Um pouco sobre a minha história escrita por AliceK


Capítulo 4
Capítulo 4 - A despedida


Notas iniciais do capítulo

Aqui irei contar uma outra parte da minha vida que se eu pudesse... Eu esqueceria.
E também um pouco sobre a minha mãe, de como ela é guerreira.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/655267/chapter/4

Depois disso foi um mar de rosas, com seus espinhos.

Eu com meus 6 anos de idade, já havia me adaptado aqui no Brasil, já sabia falar muito bem, por mais que eu as vezes acabava misturando japonês com o português.

Houve um dia em que eu estava no sítio e estava brincando com os coelhos que tinham de monte lá, eu vi minha mãe carregando umas malas para dentro da caminhonete do meu avô e fui atrás dela para saber o que ela estava fazendo.

Ela me disse que ia viajar e que não sabia quando voltava, mas ia manter contato comigo que ia me mandar cartas, ia também mandar presentes e um pouco de dinheiro para minha avó que ia ficar aqui cuidando de mim.

Eu não sabia muito bem o que era esse viajar, mas eu não gostei. Deu-me um aperto no coração que eu falei que não queria cartas, nem presente, nem dinheiro, então ela não precisava ir viajar. Mesmo assim ela continuou carregando as malas para a caminhonete, ela chorava, eu não entendia o porquê, mas ela continuava a carregar as malas.

Quando todas as malas estavam na caminhonete ela avisou meu avô, ele ligou a caminhonete e ele esperou minha mãe entrar, e só vi a caminhonete andando, e eu corri atrás dela gritando para que me levasse junto, para que não me deixasse, mas ela não olhou para trás, e a caminhonete começou correr, sem eu ter alcançado a minha mãe ainda.

Ela gritou da janela do carro:

—Desculpa! Eu te amo! É para o nosso bem! Você vai ficar bem com a sua bá! (Bá é o jeito que chamamos avó em japonês).

Eu corria atrás da caminhonete, eu corria, corria, mas cada vez mais a caminhonete ganhava velocidade, a estrada era de terra, tinha um longo caminho até chegar à estrada asfaltada. No meio do caminho tinha uma ponte de madeira, que cortava um rio, quando chegava nessa ponte, a estrada de terra ficava muito íngreme, eu corri até essa ponte, o que dava cerca de 1 km de distância da casa, eu estava longe de casa, sozinha, por correr atrás da minha mãe em uma caminhonete.

Eu chorava, gritava, eu não entendia o que estava acontecendo.

Eu lembro que eu pensava coisas do tipo, minha mãe me largou aqui sozinha? Para onde ela vai? Quando vai voltar? Quando vou vê-la de novo? Ela vai fazer igual meu pai? Vai me largar? O que eu vou fazer? Está ficando escuro. Tenho que voltar para casa. Mas a minha mãe vai voltar para casa também? Por que ela não me esperou? Por que não me disse um tchau e me abraçou como sempre faz quando vou para a escola? Eu fiz algo que ela não gostou, e por isso ela está indo embora?

Eu só conseguia ver a poeira deixada para trás pela caminhonete.

Eu comecei a andar de volta para casa, chorando.

Minha avó estava me esperando no portão de casa, ela também estava chorando, ela me abraçou e falou que ia ficar tudo bem. Que quando eu crescesse eu iria entender o que a minha mãe estava fazendo.

Sinceramente, até hoje, depois de 13 anos eu ainda não entendi o que a minha mãe fez aquele dia, e o porquê daquilo.

Minha avó me contou que ela foi para o Japão porque estávamos cheios de dívidas, e que se me levasse para o Japão junto com ela, eu ia adoecer muito, como acontecia quando eu estava morando no Japão.

Então minha avó me contou também a história das cicatrizes que a minha mãe tem por todo o seu corpo, e o porquê dela, mesmo estando um calor infernal não usar biquíni para entrar na piscina ou usar uma regada para passear.

A minha vó me contou que aos 19 anos, minha mãe sofreu um acidente no Japão, ela ia trabalhar de bicicleta, e uma mulher estava tentando se suicidar, essa mulher atravessou o sinal vermelho com o carro, no mesmo instante que a minha mãe estava atravessando a rua na faixa de ciclistas.

A minha mãe foi acertada em cheia pela motorista, que na audiência foi considerada inocente, pois ela apresentava uma doença mental e foi internada em um hospício.

Já a minha mãe, inocente e não sabia o que havia ocorrido, apenas foi arrastada pelo carro por cerca de 500 metros do acidente, suas duas pernas, seus dois braços, e algumas costelas foram quebrados. Minha avó disse que os braços e pernas da minha mãe ficaram parecidos com carne moída, pois cabiam na palma da mão dos médicos.

Os médicos falaram que não tinham salvação. Que ela ia perder os dois braços e as duas pernas. No desespero, minha avó falou que se fosse para tirar as penas e braços da minha mãe, era para tirar dela e colocar na minha mãe.

Depois de pensar um pouco, os médicos falaram que iam tentar reconstruir os ossos, mas que não ia ficar 100%, já que tinha triturado tudo e que era um milagre ela estar viva depois de tudo isso.

Minha mãe ficou mais de 1 ano no hospital internado, recebendo medicamentos superforte. E mesmo assim ela continuou lutando.

As mãos dela não se mexem normalmente igual a de todos, ela não consegue mexer o pulso para trás. Uma das pernas dela é mais curta que a outra, o braço também. Ela tem cicatrizes em várias partes do corpo, pois foi onde ficaram os pinos, que puxavam os músculos e os ossos para ficarem no lugar.

Tem algumas fotos aqui em casa que quando eu vejo, imagino um robô, cheio de metal, um monte de coisa pendurado. Mas é a minha mãe tentando sobreviver.

Ela perdeu grande parte da memória da infância dela nesse acidente. Mas pelo menos ela sabia quem era a família dela, e quem era ela. Coisa que os médicos tinham falado que havia uma grande chance de ela ter perdido tudo, toda a memória dela, que ela ia precisar começar do zero.

Minha avó falou que mesmo depois que a minha mãe engravidou de mim, ela ainda precisava ir ao hospital para fazer as checagens se estava tudo em ordem com o corpo dela. Ela engravidou de mim aos 24 anos. E mesmo depois de 5 anos do acidente, ela ainda sofria com a imprudência da mulher.

Os médicos falaram para ela me abortar, já que ela estava tomando muitos remédios e que tinha um grande risco de eu nascer com algum problema, ou nem se quer eu ia nascer viva. Ela teimou com o médico e quis me ter. Minha mãe acha que é por isso que eu tenho o corpo frágil, tenho os dentes amarelos e mesmo com clareamento não ficam claros, por causa dos remédios que ela tomava e por causa do leite materno que não saia por causa dos remédios, então eu vivi de leite em pó para recém-nascidos e leite doado por outras mães. Minha mãe disse que ela chorava quando ia me amamentar e não saia leite, que eu sugava e sugava e não saia nada.

Eu tenho uma mancha no braço esquerdo que vai do cotovelo até as minhas costas, uma mancha branca que parece um monte de nuvens. Eu tenho isso porque o médico que não sabia que eu estava na barriga da minha mãe, resolveu tirar um raio x da perna da minha mãe e nisso me manchou. Ela fala que é para não me perder, e que talvez o desejo de comer requeijão tenha feito um pouco disso também. E ela fala que foi por pouco que não manchou o meu rosto.

Mas eu estou feliz por ela ter sobrevivido e ter me colocado no mundo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham entendido um pouco mais o meu passado.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Um pouco sobre a minha história" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.