A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 46
Alvorada


Notas iniciais do capítulo

Capítulo mais longo do que o normal, mas eu não queria picotar ainda mais os acontecimentos. E serve também para compensar a demora haha ♥



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Botan esperneou quando sentiu Kai prendendo seu braço.

Até um minuto atrás, ela apenas observava Koenma se distanciar, incrédula e impotente. Quando ele quase desapareceu de vista, ela se mexeu, como se seus pés fossem compelidos por um impulso mais forte do que ela a seguir a silhueta que diminuia no horizonte.

Foi quando Kai a segurou. Botan, em resposta, bateu o pé no chão.

— Você não vai atrás dele?

— Eu já fiz o que podia. O resto está nas mãos do senhor Koenma. E você também não devia intervir.

Kai a soltou, e Botan murchou em desalento, os ombros caídos, mas o olhar revoltado. Ela juntou as mãos na frente do corpo e fechou uma sobre a outra na altura do peito, tentando conter a sensação de perda e vazio que começava a sentir.

Ficaram assim em silêncio por uns bons minutos. Quando Kai voltou a falar, a voz veio carregada de preocupação.

— Botan, você estava de plantão essa noite, não estava?

A guia se virou, as sobrancelhas ligeiramente curvadas em curiosidade pelo assunto que parecia não ter importância. Não em um momento como aquele.

— Você viu alguém perto da Câmara das Relíquias? Sabe de algo que possa…

— Eu não vi nada! — ela exclamou defensiva — Não vi ninguém! As Relíquias est-

Ela parou no meio da frase. Queria acusar Liu de ter tramado o roubo e estar em posse dos objetos sagrados, mas se fizesse, teria que explicar como ficou sabendo dessa informação. Teria que fornecer provas, talvez. E depois de tudo que tinha acontecido naquela noite, o que ela menos queria era entregar Kurama para as mãos do Esquadrão. Mesmo ele a tendo atacado, invadido o Palácio e violado a sacralidade da Câmara dos Tesouros, ele não merecia cair nas mãos daqueles patifes.

Mas se Kai ainda estava perguntando sobre o roubo, significava que não sabia do paradeiro das Relíquias. E se ele estava com a tropa que sitiou o Palácio, será que mais ninguém do Esquadrão sabia que Liu as havia tomado?

— Botan, você dizia…? — Kai perguntou, vendo o terror que pouco a pouco parecia tomar conta do rosto sempre sereno da guia.

Com o olhar desfocado, Botan quase caiu ao se dar conta que o perigo que Koenma corria era maior do que havia pensado. Em seu devaneio, só conseguia visionar Liu espreitando Koenma, o Punhal do Guardião em mãos e a intenção assassina em seu rosto.

(...)

Quando Koenma entrou no Palácio sozinho, metade dos oficiais presentes não soube como reagir. A firmeza dos passos do príncipe parecia inibir qualquer tipo de comportamento, e eles apenas observaram, inseguros, enquanto Koenma abria caminho entre os corredores.

Alguns se entreolharam, como se aguardassem ordens; outros chegavam a ensaiar um passo na direção do filho de Enma, mas paravam, sem saber exatamente como se dirigir ou mesmo como se portar naquela situação que pareceu pegá-los de surpresa, dada a expressão confusa em seus olhos.

Koenma mordiscava a chupeta presa na boca enquanto passava, evitando olhar estes mesmos oficiais que não sabiam o que fazer na sua presença. Decidira assumir a forma adulta para procurar Liu, como se a imagem refletisse a confiança amadurecida que sentia e que vinha crescendo a cada passo que dava.

O que mais o preocupava era o Mafukan, usado integralmente contra Sensui há tão pouco tempo atrás — tão recentemente que ele não tivera tempo de restaurar a energia acumulada. Ao menos não a ponto de ser o suficiente para atacar Liu, caso fosse necessário. Ele ainda tinha esperanças de que não fosse ser preciso chegar às vias de fato com o Comandante, e esperava que pudesse resolver aquelas questões urgentes que assolavam o Reikai por vias diplomáticas.

Ou, ao menos, com os menores danos colaterais possíveis.

A medida que Koenma se aprofundava entre os labirínticos corredores do Palácio, a atmosfera parecia ganhar peso. Os olhares dos oficiais que encontrava pelo caminho estavam ainda mais alarmados e ele quase podia ler seus pensamentos através dos seus rostos cansados. Todos pareciam esperar ansiosos pelo fim daquela madrugada.

Koenma virou em um corredor e parou logo em seguida com o que viu. Na outra ponta, Liu vinha na direção oposta, cercado de dois militares do Esquadrão.

A aparição de Koenma os tomou de assalto e, por um instante, os oficiais vacilaram, reprimindo o impulso de ir até o príncipe e o tomar como prisioneiro. Quando resolveram agir, ainda um pouco hesitantes, Liu os interrompeu e os fez permanecerem em seus lugares.

— Soube que estava procurando por mim — Koenma falou — Pois aqui estou. Vamos resolver isso de uma vez.

— Incompetentes… — reclamou — Você deveria estar preso. Como escapou?

— Isso não importa. Mas não posso deixar que você tome o Palácio e decida sozinho o futuro do Reikai.

Liu gargalhou.

— Você é mesmo filho de seu pai… igualmente teimoso e estúpido.

Koenma cerrou os punhos, sentindo o rosto encandecer.

— Eu não sou meu pai, nem vim em nome dele.

Ele deu alguns passos na direção de Liu, e imediatamente os oficiais que acompanhavam o Comandante entraram em posição de guarda, os corpos totalmente tensionados. Koenma parou.

— Vai continuar se escondendo atrás dos seus subordinados? — Koenma perguntou — Ou vai ter coragem de me enfrentar sozinho?

Liu colocou as mãos nos ombros dos oficiais que estavam a cada lado, autorizando que baixassem a guarda.

— Eu não tenho medo de você, príncipe. Se acha que pode fazer alguma coisa, gostaria de vê-lo tentar.

(...)

As palavras de Kurama não pareciam fazer muito sentido para Kiki, mas ela, de alguma forma, compreendera o que o ruivo queria dizer.

Kuwabara, Hiei e Yusuke continuavam atacando Bozukan, e o som de metal colidindo e explosões não cessava em momento algum, deixando o ambiente cada vez mais atordoante. O cheiro de sangue já quase não incomodava, apesar de Kurama estar coberto do fluído vermelho que escapava dos machucados abertos.

Mas agora, que Kiki parou de atacar pela primeira vez desde que Bozukan aparecera, a tontura aumentava, como se a fraqueza estivesse apenas esperando uma brecha para aparecer e tomar conta do seu corpo. Com a visão escurecida, ela se apoiou, em parte na parede de pedra, em parte nos ombros de Kurama. Sentiu o nó dos dedos arderem, e ela abaixou o rosto para olhar para eles. A mão parecia inchada, vermelha e escaldante. Uma nova onda de vertigem a atingiu.

— Você está bem? Você pode fazer isso?

Ela acenou com a cabeça, achando irônico que ele, naquele estado, fosse se preocupar com ela. Em uma breve alucinação, motivada pela tontura e pelo ar repugnante do lugar, se perguntou como ele podia continuar vivo, e chegou a pensar que deviam estar todos mortos, e que aquilo só poderia ser o inferno, onde estavam condenados a lutar para sempre, sangrar para sempre e suportar aquele cheiro de morte e enxofre para o resto da eternidade.

— Estou ótima — balbuciou — Vamos acabar logo com isso.

Ele acenou de volta e olhou para frente, onde a batalha se desdobrava. Kiki se escorou completamente na pedra, tentando fazer o mesmo. Seus amigos estavam reduzidos a riscos e fagulhas que cortavam o ar enevoado, fazendo a poeira levantar e quase escurecer por completo a galeria subterrânea. Tal poeira se infiltrava pela mucosa dos olhos, boca e narinas, e ela achava que todo seu pulmão já devia estar coberto daquele pó espesso e sujo, mas que, de alguma forma, seu corpo lutava para se adaptar àquelas condições, usando uma energia que ela nem sabia que tinha.

— Como você consegue? — ela perguntou com a voz rouca, tossindo ao sentir a garganta arranhar.

Kurama olhou de esguelha para ela, mas não respondeu. E a garota podia jurar ter visto algo diferente em seu semblante. Ela já tinha visto muitas expressões no rosto de Kurama antes, mas nenhuma era como aquela. Seria culpa, arrependimento? Medo, talvez? Nunca o tinha visto com medo antes. Tinha?

Ele foi embora sem dizer mais nenhuma palavra.

— Oh, céus, estamos fodidos…

Ela seguiu se esgueirando pela parede, tentando contornar aquele lado da galeria. Bozukan agora agarrava Kuwabara pelo pescoço, levantando o rapaz quase um metro acima do chão. Ele, na ânsia de se soltar, não empunhava mais sua Espada Espiritual, e levava as duas mãos ao pescoço, desesperado.

Kiki olhou para Kurama alarmada. Em seus olhos, a pergunta se deveria intervir, fazer alguma coisa para libertar Kuwabara de alguma forma, mas Kurama balançou negativamente a cabeça.

Yusuke se aproximou, se jogando contra Bozukan para desvencilhar o amigo, mas foi arremessado para trás com um dos golpes do youkai — rajadas elétricas que ele disparava com a mão livre enquanto ria do rosto arroxeado de Kuwabara. Este, ainda se contorcia, os pés balançando no ar.

Quando Yusuke atentou de novo contra o oponente, Hiei fez o mesmo, partindo da direção oposta. Os dois atacaram de maneira quase cronometrada, fazendo ressoar uma explosão maior do que todas as outras.

Bozukan revidou de maneira impecável, amortecendo o ataque da dupla. Kuwabara foi atirado para longe, seu corpo fazendo uma curva no ar antes de cair, amolecido, no chão. Kiki, por reflexo, virou o rosto, se protegendo dos estilhaços que inevitavelmente voavam por toda parte, e o estampido foi alto o suficiente para quase a ensurdecer.

Foi assim que ela finalmente compreendeu o plano de Kurama.

(...)

O corredor apertado dava um clima claustrofóbico à conversa. Koenma sabia que, se fosse humano, estaria suando em bicas pela tensão que pesava no ambiente. O reiki forte de todos os presentes era algo inquestionável, e chegaria a ser intimidador para qualquer ser que não estivesse acostumado com aquele tipo de energia.

Não para ele, no entanto, tão habituado estava com o reiki do próprio pai. A energia espiritual de Enma lhe dava calafrios quando era mais novo, centenas de anos atrás. Hoje ele via o quanto aquela convivência ajudou a moldar o que ele era hoje, ajudou a suportar os baques que ele nunca imaginou que teria que suportar.

— E então? — ele perguntou.

Liu apertou os olhos, deixando sua expressão ainda mais dura do que o normal. Sem tirar Koenma de vista, acenou para os oficiais que o acompanhavam, os dispensando. Quando fez isto, no entanto, estes hesitaram. Parecia que aquela ordem lhes era incrivelmente dolorosa.

— Senhor, devemos levá-lo de volta para a prisão?

— Não é necessário — Liu respondeu secamente.

— Comandante, as Relíquias continuam desaparecidas…

Koenma franziu o cenho ao ouvir a frase do oficial. Por um instante, não entendeu o sentido daquilo. Teria Liu perdido as Relíquias roubadas? Teria alguém as roubado novamente?

Koenma observou intrigado, sem conseguir esboçar outra reação enquanto tentava fazer algum sentido sobre aquilo. A boca, ligeiramente aberta pela surpresa, quase deixava cair a chupeta, e ele só pensava em como aquilo seria mais uma dor de cabeça para ele se preocupar quando tudo estivesse acabado — se é que um dia iria acabar.

Liu, na sua frente, permanecia com o rosto fechado, o olhar ostentando um brilho incomum. Os lábios finos sofreram um espasmo minúsculo, como se reprimissem um sorriso. Ele murmurou alguma coisa e os oficiais, relutantes, enfim marcharam de volta pelo corredor, os deixando a sós.

— Espero que saiba que será julgado por isso, Liu.

— Julgado? Por quem? Koenma, seu pai praticava corrupção debaixo do seu próprio nariz. Se não fosse por mim, você nunca teria sequer descoberto a ação com a Red Society.

— Eu já falei que não vim em defesa do Rei Enma, e sim do Palácio e de todo o Reikai!

Uma risada sonora, e, ao mesmo tempo, amarga, ecoou pelo corredor.

— Você ainda insiste nisso? — Liu falou, ainda com o sorriso sarcástico estampado no rosto — Pretende enfrentar todo o batalhão sozinho?

— Eu só preciso enfrentar você. Talvez você tenha conseguido ainda persuadir o Esquadrão a ficar do seu lado mesmo depois do acordo com Bozukan ter sido revelado, mas não se iluda. Quando tudo for esclarecido, vai ser difícil encontrar apoiadores... seu traidor!

Liu voltou a cerrar os olhos, evidenciando as rugas e linhas de expressão que carregava. Inclinou a cabeça para o lado, como se estudando cuidadosamente o homem na sua frente.

— E o que você fez com as Relíquias? Eu sei que o roubo foi feito a seu mando.

A acusação suavizou o rosto do Comandante.

— Eu não sei do que está falando...

— Idiota… acha que Kurama iria deixar você se safar?

— Quer dizer que ele confessou? Que honesto da parte dele. Pena que ninguém vai acreditar na palavra de um demônio.

Koenma cerrou os punhos. Liu em contrapartida, afastou a capa do uniforme, revelando a cintura. Preso entre as vestes, quase totalmente escondido, estava um pedaço de metal reluzente. Koenma o reconheceu na mesma hora e não conseguiu esconder a surpresa.

— O Punhal! Mas…

Ele não conseguiu completar o raciocínio. As Relíquias então não estavam desaparecidas? Continuavam com Liu? Por que aquele oficial havia dito o contrário?

— Nosso pequeno segredinho — Liu comentou, com a voz afetada — O Esquadrão continua a procura, é claro. Você não achou que eu ia sair por aí com isso nas mãos, não é? Que eu ia gritar aos quatro ventos que as Relíquias estavam comigo o tempo todo e que eu subornei um demônio para furtá-las.

Koenma deu um passo para trás. A chupeta caiu de sua boca e foi aparada pela mão direita, que a apertou com força. Não conseguia acreditar no que estava prestes a acontecer.

— Mas já imaginou o que vão pensar quando souberem que o verdadeiro responsável foi justamente o filho de Enma? E que precisei tirar o Punhal da sua mão e usá-lo como legítima defesa?

Liu puxou o Punhal da cintura.

— Vou ser coroado com honras como o novo rei do Mundo Espiritual por ter livrado o Reikai de você e seu pai.

— Nunca! Se renda agora e eu garanto um julgamento justo.

Koenma esticou os braços para frente. Em sua mão, a chupeta brilhava.

— Não me obrigue a usar o Mafukan.

— Não seja por isso — Liu estendeu o braço com a mão que empunhava a arma — Vá em frente. Nós dois sabemos que você não tem poder suficiente depois do último uso.

Os dois ficaram parados, se encarando pelo que pareceu uma eternidade. Era como um duelo, onde cada uma das partes podia atirar a qualquer momento. A diferença era que um deles blefafa. E Koenma sabia muito bem que era ele.

(...)

Kuwabara ainda estava vivo. Pelo menos parecia que sim. A visão de onde Kiki estava era parcialmente bloqueada pela chuva de pedras que caiu com a última explosão, e ela arfava, tentando encontrar fôlego.

— E se essa porra não der certo? — ela tinha perguntado assim que Kurama explicou o que ela devia fazer.

— Vai dar.

Kiki não era a pessoa mais otimista do planeta, mas quem era ela para discutir?

Adiante, os vultos se mexiam. Kurama, o vermelho dos cabelos se misturando ao sangue, parecia escorar Kuwabara, que se levantava com dificuldade. Ela podia ver o topete ruivo, coberto de poeira, cabisbaixo, como se o tronco e a cabeça estivessem pesados demais para serem erguidos propriamente.

Yusuke tinha os olhos grudados em Bozukan, que havia caído a metros de distância depois do choque parcial do último ataque. O youkai agora levantava, mostrando certa dificuldade pela primeira vez, e o encarava de volta, tomado de fúria.

Hiei era o único borrão totalmente desfocado, uma macha enegrecida que se misturava ao ar poeirento e se escondia nas sombras oscilantes da caverna.

Absolutamente todos os presentes — de Bozukan a Kiki — estavam dispostos a atacar. E todos sabiam que aquele seria o último ataque da noite.

(...)

— Botan, volte aqui! — Kai gritou ao ver a guia correr em disparada.

— Não posso! — ela respondeu, conjurando seu remo no meio do caminho e sentando de qualquer jeito em cima do objeto.

O trajeto entre o local em que estavam, ainda na saída do Centro de Detenção, onde havia se encontrado com Koenma, e o Palácio era curto, mas ela não queria arriscar perder nem mais um segundo. Ela sabia que era muito mais ligeira voando do que correndo.

Planando a pouco mais de um metro do chão, Botan sumiu entre as nuvens.

(...)

Hiei e Yusuke agora estavam de lados opostos, um de frente para o outro, deixando uma larga distância entre si. Formando um semicírculo, Kuwabara e Kurama se encontravam quase lado a lado, a meio caminho entre os dois.

Kiki era a mais distante do grupo. Encostada na parede, estava na mesma linha que Hiei, porém afastada do youkai por alguns metros.

Bozukan se encaminhava para o centro do semicírculo formado pelos quatro, seu corpo estalando da estática produzida pela própria energia maligna.

Kuwabara tinha o coração na boca. A garganta ainda doía por causa do forte estrangulamento que tinha acabado de sofrer, e as mãos pareciam em carne viva depois de todos os golpes que tentara aparar com sua Leiken.

Kurama o tinha pedido para esperar seu sinal para o próximo ataque, algo que, em teoria, parecia simples, mas que no calor da batalha, soava impossível. Atacar em cada oportunidade parecia tão necessário e automático que se controlar era quase antinatural.

Hiei e Yusuke eram os únicos desavisados da estratégia que Kurama, no desespero da luta, tentou conceber. Ele não apenas julgava que os dois não o ouviriam, mas que também agiriam segundo seus próprios instintos — e era precisamente nisso que ele se baseava e torcia para estar certo.

Os segundos que se seguiram pareceram se esticar além da duração normal do tempo.

Quando viu as faíscas dos olhos vermelhos de Hiei se pronunciarem, Kurama se adiantou. Ainda segurando com uma das mãos o abdômen por causa dos ferimentos, ele se atirou para frente ao mesmo tempo em que lançava algo no ar, rente ao chão.

O projétil de Kurama se desdobrou em um entrelaçado de ramas, uma espécie de teia vegetal que se expandiu e se enroscou nos tornozelos de Bozukan. Pego de surpresa, o youkai oscilou, se desequilibrando. Kurama foi ao chão, sem conseguir impedir a queda.

— Agora! — ele gritou.

Kuwabara já tinha sua espada formada e imediatamente foi para cima do adversário. A empunhou acima da cabeça e saltou com força sobre Bozukan, que ainda tentava se desprender das amarras lançadas por Kurama.

No ar, desceu a espada com força em direção ao demônio. Em um breve instante, seus olhos encontraram os de Bozukan, que mostrou as presas afiadas ao mesmo tempo em que ergueu uma das mãos. O raio desprendido por ele atingiu Kuwabara em cheio. O garoto foi arremessado para trás.

Nem ele nem Bozukan, no entanto, perceberam o que acontecia ao mesmo tempo.

O rápido golpe de Kuwabara não havia sido tão ineficaz quanto parecia. Na verdade, para Kurama, ele havia cumprido seu propósito perfeitamente ao distrair o youkai por aquela ínfima fração de segundo. A fração de segundo que Hiei precisava.

Um estrondo monumental fez Bozukan virar a cabeça. Ele arregalou os olhos ao perceber um enorme dragão, negro e elemental, que serpenteava pela galeria, formado pelo mais puro youki, e rugindo faminto como o animal selvagem que era.

Instintivamente, Bozukan ergueu a outra mão. Seus reflexos eram rápidos, tanto quanto os de Hiei, e foi com uma precisão milimétrica que ele conseguiu acompanhar os movimentos do Dragão das Chamas Negras Mortais.

Bozukan reuniu sua energia em uma espessa esfera de raios na palma da mão e a lançou, formando um canhão de luz que se guiou exatamente na direção do ataque de Hiei. O choque seria inevitável.

Em vez de colidir, no entanto, o sólido feixe de energia de Bozukan mudou bruscamente a rota. Da linha reta que seguia, ele virou em um ângulo de noventa graus para o lado, acertando uma das paredes. A mudança foi tão repentina que era como se um imã o tivesse atraído para aquela direção, ou como se um anzol o tivesse fisgado, o puxando com força.

A parede explodiu, e só depois eles veriam a profundidade do estrago que aquele golpe específico havia causado. Na hora, porém, ninguém se importou com aquilo.

Bozukan estava com os olhos ainda mais arregalados, sem compreender o que tinha acontecido. Hiei continuava alheio ao que ocorria ao redor, focado apenas na destruição que almejava fazer naquele infeliz.

Enquanto isso, Yusuke, ao mesmo tempo em que Hiei invocava as Chamas Negras, também concentrava sua energia na ponta do dedo. Cego pela fúria, não captou todos os detalhes do que acontecia, mas ele não precisava captar. Faria o que teria que fazer.

E o resto que se dane.

O Dragão continuava sua trajetória, agora cada vez mais perto. A esfera energética do Leigan aumentava.

Bozukan, alucinado, revidou novamente, lançando pequenos raios curtos contra os dois. E, de novo, os ataques de demônio se perderam no meio do caminho, não ferindo ninguém. Era como se houvesse outra força os controlando, como se seus ataques não mais o obedecessem.

Essa foi a primeira vez que o horror estampou a pele azulada do rosto do youkai.

O Leigan se desprendeu no mesmo instante em que as Chamas Negras atingiram Bozukan. Os golpes, combinados, engoliram o demônio, que gritou em agonia. Seus gritos logo foram abafados por um barulho tão grande que era como se um trovão tivesse acabado de cair naquela câmara.

A devastação consumiu aquela galeria. Primeiro, a explosão de luz, clara e escura, que cobriu todo o espaço; depois, em um tom crescente, como se brotando das profundezas do inferno, um lamento assustador, de gelar a espinha. O lamúrio aumentou para em seguida definhar, até sobrar apenas um ruído estático no ar, daqueles que a gente ouve bem no fundo do ouvido.

Quando tudo cessou, o corpo de Bozukan havia sido completamente desintegrado, queimado junto com o Dragão.

Os quatro estavam fincados no chão, em um silêncio mordaz.

E Kiki estava de joelhos, a cabeça latejando incrivelmente depois de ter concentrado toda sua energia em desviar os ataques de Bozukan.

— Deu certo… — ela falou baixinho para si própria, ainda sem acreditar — O filho da mãe estava certo...

Aquela havia sido a primeira vez em que sua telecinese atuava sobre algo imaterial. E ainda por cima, sobre algo tão poderoso.

Orgulhosa, e, ao mesmo tempo, exausta, ela ainda conseguiu dar um sorriso frágil antes de desabar completamente.

Não viu mais nada depois disso.

(...)

Mesmo metros abaixo da superfície, as energias dissipadas pelo grupo foram tão fortes que seus reflexos foram sentidos a quilômetros de distância.

No Ningenkai, foi tido como um terremoto. A General Ayaka, que terminava de fechar as barreiras com uma pequena equipe, o pressentiu antes mesmo de eclodir.

No Reikai, reverberou de tal forma que todo o Palácio Espiritual sentiu seus efeitos.

Botan foi jogada do remo quando ela já estava nas escadarias do lugar. Todos os oficiais do Esquadrão exclamaram, apreensivos, e se agitaram, tentando se agrupar e se preparar para uma possível ameaça.

Enma, em sua sala, se levantou na mesma hora. Escancarou a porta, e teria derrubado os oficiais que permaneciam guardando a porta, se estes não tivessem em total alerta desde que sentiram o que tinha acontecido. Era uma força que nenhum deles jamais havia conhecido antes.

O Rei saiu pelo corredor e dessa vez, ninguém ousou interromper.

(...)

Os pés de Koenma se desequilibraram no momento em que os ataques de Hiei e Yusuke atingiram Bozukan no Mundo dos Humanos. Jogou as costas para trás ao mesmo tempo em que tentava compensar o equilíbrio com os braços ainda mantidos a frente do corpo.

Liu, que também perdeu momentaneamente o controle sobre o corpo, caiu sem jeito para frente, o Punhal ainda firme entre os dedos. Ao ver a lâmina se aproximando, o instinto de sobrevivência de Koenma falou mais alto e ele fechou os olhos, liberando a energia do Mafukan.

Quando Enma alcançou o corredor, seguido de Botan, ambos já estavam no chão. E ele, pela primeira vez, não soube o que dizer.


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Notas finais do capítulo

Estou exausta só por ter escrito isso x_x