O Retorno dos Antigos escrita por João Victor Costa


Capítulo 9
Mundo de Possibilidades




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Kurt estava estranhamente surpreso com a ideia de que tudo pudesse mudar em tão poucos minutos. Em segundos, poderia estar fazendo o jantar na cozinha do apartamento de sua irmã que aparentava não estar passando muito bem, o que justificava o fato de ela até ter tirando uma licença para não ir ao trabalho. No outro, estaria arrumando suas malas e observando tudo ser destruído pela magia do futuro. Eu outro momento, talvez,, estaria ouvindo a irmã falar ao telefone, no silêncio monótono de um elevador descendo até o estacionamento, para que os dois entrassem no carro e fugissem sem rumo.

Uma ligação poderia mudar bastante coisa.

Havia toda uma central com pessoas que trabalhavam escutando e observando toda a informação que passava pelos meios de comunicação, o que, de certa forma, obrigava os hospedeiros e os rebeldes a usarem outros recursos, se quisessem conversar com coisas sobre as quais não deveriam conversar.

Annie expôs as pernas para fora do cobertor, tocando o chão frio com os pés finos e descalços. Não parava de fazer breves caretas enquanto colocava a mão na testa, xingando-se a si mesma.

— O que você pensa que está fazendo? - perguntou Kurt, ao vê-la. - Olha só como você está!

— Precisamos arrumar nossas coisas. Apenas o essencial. Precisamos sair daqui. - disse Annie, pegando a chave do carro que estava em cima da escrivaninha e arremessando para o irmão, esforçando-se para ignorar as consequências físicas de sua constante dor de cabeça.

— O que? Do que você está falando? - perguntou Kurt, pegando a chave, meio desprevenido, e abrindo caminho para que ela passasse por ele. - Alguma coisa que você viu? Eles estão vindo para cá?

— Não. Ainda não, pelo menos. - Ela abriu o armário e se despiu das roupas que usava, as substituindo por uma calça jeans e uma outra camiseta. Kurt desviou o olhar, nunca muito confortável com a ideia de observar sua irmã mais velha trocando de roupa.

— Eu preciso fazer uma ligação. - disse Annie caminhando para a sala, onde encontrou seu celular jogado em cima do sofá. - Eles vão ouvir a conversar e rastrear ambos os telefones.

Kurt levantou as sobrancelhas e levantou os ombros em indignação.

— Confie em mim. - interrompeu Annie antes que o irmão falasse alguma coisa. Kurt sentiu o poder daqueles olhos castanhos, se imaginando que tipo de situação do futuro eles pudessem ter visto.

Kurt confiava na irmã e em seus poderes, mas isso não significava que ele não a questionava. Sabia que as escolhas que ela tomava sempre eram muito previamente pensadas, para se obter o melhor resultado favorável, por assim dizer, mas isso não o impedia de ficar na defensiva.

Mesmo assim, ele assentiu, saindo apressado do apartamento da irmã e seguindo para o seu, que ficava em frente ao dela. Os dois haviam resolvido morar próximos um do outro, mas não o suficiente para dividirem a mesma casa. Esse fato poderia ter ocasionado muitas situações nada agradáveis.

Annie encarou o celular em suas mãos por mais alguns momentos, concentrando-se mais uma vez para dar uma olhada no futuro. Sim, ela não estava errada da decisão que iria tomar. Da decisão que iria dar início a uma grande fase que mudaria tudo. Que entraria para a história.

Ela seguiu novamente para o seu quarto onde abriu uma gaveta de sua cômoda e fuçou uns papéis até encontrar uma tira amassada de folha de caderno, que continha um número de telefone.

Para que tudo desse certo, ela precisava fazer aquela ligação. Era arriscado por causa dos resultados que aquilo poderia ocasionar, mas ela iria conseguir escapar da Cavalaria sem nenhum problema, graças a seus poderes. O que ela estava tentando fazer era impedir que sua visão do futuro se tornasse realidade. Impedir que a garota com o poder da escrita fizesse alguma estupidez. Uma estupidez compreensível até, para salvar seu amigo e a família dele…

Mesmo assim… Tão estúpido quanto compreensível.

O número em suas mãos era de Minerva. O melhor contato que todos os rebeldes tinham. Annie teria de avisá-la. Pensara em se comunicar com ela mandando uma mensagem através do dízimo da dor ou do tempo de vida, mas essa ideia não iria ocasionar nenhuma situação positiva, pelo que vislumbrara.

Ah, teria sido tão simples…

Annie pegou a mochila e juntou o máximo de roupas que pôde, aproveitando que estas já estavam dobradas em seu guarda-roupa. Iria sentir saudades daquilo, é claro, da vida que tinha e dos amigos e colegas que não veria nem tão cedo. Não enquanto as coisas continuassem do jeito que estavam. Porém, falando como uma hospedeira da terceira parte do tempo: O futuro, ela não tinha certeza de nada.

O futuro é complicado, afinal, mas compreensível, até.

Se ela ligasse para Minerva e explicasse tudo o que vira e o que a mulher teria de fazer para que o futuro ruim não se tornasse realidade, considerando que havia um robô que reconhecia as conversas e as classificava de acorda com o nível de suspeita e que haveria uma equipe ouvindo claramente essas conversas, o telefone tanto de Annie quanto de Minerva seriam rastreados e se tornariam localizadores. A central comunicaria as autoridades mais próximas em cada um desses lugares sobre a localização dos suspeitos e então começaria a perseguição.

Seria divertido.

Annie caminhou até um quadro pendurado na parede com a imagem de letras, que fora um presente que ganhara de um de seus professores da faculdade de jornalismo. Uma das poucas pessoas na qual ela poderia ter confiado. Isso, é claro, antes dele ter morrido de infarto. Lembrou-se de quanto sentia saudades. Saudades até mesmo de escrever, coisa que já não fazia há dias, quando sua dor de cabeça lhe atacara.

O quadro não era mais apenas um mero enfeite há tempos. Ela o pegou e o tirou da parede, revelando em suas costas um pequeno compartimento na qual era guardado um pequeno pacote pardo, onde retirou um pendrive.

Segurou aquele objeto, olhando-o atentamente de perto o suficiente para seus olhos ficarem brevemente vesgos. Outro presente de um outro velho amigo. Este estava vivo, pelo menos, embora Annie não fizesse ideia de onde ele pudesse estar. Queria poder reencontrá-lo novamente e já pensou em criar um futuro de possibilidade na qual os dois matassem a saudade um do outro, mas nunca o fizera.

Não havia chance disso acontecer.

A magia futuro de possibilidades, como ela mesma a chamava, consistia em vislumbrar o futuro e como este seria caso ela estivesse tomado decisões específicas. Era como se criasse temporariamente um outro mundo na esfera do tempo, e pudesse vislumbrar tudo o que suas possíveis atitudes poderiam ocasionar.

Ela havia usado a magia para decidir o que fazer. Na possibilidade de enviar uma carta pelo usando as moedas que representavam seu tempo de vida, por algum motivo aleatório, no futuro, ela não seria entregue da forma que esperava e não teria adiantado em nada.

Já na possibilidade de fazer uma ligação, as coisas poderiam mudar completamente.

Annie abriu o notebook jogado em cima da cama e plugou o pendrive em uma das entradas. Na tela, uma aba se abriu automaticamente com apenas dois botões disponíveis. Nada mais. Nem sequer uma descrição do que se tratava, embora aquilo não fosse necessário. Annie sabia exatamente para que servia.

Aquilo havia sido criado e concedido a ela pelo hospedeiro da Sabedoria. Por ser considerada a pessoa mais apta a decidir o melhor momento de ativá-lo, Annie o recebera não como um presente, mas como um fardo a carregar, já que era a hospedeira do Futuro.

A hora da mudança havia chegado.

Quando ela apertasse “Sim”, todas as informações online desapareceriam da internet. Tudo sobre Annie e os outros hospedeiros. Quaisquer informações de contas, perfis, dados, imagens e qualquer outra coisa ligada a eles, seriam deletadas.

Aquilo iria determinar o fim de uma fase. Da primeira fase onde os hospedeiros e aqueles que os seguiam se escondiam do governo e das outras pessoas. Aquilo iria determinar o início de um novo período. Um período na qual finalmente se rebelariam.

Annie levantou o dedo e pressionou Enter.

Não havia nada que Chris e sua família pudessem fazer enquanto um homem forte os interrogava no interior de uma delegacia, onde guardas armados montavam guarda ao redor do portões, como se ele, sua mãe e o seu irmão fossem altamente letais.

Havia ido um de cada vez para a sala no final do corredor. O primeiro a ir foi Garret. Ele foi chamado por um dos guardas e escoltado pelo mesmo até a sala. Rose e Chris se abraçaram enquanto ouviam os gritos vindos da direção do interrogatório. Em intervalos irregulares, gritos poderiam ser ouvidos. Incansáveis gritos de dor separados por um silêncio cortante. Cada vez que ouviam o urro alto de seu filho, Rose encolhia ainda mais na cadeira. Chris ficou apenas escutando, vidrado em algum ponto imaginário, ficando cada vez mais tenso, já que sabia que ele era o próximo.

Um tempo depois que pareceu mais longa do que realmente fora, a porta no final do corredor se abriu e de lá saiu Garret mancando, enquanto o homem atrás dele o empurrava. Um de seus olhos estava roxo e um filete de sangue escorria pelo canto da boca.

— Você é o próximo, garoto. - disse o guarda que estava ao seu lado, vigiando ele e sua mãe. - Vamos, levante! - disse pegando Chris pelo braço e o empurrando pelo corredor.

Chris e Garret trocaram um olhar quando se encontraram. Chris imaginou ele emitindo os mesmos gritos do irmão.

— Esse aqui não tem jeito. Vamos ver se esse resolve falar alguma coisa. - disse o homem que acompanhava Garret.

— Está fudido, garoto. - comentou o outro, atrás dele.

Os guardas então trocaram seus suspeitos e o homem que antes estava com Garret o segurou pela parte de trás do pescoço e o empurrou para frente.

— Vamos andando!

Chris obedeceu, observando pequenos pingos vermelhos no chão enquanto caminhava, engolindo em seco. O homem atrás dele o empurrou mais uma vez, fazendo qualquer coisa que sua autoridade permitia para subjugá-lo.

As primeiras coisas que notou quando entrou na sala foi a cadeira. Uma simples cadeira de metal no centro, iluminada por uma única lâmpada com uma cobertura triangular que fazia com que a luz fosse apenas para aquele ponto, deixando todo o resto na escuridão.

O homem indicou para que ele se sentasse e assim o fez. De um lado, mesmo na escuridão e com a luz acima de si, ele notou um reflexo na parede, na qual deveria ser um vidro espelhado. Seus ombros se encolheram, imaginando os espectadores da tortura anterior, como se estivessem em uma sala de cinema, assistindo a um espetáculo.

E ele seria o próximo.

— Pelo que vimos, o seu nome é Chris. - disse o homem rodeando a cadeira. Chris notou no apoio de braço cintas para prendê-lo ali, mas o guarda não o fez, certamente achando que seria desnecessário. - Seu irmão não colaborou muito conosco, talvez porque realmente não sabia de nada. Talvez seja um bom mentiroso então, mas isso não importa por enquanto. Sei que você é um jovem inteligente e que vai cooperar conosco, não é mesmo?

Chris ficou em silêncio, sequer acompanhando o zig-zag do homem com o olhar. Queria que sua mochila estivesse, ali, junto com ele, mas certamente estaria guardada em algum lugar naquela mesma delegacia. Ele havia a levado quando o prendeu, mas desconfiando eles de que aquilo poderia servir como o abrigo de um espírito.

Mas, não havia como Alex o ajudar naquele momento. Era apenas ele e o homem que o interrogava.

— Soubemos através de uma denúncia informações bastante interessantes sobre vocês. Já temos conhecimento sobre a sua amiguinha, então esperamos que você coopere, para o bem dela e de sua família lá fora. - disse o homem se aproximando do rosto do garoto, a apenas um palmo de distância, sendo capaz de sentir o hálito de alguém que costumava beber depois do expediente. Chris permaneceu imóvel, com um extremo sentimento de repulsa. - Só precisamos de uma única palavrinha e prometemos que vamos deixar vocês em paz e a garota lá vai ter um ótimo lugar para ficar. Apenas nos diga qual o espírito patrono dela que vamos pensar em reduzir a pena de vocês três.

Mentira. Tudo um conjunto bosta de mentiras. Uma única palavrinha. Sim, era o que vocês mereciam. Uma pequena palavrinha cravada no peito, feita por Katy.

O homem estalou os lábios e andou impaciente.

— Sabe, encontramos uma coisa muito curiosa quando reviramos o apartamento de vocês. - ele caminhou até uma mesa escondida, que Chris mal notara, e o mostrou o volume de Histórias de Teceu, como se fosse um troféu. - Você deve saber muito bem a sentença para esse tipo de crime. - O homem ameaçou lhe dar um soco, mas sua mão fechada pausou a poucos centímetros de seu rosto. - Hm… Vou deixar essa parte para amanhã, quando todos vocês se reunirem na praça principal, para toda a população ver quem vocês são. Então, sua amiga irá vir direto para salvar vocês e, nesse momento, estaremos preparados para capturá-la. Teremos até mesmo uma ilustre visita para deixar as coisas mais interessantes.

— O que você quer dizer? - perguntou Chris.

— Ah, então você fala, não é mesmo? E você quer saber sobre quem vai estar aqui amanhã. Bom, nosso líder, é claro. Ele mesmo em pessoa vai ficar cara a cara com você. Parece que ele ficou bastante interessado por essa garota e quer participar disso pessoalmente. Sabe, você até poderia simplificar as coisas. Poderia apenas dizer… O espírito…

— Nunca. - Se atreveu a dizer. Odiava ser subjulgado por alguém que poderia fazê-lo, sem que nada lhe acontecesse. Mas que tudo, ele sentia raiva. Mas, ainda sim, tinha esperança. Esperança de que alguém abrisse aquela porta e o tirasse dali.

Mas, isso não aconteceu. Não iria acontecer, ele percebeu, quando se preparou para um soco na direção de sua barriga. E dessa vez, pelo brilho de seus olhos, ele não pretendia interromper seu golpe.

— Ah, Chris. Acho que essa foi uma reposta errada!

Minerva estava despida, em baixo do chuveiro enquanto a água quente escorria por sua pele negra, quando ouviu seu telefone tocar. Quem seria a uma hora daquelas?

Desconfiada, saiu do banho sem a preocupação de se secar. Os pés molhados formando pegadas úmidas no chão se seu apartamento enquanto andava para a sala, onde seu celular estava ligado no carregador.

O telefone tocou quatro vezes antes de ela atender. Primeiro, encarou a tela por alguns segundos, observando o número desconhecido, como se pudesse decifrar a pessoa do outro lado da linha através da simples sequência numérica.

— Alô.

— Não diga nossos nomes. Não nos conhecemos pessoalmente, mas eu sou a hospedeira do Futuro e vim lhe avisar que a segunda fase começou. Todas as informações dos rebeldes conhecidos foram deletadas dos meios online. Você precisa correr. - involuntariamente, Minerva franziu a testa. - Eles vão rastrear nossas ligações e logo virão atrás de você, mas antes precisa salvar a garota. Ela corre perigo. A Cavalaria tem conhecimento de sua existência. É hora de correr…

Levou alguns segundos para a mulher finalmente se dar conta do que acabara de acontecer. Uma ligação da hospedeira do futuro. O fim da primeira fase…

Estava começando naquele momento.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoas! Obrigado por lerem!

Esse capítulo representa o final da primeira fase até agora. São três fases ao total e a próxima será a fase da rebelião. Ou seja, poderão esperar bastante coisa eletrizante para os próximos capítulos.

Então, comentem aí o que acharam do capítulo e o que esperam de cada um dos personagens para a próxima fase.
~~
Desejo a vocês um ótimo fim de ano e que não se deparem com muitas uvas passas. Que ganhem panetone de chocolates em vez de frutas cristalizadas.



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