Era uma tarde quente, não havia uma nuvem sequer no céu, e as ruas do centro comercial não estavam muito cheias.

Utena estava parada na porta do cinema, mordendo a cutícula de seu polegar. Uma ferida estava quase se abrindo no canto de seu dedo, mas ela estava ansiosa demais para perceber.

Ela ouvia a voz de crianças e a pipoca estourando, e o cheiro de manteiga a deixou com um pouco de fome. Um monte de coisas passavam pela sua cabeça naquele instante, e ela não conseguia se focar em nada.

Pelo menos, ela estava satisfeita com a roupa que usava. Utena vestia uma regata listrada de branco e azul claro, shorts jeans pretos, e um par de sapatilhas vermelhas muito confortáveis.

Ela olhava para cada um que passava por aquela calçada, procurando por uma pessoa específica. Seu coração batia forte em seu peito, e suas mãos inquietas entravam e saíam dos bolsos de seus shorts.

E essa pessoa não demorou muito para aparecer.

Quando viu Himemiya, Utena ficou sem ar por alguns segundos.

Ela estava linda.

Anthy usava um vestido tomara que caia laranja, com florzinhas coloridas estampadas próximo à barra, e sandálias amarelas. Ela também tinha uma bolsinha branca à tiracolo, com um enorme chaveiro de macaquinho— que ela chamava de Chu-Chu— pendurado no zíper.

—Utena-san.—Anthy disse sorrindo, seus olhos semi-cerrados atrás das lentes redondas de seus óculos.— Desculpe a demora, você está aqui há muito tempo?

—Himemiya!—Ela sorriu também e a abraçou.—Não tem problema! Eu cheguei mais cedo.

—Mesmo assim me desculpe, eu perdi a noção do tempo.—Ela esticou o pescoço e olhou para dentro do cinema.—Vamos comprar os ingressos?

—Ah, sim.

Elas resolveram assistir a uma comédia romântica americana, que era o melhor filme que estava em cartaz no momento. Havia pouca gente na fila, então elas conseguiram comprar os ingressos logo.

Utena tentava agir naturalmente, falando sobre assuntos aleatórios, mas por dentro ela estava surtando.

Ela percebera que estava apaixonada por Anthy no mês anterior, e não conseguia parar de pensar sobre isso desde então.

Era estranho o fato de ela gostar de outra garota? Um pouco. Mas o que mais a assustava era a possibilidade de destruir a amizade que tinham.

Faltava cerca de dez minutos para o filme começar quando elas compraram os ingressos, tempo suficiente para comprar pipoca e refrigerante.

Elas chegaram no meio dos trailers. A fileira em que Anthy e Utena se sentaram estava vazia, e as poucas pessoas que se encontravam ali estavam em cadeiras distantes, deixando-as praticamente sozinhas no meio da sala.

Utena continuou a falar, enquanto Anthy a escutava atenciosamente. Todas as conversas que as duas tinham geralmente seguiam da mesma forma, Utena falando e Anthy ouvindo e fazendo alguns raros comentários.

A sala escureceu mais um pouco, indicando que o filme estava prestes a começar, e elas se calaram.

O filme parecia ser igual a muitos outros que Utena já assistira. Uma jovem mulher que vive em busca de um grande amor, até conhecer algum cara diferente e se apaixonar por ele.

Tão clichê, tão entediante.

Por muito tempo, Utena desejou que sua vida seguisse como o roteiro de uma comédia romântica. Até que ela percebeu que nenhuma pessoa é como um personagem desse tipo de filme.

Nem ela mesma.

Utena não estava prestando muita atenção na história. Ela estava distraída, pensando em várias coisas ao mesmo tempo, até perceber que o saco de pipoca que tinha nas mãos estava vazio. E o filme mal havia começado.

Ela o amassou, e colocou entre os pés, para se lembrar de jogar no lixo quando o filme acabasse.

Anthy permanecia quieta ao seu lado, suas mão apoiadas nas pernas e seus olhos fixos na tela. Sua postura estava tão correta que ela parecia posar para uma foto. Utena até endireitou as próprias costas inconscientemente.

Olhar para Anthy fez o seu estômago se encher de borboletas. E agora, Utena estava morrendo de vontade de beijá-la.

Elas estavam praticamente sozinhas ali, ninguém veria.

Mas qual seria a reação de Anthy? Se Utena perguntasse antes, ela rejeitaria? Provavelmente sim.

Pensar nisso fez ela sentir um peso enorme no peito. O normal seria ela pensar coisas assim sobre meninos, e não sobre sua amiga.

—Utena-san, está tudo bem?

Ela se assustou ao sentir a mão de Anthy sobre a sua.

—S-sim, eu estou bem.

Mas a mão dela continuava ali, envolvendo a sua, sobre o braço da cadeira. O coração de Utena estava tão acelerado que não seria estranho de Himemiya ouvisse as batidas.

E a surpresa foi ainda maior quando ela sentiu os dedos de Anthy se encaixando entre os seus e o calor da palma dela contra a sua.

A mão de Himemiya era tão macia, e seus dedos eram finos e longos. Utena não conseguia pensar direito. Por que ela estava segurando sua mão daquele jeito?!

(Será que ela percebeu que sua mão estava suada?)

Ela olhou para o lado discretamente, e percebeu que Anthy a fitava, seus olhos verdes quase escondidos pelo reflexo dos óculos.

Às vezes, Utena tinha a impressão de que ninguém realmente conhecia Himemiya. Eram pequenos olhares, gestos, falas e ações, quase imperceptíveis, que faziam ela se perguntar se Anthy tinha um lado que nem todo mundo conhecia.

Utena sentiu um arrepio. Aquele olhar tinha certa malícia, não combinava com o ar inocente que Anthy tinha normalmente.

Anthy encostou a cabeça em seu ombro, e Utena jurou que seu coração ia sair pela boca.

Himemiya tinha noção do que todo aquele contato fazia com ela?

O filme ainda passava na tela—não devia estar nem na metade—, mas Utena não fazia ideia do que estava acontecendo. Ela só sabia que a cabeça de Himemiya estava deitada em seu ombro, e que seus dedos estavam entrelaçados nos dela.

—Está tudo bem, Utena-san?— Anthy repetiu a pergunta.

—Sim.

Ela sentiu o peso que havia sobre seu ombro desaparecer, e olhou para o lado, percebendo que o rosto de Anthy estava a centímetros do seu.

E, quando ela se deu conta, elas estavam se beijando.

Era a primeira vez que Utena beijava outra menina. Os lábios de Anthy eram macios, e tinham gosto de manteiga.

O primeiro beijo não durou mais do que três minutos.

Anthy se afastou e a olhou nos olhos, como se quisesse ver a sua reação. Utena apertou os dedos dela entre os seus, e a beijou novamente.

A sensação era tão boa, ela podia sentir seu corpo inteiro formigar. Sua mão foi parar na nuca de Anthy, e ela inclinou o rosto para o lado, separando os lábios e aprofundando o beijo.

Himemiya a beijava com vontade, seus dedos se emaranhando nos cabelos cor de rosa. Utena quase não conseguia acompanhá-la, dava até um pouco de vergonha.

O ar estava quente, e ela não conseguia pensar em nada. Anthy estava a beijando, e isso era a única coisa que importava.

Elas só se separaram quando as luzes acenderam.

Os créditos passavam na tela e as pessoas começaram a se levantar. Utena continuou sentada, seu coração batendo forte. Agora que as luzes estavam acesas, ela se sentia um pouco envergonhada.

—Vamos?— Anthy perguntou.

Utena se levantou e pegou o saco de pipoca amassado que estava no chão.

Himemiya mantinha sua expressão neutra de sempre, não havia nenhum sinal de embaraço em seu rosto. Era como se nada houvesse acontecido.

Elas saíram da sala sem dizer uma palavra sequer. Utena não conseguia pensar em nenhum assunto que pudesse iniciar uma conversa.

Para a surpresa das duas, Akio, o irmão mais velho de Anthy, estava sentado em um banco próximo à porta do cinema.

—Ah, que coincidência.— Ele disse com um sorriso.

Akio parecia ser um perfeito cavalheiro. Ele era bonito e educado, e sabia falar as coisas certas nas horas certas.

Utena tinha vergonha de pensar que já fora apaixonada por ele. Ela sabia que, por trás dessa fachada perfeita, ele não passava de um manipulador.

—Onii-san, o que está fazendo aqui?— Anthy perguntou sorrindo também.

—Kanae me pediu para comprar umas coisas.— Ele ergueu as três sacolas que tinha na mão.

Utena sentiu vontade de revirar os olhos.

Kanae era a noiva de Akio. A noiva que ele traíra diversas vezes nos últimos meses.

—Gostaram do filme?— Ele perguntou, colocando-se de pé.

—Sim.—Sua irmã respondeu, olhando para Utena com aquele mesmo olhar que lhe causou arrepios.

—Bem, podemos ir embora, Anthy?— Akio colocou uma mão no ombro dela.— Kanae está me esperando em casa.

—Claro, Onii-san.

—Quer uma carona, Utena-san?

—Ah, não, minha tia vem me buscar.

—Tem certeza?— Ele insistiu, e Utena balançou a cabeça—Ok, até mais.

Akio se despediu e pegou as sacolas que deixara em cima do banco.

—Tchau, Utena-san.— Anthy a abraçou.—Vamos ao cinema mais vezes.

—Sim, é claro.

Ela ficou ali, observando os irmãos se afastarem, sentindo suas orelhas queimarem.

É claro que ela iria ao cinema com Anthy mais vezes.