Okami falou chutando uma pedrinha para dentro do rio.
= Legal! – disseram Ginta e Hakkaku.
— Tá ótimo! – Kouga concordou – Dá pra ficar por aqui pelo menos uma semana que eu não ia reclamar!
— É bom saber que vocês gostaram, porque vamos ficar aqui por bastante tempo.
— Sério, pai?
— Sério.
Eles estão vindo! – gritou um dos outros lobos da tribo, ao longe.
De repente, aquele local apinhado de gente pareceu tornar-se deserto num passe de mágica. O trio de garotos apenas ficou olhando ao redor, sem entender porque todos haviam se escondido de repente, até que Okami empurrou-os para detrás de uma moita e se pôs atrás dela também.
— Kouga, quero que fique bem atento a partir de agora.
— Por que, pai?
— Está vendo aqueles garotos?
Observando bem, havia mesmo algumas pessoas se aproximando ao longe dali. Era um grupo pequeno, apenas seis adolescentes, todos aparentando por volta dos quatorze ou quinze anos. Fora um brio invejável, mesmo para youkais, as únicas semelhanças entre eles pareciam ser as roupas finas impecavelmente bem cuidadas e os broches vermelhos em forma de estrela que traziam consigo como se fizessem parte de um uniforme (embora cada um usasse o seu de forma diferente). Vinham conversando entre si, tom de amenidades, os rostos despreocupados e andando normalmente. Pararam próximos à cascata e ficaram por ali, como se estivessem esperando alguma coisa.
— Estou.
— Eles são cães de Hayashi. Nós vamos matá-los.
— Ué, por quê?
— Porque esse território pertence aos kuroinu, mas depois que nós os derrotarmos ele vai ser nosso.
— Quer dizer que a gente vai morar aqui?!
— Eh, em outras palavras, sim.
— EBAAAAAAAA!!! – berrou Ginta, deixando os colegas quase surdos.
— Cala a boca, seu maluco! – reclamou o pequeno youkai lobo, tapando os ouvidos com as mãos.
— Eu não sou maluco, Kouga! – reclamou o menino, indignado.
— Tá. Então cala a boca, seu molóide! Satisfeito agora?
— Melhorou. Mas ainda não gostei.
— ... [¬¬’]
Parem de discutir e abaixem-se. – sussurrou severo o pai de Kouga, empurrando as cabeças dos garotos mais para baixo porque ainda estavam aparecendo além da planta – Vamos ter que ficar escondidos por enquanto. Esses cães costumam ser bem traiçoeiros, não quero nenhuma surpresa desagradável.
Okami encarou os meninos atrás de si, que tentavam a todo custo encontrar uma posição em que pudessem ver tudo direito sem que precisassem se levantar.
Está prestando bem atenção neles, Kouga?
Sim senhor. – sussurrou o garoto de volta.
Bom. Então olhe bem e me diga o que está vendo.
— É assim que o meu cabelo vai ficar quando eu crescer! – Kouga exclamou apontando para um rapaz na última fileira do grupo estranho, cujo rabo-de-cavalo alto e liso, quase negro, escorria até o final das costas reluzindo num brilho violáceo quando atingido pelo sol.
— Roxo?!
— Pra quê você quer ter cabelo roxo, Kouga?
— Roxo não, seus molóides! Eu quis dizer comprido!
— Ah, tá...
Garotos, me ouçam bem,— cruzinha latejando na testa – se querem observar seus adversários, ótimo, mas façam isso em silêncio... e, por tudo que é sagrado, reparem NAS ARMAS deles, não no visual!
= Por quê? – exclamaram curiosos os três meninos, bem alto.
Porque desse jeito vamos acabar sendo descobertos! E vocês estão agindo feito garotas!
= Por quê?
[Ai, céus, dai-me paciência...] Porque normalmente são só as garotas que estão mais preocupadas sobre a poeira das lutas sujar a roupa do que em vencer.
= Por quê?
— PORQUE SIM, ORAS!

— Shiro, como será que esses lobos não se cansam de ficar agachados daquele jeito?
— Só sei que estão ali já faz quase um quarto de hora. – respondeu ao colega – E, Saya, veja se pára de andar de um lado para o outro. Já está começando a me irritar.
— É porque eu estou entediado! Com esses imbecis espiando não posso nem ao menos tomar um banho... A única coisa que eu tenho para fazer aqui é ouvir aqueles garotos falando sobre meu cabelo!
— Não sei não... Até que os chiliques do lobo velho que está com eles são engraçados. – mirando o olhar distraído no céu, ele pareceu notar alguma coisa – Aquilo é uma Ave Celestina?
— Vamos ver... – ao mais leve movimento da mão, lâminas de luz foram disparadas como projéteis e abateram o alvo em pleno ar, fazendo-o cair com um baque fofo – Conferido. Era uma Ave Celestina. – disse calmamente, encarando o bicho morto que gotejava sangue no chão.
— Bara, Yuri, desçam daí! – Shiro exclamou para os dois youkais que continuavam sentados numa rocha protuberante em meio à queda d’água – Tem material do bom aqui embaixo! Talvez dê pra fazer uma lança ou foice!
— Tipo o quê? – respondeu um deles, lá de cima – Quartzo ou suishoo?
— Não é cristal no solo, é osseadura pura! Caiu um dos resistentes, as presas ainda estão inteiras!
— Passa a tarefa pro Shura, eu só trabalho bem com minério! – disse o outro, num tom de “ah, que droga” – Não vou descer!
— Bara, seu estúpido, Shura está com Tayo-sama agora, ainda vai demorar muito!
— Relaxe, Shiro... – falou Saya ao amigo, enfim sentando-se no chão – ...se eu bem conheço aqueles dois, estão lá em cima só esperando ver quando os outros vão chegar.
— Hum... ‘Os outros’, você diz... Acho que só estão interessados na senhoria.
— De efeito, seria a mesma coisa. Vão vir juntos.
— Eh, tem razão. – ele suspirou, quase tão entediado quanto o colega – Toca alguma coisa na sua cítara, pelo menos passa o tempo.
— Desculpe, não estou com vontade.
— Seu estraga-prazeres, você nunca diz isso quando a senhoria pede!
— Verdade, mas não é ela quem está me pedindo.

Nossa, incrível! Viram como aquele cara retalhou o pássaro-monstro gigante?— sussurrou Hakkaku, na ilusão coletiva de que estavam todos bem escondidos.
Vi... Caramba... — sussurrou Ginta.
Ah, vocês não tem jeito mesmo, hein? Eu acho é que aquela Ave Parafina ou seja lá qual for o nome só tinha tamanho, a gente podia acabar com ela na hora também!
= Se você tá dizendo, Kouga...
— Não deve ter mais o que esperar além disso... Vou dar a ordem pra atacar. Kouga, meninos, continuem abaixados, não vai ser algo bonito de se ver.
= Certo!

— Eles ainda acham que podem nos matar... – Saya segurou uma mão com a outra e estralou os dedos – Como são chatos!
— Que tédio... – Shiro fitou as nuvens no céu por um instante; havia uma que lhe lembrava um cachorro e outra que parecia uma bola – Eu vou dormir. Me acorde daqui a um terço de hora. – disse, bocejando, quando os lobos enfim revelaram suas posições formando um círculo completo ao redor do pequeno grupo.
Foram muito poucos a não saírem dos “esconderijos”, se é que aquilo podia ser chamado assim, Kouga, Hakkaku e Ginta entre eles. Ainda eram muito novos para lutar. Por isso, a muito contragosto, Kouga permaneceu abaixado atrás da moita com uma careta emburrada, invejando as expressões de alívio dos colegas que não estavam a fim de participarem da emboscada.
Legal, olha como o seu pai meteu medo neles, Kouga! Aquele ali até desmaiou! — Ginta apontou para Shiro que, bem no centro do círculo, deitara-se esparramado no chão.
Eh, isso vai ser tão fácil que nem vai ter graça!
— Parem de falar o tempo todo, seus molóides! Eu não to conseguindo prestar atenção!
— Então pára de chamar a gente de molóide!

— Levante-se, seu folgado! – Saya, ainda sentado, atirou uma pedrinha na cabeça do colega – Eu não vou ficar com todo o trabalho enquanto você dorme!
— Tá bem, tá bem... já levantei... – Shiro resmungou, se pondo de pé na velocidade de uma tartaruga manca – Cadê o Touya e o Tantou? Estavam aqui há um instante atrás...
— Na gruta atrás da cascata. Falando nisso... – ele encarou os outros ainda sentados na pedra em meio à queda d’água – Yuri, desça aqui e chame os dois! Bara, você continue aí em cima e avise quando o senhor e a senhoria chegarem!
— Você não manda em mim, ‘senhor-regente-da-frota-1’! – reclamou Yuri, enquanto descia num único salto e enfiava o corpo para dentro da cachoeira – Esse posto está lhe deixando metido!

— Estão encurralados! Se rendam agora e podem ir embora inteiros! – disse um dos youkais lobos, apontando um tridente para os ‘reféns’.
= “Render-se”? – eles se encararam por um segundo, depois tiveram um acesso de risos – Ahahahuhuhahuhahuhaha!!!
Os youkais lobos que formavam o círculo olharam uns para os outros, espantados, e depois novamente para os youkais que continuavam sem conseguir parar de rir. Seriam loucos, por acaso? Achavam que era uma piada? Eram apenas garotos e nenhum deles tinha armadura, como diabos esperavam conseguir vencer a todos eles?
Yuri voltou a aparecer por trás da cascata tentando tirar o excesso de água do cabelo retorcendo os fios, sendo seguido por mais dois garotos ligeiramente mais altos que ele. Touya, o último a passar, era pálido feito um vampiro e o único do grupo que trajava vestes sem mangas, destacando as marcas verde-azuladas que lhe subiam desde os pulsos até os ombros como trepadeiras. Já Tantou era o único de cabelo solto, as mechas quase negras reluzindo num brilho sanguíneo, e tinha uma marca na lateral de uma das faces que lembrava sangue escorrendo. Apesar da descrição, não tinham nada de assustador. Na verdade, a única coisa que pareciam possuir de ligeiramente perigoso eram os caninos e as garras, e tinham impressa em cada rosto uma expressão serena que chegava a beirar a fragilidade.
— Uaaahh... Que solzinho bom da manhã... – Touya ergueu os braços para o alto e espreguiçou-se, como se houvesse acabado de acordar.
— Eh, vai servir ao menos secando essas roupas encharcadas. – Tantou imitou o movimento de Yuri escorrendo a cabeça – Juro aos céus, nunca mais passo por aí! Essa água é mais fria que tempestade de inverno!
Os recém-molhados olharam para cima e fitaram Bara, que parecia absorto contemplando o horizonte e indiferente ao que ocorria abaixo de si, e depois encararam os dois amigos à frente, que ainda quase morriam de tanto dar risada.
— O que é tão engraçado, que nós infelizmente não pudemos ouvir?
— E... haha... El... hahahuhahua... Eles – Saya apontou para os lobos, enfim recuperado da crise de risos – disseram que devemos nos render, ou não iremos embora inteiros.
= Pfffff!!!!... – os outros três também tiveram cada um uma reação cômica, mas foram bem menos barulhentos.
Tantou pôs as mãos tapando a boca para impedir que as gargalhadas saíssem, de modo que pareceu por um momento estar prestes a vomitar; Touya e Yuri riram até se curvarem por sentir o estômago doer e desequilibraram-se, o primeiro caindo dentro do rio e emergindo cuspindo água e o outro caindo de quatro no chão apoiando-se nos cotovelos.
— Não é brincadeira! – exclamou o mesmo lobo que falara antes – Escolham: vão se render ou ser estraçalhados!
— Me surpreende vocês saberem o que significa ‘estraçalhado’! – riu Touya – Quem diria, sempre achei que essa fosse uma palavra longa demais para um lobo aprender!
— Mas as crianças são espertas, se espelham em nós... – comentou Saya, com um sorriso debochado – ou ao menos no meu cabelo!
Kouga, ainda agachado lá atrás, corou como um tomate. Será que havia sido ele quem delatara a posição dos companheiros ao fazer um daqueles comentários anteriores? Que vergonha!
— Certo, vocês conseguiram me incomodar. Parabéns. – Shiro fitou os youkais lobos à frente – Querem saber qual é o prêmio? – flexionou os dedos, produzindo um som de estalo.
— A quanto mesmo estão as suas escalas do mês? – Saya perguntou aos colegas.
— 139. – Yuri levantou-se do chão.
— 127.
— Idem, não tive muita sorte este mês. – Touya já saíra da água e se sacudiu todo, como um cachorro molhado.
— 145. – Shiro continuou encarando os lobos – E a sua, Saya?
— Você me passou por dois pontos. – ele abriu um sorrisinho amarelo – Mas hoje vou dobrar a cotação.
— “Cotação”? “Pontos”? Não vão ter tempo de jogar jogo nenhum! Vão todos pro inferno! – Okami exclamou e liberou o ataque; a indiferença daqueles cães o estava realmente deixando irritado.
— Ah, sim... – Shiro deu tapinhas na própria calça, como se limpasse uma poeira que ninguém mais via enquanto os adversários corriam na direção deles, e deu dois passos até ficar bem na frente de um lobo careca – Creio que vocês não tenham entendido bem... *crec* – um movimento rápido, e a mão ultrapassou o crânio do lobo, que caiu para trás com um buraco na cabeça – Esse é meu n°146.
[Tá brincando...] Até mesmo Kouga admitia que estivesse assustado. Que droga era aquela? Por que aqueles caras com cara de boneca eram tão fortes? Os meninos se encolheram atrás moita, abraçados uns aos outros. Haviam jurado a si mesmos quando Okami os mandou ficarem abaixados que, caso algo ruim acontecesse, iriam proteger uns aos outros e se preciso até lutar também, mas agora a decisão mais agradável parecia ser continuar encolhidos como um trio de minhocas até o perigo passar. Mesmo que parecesse covardia, mesmo que fosse covardia, ninguém poderia culpá-los. Eram crianças, afinal de contas. Não tinham obrigação de agir com nobreza nem de bancar os heróis. Tinham obrigação era de viver, e de viver muito...
— SEU DESGRAÇADO! COMO SE ATREVE...! – Okami olhava fixamente para o cadáver fresco de seu companheiro.
Por mais que olhasse, e quanto mais olhava, custava a acreditar naquilo. Aquele era um de seus melhores colegas de batalha, e fôra morto por um moleque com um golpe só! E sem espada, sem lança, sem nada além de uma das mãos nuas! Não iria deixar isso passar em branco, ah se não ia...
— Vocês aí! – o lobo líder dirigiu-se aos outros atrás de si, dos lados, ao redor, enfim: todos os outros – Não fiquem aí parados feito um bando de estátuas! Ataquem! Arrasem tudo! Taquem fogo, esmaguem, cortem! EU ACHEI ESSE LUGAR E QUERO A CABEÇA DESSES IDIOTAS COMO PRÊMIO!
= YÉEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEHHH!! ISSO AÍ! – os outros empunharam todas as armas que traziam consigo e partiram para cima dos “alvos” outra vez – KYAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!!!!
Mas nenhum deles chegou a atingir ninguém. Uma explosão luminosa irrompeu do céu, como se o sol quisesse se chocar com a terra. Luz intensa o bastante para extinguir qualquer sombra em derredor. Muitos, encandeados pelo fenômeno, cobriram os rostos com as mãos no intuito de proteger os olhos. Apenas uma minoria conseguiu manter-se de pé fitando o céu, ignorando qualquer impulso de grito ou fuga desesperados e lúcida o suficiente para ouvir a frase pronunciada por Bara:
Até que enfim, eles chegaram!...

Um facho grosso de luz se desprendeu da explosão e chocou-se contra a cachoeira, espirrando água e fragmentos de rocha em todas as direções; era como se o que houvesse caído não fosse brilho, mas algo bem sólido... e talvez fosse.
Agora é minha vez.
[A luz falou?!] Os youkais lobos viram, atônitos, o facho disparar outra vez como um raio em meio a eles e liberar, suspenso no meio do ar, duas fios de luz azul finos em direção ao alto. O que eram aqueles fios estranhos? Linhas? Lâminas? Chicotes? Fossem o que fossem, atingiram alguma coisa e assim como o primeiro facho um segundo foi arremessado para baixo, criando uma vala no chão enquanto era freado pelo solo.
= Senhoria! – os cães correram até o local onde o primeiro facho parara.
Não havia mais luz, e os lobos os acompanharam com o olhar. Espantados, constataram que não era um cometa esquisito e nem algum tipo de feitiço, como alguns deles chegaram a suspeitar. Era... uma garota! Uma garota de joelhos no chão que, apesar de ter à disposição várias mãos (dos garotos em volta) lhe oferecendo apoio, preferiu se por de pé sozinha. Trajava uma armadura branca por cima do restante das vestes e era pálida, esguia, com um rostinho delicado e traços finos; parecia uma boneca.
Ela recompôs-se, ainda ofegando um pouco. Trazia cortes nos pulsos e no pescoço e um machucado na face. Limpou um filete fino de sangue que lhe escorria pelo canto da boca e abriu um sorrisinho de satisfação fitando a vala aberta no chão à frente.
— Como saí-me, pai?
Hum... Melhor que ontem.
Os olhares se voltaram para onde a vala tinha fim. Ali, um outro youkai se punha de pé limpando a poeira das roupas. Era alto, algo em torno de 1,85m e usava uma capa negra que lembrava um pouco as de personagens de filmes medievais. Tinha uma trança ultra-longa que lhe escorria pelas costas até a altura dos tornozelos, mas o que chamava mais atenção era sem dúvida os olhos, de íris rubro-cristalinas que os faziam parecer dois rubis. Um corte sangrento tomava espaço em seu rosto, desde a testa até perto do queixo passando pelo espaço entre os olhos – o local onde os ‘fios’ bateram.
Hey! Tivemos platéia hoje! — disse um garoto que ninguém havia notado chegar, e que agora estava em pé ao lado de Bara com outra pessoa ‘montada’ nas costas.
— Ótimo, uns pares de braços a mais aqui seriam úteis lhe ajudando a descer, não acha, Anei? – Bara falou para o ‘encosto’ do colega.
— Eu estou bem, obrigado. – ele respondeu com um fio de voz, mas num timbre bem irritado.
— Eh, tanto que nem de pé fica. Que diabos você tentou fazer antes de vir?
— Tentou treinar com a senhoria enquanto o senhor Tayo estava ocupado. Como se pudesse durar mais que eu ou você... – olhando de soslaio o garoto que carregava, ele fez uma careta de ‘eu-bem-que-avisei’ – Deixe, eu desço com ele. Sempre acabo fazendo tudo por aqui, mesmo...
— Olha o drama, Shura. Você reclama demais. Aliás, está enrolando desde semana passada sobre aquela remessa de agulhas que eu pedi... E onde está o restante das nossas coisas que você prometeu afiar?
— Segure o Anei e eu entrego o resto.
— Parem de falar de mim como se eu fosse uma kunai! – Anei berrou *trec*, e depois começou a gemer por causa de um estalo de dor – Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaiii...
— Ah, cale a boca, seu néscio. Bara, só ajude ele e pronto.
— Hunf... Se não tem jeito...
Bara ofereceu o braço como apoio e ajudou o colega ferido a ficar em pé, depois andou o meio passo que faltava até a beirada da rocha. Olhou para baixo verificando a altura e falou:
— Precisa de ajuda pra descer? Eu acho que não! – e lançou Anei em queda livre, *splash* assistindo ele cair bem dentro do rio e sair tossindo e se arrastando até a margem – Volte lá para dentro e só saia da água quando se livrar desse cheiro de suor, seu imbecil!
— Quem é dramático aqui, mesmo? – riu Shura, com um sorriso de deboche.
— Ah, passe logo as encomendas pra cá!
— Pega. – ele estendeu um estojo de couro escuro – Separadas por tamanho e pontos de foco. E antes que você pergunte, não, nenhuma é de costura.
Ele deu um salto e meio segundo depois já estava no chão, estendendo o ‘tapete’ que trazia enrolado nas costas. Dentro do tapete havia tantos objetos pontiagudos guardados que era difícil acreditar que Shura não tivesse se furado ou cortado nenhuma vez enquanto transportava aquilo. E à medida que separava os pertences, ia arremessando-os para os colegas pegarem.
— Eh, as minhas estão boas. – Yuri examinava cada uma das quatro adagas que tinha em mãos.
— Hum... – Touya ergueu o objeto que recebeu contra a luz do sol – Mas isso bem que podia estar mais polido...
— É um sabre, não um espelho.
— Eu paguei, reclamo do que eu quiser.
— Vá reclamar com um juiz. – Shura continuou separando as coisas uma por uma – Shiro, essas são suas. – ele apontou para duas katanas de lâmina longa – Saya, ainda não terminei a sua foice, mas a seiva está...
— Eu troco. – Shiro interrompeu – Você quer quanto pela garrafa?
— Faça uma oferta.
— Essa aqui serve? – ele tirou um cristal roxo enorme do bolso da calça.
— Duas dessas.
— Fechado.
— Deve estar brincando, você esperou o dia inteiro e agora decidiu trocar? – Yuri exclamou, ao ver shiro passar as espadas para Saya e abrir o tampo da garrafa com um paninho – Vai fazer o que com tanta seiva?
— Me livrar disto aqui. – ele mostrou a mão esquerda, cujos dedos ainda estavam melados de fluido escarlate – Ou eu limpo agora ou o cheiro de sangue não vai sair das minhas garras até a semana que vem.
— VOCÊS SÃO UNS MONSTROS! – berrou uma youkai loba, abraçando o corpo do lobo que Shiro matou – CÍNICOS! HIPÓCRITAS! VÍBORAS! UM DIA VÃO MORDER A LÍNGUA E MORRER COM O PRÓPRIO VENENO!
— Sei, uma lista de insultos bastante longa... – Tayo respondeu à loba enquanto caminhava até Anei e o forçava a ficar de pé suspenso pelas costas do haori – Mas pelo que vejo aqui, foram vocês quem decidiram incomodar os aprendizes da minha filha.
— Pai, lamento interromper, mas não acha que está demorando demais? – a garota mirou o olhar em Anei; um fato curioso é que agora não havia nem rastro dos machucados que antes estavam nela (e o mesmo ocorria com o pai) – Uma fratura na nuca e os ossos das pernas partidos... Se isso cicatrizar sozinho, ele não vai mais andar. Seria um estorvo. Peço que ponha um fim nisso logo.
Tayo abriu um sorrisinho matreiro. Sua filha estava progredindo muito ultimamente, talvez com mais um ou dois meses de treinamento já conseguisse até mesmo empatar num combate real contra ele. Não lhe custaria nada fazer um favor à ela. Empunhou a única arma que trazia consigo – uma katana prateada reluzente como um espelho – de modo que a lâmina quase se encostava ao nariz de Anei.
— Vocês matariam um de seus próprios companheiros só porque ele está ferido?! – Okami exclamou, com uma careta – E eu aqui perdendo meu tempo... vocês vão se destruir sozinhos!
— Hunf. Não nos julgue tão tolos, lobo.
Tayo respondeu, sem tirar o sorriso do rosto; aquele tipo de expressão lhe dava um toque enigmático, mas não que ele se importasse com isso... Afinal, não havia mistério algum no que estava prestes a fazer, na opinião dele...
A espada tá pegando fogo?!
— E desde quando fogo é azul, seu Cabeça de Vento?
Em meio aos vários murmúrios dos youkais lobos, a lâmina da espada emitiu um tipo de flama fria. Yuri e Touya deram risinhos abafados; como os lobos eram burros! Aquela não era uma espada comum. Passados uns três segundos e as chamas azuladas sumiram. Depois de a lâmina estar guardada outra vez na bainha, Tayo soltou Anei. E, ante os olhos de todos, o garoto ficou em pé, ileso, sem nenhum arranhão.
Sua espada tem poder de cura?
— De certa forma. E você é... ?
— Okami. Sou líder desta alcatéia.
“O líder dessa baderna?”, Tayo teve vontade de perguntar. Mas não perguntou. Apenas tentou demonstrar curiosidade enquanto Okami continuou a falar, e torceu para que aquele traço sarcástico saísse logo de seu rosto.
— Essa é a sua matilha? – Okami olhou para a garota e os garotos em volta.
— São aprendizes de último nível. Não costumo chamar os veteranos de ‘matilha’.
— “Veteranos”?
— Em termos técnicos, nós somos a turma mais avançada dentre as crianças em treinamento. – Shiro deu um sorrisinho sarcástico ao falar – Mas garanto que os calouros também se saem bem com as pontuações mensais.
— Aliás, a sua ‘alcatéia’ já atrasou nossa aula prática em quase meia hora invadindo o campo de treinos. – Saya bocejou.
— Vocês não moram aqui? – Okami apontava e balançava o dedo para o chão enquanto falava.
Nós? Viver no meio do mato? – Shura riu, sendo acompanhado pelos colegas – Haha, só pode ser piada! Não somos bárbaros.
— HEY! É assim que a gente vive! – Kouga avançou por entre os lobos com uma careta emburrada, sendo seguido timidamente por Hakkaku e Ginta – Se xingar a gente de novo eu chuto sua canela!
Okami ficou surpreso de ver que os meninos não estavam mais escondidos. Mas todos os três do trio sabiam que já haviam sido descobertos há muito tempo, talvez antes mesmo de se esconderem atrás daquela moita. Apesar de a sugestão de se levantar ter sido de Hakkaku, foi Kouga quem passou até a frente do pai e estendeu o punho para os cães, naquele gesto que pretendia ser ameaçador; ele até não se importava muito que insultassem os outros, mas quando mexiam com ele próprio a coisa era totalmente diferente.
— Controle sua língua, garoto. – Anei falou fitando o lobinho pelo canto do olho.
— Quer dizer assim?! Prffff!!! – Kouga estirou a língua o máximo que pôde.
Anei agarrou Kouga pelo pescoço e o suspendeu do chão. O lobinho arfou sem ar.
— Vai aprender a não falar demais, querendo ou não...
— O que... o que vai fazer com ele? – Ginta estava tremendo tanto que era uma surpresa conseguir ficar em pé.
Anei abriu um meio-sorrisinho sinistro e falou como se fosse a coisa mais natural do mundo:
— Arrancar a língua.
[QUÊ?!] Pânico. [Não, isso não!!] Kouga começou a espernear feito louco, mas os pezinhos estavam longe demais do chão para sequer pensar em correr. Nem se importava mais com a sensação de sufoco, se importava era com a mão de Anei erguida frente à sua cabeça, com cinco garras afiadas uma em cada dedo. Não iria ser morto como Shiro fez com o amigo de seu pai, mas ser mutilado também não estava na lista de coisas que ele queria fazer. [Não! Não não não não NÃO!!!]
— TIRE ESSAS PATAS DE CIMA DO KOUGA, SEU MALDITO!!
Okami estava ensandecido pela raiva. Correu para resgatar o filho, mas o que conseguiu foi deveras desagradável. Anei nem precisou sair do lugar; quando o lobo avançou, usou a mão livre para agarrá-lo pela cabeça e o arremessar para longe.
— PAPAI! – Kouga berrou ao ver o pai ser atirado contra uma árvore, quebrá-la pelo impacto e cair no chão, com o tronco grosso da planta por cima.
“Papai”? A única garota no grupo dos cães enfim pareceu demonstrar algum interesse pelo garotinho preso.
— Anei, liberte-o.
— Como quiser, senhoria.
E assim, sem mais nem menos, o braço que mantinha Kouga suspenso no ar baixou devagar, com um cuidado quase gentil, e soltou-o de modo que ele ficasse em pé no chão. O garotinho massageou o pescoço com as mãos e respirou fundo, levando ar para os pulmões. Droga de cachorro maluco! Era definitivo: daquele dia em diante, odiava cães, não importava de que tipo!
— Você é herdeiro desse youkai, filhote de lobo?
Kouga até o momento só conseguia fitar o chão, os olhos estavam ardendo um pouco por causa do fluxo sanguíneo excessivo em sua cabeça, mas fez um esforço e levantou a cabeça para olhar para frente, encarando a dona da frase sobre Okami. A garota estava agachada frente a ele, e mesmo assim ainda era consideravelmente mais alta.
— Sou sim.
— O filho do líder... Ora, então temos um pequeno príncipe aqui.
Ela abriu um meio-sorriso e passou a mão alva e macia sobre a cabecinha do garoto, ajeitando-lhe os fios da franja rebelde. Kouga corou um pouquinho; ela era bonita mesmo, embora houvesse uma coisa que tornava aquela face de anjo difícil de encarar: olhos rubros e cristalinos, como os do pai dela, mas sem o toque arisco de humanidade... apenas profundidão vermelha e gelada, como pingos de sangue no meio da neve. Mas ele não teria medo, já decidira isso. Deixou que um sorriso de vanglória se espalhasse pelo rostinho bronzeado e desse mais brilho aos olhos azuis. [Príncipe? Taí, gostei do título! Vou usar até gastar!]
— Por que está aqui, pequeno?
— Eu vim andando. Um pé na frente do outro, sabe.
— Onde você mora?
— Todo lugar serve e lugar nenhum presta. Estranho, né? A gente nunca pára em canto nenhum, tamos sem território. Eu queria morar aqui.
— Hum... Isso pode ser arranjado.
— Jura?!
Ela não respondeu. Não iria jurar coisa alguma. Levantou-se e caminhou até Tayo, se distanciando do lobinho. Kouga estava com um brilho louco de felicidade nos olhos; nem prestou atenção ao que a garota conversava com o youkai de trança.
— ...Sobre o campo de treinos, podemos passar às planícies fronteiriças. Era o que estava planejado para o inverno, ao final de contas.
— Seria interessante. – Tayo considerou – Mas ainda há o preço pela invasão das nossas terras.
— Já pensei nisso, pai.
(...)
Okami gemeu, sentindo que algo estava encaixado de forma dolorosamente errada em seu rosto. Foram necessários quatro lobos para que houvesse força o bastante para remover-lhe a árvore de cima das costas, e ele se sentara com dificuldades. Seria difícil dizer quantas fraturas e/ou lesões sofrera, mas era certo que sentia dor desde o dedão do pé até o topo da cabeça. O nariz estava torto, adunco, e jorrando sangue como uma fonte. Foi a única parte do seu corpo que não sofrera danos diretamente por contra do ‘lançamento forçado’ contra o grande vegetal. Fechou os olhos com força e cobriu o nariz com as mãos, como se isso de algum modo amenizasse a dor, ou ao menos escondesse que ele fôra quebrado (ou melhor dizendo, esmigalhado) pela força com que o punho de Anei fechou-se de encontro à sua face. De início aquele parecera ser o mais vulnerável dentre os cães, mas agora Okami acreditava que não era... ou preferia acreditar que não era, pois se fosse os outros seriam praticamente indestrutíveis.
Levou alguns segundos para que o som da voz feliz e histérica do menino exclamando “Pai, pai! A gente conseguiu! Eu consegui!!” se tornasse mais relevante que aquela hemorragia nasal. Kouga abraçou-lhe o mais fortemente que podia, produzindo um estalo de dor aguda, e mesmo a vista da expressão facial reduzida a 1/7 por conta das mãos encobrindo a cara era tão exagerada que chegava a ser engraçada.
— Pode me ouvir ou o golpe o deixou surdo, lobo? – era difícil saber se a frase de Tayo era sarcástica, humorística ou simplesmente desdenhosa.
— Unghgrummmm...!
Okami grunhiu alguma coisa incompreensível. Aliás, considerando que ele estava praticamente se afogando com a quantidade de sangue no nariz, quase sufocando por conta do filho apertando-lhe as costelas e que as duas mãos tapando o rosto lhe abafavam a voz, seria mesmo difícil entender o que ele dizia.
— Vou considerar isso um “sim, fale à vontade”.
Se Tayo se importasse um mínimo com isso, veria a frase “Seu sádico desgraçado!” estampada no olhar de Okami.
— Minha filha propôs algo que pode ser do seu agrado. Se importa tanto, podem ficar com a área desde a segunda montanha até aqui, e em troca...
— E em troca... o que? – Okami conseguiu dizer, sem tirar as mãos da cara.
— ...E em troca vocês disponibilizarão um terço do seu grupo para quando for preciso.
— Um terço pra lutar nas suas guerras?
— Um terço para o que mandarmos.
Okami encarou Kouga, que continuava agarrado a ele feito um parasita estranho, depois Hakkaku e Ginta, que esperavam ansiosos uma decisão dele (e de preferência um ‘sim’), e por último para o próprio nariz, que era reflexo de sua clara inferioridade física. Ele não tinha escolha. Dos males o menor, ao menos continuariam vivos e teriam onde morar.
— Tudo bem, aceito.
Alguns dos outros cães tentaram protestar; mas foram interrompidos.
— Pai, há Hinekos na fronteira sul.— a garota mantinha o rosto erguido para o alto; aquela posição significava estar farejando o ar.
— Então vamos. – Tayo encarou os semblantes aborrecidos dos outros cães e abriu um discreto sorriso – E desfaçam essas expressões frustradas. Estão encarregados de pelo menos dobrar suas cotações; e vocês dois, – ele se referiu à filha e Saya – ao menos tripliquem!
Eles então começaram a andar se afastando dali, embora não parecessem ter nenhuma pressa. Saya respirou fundo; Tayo não tinha nenhum tipo de marcação negativa quanto a ele, pelo contrário, e as coisas costumavam ser impostas de um modo mais rígido aos favoritos. Mirou o olhar na graciosa figura da única garota de sua turma, que, aliás, era a única mesmo, pois todas as outras turmas eram compostas apenas por homens; ela era a filha do maior daiyoukai do Leste e ele o melhor amigo dela. E decididamente não parecia satisfeito com a decisão de deixar aquele pedacinho de terra fértil para um bando de bárbaros nômades, julgando que deveriam ser mortos, como era feito com quaisquer outros invasores. Mas ainda tinha um argumento guardado, e quem sabe funcionasse.
— Senhoria, desculpe o incômodo, mas...
— Sim?
— ...E quanto às Aves Celestinas? O número delas vai crescer bastante sem um controle rígido, e eu não creio que esses fracotes consigam tratá-las do mesmo modo que nós... Serão exterminados por elas.
Ela olhou de soslaio para trás, fitando os lobos que novamente se punham a examinar a área em volta, e deixou que a face serena se impregnasse por um sorriso cruel.
— De agora em diante, isso não é problema nosso.
***

— E isso é tudo o que eu...
— ZZZZZzzzzZZzZZZzzzzzzz...
— ACORDA, CARA-DE-CACHORRO!
— NÃO FUI EU, MÃE! EU JURO!! – Inuyasha se sentou no chão, parando de usar a mochila de Kagome como travesseiro.
— Você escutou alguma palavra do que eu disse, por acaso?!
— Feh! Parei de prestar atenção assim que começou a ficar chato... o que significa: assim que você abriu a boca!


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Notas finais do capítulo

Glosário:

Mori = floresta
Hayashi = bosque
Sawa = vale (referente à geografia)
Kuroiinu = cão negro
Sankon Tetsusou = Garras Retalhadoras de almas
Suishoo = cristal de rocha
Kunai = tipo de projétil laminado, semelhante a um punhal losangular.
Hineko = gato de fogo


Observações finais:

*A palavra 'okami' em japonês significa 'lobo', e usando 'sama' como sufixo de tratamento o nome do pai de Kouga pode ser traduzido como "Senhor Lobo". Apesar da semelhança, não tem nada a ver com o termo 'Kami-sama', que em japonês significa 'Deus'.



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