Lovebelt escrita por Nina Antunes


Capítulo 18
Capítulo 18




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Capítulo 18

Depois de uma noite fria, o céu daquela manhã era de um límpido azul celeste. Embora o sol de outono estivesse ali, o vento frio ainda mantinha as temperaturas próximas dos 15 graus. Mas mesmo com o frio de fora, Rin estava suando. Antes de a família de Sesshoumaru aparecer, Sango havia marcado outra sessão de prova do vestido de noiva – afinal, faltavam exatos 21 dias para o casamento. Rin tentou cancelar o compromisso, em razão da presença de Izayoi, InuYasha, Kagome e Danny, mas ao invés de aceitar o adiamento, Sango achou que seria uma boa ideia convidar as mulheres da família do noivo para aquele evento. Obviamente, Izayoi e Kagome concordaram de pronto e obviamente Rin sentia-se à beira de um ataque de pânico.

Muitas coisas colaboravam para o seu nervosismo, mas a principal delas era a decisão sobre o seu vestido. Já havia experimentado um vestido de noiva antes, já havia se apaixonado por um, mas não podia pagar por ele. Provavelmente teria que encarar aquele bendito vestido caro outra vez, engolindo sua frustração por não ter o que queria. Tudo isso, claro, na presença da mãe e da cunhada de seu noivo que tinham sido apresentadas a ela dias antes.

Rin não queria admitir aquilo, mas sentia-se envergonhada por não poder pagar pelo vestido. Perguntava-se se Izayoi tinha o mesmo gosto refinado de Sesshoumaru para as coisas, e se ela também se envergonharia da nora simples e sem dinheiro que descobriu recentemente que tinha. Será que sua sogra a compararia com a ex-mulher de Sesshoumaru? Pelo que ele contou, Izayoi teve pouco contato com aquela mulher, mas talvez tivesse sido o suficiente para que ela pudesse ver o quanto Rin era pouco refinada. Aquele pensamento mesquinho fez com que o estômago dela desse uma pirueta.

Assim que ela estacionou em frente à loja de vestidos de Salina, as mulheres do carro desembarcaram. Kagome tagarelava com Sango algo sobre camafeus e doces de festa, mas Rin não conseguia absorver bem o que estava sendo dito. Sua mente só conseguia pensar no maldito "vestido impossível" e no quanto se sentia inadequada naquela situação. Como se pudesse sentir o quanto a mãe estava aflita, Lissy buscou a mão de Rin, segurando-a com força.

Entraram pela loja e todo o ritual de antes começou. A noiva contou sobre o local do casamento, os detalhes da decoração e a data. O fato de que faltavam apenas 21 dias para o grande dia fez com que os olhos da vendedora quase saltassem de órbita. Que tipo de noiva escolhe seu vestido na última hora?, Rin pensou.

— Você já tem algo em mente? - A vendedora perguntou.

— Não. – Rin disse.

— Sim! – Sango interrompeu. – Esse vestido aqui. – Ela sacou o celular da bolsa e mostrou uma foto que havia tirado dias antes, quando Rin conheceu a porcaria do vestido que tiraria seu sono.

Rin abriu a boca para falar, mas nada veio à garganta. Se Izayoi e Kagome não estivessem ali, ela certamente teria lembrado Sango que aquele vestido custava mais de 6 mil dólares e que, por isso, era um definitivo não. Mas a vergonha e o medo de decepcionar a família de Sesshoumaru roubaram sua fala, o que fazia com que ela se sentisse ainda mais tola.

— Sango... – Ela deu as costas brevemente, puxando a amiga pelo cotovelo. – Eu não quero ver aquele vestido outra vez.

— Aquele é o seu vestido. Nós vamos dar um jeito. – A outra morena sorriu, dando um tapinha nas costas da mão de Rin.

— Não. – Ela choramingou. – Eu estou envergonhada, estou me sentindo tola. Por favor...

Sango parou, parecendo finalmente enxergar a aflição que passava pelos olhos castanhos de Rin. Elas se afastaram um pouco mais para que a conversa não fosse ouvida.

— O que está acontecendo?

— Eu não posso pagar pelo vestido, não tem jeito que possa ser dado. Admitir isso na frente da família de Sesshoumaru me aborrece. – Rin cerrou os pulsos, tentando lidar com a raiva.

— Desculpe, achei que convidá-las seria uma boa oportunidade para que você se sentisse acolhida... – As sobrancelhas torcidas mostravam o arrependimento sincero de Sango.

— Eu me sinto aterrorizada. E se elas me compararem com a ex-mulher dele? - A voz entrecortada e as bochechas vermelhas denunciavam o quanto ela estava uma pilha de nervos.

— Calma aí... – Agora as sobrancelhas de Sango demonstravam confusão. – Você está com medo da família de Sesshoumaru gostar mais da ex-mulher dele? Aquela mulher que foi capaz de fazer o que fez?

Rin ficou em silêncio. Parecia, sim, uma completa loucura sentir-se daquela forma, e provavelmente era algo sem sentido, mesmo. Mas a lógica não é a melhor amiga da insegurança, e por isso contra-argumentar com aquele sentimento não ajudava a diminuir a frustração.

Assim que ela abriu a boca para responder, a vendedora voltou. Por alguma razão, ao invés de ter o vestido impossível e maravilhoso em mãos, ela segurava um tablet.

— Sinto muito, não temos mais aquela peça. Possivelmente foi vendida. – Ela explicou de uma vez.

Um misto de alívio e desespero invadiu Rin, deixando-a confusa. Seu lado racional sentia-se mais leve por não ter que lidar com aquele desvio de curso. No final das contas, ela não teria que negar o vestido, pois essa não era sequer uma possibilidade mais. O destino havia se encarregado de resolver aquilo, sem que ela tivesse que lidar com a frustração. Ou será que não? Depois do alívio, a frustração continuou ali. O vestido que era financeiramente impossível tornou-se só impossível, o que significava que Rin havia voltado para a estaca zero a apenas 21 dias do casamento.

— Oh, não... – Lissy lamentou. – Mas eu quem escolhi. – Ela fez um beicinho sincero, demonstrando também estar frustrada.

— Nós vamos encontrar outro. – Sango passou o indicador por baixo do queixo da menina, tentando animá-la. – E agora temos um time reforçado. – Ela olhou para Kagome e Izayoi, que também sorriram.

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Aquele era, talvez, o quinquagésimo zíper que Rin fechava. Mais uma vez, ela olhou para o espelho e não sentiu empolgação alguma. Estava diante de mais um vestido bonito, mas de mais um vestido que não era para ela.

Saiu do provador e foi até a sala anexa, encontrando todas a esperando em um sofá.

— E então? - Sango perguntou.

— É bonito. – Rin virou-se, olhando a parte de trás do vestido. – Mas não sei...

— Estamos ficando sem opções. – A vendedora admitiu, mexendo de forma nervosa na tela que exibia o estoque de vestidos. – Não temos muitas peças prontas na loja.

— Acho que está bom assim. Acho que vamos com o que é possível. – Rin virou-se de costas para o espelho.

Sentia vontade de escolher um daqueles vestidos adoravelmente sem graças e resolver, de uma vez por todas, aquela questão. Estava conseguindo convencer-se de que a única coisa que importava era o que tudo aquilo significava, no final das contas: a sua união com o homem que tanto amava. Depois de tudo que havia acontecido, sofrer por um vestido parecia até mesmo um pecado. Rin já havia passado por coisa bem pior, e ela recusava-se a aceitar que um vestido fosse razão para deixá-la magoada. Bom, pelo menos isso era o que seu cérebro tentava dizer ao coração.

— Não. – Kagome levantou-se, parecendo indignada. – Não se trata de um prêmio de consolação. É o seu casamento, porra! – O típico sotaque britânico, que costumava passar despercebido, tinha ficado ainda mais evidente com a irritação.

— A boca-suja de InuYasha é contagiosa... – Izayoi moveu o rosto em um sinal negativo.

— Mamãe diz que eu não posso falar essa palavra. – Lissy balançou os pés no ar, movendo-se para frente e para trás no sofá.

— E não pode, mesmo. – Kagome levou o indicador até o centro dos lábios, fazendo um sinal de silêncio. – O que eu quero dizer é que... puxa, isso é importante.

— É só um vestido... – Rin chutou a barra do vestido, encarando o chão.

— Não é! – Ela exclamou, insistindo. – Depois de tudo que aconteceu... – Kagome olhou Melissa pelo canto dos olhos, tentando medir as palavras. – Nenhuma noiva merece ter "o que é possível". Muito menos você.

— Você precisa parar de ser condescendente consigo mesma. – Sango levantou-se também, parecendo subitamente encorajada. – Já chega.

Rin pensou em quantas vezes na vida havia aceitado "o que era possível". Quando Sesshoumaru disse a ela que iria embora, anos atrás, Rin achou estar concordando com o que era possível. Em nenhum momento cogitou seriamente tentar dissuadi-lo, porque achava que isso seria brigar com o destino. Depois aceitou ficar com Kohako porque achou que aquilo era o que Melissa precisava. O amor dele era o suficiente para ela e estava bom assim, ela pensava. Questionou-se quantas vezes sua condescendência a havia tirado do caminho da felicidade, quantas vezes deixou de agir por achar que não teria capacidade de mudar o destino e acabou caindo em um futuro que não era nem um pouco como ela queria.

Sentiu-se subitamente determinada a não aceitar o suficiente, mas não sabia bem como fazer aquilo. Olhou para as mulheres e menina sentadas no sofá, com um pedido de ajuda bastante claro nos olhos.

— Vamos em busca desse vestido, caramba! — Kagome levou as duas mãos até a cintura.

— Isso! – Lissy saltou do sofá, erguendo o punho para o alto.

Em menos de um instante, todas desapareceram da sala, exceto Izayoi e Rin. A mais velha deu um tapinha no sofá, indicando que a outra se sentasse ali – e assim Rin o fez.

— Eu não tive a chance de me casar. InuTaisho e eu nunca formalizamos nosso relacionamento. – Izayoi suspirou, apoiando as duas mãos juntas sobre a bengala. – Achei que fosse cumprir esse desejo ao ver uma filha se casando, mas quando tive os dois meninos, entendi que não seria desta vez... – Ela deu os ombros, fechando os olhos por um instante. – Mas aí eu vi Kagome entrando na igreja. Senti como se meu sonho estivesse se realizando, sabe? Ela estava tão feliz... era como se além do meu filho, eu estivesse vendo uma filha cumprindo o desejo de se casar com quem amava.

Rin assentiu, abrindo uma linha de sorriso no rosto. Perceber que Izayoi lembrava-se do casamento do filho mais novo a fez ter esperanças de que a sogra também se lembraria do seu casamento.

— Você é mãe e sabe que é verdade quando dizemos que não há preferência entre os filhos, certo? - Ela abriu um sorriso perspicaz, olhando para Rin por baixo dos cílios escuros. – Mas nesse caso, sinto que falhei, porque por mais que o casamento de InuYasha tenha me feito feliz, eu desejava mesmo era ver Sesshoumaru encontrando sua metade. Sentia que ele precisava mais disso.

Imediatamente Rin lembrou-se da história sobre Izayoi não ter ido ao primeiro casamento de Sesshoumaru, e seu peito doeu. Será que ela lembrava do que havia acontecido?

— Cometi muitos erros com Sesshoumaru, muitos mais do que com InuYasha. Me sinto culpada pela dureza de seu coração. – Izayoi suspirou, entrelaçando os dedos envelhecidos. – Pode imaginar como fiquei feliz ao vê-lo agora? Ele voltou a ser o homem que eu sempre soube que ele era. E isso eu devo a você... a você e à incrível menina que você criou sozinha.

Rin sorriu, sentindo uma grossa camada de lágrimas se formando na linha d'água. Izayoi buscou a mão dela, segurando seus dedos de forma gentil.

— Por isso, quando você entrar na igreja, não vai ser só como se eu estivesse cumprindo meu maior sonho. Vou ver meu amado filho finalmente fazendo o que é certo, unindo-se à melhor metade que ele poderia ter encontrado.

A mais nova abraçou Izayoi com força, deixando as lágrimas rolarem pelo rosto. Ela apoiou a bochecha no ombro da mais velha, que amparou o rosto de Rin delicadamente. Ficaram nessa posição até que Sango, Kagome e Lissy voltassem como um furacão, arrastando consigo alguns vestidos e uma vendedora atarantada.

— Você precisa provar este! – Sango colocou um dos vestidos na ponta da arara do cômodo anexo, enquanto Kagome puxava Rin para dentro do provador outra vez.

— Este foi unanimidade. E foi Lissy quem o viu primeiro – Kagome começou a ajudá-la a tirar o vestido sem graça anterior, enquanto Melissa e Sango se acomodaram no sofá para esperar ansiosamente pela volta das duas.

— Minha nossa! – Kagome deu um gritinho, aumentando a curiosidade das três.

Assim que Rin saiu pela porta, Izayoi, Lissy e Sango ficaram na ponta do sofá, observando cada detalhe do vestido. Era um vestido de mangas três quartos e com decote coração. Toda a peça era coberta por uma renda delicada, que tinha padrões de floral em linhas verticais. O busto tinha um decote em V, coberto no centro por um fino tule, e que exibia o colo e as "saboneteiras" dela. As mangas eram de renda e o tecido era transparente suficiente apenas para exibir a pele bronzeada dos braços e ombros de Rin. A cintura era marcada por uma faixa de renda e o tecido descia fluído até os pés.

O mesmo padrão de decote em V moldava as costas do vestido, mas ao contrário da parte da frente, um tule bordado cobria o vale das costas. Uma linha longa de botões fazia um caminho da base da nuca até a cintura, bem no centro do V. A renda do vestido compunha uma cauda que se espalhava pela base do vestido, arrastando de forma suave pelo chão.

— "O vestido que for possível" uma ova! – Kagome exclamou, colocando uma das mãos na cintura.

Rin não achou ser possível gostar mais do segundo vestido, mas essa ideia desapareceu de sua mente assim que ela se viu no espelho. Definitivamente, aquele era muito melhor, ainda mais olhando-o sob a nova ótica. Havia se conformado a ter um vestido simples e modesto, aceitando que não haveria tempo ou dinheiro para ter algo que realmente gostasse. Mas o segundo vestido contradisse toda essa lógica conformista. Além de não precisar de ajustes, ele custava menos que o primeiro – ainda que também estivesse acima do quanto Rin achava que deveria gastar.

Aquele problema foi driblado quando Izayoi ofereceu-se para ajudar a pagar a peça. Embora Rin tenha resistido à ideia, Izayoi a convenceu dizendo que aquele vestido era, no final das contas, um pouco parte do próprio sonho.

O caminho de volta para Lovebelt foi bem mais barulhento e animado. Kagome e Sango trocavam planos para o dia da festa, e Rin percebeu que havia surpreendentemente conseguido encontrar a segunda pessoa mais empolgada com casamentos no mundo. Antes perguntava-se se conseguiria ser tão boa amiga quando fosse a vez de Sango subir no altar, mas agora que tinha Kagome por perto, tudo certamente ficaria mais fácil.

Era estranho pensar naquilo, mas já sentia como se aquelas pessoas fossem parte da sua família. O incômodo de mais cedo havia desaparecido, conforme ela sentia que tinha formado laços estranhamente fortes com a família de Sesshoumaru. Era como se tudo tivesse sido predestinado, como se cada evento dos últimos anos tivesse acontecido para que chegassem a aquele momento.

Chegaram à confeitaria, onde InuYasha já resmungava sobre o horário do voo. Tinham que patir em poucos minutos, ou não conseguiriam chegar a Wichita a tempo. Os voos de Salina para a Filadélfia estavam esgotados naquele final de semana, então a única alternativa foi optar pela rota que parte de Wichita, uma cidade consideravelmente maior, mas que ficava a quase 2 horas de Lovebelt.

Despediram-se longamente, prometendo voltar para o casamento. Melissa sofreu para se separar de todos, especialmente da avó e de Danny, que também choramingou ao deixar a prima. Assim que eles partiram, Sesshoumaru assumiu o caixa da loja, enquanto Rin foi ajudar Sango com alguns pedidos que estavam agendados para a manhã seguinte. Lissy, ainda emburrada pela partida da família, ficou sentada em um dos estofados do salão, acompanhada de Maia, que dormia preguiçosamente.

Rin fez um rabo de cavalo e colocou a faixa azul marinho para segurar os fios presos à cabeça. Ela puxou as mangas da blusa cinza que usava, vestindo o avental bege de linho. Sango já preparava a massa dos muffins de chocolate.

— Não vi Kohako ir embora ontem. – Rin comentou, separando alguns ingredientes em cima da bancada.

— Ele foi um pouco depois de Lissy cortar o bolo. As coisas parecem estar mais pacíficas agora...

— Acho que sim. – Ela suspirou. – Kohako disse que voltou para casa.

— Sim, estou tão contente... – Sango sorriu. – Ele também procurou tratamento, está fazendo terapia com um grupo.

— É mesmo? - Rin virou-se para ela. – Que ótima notícia! Ele nunca aceitou essa ideia antes.

— Também fiquei surpresa. – A morena deu de ombros, ainda sorrindo. – O importante é que vai ficar tudo bem.

— Sim... – O sorriso apagado indicava que Rin estava hesitante.

— O que foi? - Sango parou com os movimentos da espátula na vasilha.

— É só que... – Ela abaixou os olhos, encarando as próprias mãos juntas à frente do corpo. – Eu gostaria que ele fosse ao meu casamento.

— Oh... – A outra ergueu as sobrancelhas.

— Eu sei que é egoísmo, sei que ele está magoado e que convidá-lo para o meu casamento com Sesshoumaru parece descabido, mas... – Rin mordeu o lábio inferior, respirando fundo. – Eu tive Kohako ao meu lado a vida toda. Parece errado não o ter por perto.

— Eu entendo. – Sango deixou a espátula de lado, aproximando-se da amiga. – Não é descabido querer que ele vá. Nós crescemos juntos.

— Mas eu estraguei tudo...

— Kohako sabia onde estava pisando. Você nunca o enganou. Além disso, pode ser que você se lembre só dos últimos capítulos ruins, mas sua história com meu irmão é de uma amizade de longa data. Vocês se conhecem há mais de vinte anos e só namoraram por uma dúzia de meses. – Ela apoiou-se na bancada, logo ao lado de Rin. – Pare de se culpar por isso. Ninguém merece acreditar que ser feliz é algo errado.

Ela ficou em silêncio. Sabia que Sango tinha razão, mas aliviar a culpa que sentia ainda não era uma tarefa fácil.

— Eu posso falar com ele...

— Não. – Rin suplicou. – Não dá para querer mudar o que ele está sentindo.

— Você deveria convidá-lo, de qualquer forma. – Ela segurou as mãos de Rin, abaixando o queixo para encontrar o olhar dela, que estava fixo no piso da cozinha. – Sei que as coisas parecem estranhas agora, mas a poeira vai abaixar. Quando Kohako voltar a enxergar as coisas da forma que sempre foram, ele vai reconsiderar.

— Não me sinto esperançosa, mas espero que você esteja certa.

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(Semanas depois)

Naquela noite de Ação de Graças, uma torrencial e inesperada chuva de outono caía sobre Lovebelt. Sesshoumaru, Rin e Lissy haviam decidido fazer um jantar em casa, já que seriam somente os três naquela data. Kohako, Sango e Miroku se reuniriam com a família do último, pois o pai de Miroku estava bastante doente. Foi surpreendente notar que Kohako finalmente parecia estar dando o braço a torcer quanto ao namorado da irmã. Pelo que Rin soube, os dois estavam se dando bem ultimamente, o que era um alívio para Sango. O fato é que a terapia e o tratamento do alcoolismo estavam ajudando Kohako a lidar com a sua raiva e com antigas questões mal resolvidas – desde a morte do pai até o ressentimento que tinha por Rin.

Assim que colocou Lissy na cama e que garantiu que Maia já havia se acalmado depois de uma série de barulhentos trovões, Rin desceu as escadas. Pela janela da sala, conseguiu ver Sesshoumaru sentado em uma das espreguiçadeiras da varanda, com uma garrafa de cerveja nas mãos. Rin saiu pela porta da frente e sentou-se sobre o braço da espreguiçadeira. Prontamente Sesshoumaru a puxou para o colo.

Pequenos pingos da chuva alcançavam a varanda e vez ou outra o vento fazia com que uma porção deles chegasse ao casal.

— Quando eu era pequena, minha mãe dizia para eu não comer direto da panela, ou choveria no dia do meu casamento. – Ela abriu uma linha de sorriso. – Acho que a desobedeci.

— Parece uma chuva fora de época, certamente vai passar até o casamento. – Ele tentou tranquilizá-la.

— O que faz aqui? Está frio. – Ela cruzou os braços frente ao peito para abrigar-se do vento gelado.

Sesshoumaru a apertou com mais força contra si, fazendo com que o calor do próprio corpo a aquecesse. – Já vou entrar. Estava pensando um pouco.

— Pensando no quê? - Rin quis saber, olhando-o por baixo dos volumosos cílios.

— No bebê. – Ele travou os dentes, fazendo com que a marca da mandíbula aparecesse na lateral do rosto. – Pensando se vou conseguir ser um bom pai.

— Que história é essa? - Ela torceu as sobrancelhas, afastando-se um pouco para encará-lo. – Você é um ótimo pai para Lissy.

— Mas ela não é mais bebê. – Sesshoumaru insistiu. – Eu nunca cuidei de um bebê. Não sei nem como começar.

— Bem, ninguém sabe, não é? - Rin deu os ombros. – Mesmo os mais experientes pais já foram pais de primeira viagem.

— Você cuidou de Lissy, é diferente.

— E você acha que isso me faz não ter medo agora? - Ela puxou o queixo dele suavemente, fazendo com que os olhos dourados finalmente encontrassem o seus. – Eu estou apavorada. Não sei se vou conseguir trocar fraldas, amamentar... não sei nem se lembro como segurar uma criança.

A postura de Rin com Melissa era tão instintiva e natural, que Sesshoumaru nunca imaginou que ela estava sentindo-se tão insegura quanto ao bebê. Parecia que para ela ser mãe era uma tarefa feita sem esforço, enquanto ele ainda estava aprendendo a cuidar da própria família.

— Eu quero ser um pai melhor que InuTaisho. – Aquela confissão, que havia sido guardada dentro do peito de Sesshoumaru pela vida toda, havia finalmente saído dos lábios dele. Não conseguia admitir aquilo para si mesmo, mas parecia que abrir-se para Rin era algo inevitável.

— Você vai ser o melhor pai que nosso filho poderia ter. – Ela sorriu, passando o polegar pela linha da mandíbula dele.

— Filho? - Ele torceu as sobrancelhas, roubando um rápido beijo dela antes de continuar. – Então acha que é um menino?

— É estranho, mas acho que sim... – Rin encarou a própria barriga, coberta por uma calça jeans de cós alto.

Sesshoumaru pousou a mão sobre a parte baixa do ventre dela, que tinha um volume perceptível só para ele, que conhecia cada centímetro do corpo de Rin.

— Sinto que Melissa vai ter um irmão para cuidar dela, para protegê-la dos garotos. Consigo vê-lo a levando ao altar... – Ela riu de forma apagada, fixando os olhos nas tábuas do chão.

— Tem pensado nisso?

— No bebê?

— Não. – Ele a interrompeu, puxando o queixo dela para que os olhos castanhos o olhassem. – Tem pensado em quem vai te acompanhar até o altar?

Rin engoliu seco, percebendo que ele havia sido capaz de ler as entrelinhas. A ausência de Kohako no casamento e a falta do pai ou de qualquer outro parente a fez perceber que não havia nenhum candidato para levá-la até o altar. Nos últimos dias, já havia se conformado com a ideia de percorrer aquele curto trajeto sozinha, o que não deveria ser um problema para Rin, tão habituada a resolver os próprios problemas por conta própria. Mas a falta de um braço para ampará-la naquela data tão importante era uma lembrança dolorosa da morte de Kenichi e do rompimento com Kohako.

— Eu gostaria que fosse Kohako. – Ela admitiu de forma sincera, vendo um brilho de ressentimento passar pelos olhos dourados. – Mas ele não vai ao casamento.

— Posso pedir para InuYasha. – Sesshoumaru deixou de lado os pensamentos negativos em relação a Kohako, tentando focar na frustração evidente de Rin com o assunto.

— Seria muito gentil. – Ela suspirou fundo, forçando uma linha de sorriso.

Conhecendo Sesshoumaru, provavelmente aquela não era uma ideia que havia surgido agora. Era possível, aliás, que ele já tivesse acertado tudo com o irmão, para o caso de Rin aceitar. Ele havia notado a aflição de Rin com a ausência daquele homem, mas preferiu não comentar, para não mexer em uma ferida não cicatrizada.

Sesshoumaru inclinou-se para beijá-la, espalmando a mão direita contra as costas dela. Rin retribuiu o beijo, encolhendo-se dentro do abraço caloroso do homem que amava.

Assim que outra rajada de vento levou um spray de chuva até os dois, Sesshoumaru parou. – Acho que devemos subir.

— Preciso fazer algo antes. – Ela selou os lábios aos dele uma última vez antes de se levantar. – Vou separar as coisas do meu pai, para que possamos pintar o quarto.

Ele congelou na cadeira. Sabia que o quarto do fim do corredor havia ficado intocado por um bom tempo, e que Rin evitava lidar com as lembranças que ali ainda estavam. Dias antes, ela havia proposto uma pequena reforma no cômodo, para que aquele fosse o quarto do bebê, e Sesshoumaru achou que levaria tempo para que ela amadurecesse a ideia. Mas Rin parecia estranhamente serena com o fato de ter que lidar com as memórias do pai agora.

— Posso te ajudar, se quiser. – Ele também se levantou, pegando a garrafa de cerveja que havia sido deixada na mesinha ao lado.

— Não precisa... – Ela mergulhou as mãos nos bolsos de trás da calça, olhando os pingos pesados de chuva. – Acho que preciso fazer isso sozinha.

— Está bem. Eu estarei no quarto, se precisar.

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Rin estava sentada no chão do quarto, mexendo nas coisas que ficavam em um baú, colocado exatamente no pé da cama de casal de madeira escura. O cômodo estava a meia luz, iluminado apenas por um abajur de canto. Não queria deixar a luz acesa para não chamar a atenção de Lissy, que dormia no quarto ao lado, ou de Maia, que ressonava na entrada do quarto da menina.

Ela tirou dali uma foto dos pais jovens, reparando o quanto estava cada dia mais parecida com a mãe. A data anotada no verso indicava que aquela era uma foto tirada um ano antes de Rin nascer.

Encontrou pilhas e pilhas de cartas trocadas entre os pais. Kenichi era um imigrante japonês que se instalou no Kansas, mas sua mãe, Abigail, era americana nascida no Oklahoma. O casal se conheceu na década de 80, quando Abby foi estudar na Universidade Estadual do Kansas, que fica em Wichita. Em uma passagem pela cidade para negociar com um fornecedor, o jovem Takao conheceu a jovem de 20 anos. O cabelo castanho cheio e os olhos arredondados eram herança das origens hispânicas da família de Abby e lembravam bastante os traços de Rin. Mas foi o sorriso dela que chamou a atenção de Kenichi, como ele confidenciava em uma das cartas.

Rin já tinha lido aquelas cartas algumas vezes na vida, mas cada vez que remontava a história de amor dos pais sentia um peso no peito por a mãe ter partido tão cedo. O destino havia sido muito cruel com seu pai. Fadado a perder o amor da vida ainda antes dos 30 anos, tão jovem quanto Rin era agora, ele foi incapaz de se apaixonar outra vez ou de ter outros filhos, como tanto desejava. Mas apesar da dureza dos fatos em sua vida, Kenichi dedicou um amor único para a filha.

Ler as palavras dele fazia a ferida no peito de Rin doer. Sentia muita saudade das conversas com o pai, das palavras serenas e sábias que a amparavam em qualquer momento. Sentia falta da firmeza dele para lidar com as adversidades, e da forma com que ele não titubeava diante das injustiças.

Ele não hesitou nem por um instante ao amparar a mãe de Sango e Kohako quando ela começou a sofrer violência pelo marido, que trabalhava para Kenichi na fazenda. Rin se lembrava da noite chuvosa em que o pai chegou em casa com a mulher e as duas crianças. Eles passaram semanas vivendo na casa de Rin em Lovebelt, enquanto Kenichi abrigou o pai de Sango e Kohako na fazenda. Ao contrário do esperado, ele também não desamparou o homem e tentou ajudá-lo a se curar do alcoolismo.

Rin encontrou um dos bilhetes que o pai lhe escreveu, dias antes de falecer. A dor que ele sentia levou a equipe médica a administrar sedativos, o que fez com que Takao alternasse momentos de consciência com momentos desacordado. Quando estava desperto, ele pedia para escrever bilhetes, deixando recomendações para Rin, Sango e Kohako. Era como se subitamente ele tivesse entendido que sua batalha estava chegando ao fim, e que ele precisava dizer o que tinha que ser dito antes que fosse tarde demais.

Minha amada Rin,

Sinto por não poder ver Melissa crescer e se tornar uma mulher tão maravilhosa quanto sua mãe foi e quanto você é. Olho para vocês duas e vejo minha Abby – como sinto falta dela.

Sinto por não estar aqui por você e por Lissy, mas já é hora de eu estar junto de minha Abby e do Senhor. Espero que me perdoe por isso.

Não quero que minha partida faça com que você crie ressentimento com a vida. Algumas coisas fogem da nossa compreensão, mas precisamos lembrar que o Senhor trabalha de forma misteriosa.

Sei que há muito ainda a ser respondido. Não desista da sua felicidade e não perca a fé. Estarei sempre com você.

Do seu querido pai.

As lágrimas quase impediram Rin de terminar a leitura. Também já havia lido aquele bilhete incontáveis vezes, mas fazê-lo agora trazia um significado totalmente diferente. Lembrava-se de quantas vezes o pai havia falado com ela sobre felicidade. Kenichi a aconselhava, ainda que de forma quase enigmática, a compreender o que realmente desejava.

Rin começou a namorar Kohako quando Kenichi já estava doente. Não que desgostasse do relacionamento dos dois, porque amava Kohako como um filho, mas ele sabia que Rin não seria plenamente feliz. Sabia que ela havia se agarrado com todas as forças à boia de salvação que a havia mantido sã quando Melissa precisou de ajuda e quando o pai adoeceu, mas aquele sentimento estava longe de ser amor entre homem e mulher, como o que Kenichi e Abby tinham. Por muitas vezes, ele havia falado com Rin sobre a tragédia de ser separado do seu amor da vida, e como ele faria qualquer coisa para ter mais tempo com a mulher que tanto amou.

Hoje Rin entendia que aquela era uma pista para que ela não perdesse o que há de mais precioso – o tempo – conformando-se com algo menor que a plena felicidade.

Tirou o último bilhete da pilha. Aquele havia sido o último escrito pelo pai, dias antes de ele ser sedado pela última vez. Ao contrário dos outros, este bilhete não havia sido endereçado a Rin ou a qualquer outra pessoa, o que a fez acreditar que era uma anotação do pai para a vida.

"Para tudo há uma ocasião certa.

Há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu,

Tempo de nascer e tempo de morrer,

Tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou,

Tempo de matar e tempo de curar,

Tempo de derrubar e tempo de construir,

Tempo de chorar e tempo de rir,

Tempo de prantear e tempo de dançar,

Tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las,

Tempo de abraçar e tempo de se conter,

Tempo de procurar e tempo de desistir,

Tempo de guardar e tempo de jogar fora,

Tempo de rasgar e tempo de costurar,

Tempo de calar e tempo de falar,

Tempo de amar e tempo de odiar,

Tempo de lutar e tempo de viver em paz.

Eclesiastes 3:1-8"

Abraçou o papel com força, desejando que aquele pedaço de folha aplacasse a falta que sentia de seu pai. Como queria dizer a ele que o tempo de sofrer havia sido deixado para trás, e que ela finalmente decidiu arriscar-se a ser feliz. Se o caminho à frente a reservava novos obstáculos, Rin não podia dizer, mas o triste destino dos pais e o quase desencontro entre ela e Sesshoumaru estavam ali para lembrá-la que tentar é necessário. O risco maior é passar a vida sem lutar pelo próprio destino, pois o tempo de ser feliz pode passar tão rápido quanto um sopro.

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Quando Sesshoumaru fechou a porta da sala, o vento cortante do lado de fora parou de soprar. Ele deixou as latas de tinta e a sacola de materiais de pintura no chão de madeira e abriu o zíper do casaco pesado de lã que usava, percebendo que Rin havia ligado o novo aquecedor da casa. A temperatura do lado de dentro era, certamente, mais agradável do que a do lado de fora. Havia morado sua vida toda em Nova York e estava habituado ao clima frio desta época do ano, mas havia algo de diferente no outono de Lovebelt. A neblina, a garoa fina e o vento intenso tornavam dias como aquele mais congelantes do que a própria neve. Sesshoumaru lembrava-se de quão quente era o calor no verão e ficava intrigado em imaginar quão frio seria o inverno naquela cidade.

Assim que deixou todas as peças de frio penduradas no cabideiro de trás da porta, ficando só de camiseta, ele pegou as latas de tinta de volta. Subiu as escadas, ouvindo já desde os primeiros degraus a tagarelice alegre de Melissa. Quando chegou ao quarto do final do corredor, ao quarto que antes pertencia a Kenichi, encontrou Rin instalando o papel de parede de cores pasteis na parede do fundo do quarto. O cenho franzido denunciava o quanto ela estava imersa na tarefa, e as mãos ágeis espatulavam o tecido liso. Melissa fazia o mesmo, embora estivesse mais dedicada em falar animadamente sobre o casamento do que na instalação do papel de parede em si.

Sesshoumaru depositou as latas de tinta no chão, fazendo com que as duas o olhassem.

— Que tal? - Rin perguntou, exibindo o papel de parede como se fosse uma obra de arte.

— Está ficando bom. - Ele abriu uma linha de sorriso enquanto recebia um abraço caloroso de Melissa.

— Nós estamos fazendo um ótimo trabalho. - A menina falou de forma orgulhosa.

— Estão. E é por isso que vou roubar sua assistente. - Ele falou, pegando alguns materiais dentro da sacola. – Lissy, você pode me ajudar com as paredes?

— Oba! - Melissa comemorou.

Enquanto Rin terminava de instalar o papel de parede, Lissy e Sesshoumaru cobriram o chão de madeira com uma lona e protegeram todas as quinas e batentes com uma fita adesiva grossa. A tarde já começava a cair, eliminando os últimos sinais do sol escondido atrás das nuvens.

Sesshoumaru apanhou um rolo comprido de tinta e entregou a Melissa um rolo menor, comprado especialmente para ela. Ele misturou a tinta amarelo claro em uma vasilha e começou a cobrir as paredes brancas.

— Você está ansioso para ver o vestido da mamãe? - Melissa perguntou de forma travessa. As pequenas mãos subiam e desciam, espalhando a tinta por espaços novos.

— Estou. - Ele acenou positivamente. - Você não pode me contar como ele é?

— Shhh. - Rin interrompeu, descendo das escadas. - É surpresa.

— Eu posso dizer que ele é muito bonito? - A menina parou a pintura e virou-se para a mãe para consultá-la, como se o pai tivesse sido colocado na linha de espera. Assim que recebeu um sinal positivo, ela sorriu e voltou-se para ele outra vez. - Papai, eu ajudei a escolher o vestido da mamãe, então é óbvio que ele é muito bonito.

Ele sorriu, olhando-a pelo canto dos olhos. Era curioso notar como Melissa parecia mais animada pelo casamento do que os dois juntos. Talvez nem mesmo Rin soubesse que Melissa queria tanto ver os pais se unindo em um casamento.

— E a roupa do papai? - Rin pegou um pincel de cerdas, dedicando-se a dar acabamento com a tinta nos limites das paredes.

— A roupa do papai? - Os olhos cor de mel procuraram os dourados, buscando permissão. Ele fez um sinal de zíper na boca. - Eu não posso contar. Só digo que o terno do papai é muito maravilhoso. - A menina abafou o riso, sujando acidentalmente o rosto de tinta amarela.

Assim que notou o que tinha feito, Melissa torceu as sobrancelhas. - Oh oh. - Ela murmurou, chamando a atenção do pai.

Quando viu a filha com as sobrancelhas torcidas e os olhos estrábicos, tentando enxergar a mancha de tinta no próprio nariz, Sesshoumaru não evitou o riso. Melissa estreitou os olhos claros, ofendida por ele ter achado graça. Antes que pudesse captar a expressão furiosa da filha, Sesshoumaru sentiu algo viscoso sendo passado no próprio braço. Assim que ele olhou para a própria pele, constatou que Melissa havia passado uma generosa camada de tinta pela região de seu cotovelo. Ele estreitou os olhos de volta.

O dedo sujo de tinta passou pela testa da menina, que começou a rir com gosto. Não demorou meio segundo para que os dois entrassem em uma guerra de tinta.

Rin virou-se e encontrou aquela cena adoravelmente caótica. Contagiada pela brincadeira dos dois, ela também começou a rir. Melissa tentou fugir, mas os braços do pai a apanharam, fazendo cócegas em suas costelas. Ela riu e ele também. Como em um plano firmado por telepatia, Sesshoumaru ergueu Melissa no ar e a levou até Rin. A menina passou o pincel cheio de tinta na parte baixa dos ombros da mãe, fazendo uma faixa amarela fora a fora, logo acima da linha da blusa ombro a ombro que Rin vestia. Ela protestou, mas recebeu outra "demão de tinta" na sequência. Melissa gargalhava e Rin tentava defender-se passando o pincel úmido na menina e Sesshoumaru. Logo toda a lona escura colocada no piso havia sido respingada com a tinta clara, fazendo com que o chão parecesse um céu estrelado.

As risadas foram interrompidas pelo som da campainha. Melissa aproveitou a deixa, sentindo-se "salva pelo gongo". Ela escapou dos braços dos pais e correu para abrir a porta, encontrando Sango. Assim que a viu, a morena arregalou os olhos.

— Meu... Deus... - Sango passou pela porta, fazendo com que o frio do lado de fora entrasse pela sala. Ela resfolegou, passando o dedo pela tinta ainda fresca das bochechas de Melissa. - Isso é tinta? - Esfregou o dedão no indicador, constatando o óbvio - Ai, Deus... isso é tinta, sim!

Ela olhou em volta, percebendo que Rin e Sesshoumaru haviam aparecido no topo das escadas - os dois igualmente "pintados".

— Vocês ficaram malucos? O casamento é amanhã! - Ela exasperou-se, vendo Rin coçar a nuca de forma envergonhada. - Vou mergulhar os três no removedor. - Sango levou as mãos até a cintura, esforçando-se ao máximo para afogar a absurda vontade de rir diante daquela cena.

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Se soubesse que daria tanto trabalho tirar a tinta do rosto de Melissa - sem o removedor, obviamente - Rin não teria achado aquela brincadeira tão divertida. Ciente da sua parcela de culpa no crime, Melissa manteve-se quieta enquanto a mãe esfregava óleo de amêndoas em seu rosto até que toda a tinta amarela desaparecesse.

O lado bom de a tarefa ter demorado tanto foi que a ansiedade de Melissa teve tempo de se acomodar, dando espaço para o cansaço. Quando a menina finalmente dormiu, depois de tagarelar muito sobre o dia seguinte, Rin voltou para o quarto.

Encontrou somente a luz acesa do banheiro e a porta entreaberta. Quando entrou ali, a visão de Sesshoumaru seminu, enrolado somente em uma toalha branca, a inebriou. Ele esfregava um algodão mergulhado em álcool pelo antebraço, focado na tarefa de livrar-se da tinta de parede. Rin parou no batente, observando-o.

Ele logo notou a presença dela e deixou o algodão de lado. Caminhou até Rin vagarosamente, sem tirar os olhos dos dela. Assim que a alcançou, ele juntou os lábios aos dela de forma urgente, como se esperasse aquilo há muito tempo - e como esperou. As mãos firmes mergulharam pela blusa canelada branca dela, passando o tecido pelos ombros. Depois foi a vez da calça jeans escura cair pelo chão do banheiro. Ele a conduziu até a banheira, que já havia sido preenchida com a água quente, e esperou que ela entrasse. Assim que Rin encostou na borda da banheira, ele se separou do corpo quente dela. Os hormônios do corpo dela protestaram, e ela suspirou.

Sesshoumaru pegou o algodão embebido em sabonete líquido e começou a esfregar suavemente pelos ombros dela. Conforme a tinta clara escorria aos poucos pela água límpida da banheira, ele beijava o pescoço de Rin, fazendo-a sentir borboletas no estômago.

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(O grande dia)

O visor do celular sobre a mesa de cabeceira acendeu e o aparelho começou a vibrar. Sesshoumaru se mexeu, sentindo o corpo de Rin preso entre seus braços e pernas. Ele esticou-se para desligar o alarme silencioso e virou-se para ela outra vez, observando como ela ressonava tranquilamente. Faltavam poucas horas para que ela fosse a sua mulher para o resto da vida. Ele passou o nariz suavemente pelo rosto de Rin, depositando um gentil beijo em sua têmpora. Moveu-se devagar para sair da cama e a cobriu com o lençol marfim.

Guiado pelo pequeno feixe de luz que passava pela janela, Sesshoumaru procurou uma calça jeans escura e uma camiseta azul marinho para vestir. Passou pelo quarto de Lissy, percebendo que a menina também dormia tranquilamente. Quem já estava desperta era Maia, que brincava animadamente com seu macaco de pelúcia. Assim que Sesshoumaru saiu do quarto, a pequena pastora australiana o seguiu até a cozinha. Ele colocou comida para ela, tomou café da manhã e saiu.

Depois da tempestade da noite anterior, o sol havia aparecido entre nuvens naquela manhã. Não havia sinais, no entanto, de que voltaria a chover naquele dia. Embora tivessem programado a cerimônia para um local fechado, era um alívio perceber que o tempo daria sua mãozinha para o casamento.

Sesshoumaru dirigiu até a fazenda, onde os primeiros funcionários da decoração já começavam a chegar. Eram sete e meia da manhã e o casamento começaria pontualmente às quatro da tarde. As luzes já estavam sendo penduradas pelas vigas de madeira do armazém, e todo o chão de terra batida já havia sido coberto com um tablado de madeira envernizada. O espaço tinha um pé direito enorme, e o acesso era feito por duas portas estilo celeiro – uma na frente da construção e a outra no fundo, onde havia um imenso campo de trigo plantado.

As janelas de estilo colonial foram abertas e os vidros perfeitamente limpos. Os bancos começavam a ser enfileirados em frente ao altar. Uma divisória em formato de arco e enfeitada com pequenas lâmpadas foi colocada no meio do armazém para dividir o espaço da cerimônia e da festa. Faltava ainda a decoração de flores brancas e galhos secos, além da colocação das mesas da festa, mas tudo já estava ficando muito bonito.

Sesshoumaru dava as últimas instruções para a instalação da iluminação e para o posicionamento do altar, quando seu celular vibrou. Era uma mensagem de Rin.

"Onde estará o meu noivo?"

Ele abriu uma linha de sorriso. Era para ele voltar antes de Rin acordar, mas seu plano havia claramente falhado.

"Conferindo os últimos detalhes da decoração. Está tudo sob controle por aqui. Imaginei que estaria de volta quando você acordasse".

Rin revirou-se na cama para alcançar o celular, que havia sido deixado no colchão apenas um instante antes. Assim que viu a mensagem, ela sorriu. Começou a teclar uma resposta.

"Achei que estava sendo acordada com beijos pelo meu futuro marido, mas era só Maia me dando bom dia com lambidas bem pegajosas".

A mensagem saltou no visor assim que Sesshoumaru entrou no carro. A visão do pequeno filhote de pastor australiano acordando Rin fez com que um riso surgisse no fundo da sua garganta.

"InuYasha deve estar chegando ao aeroporto. Vou passar em Salina para deixar um documento do escritório e vou encontrá-los, mas prometo não demorar. Estarei de volta antes que você note a diferença entre mim e o filhote peludo".

Casar-se com Sesshoumaru já era surreal demais, mas vê-lo fazendo piadas era ainda mais. Por baixo daquele poço de frieza e indiferença havia, no final das contas, um bom humor bem escondido.

Assim que se despediram, ainda por mensagem, Rin ouviu pequenos passos no corredor. Maia saltou da cama de casal e foi receber Melissa na porta do quarto. A menina deu duas batidas na porta antes de entrar, e logo esgueirou-se nos lençóis para se deitar com a mãe, que a recebeu em seus braços.

— É hoje, mamãe. Hoje é o grande dia! – A menina confidenciou em um sussurro, como se estivesse contando um segredo.

— Estou tão feliz. – Rin apertou Lissy contra si, fechando os olhos. Ver a menina tão empolgada com o casamento era um dos principais motivos para a alegria dela. – Fica aqui um pouco comigo? - Ela convidou, recuando para olhar o rosto da filha, que imediatamente concordou em passar mais um tempo no conforto dos braços da mãe.

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Rin sabia que todos os convidados já a esperavam no enorme armazém, que estava pronto para a chegada da noiva. Seu coração batia acelerado, como se ela tivesse corrido uma maratona. Tentava se acalmar fazendo exercícios de respiração, mas nada parecia ser suficiente para aplacar a sua ansiedade. As mãos trêmulas dela não conseguiam, de forma alguma, encaixar o brinco em formato de fio de pérolas no lóbulo da orelha. O metal da peça escorregava entre os dedos de Rin, como se fosse um sabão sendo apertado por um par de mãos molhadas.

Ela deixou aquilo de lado por um instante e olhou-se no espelho, em uma tentativa de se acalmar. Sentiu o peito sendo preenchido de expectativas.

Quando era mais nova e tinha vivo o sonho de se casar, era exatamente aquilo que ela imaginava. Pelo espelho posicionado no canto do quarto ela podia ver como o vestido caía perfeitamente pelo corpo, formando uma cascata até o chão. O cabelo volumoso havia sido preso em um coque solto, com algumas mechas caindo pelo rosto, colo e costas descobertos. Pequenos grampos de flores estavam espalhados pelo coque, dando um ar doce ao visual. A maquiagem destacava os expressivos olhos castanhos, que brilhavam de ansiedade.

Então era isso, a hora havia chegado. O dia do seu casamento, aquele que meses atrás ela nunca poderia imaginar que aconteceria, chegou.

Rin pegou o par de brincos outra vez e ao conseguir, finalmente, encaixá-los, ela recuou para ter uma visão mais ampla do espelho.

Só então reparou que Kohako estava atrás de si.

(Trilha sonora: Til Kingdom Come – Coldplay)

Ele a olhava como se estivesse em um transe, e os olhos castanho-claro estavam rasos de lágrimas. O coração dela pulou uma batida.

Steal my heart and hold my tongue

— Você veio. - Ela sussurrou, girando o corpo para olhá-lo diretamente. Ele vestia uma calça social preta, camisa branca perfeitamente alinhada, paletó chumbo e uma gravata preta.

— É, eu estou aqui. - Ele passou as costas das mãos pelo canto dos olhos, tentando esconder as lágrimas. - Eu percebi que se permitisse que você fosse sozinha até o altar, o seu velho ficaria muito desapontado comigo. - Kohako coçou a nuca de forma nervosa, desviando o olhar.

I feel my time, my time has come

Rin sorriu, sentindo os olhos sendo preenchidos por lágrimas.

— Bateu saudade dele, não é? - Sango, que estava logo atrás do irmão, colocou uma das mãos sobre o ombro de Kohako e a outra segurou a mão direita de Rin. - Ele estaria muito feliz por ver sua família unida.

Let me in, unlock the door

Rin abaixou os olhos, não conseguindo conter o misto de saudade e alegria em seu peito. Nem podia imaginar quão eufórico seu pai ficaria ao vê-la se casar na fazenda em que ela foi criada, e na presença das pessoas que mais amava. Conseguia perfeitamente imaginá-lo em sua frente, desajeitado por usar um terno, nervoso em levá-la para o altar, mas cheio de orgulho.

— Quando eu imaginei que te levaria ao altar, não era bem sob essa perspectiva. - Kohako tentou fazer soar como uma piada, mas Rin sentia a dor da sinceridade daquelas palavras. - Apesar de tudo, só consigo desejar que você seja feliz. Vou estar ao seu lado, não importa o que aconteça.

I've never felt this way before

— Como sempre esteve. - Ela não conseguiu segurar a vontade de abraçá-lo, e assim o fez. Kohako vacilou em retribuir aquele gesto, sentindo o peito arder. Ele engoliu seco e apoiou brevemente as mãos nas costas de Rin.

— Vamos, antes que Melissa venha te arrastar até o altar. Ela está mais ansiosa que a noiva. - Kohako a afastou gentilmente, vendo-a sorrir. Rin duvidava que havia alguém mais ansiosa, mas Melissa realmente estava no páreo. A menina havia ensaiado o momento de levar as alianças durante toda a semana.

Desceram as escadas do enorme sobrado e entraram na caminhonete de Kohako. Embora a distância que separava a casa da fazenda do armazém fosse menor que duzentos passos, Sango não queria que Rin corresse o risco de sujar o vestido impecavelmente branco.

And the wheels just keep on turning

Assim que desceram do carro, Kohako flexionou o braço para que ela apoiasse a mão direita na curvatura entre o cotovelo e o antebraço. Rin segurou o tecido do paletó dele com força, tentando conter os dedos trêmulos. Caminharam pelo curto caminho de cascalho, chegando à porta dupla de madeira estilo celeiro, que estava fechada. Sango entregou o buquê de rosas e orquídeas brancas a Rin e ajeitou a cauda do vestido.

Melissa correu como uma flecha, segurando sua cesta repleta de pétalas de flores. Ela usava um vestido branco que ia até a metade dos tornozelos. As mangas eram estilo camiseta e a saia tinha um tule com o mesmo padrão de bordado do vestido de Rin. O cabelo castanho-claro estava perfeitamente alinhado, e uma coroa de flores brancas enfeitava a cabeça da menina. Assim que se posicionou à frente da mãe e do padrinho, ela sorriu.

The drummer begins to drum

— Chegou a hora, chegou a hora! - Ela exclamou de felicidade, deixando algumas pétalas escaparem da cesta.

Rin sentia o coração bater na boca. Suas mãos chegavam a formigar, e os joelhos tremiam a ponto de se tocar sob o vestido. Ela respirou fundo e soltou o ar pela boca, tentando se acalmar.

I don't know which way I'm going

— Está pronta? - Sango perguntou.

I don't know which way I've come

Tudo que Rin conseguiu fazer foi acenar, e então Sango empurrou a porta-celeiro pelo trilho, revelando um enorme salão decorado com luzes e flores brancas. Logo à frente havia duas fileiras de convidados de pé, olhando para ela.

Sesshoumaru estava exatamente entre as duas fileiras, parado ao lado do padre. Ele vestia um elegante terno azul escuro, que destacava ainda mais suas pernas longas e os ombros largos. Os botões do paletó estavam fechados, mas ainda revelavam a camisa impecavelmente branca, um colete cinza escuro e uma gravata da mesma cor. No bolso do terno havia uma delicada flor gipsófila. Ele tinha as duas mãos frente ao corpo, unidas em um bloco.

Hold my head inside your hands

Assim que ele viu Rin, uma linha de sorriso apareceu no rosto usualmente sério. Conforme ela percorria os primeiros passos até o altar, os olhos dele brilhavam de fascinação. Sesshoumaru sentiu um choque passando por seu corpo ao lembrar quantas vezes ele havia imaginado aquela cena nos últimos anos. Ver a mulher da sua vida caminhando até ele já parecia ser a concretização de um sonho que ele jamais imaginava ser possível, mas se casar com a mulher da sua vida e ter a filha participando daquele momento era algo que ele acreditava sequer merecer.

I need someone who understands

Melissa dava passos graciosos, espalhando o caminho de flores logo à frente da noiva. A menina alternava o olhar entre o pai e os convidados, tentando atestar que estava fazendo um bom trabalho. A aprovação veio especialmente dos olhares dos tios e da avó. Na primeira fileira, do lado direito, estavam Izayoi, InuYasha, Kagome e o pequeno Daniel. A mãe de Sesshoumaru estava sentada na ponta do banco de madeira e segurava sua bengala de apoio. Os olhos escuros estavam marejados, e o rosto envelhecido tinha marcas bem evidentes de lágrimas que já tinham rolado. Ela usava um vestido rosa-queimado midi de linho e um casaco rendado da mesma cor. O cabelo preto estava preso em um coque sóbrio. Mesmo que Sesshoumaru não fosse parecido fisicamente com a mãe, a postura serena e elegante era exatamente igual nos dois.

I need someone, someone who hears

Assim que alcançou o altar, Lissy tirou uma pequena almofada com o par de alianças de dentro da cesta e entregou para o pai. Sesshoumaru abaixou-se e beijou a bochecha da filha, acariciando o rosto rosado. Ela sorriu, orgulhosa por ter cumprido seu papel, e sentou-se do lado esquerdo, na primeira fileira, ao lado de Miroku.

For you, I've waited all these years

Quando Rin e Kohako alcançaram o altar, ele virou-se para ela. Segurou as duas mãos trêmulas dela entre as dele e beijou suavemente a testa de Rin. Entregou a mão esquerda dela para Sesshoumaru.

— Faça-a feliz. - Ele murmurou, sentindo os olhos encherem de lágrimas.

Sesshoumaru tomou os dedos de Rin com uma mão e estendeu a outra para Kohako, fazendo com que ele o olhasse.

Os olhos castanhos e dourados se cruzaram de forma intensa por apenas um instante e Kohako aceitou o cumprimento, que durou menos do que outro instante. Em seguida, ele sentou-se na ponta oposta do primeiro banco, como se tentasse se esconder. Melissa esgueirou-se para dar a mão para o padrinho, que já não conseguia mais segurar as lágrimas.

Rin virou-se para Sesshoumaru, registrando em sua memória cada traço do rosto dele. Os olhos dourados ainda brilhavam e um sorriso aberto preenchia seus lábios - um sorriso que não era muito comum ver no rosto dele. Ela sorriu de volta, com seu coração batendo de forma acelerada.

For you I'd wait 'til kingdom come

O padre iniciou a cerimônia, e eles mantiveram-se de mãos dadas durante todo o sermão. A passagem escolhida foi de Eclesiastes - o mesmo livro da Bíblia citado no bilhete de Kenichi - que tratava do companheirismo.

Until my day, my day is done

— A passagem mais conhecida da Bíblia sobre o casamento fala que homem e mulher se unem em uma só carne, e que o que Deus uniu nada é capaz de separar. Mas isso vocês já sabem. - O padre balançou os ombros, arrancando risos de alguns convidados. - Vocês já estão unidos há muito tempo, não é? Deus já abençoou essa relação de tantas formas. Hoje é só um dos mais bonitos capítulos disso tudo. E é importante que vocês celebrem essa data na presença de Deus e das suas famílias.

And say you'll come and set me free

Imediatamente os dois olharam por cima dos ombros, encontrando Melissa, Sango, Miroku, Izayoi, InuYasha, Kagome... todos tinham, de uma forma própria, um olhar de anuência. A família de Sesshoumaru sabia que o que o resgatou do poço de indiferença havia sido o amor dele por Rin. Se não tivesse a conhecido, tirando toda sua vida dos trilhos, provavelmente eles teriam o perdido para sempre. Por aquilo, eles seriam eternamente gratos a ela.

Just say you'll wait, you'll wait for me

O mesmo sentimento de gratidão preenchia o peito da família de Rin - embora a única pessoa que tivesse laços de sangue com ela fosse a própria Melissa. Sango e Kohako eram amados por ela como se fossem de sangue, por isso desejavam que Sesshoumaru a fizesse feliz. Por mais que a vida tivesse criado caminhos tortuosos, principalmente em relação a Kohako, Rin sabia que seu pai havia ajudado a criar um laço inquebrável entre os três. Não importava o que acontecesse, eles se apoiariam, ajudariam e torceriam pela felicidade do outro.

In your tears and in your blood

— Então, agora que vocês já têm a benção do nosso Senhor, é importante que vocês cuidem desse amor a cada dia. Em Eclesiastes 4, a Bíblia diz:

É melhor ter companhia do que estar sozinho, porque maior é a recompensa do trabalho de duas pessoas. Se um cair, o outro pode ajudá-lo a levantar-se.

Mas pobre do homem que cai e não tem quem o ajude a levantar-se. E, se dois dormirem juntos, vão manter-se aquecidos.

Como, porém, manter-se aquecido sozinho? Um homem sozinho pode ser vencido, mas dois conseguem defender-se.

Um cordão de três dobras não se rompe com facilidade.

Os olhos de Sesshoumaru e Rin pousaram sobre Melissa imediatamente. Ela era a terceira dobra do cordão do amor dos dois, que os havia unido outra vez fortalecido os passos que ainda dariam juntos.

In your fire and in your flood

O padre continuou o sermão, e a mente de Sesshoumaru voou para o dia em que, durante a missa de homenagem a Kenichi, ele havia percebido que não conseguiria mais lutar contra o que sentia por Rin. Ele nunca havia sido religioso e precisava admitir que era cético demais para firmar sua fé em qualquer figura divina. Contudo, quanto mais remontava esses acontecimentos em sua mente, mais ele acreditava que tudo aquilo não podia ser por acaso. A mudança repentina de Rebeca, a vontade dela de ter filhos acabou por levá-lo de volta para Lovebelt... até mesmo os acontecimentos negativos de antes de ele voltar para Rin haviam contribuído para que os dois chegassem a este dia.

I hear you laugh, I heard you sing

Era difícil admitir aquilo, diante da montanha de racionalidade que havia construído dentro de si desde muito cedo, mas havia algo divino nos caminhos que o levaram de volta para sua família, para Rin e Melissa e para aquele lugar onde ele sempre pertenceu.

I wouldn't change a single thing

Assim que o padre encerrou o sermão, veio o momento de trocar alianças. Com os olhos explodindo de felicidade, Rin ditou os votos e colocou a aliança no dedo anelar esquerdo dele. Sesshoumaru fez o mesmo. Quando ouviu a clássica permissão para que o noivo beijasse a noiva, ele inclinou-se, encostando os lábios nos dela com firmeza. Rin sorriu entre o beijo, percebendo uma chuva de flashes e ouvindo as primeiras palmas dos convidados.

Mal podia acreditar naquilo, mas enfim havia se casado com o amor da sua vida.

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A tarde já havia se posto quando a sessão de fotos dos noivos acabou. A festa havia sido organizada na área do fundo do armazém, um espaço com o pé direito alto e com uma enorme porta dupla, que dava acesso aos campos de trigo. As vigas de madeira do telhado haviam sido revestidas de luzes amareladas, que caíam como galhos de uma enorme árvore. Diversas mesas cobertas com toalhas brancas de algodão haviam sido espalhadas pelo enorme salão, que estava todo decorado em flores brancas. No centro havia uma cerejeira frondosa plantada em um largo vaso, e cujas folhas brancas combinavam com o restante da decoração.

Assim que os convidados começaram a trocar a área de cerimônia pelo salão, Melissa correu para abraçar a avó. Izayoi retribuiu o carinho, apoiando a ponta dos dedos embaixo do queixo da menina.

— Melanie, você está tão bonita. - Ela elogiou. InuYasha estava pronto para corrigir a confusão de nomes da mãe, mas Lissy foi mais rápida.

— Sou eu, Melissa, vovó. - A menina sorriu, segurando gentilmente as mãos da avó.

Izayoi pareceu ficar confusa - Oh, certo, claro... - Melissa a abraçou outra vez, não importando-se com aquilo.

Rin e Sesshoumaru juntaram-se à família, recebendo abraços calorosos de todos - apenas Kohako não estava por perto.

InuYasha foi o último da fila, e ao ficar frente a frente com o irmão, Sesshoumaru congelou no lugar. O mais novo segurava nos braços o pequeno Danny, que vestia uma adorável versão infantil de camisa e suspensório. Sesshoumaru estendeu a mão para InuYasha, em sinal de trégua.

— Você é um bobão, mesmo. - O mais novo zombou, surpreendendo-o com um abraço.

Danny ficou perdido entre os braços do pai e do tio, mas logo foi acolhido pelo abraço retribuído por Sesshoumaru.

— Seu tio é um bobão, não é? - Assim que se separaram, InuYasha dirigiu-se de forma infantil para o filho, fazendo o menino rir. Sesshoumaru também não evitou uma linha de sorriso no rosto. - Toma, segura ele aqui. Vou acomodar mamãe na mesa.

Antes que Sesshoumaru pudesse protestar, ele já estava com o pequeno nos braços. Olhava-o com as sobrancelhas torcidas, temendo que a criança abrisse um berreiro ao perceber que o pai havia se afastado.

Rin virou-se, deparando com aquela situação adoravelmente cômica. Ver Sesshoumaru com o sobrinho no colo a fez projetar a mesma cena, em alguns meses, quando seu bebê - que ela cada dia mais tinha convicção que era um menino - tivesse nascido. Ela aproximou-se, acariciando a bochecha de Danny com o verso do dedo indicador.

— Cuidado, crianças são capazes de farejar o pânico. - Ela riu.

Ele também não conseguiu evitar o riso que veio do fundo da garganta. A verdade era que a ideia de ser pai de novo o assombrava na mesma proporção que o maravilhava.

Melissa rapidamente juntou-se aos pais, ficando na ponta dos pés para ver o primo de perto. Ao ver a menina, Danny se agitou, batendo repetidas palmas.

Os quatro seguiram até a maior mesa do salão, onde as duas famílias ficariam acomodadas juntas. Assim que chegou, Rin percebeu que só Sango e Miroku estavam ali.

— Onde está Kohako? - Ela quis saber, olhando em volta.

— Ele já foi. - Sango falou, com um tom de consternação na voz.

— Vamos dar espaço pra ele. - Miroku aconselhou. - Já foi um grande passo ele ter vindo.

Rin acenou positivamente, não evitando a decepção em seu peito. Gostaria muito de tê-lo por perto, mas sabia que aquilo seria ainda mais doloroso para Kohako. O melhor era deixar o tempo tomar conta daquilo.

Quando todos se acomodaram devidamente, Sango avisou que era hora de jogar o buquê. Rin não queria seguir à risca os ritos de um casamento tradicional, mas aquela era uma parte divertida, que ela queria ter como lembrança.

Assim que as convidadas se reuniram em um círculo logo atrás de Rin, o burburinho começou a fazê-la rir. Até mesmo Kagome e Izayoi, que não tinham nenhuma intenção de ser a próxima noiva, juntaram-se à brincadeira. Mas quem estava mais eufórica era Melissa.

— Quem sabe a gente não une de vez essa família casando Melissa com meu futuro filho? - Miroku dirigiu-se a Sesshoumaru, que imediatamente o partiu ao meio com um olhar gélido.

— Nem em seus sonhos. - Ele rosnou.

— Um... - Rin contou com o indicador da mão direita. - Dois... - O buquê balançava no ar, arrancando expectativas das mulheres ao fundo. - Três! - Ainda de costas ela jogou as flores pelo ar.

O arranjo pousou certeiramente nas mãos de Kagome, que imediatamente o jogou para o lado, como se fosse uma batata quente, fazendo com que Sango segurasse o buquê de forma desajeitada.

— Acho que você vai fazer melhor uso disso. - Ela riu, vendo Sango enrubescer. Todos comemoraram, principalmente Rin, que se apressou em abraçar a amiga.

Miroku mergulhou o indicador no colarinho da camisa, sentindo repentinamente o tecido ficando mais apertado contra seu pescoço.

— Sem pressão, Houshi. - Sesshoumaru bateu contra o ombro do amigo, abrindo um sorriso zombeteiro.

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Depois do jantar, uma banda local embalou a festa com clássicos da música country. Rin deixou o scarpin bege de lado para dançar com Melissa e Sango. A menina girava, fazendo com que o tecido claro do vestido de daminha rodasse pelo ar. Miroku, já livre de seu paletó cinza, alternava entre passos de dança com a namorada e com Lissy. Kagome arrastou InuYasha a contragosto para o centro do salão, divertindo-se com o mau humor do marido.

Sesshoumaru estava sentado ao lado de Izayoi, observando como Rin parecia feliz.

— Aquela mulher nunca seria capaz de fazer você se sentir assim. – Izayoi começou a falar, fazendo com que Sesshoumaru voltasse o olhar para ela.

— Quem? - Ele torceu as sobrancelhas.

— Sua ex-mulher. – Ela explicou de forma serena.

Ele não conseguiu evitar a expressão de choque. Poucas semanas atrás, Izayoi parecia não se lembrar da existência de Rebeca. Será que InuYasha havia dito algo sobre o passado?

— As memórias do dia em que você me contou que se casaria com aquela mulher voltaram à minha mente. – A matriarca suspirou fundo, mantendo os olhos fixos em Rin e em Lissy. – Como eu poderia esquecer? Parecia que você estava anunciando um velório.

Sesshoumaru ficou em silêncio, chocado demais para dizer algo. De qualquer forma, não sabia bem o que dizer.

— Ninguém consegue viver uma vida de mentira. – Ela finalmente o olhou, mantendo uma linha fina de sorriso nos lábios. – Principalmente tendo uma vida como esta... – Izayoi apontou Rin e Lissy na pista de dança. – Esperando por você.

Ele acenou, movendo o canto dos lábios em um meio sorriso. Era verdade. Demorou tempo para que ele percebesse, mas no instante em que Sesshoumaru colocou os pés naquela cidade, os sentimentos que haviam sido sufocados e enclausurados dentro de si voltaram à tona. Quando conheceu o amor de Melissa e quando notou que os anos separados não diminuíram em nem um centímetro o que sentia por Rin, ele soube que nunca mais poderia voltar para o que tinha antes.

— Agora deixe de ser descortês e vá dançar com sua esposa.

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(Trilha sonora: I don't know what love is – Lady Gaga)

Os primeiros pingos da grossa chuva começaram a cair, molhando as janelas envidraçadas do armazém e encharcando a terra do lado de fora. Os últimos convidados partiram, deixando somente os noivos e a família para trás. Depois de dançar e correr pelo espaço, Melissa havia caído no sono em uma das poltronas, amparada no colo da avó. Danny tinha feito o mesmo, disputando o abraço de Izayoi com a prima. A matriarca tinha os olhos fechados, embora não estivesse dormindo.

Rin estava apoiada na enorme porta celeiro, encarando a chuva caindo sobre o campo de trigo.

— No que está pensando? - Sesshoumaru perguntou, aproximando-se dela.

Ela o olhou por cima do ombro e sorriu. – Na chuva. Por muito tempo tive medo de dormir aqui, em dias de tempestade.

Ele a puxou para perto, apoiando as costas de Rin contra o peito. – Ainda tem medo?

— Não. – Ela balançou a cabeça. – Com você, não.

— Vai me dar a honra de uma dança? - Ele murmurou perto do ouvido dela, recebendo um aceno positivo desta vez.

Os corpos dos dois começaram a se mover lentamente. A cauda do vestido dela espalhava-se pelo tablado do chão e os pés descalços acompanhavam o ritmo determinado por ele. Sesshoumaru a conduziu para um giro, fazendo com que Rin sorrisse. Assim que ela voltou para perto dele, os olhos castanhos cruzaram os dourados com intensidade. Ele envolveu a cintura de Rin, fazendo com que ela ficasse na ponta dos pés para envolver o pescoço dele com os dois braços.

Se havia um grande protagonista da história dos dois, esse era o tempo. Os meses em que passaram juntos, quando se conheceram, foram suficientes para construir um amor tão intenso como o de uma vida toda. Os anos em que Sesshoumaru esteve distante não foram suficientes para destruir aquilo, mas mudaram a percepção que um tinha do outro. O tempo foi necessário para que ele tivesse convicção de que, diferente do que planejou a vida toda, o seu lugar era em uma pequena cidade no coração do Kansas, vivendo uma vida modesta, mas muito feliz.

O perdão de Rin pelos anos de ausência dele só veio com o tempo. Assim como ajudou a cicatrizar o coração dela, o passar dos dias também serviu de lembrança de que, na vida, perder tempo é um risco. Adiar a felicidade, esperar pelo momento certo, ou ceder às feridas do passado são armadilhas da vida para que se perca tempo – o bem mais precioso e mais escasso de qualquer um. O amor permite que se perca as horas, mas nunca que se perca o tempo, dizia o velho Kenichi.

Daquele dia em diante, Rin e Sesshoumaru não perderiam um dia sequer longe do outro. Era tempo de ser feliz.

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Oi, gente.

Feliz Ano Novo! Um ótimo 2021 para todos.

Capítulo enorme, cheio de coisa linda. O que acharam do casamento? Eu resolvi mudar o vestido pra criar esse laço entre Izayoi e Rin, mas no final das contas foi divertido imaginá-la com outro visual. Quem tiver curiosidade sobre como é o vestido, me inspirei neste aqui.

Sem mais delongas, teremos um bom salto temporal no próximo capítulo. Pelos meus cálculos, teremos mais dois capítulos até o epílogo.

Contem o que esperam dessa reta final, por favorrr! No próximo capítulo, vou fazer um agradecimento especial aos leitores que foram super fieis e comentaram em todos ou quase todos os capítulos (citando de cabeça alguns: Isa0203, Josimar, Ba, Leticia Araujo, Dark Rose, Laynera...) Vou me lembrar de todos no próximo, prometo!

Então é isso. Até a próxima, e se cuidem :) Beijos

 


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