Scream 2016 escrita por S Nostromo


Capítulo 5
Bem-vindos a noite do terror




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O furacão parecia lento, mas se aproximava cada vez mais. Vez ou outra tinha a sensação de que o carro estava sendo puxado para trás. Passamos por um trevo, e um carro surgiu atrás de nós. Minutos depois adentramos na cidade, e o carro misterioso acompanhou o caminho.

– Acha que é o assassino? – perguntou Emily.

– Não faz muito sentido – comentei. – Ele já teria tentado bater em nós.

– Devíamos tentar despistá-lo? – sugeriu.

– Certo, vou tentar.

Pisei no acelerador e segui algumas ruas pela região onde Emily e eu morávamos. Os pneus queimaram em algumas curvas que fiz rápido demais. As casas estavam todas seladas, não era possível ver nem mesmo as cortinas das janelas. Perguntei-me o porquê de tanta proteção, o furacão sequer chegaria ali, na zona residencial. Enfim, não foi difícil tirar o foco daquele que nos seguia. Voltamos a república, e tratei de guardar o carro na garagem.

Ainda havia pertences dos nossos amigos em seus respectivos quartos. Alguns pais ainda não tinham levado tudo. Eu ainda tinha as chaves da república, iria devolver assim que retirasse minhas coisas também. Segui corredores adentro, batendo a mãos em todos os interruptores pelo caminho para acender as luzes.

– Têm um porão nessa casa, não têm?

– Têm sim – confirmei.

Emily já conhecia cada canto da casa. Já havíamos brincado em cada cômodo também. Ela desviou o caminho e seguiu para a sala, ligando a televisão. Subi para o segundo andar para verificar se estava tudo trancado e realmente seguro. Só então notei que ainda carregava a faca comigo. Era como uma amiga agora, que passaria bons e maus momentos comigo.

Parei na porta do meu quarto. Olhei para cada objeto. O notebook estava em cima da mesa, quebrado. O abajur no mesmo estado. O livro levemente amassado na capa também retornou ao seu lugar. Caminhei vagamente, tocando na cama, e depois parando diante da janela. Emily estava do outro lado cerca de um ou dois meses atrás, animada para sua festa. Uma noite agradável e calorosa.

– Qual o seu filme de terror favorito? Eu sou a primeira vítima? Então você gosta de filmes de terror, Abel?

Suspirei.

– Atividade Paranormal 3. Eu fui a primeira vítima. E eu gosto de filmes de terror. Você já sabia todas as respostas não é César? Éramos grandes amigos, era óbvio que sabia de tudo isso. Esse joguinho de gato e rato já havia começado no momento em que atendi o celular. Fazia as perguntas já sabendo as respostas, sempre um passo a frente, a situação sob controle. Já sabia como iria nos caçar. Tinha plena noção da sua vingança.

Suspirei. Um carro parou em frente à república. Três pessoas desceram e atravessaram o gramado as pressas. Simultaneamente pude ouvir passos se aproximado pelo corredor.

– Abel – disse Emily. – O jornal anunciou que o furacão mudou de caminho. Ele está vindo em nossa direção, vai atravessar a cidade. Precisamos ir para o porão ou seremos engolidos em breve.

– Que ótimo – ironizei.

– Precisamos levar alguns suprimentos lá para baixo também. Liguei para a polícia avisando sobre os assassinatos no posto de gasolina.

– O que eles disseram?

– Vão mandar alguns policiais da cidade vizinha para verificar, já que os policiais daqui não podem seguir pela estrada com o furacão vindo contra.

O pessoal que correu pelo gramado começou a bater na porta, gritando por ajuda em plenos pulmões.

– Mas que droga é essa? – reclamou Emily.

– Não sei. Vem comigo, vamos lá ver.

Atravessamos o corredor, descemos as escadas e chegamos até a porta na sala. Espiei pelo olho mágico. Eram dois homens e uma moça.

– O que vocês querem? – perguntei em voz alta.

– Estamos presos nessa cidade – explicou o rapaz. – Seguimos vocês para pedir ajuda. Vimos esse furacão no meio do caminho e não ouvimos falar nada nos jornais. Não tem como voltar e estamos ficando sem combustível. Precisamos de um lugar para ficar, por favor!

Esfreguei a mão no rosto, tamborilando na porta com os dedos da outra mão, mas era impossível ouvir qualquer som com o vendo zumbido e as árvores estalando do lado de fora. Emily se manteve calada, longe de tomar alguma opinião.

– Vocês estão mesmo em três?

– É, sim, somos apenas nós três.

– Beleza. Eu vou abrir a garagem para guardar o carro.

– Graças a Deus, obrigado! – exclamou o rapaz.

Olhei para Emily, mas ela apenas deu com os ombros, aparentemente não se importando em abrigar três estranhos.

– Sei que você pode estar tão neurótica quanto eu, mas, tenta ficar de olho neles. Não sabemos quem são, entende?

– Entendo muito bem – respondeu. – Vou ficar esperta. A noite da festa, o posto de gasolina e agora esses três. Não quero sofrer uma terceira tentativa de assassinato.

– A morte já não deve mais aguentar olhar para a nossa cara – foi tudo que eu disse.

Retornei até garagem. Abri o portão com o painel acoplado na parede. O carro entrou. Enquanto o portão tornava a fechar, um cara passou pelo vão e adentrou. Usava trajes formais, de gravata e tudo.

– Ei, ei, ei! Quem é você? – interroguei.

– Sou Ross, trabalho para o jornal. Que droga, porque você fugiu escondido do hospital? Havia muitos repórteres querendo respostas.

– Um discípulo de Gale Weathers, que ótimo – ironizei.

– Quem? – perguntou o tal Ross. Estava atrás de respostas para uma série de assassinatos baseada em um filme onde ele nem mesmo aparentava conhecer os personagens. A moral dele foi reduzida totalmente para mim e o ignorei.

– Boa noite – disse o rapaz que tomou a iniciativa de pedir ajuda alguns instantes atrás. Parecia ter a mesma idade que Emily e eu. Os cabelos negros estavam penteados de lado, formando um leve topete. Seus olhos profundos tinham a mesma cor. Era moreno, mais para o lado de ser negro. Chutaria ser Indiano. Bonitinho, confesso. Cumprimentamo-nos com um aperto de mão.

– Meu nome é Victor – apresentou-se. – Aqueles são Marco e Carmen.

Marco era tão branco que parecia albino. Tinha moicano loiro e olhos castanhos. Parecia um desses hipsters. Usava suspensório e botas cano médio da Timberland. Carmen também de cabelos dourados e praticamente pálida, tinha uma mexa rosa choque que começava na franja e estava amarrada junto ao rabo de cavalo. Usava um vestido comum. Deviam ser irmãos.

– Mais uma vez obrigado – continuou Victor.

– De verdade – acrescentou Carmen.

– Relaxem – eu disse.

– Eu sou Ross – introduziu-se o próprio repórter.

– Só não chuto você daqui porque tem um furacão prestes a passar por cima de nós – eu disse para Ross. Voltei minha atenção para os outros três. – Venham, vou mostrar a casa para vocês.

Mostrei os cômodos do primeiro andar. Sala, cozinha e dois banheiros. Não achei necessário mostrar o segundo andar. Provavelmente íamos passar o resto da noite no porão. Estávamos todos na cozinha agora. Ross ajudava Emily a carregar alguma coisa para o porão, mas com certeza estava mais interessado em fazer suas perguntas insuportáveis. Por falar em Emily, ela quis me esganar por ter deixado o repórter entrar, mas eu não tinha o que fazer. Quando percebi aquele idiota já estava na garagem se apresentado. Carmen e Marco comentavam como a casa era grande, e só me restava concordar.

– Vocês moram nessa residência enorme, sozinhos? – questionou Victor.

– Não, Emily mora na casa da frente. Morava na verdade.

– Então você mora aqui sozinho? – interveio Carmen.

– Sim, não. Na verdade não. É uma república, era uma república, eu já não sei mais. Eu morava aqui, mas vou embora daqui alguns dias.

– E onde estão os outros moradores? – foi a vez de Marco.

Emily que arrumava algumas coisas para levar para o porão simplesmente travou. Fez um gesto com os ombros como se não se importasse em contar a verdade.

– Vocês não sabem da história toda? – intrometeu-se Ross.

– Cala a boca – exclamou Emily, dando uma cotovelada no estômago de Ross, que perdeu totalmente o rumo da conversa.

– Eles morreram. Caso Real Woodsboro, ouviram falar? – questionei.

– Ai meu Deus – disse Carmen, levando as mãos à boca. – Então a festa foi na casa da frente? Ai meu Deus – repetiu. – Aconteceu na sua casa Emily!

– Dar uma festa que no fim vai causar a morte de vários universitários. Que azar hein?

– Marco! – exclamou Carmen. – Ele é um idiota, as vezes não pensa no que fala.

– Esse assunto me interessa muito – disse Ross.

– É, mas ninguém se importa – rebati.

Mas minha amiga preferiu dar um leve sorriso. Por ter sido o primeiro a ser atacado, não tinha noção alguma do que ela e os outros passaram, mas não devia ter sido nada fácil, Emily sequer gostava de tocar no assunto.

– Foi o amigo de vocês, não é? – continuou Marco. – César, ele apareceu várias vezes nos noticiários. Foi você o cara que chegou esfaqueado no hospital, não é? – perguntou, retoricamente, para mim. – Cara que bizarro. Foi mesmo como nos filmes? Ele ligou para você?

– Foi idiotamente igual e terrivelmente pior – confirmei. – Mas a história não acaba por aí. Acho que os assassinatos vão continuar.

– O que? – Ross se intrometeu mais uma vez, agora espantado.

– Por que? Como assim? – indagou Victor.

Emily parou o que estava fazendo, a cena se repetiu, ela fez o gesto com os ombros, então contei tudo que vimos no posto de gasolina. Que diferença vazia? A mídia iria expor tudo mais uma vez, e se tivesse alguém ainda atrás de nós, pelo menos Victor, Marco, Ross e Carmen poderiam, talvez, ajudar. Ou serem mortos também, vai saber...

– Mas estamos seguros aqui – disse Carmen. – Quero dizer, passaremos a noite no porão, estaremos praticamente presos. Não tem como alguém entrar aqui. Não é?

– Seja lá quem for, quer terminar o que César começou.

– Não viaja Marco – retrucou Victor.

– Mais alguém revoltado com brincadeiras de adolescência? – Emily falou algo pela primeira vez naquela conversa. – Se for é bom aparecer logo, vou mostrar o que é humilhação de verdade.

Essa última frase pareceu mais uma indireta do que um desabafo revoltoso. Sabia que no fundo Emily desconfiava que um dos novos amigos pudesse ser o assassino. Não sei o porquê, mas eu também desconfiava. A conversa foi cortava bruscamente. Ficamos em silêncio para dar atenção a um ruído que vinha da lâmpada acima de nossas cabeças. As luzes piscaram, e após um relâmpago violento cortar o céu negro, a iluminação sumiu.

– Sem energia, que ótimo – ironizei mais uma vez.

– Odeio tempestades – disse Carmen, abraçando o próprio corpo.

– Ou alguém cortou a energia – opinou Marco.

– Isso faz mais sentido – concordou Ross.

– Por que alguém cortaria a energia em uma situação dessas? – rebateu Victor.

– Talvez porque seja mais fácil nos caçar.

– Deus, poderemos ser testemunhas de um crime – disse Ross, mas eu não sabia dizer se suas palavras tinham medo ou felicidade.

– Para de ser idiota Marco. Real Woodsboro e o que eles viram no posto de gasolina não tem ligação alguma, são apenas coincidências. Horríveis e trágicas coincidências por sinal.

– Que você não seja o primeiro a morrer, apenas para ver que eu estou certo.

– Quem é o primeiro a morrer? – perguntou Carmen, evidentemente assustada.

– Aqueles que sobreviveram a primeira vez – então os quatro olharam para Emily e eu.

– Você é um verdadeiro imbecil – disse Emily para Marco.

– Em Scream, Sidney é quase sempre a última vítima nos filmes. O mesmo acontece com Nancy em Nightmare on el Street. Sinto muito, mas se alguém aqui for morrer por último provavelmente seria Emily ou eu.

O silêncio de Marco foi sua derrota. Sorri por dentro. Precisávamos de lanternas, então decidi levar Marco e Victor comigo, para deixar Emily mais tranquila. Ross parecia mais um babaca do que um assassino, não tinha o que temer. Escondi a faca no bolso de trás para garantir. A mesma faca que encontrei na beira da estrada e que matou a todos no posto de gasolina. Não havia mais nada para se defender por ali. Talheres e outras coisas foram levadas. A sala estava vazia, somente os objetos maiores como sofá e televisão ainda estavam ali.

– Sherlock e Victor, as lanternas ficam na garagem. Vamos buscar?

– Tanto faz – disse Marco.

Fomos rapidamente, sem cerimônias. Apertei os botões do painel para abrir o portão para testar, mas nada aconteceu. Estávamos cada vez mais presos.

– Onde estão as lanternas, Sidney Prescott? – zombou Marco.

– Procure. Pode chamar o Scooby-Doo para desvendar o mistério com você – rebati.

– Vamos pegar as lanternas e reencontrar com as meninas e Ross, ok? – encerrou Victor.

– Nos armários ali no canto – apontei.

– Têm isqueiro ou fósforos por aqui? – questionou o suposto Indiano.

– Vocês ouviram isso? – perguntei.

– O que? – questionou Marco.

– O som de algo caindo, veio do corredor.

– Não, não ouvi nada – respondeu Victor.

– Acho que vou dar uma olhada. Um dos moradores, Chris, tinha mania de fazer sexo a luz de velas, então se ainda tiver algum fósforo por aí, estão na última gaveta. Eu não demoro.

Peguei uma lanterna com Marco e voltei para o corredor. Vazio. Arrisquei entrar em um quarto onde guardávamos coisas de limpeza e tranqueiras que iriam para o lixo algum dia. Parei no meio do cômodo. Esperei por mais algum ruído anormal. E ele veio, de trás de mim. Meu coração disparou. Girei em meus calcanhares e dei de cara com Marco, parado ao pé da porta.

– Quer me matar do coração, Scooby? – rosnei em voz baixa.

Ele piscou sua lanterna de baixo para cima, dando uma feição levemente fantasmagórica em seu rosto.

– Foi mal – ele disse. – Relaxa, a chacina não começou Sidney. Ainda.

– Você realmente não mede as palavras.

– Faz parte de mim.

Vi uma silhueta atrás de Marco. Negra, com rosto branco. Aquele rosto branco. Não parecia nada com Victor. Puxei Marco para dentro do quarto e nos tranquei.

– O que foi? Ficou maluco? – indagou Marco.

– Tinha alguém atrás de você – respondi.

– Era o Jason. Fala sério, devia ser o Victor – respondeu, indo em direção a porta para destrancar. Puxei rapaz hipster para trás de mim.

– Não! – exclamei. – Não era o Victor, eu vi, não era.

– Abel, não era nenhum assassino. Não tem como ser ele.

– Mas e se for? E Victor e as meninas? Devíamos sair para avisar não é? – sugeri.

– Confia em mim, não era o assassino.

Sua certeza no que dizia me pareceu estranha. Mesmo estando um pouco aéreo e neurótico com tudo, afirmar com tanta convicção não me parecia normal. Marco estava atrás de mim, e pensei se seria certo olhar para ele. O olhar, eles costuma dar a resposta as vezes, e eu não tinha medo de que isso acontecesse.

– Como tem tanta certeza? – perguntei. Lentamente tentei levar uma das mãos no bolso da calça para pegar a faca. Torcia para que aquele fosse o momento certo, ou realmente aconteceria um grande mal entendido.

A janela do pequeno quarto trepidava com a ventania. Galhos e folhas batiam no vidro. O zumbido intenso e feroz anunciando que o furacão se aproximava cada vez mais. Tudo foi ficando em silêncio, distante. Antes mesmo de perceber, eu já estava no chão, fechando os olhos lentamente, sem saber se eu havia desmaiado com tanta tensão, ou talvez até mesmo alucinado, ou se foi Marco me golpeando por trás.


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