Eclipse escrita por Shadow


Capítulo 2
Caídos e redimidos




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Caídos e redimidos

A tinta descascava em alguns cantos pela parede, o silêncio assolava a casa, era quase como um tumulo, tudo vazio e escuro, e em um leve momento de pânico, a garota poderia jurar que havia visto um par de olhos brilhantes como a Lua no meio do escuro.

Os passos foram rápidos e soturnos até o interruptor a alguns metros da porta, a parede tinha um tom de branco sujo pela poeira, o piso possuía uma fina camada de sujeira assolando-o, deixando os passos marcados no chão andara até a janela, abrindo a cortina e exibindo uma bela paisagem de um pequeno parque do outro lado da rua, as lamparinas iluminavam leves pontos da rua, em um medo sem motivo não conseguiu encarar aqueles pontos escuros por muito tempo, afastando-se da janela; a sala ainda estava vazia, e os móveis chegariam apenas no próximo dia, estar sozinha lhe causava uma estranha paranoia, como se em cada canto não-iluminado pudesse saltar um monstro e parti-la em milhares de pedaços, e justamente por causa disso decidiu trancar todas as portas e dormir com a luz acesa naquela noite.

Era um lugar muito bonito, adornado em dourado e prata, a garota poderia jurar que era a pura fusão entre o dourado do Sol e o prata da Lua, era um teto abobado, dividido em duas partes, uma representando o dia, com um céu azul, com algumas nuvens aqui e ali, e um sol que, poderiam jurar, girava em todo seu esplendor, a noite era silenciosa, como o sorriso de Monalisa, silencioso e gracioso, as estrelas brilhavam, mas nada poderia se comparar a lua, era como um grande diamante adornando o salão, se esticasse os braços, jurava que poderia tocar...

–Bonito, não acha? – a voz eclodiu, calma e serena, vinda de um canto pouco iluminado saíra uma mulher, usando um vestido feito do que pareciam estrelas, mas todo o brilho delas não poderia se comparar com o brilho da mulher que as usava, os longos cabelos encostavam levemente no chão, um preto negro como o céu da noite, o rosto era quase indescritível, de um branco ofuscante, os olhos eram de um azul profundo, e possuíam um brilho tão ofuscante quanto a cor da pele, mas de um jeito estranho, quase obscuro, como se aqueles olhos já tivessem visto tantas coisas boas, mas acobertado tantas outras horríveis.

–Sim... quem... – antes que pudesse terminar a pergunta, percebera que a mulher não falava com ela, mas sim com um homem, do outro lado do salão, tão bonito quanto o dia, o homem tinha o peito nu, e usava uma calça branca como as nuvens, tinha um cabelo claro, tão loiro e brilhante que poderia até cegar, a pele era morena e escura, mas brilhante como o sol, os olhos brilhavam com um calor acolhedor, de um tom de caramelo, mas possuíam uma tristeza, como se já houvessem observado muitas vitórias vindas de mortes desnecessárias.

–Sem dúvida, vossa majestade. – a mulher sorrira de um jeito amoroso, como se já fossem casados há anos, esticara a mão para o homem, e este fizera o mesmo, mas não se tocavam, os olhos de ambos ardiam em dor, como se ansiassem por aquele toque, mas jamais pudessem senti-lo, e nesse momento, foi como se empurrassem a cabeça dela para cima, e ela pode observar o topo do salão, do qual saia uma clara luz do centro, e ela, em um pensamento insano, imaginara, seriam estes Sol e Lua sofrendo do amor impossível que contam as histórias mais antigas?

– Ei?! Quem são vocês? – Perguntara diversas vezes, em vão, até perceber que o que estava vendo era como um filme, ela poderia velos e escuta-los, mas era completamente invisível, ela observou quando eles levantaram as faces para o teto, em uma reação de completo espanto. No centro do teto, onde ela vira a pequena luz brilhante estava agora a pintura da Lua, como se o desenho realmente tivesse se movido para o centro, e completamente abismada a garota observou o desenho do sol se mover para o centro, em um Eclipse Lunar, e nesse momento ela abaixou o rosto, e viu a mulher e o homem se olharem, dando passos incertos para frente até ficarem quase se tocando, os olhos brilhando, e suavemente juntaram as mãos, e esse toque foi como uma faísca que acendeu um fogo dentro deles, os olhos antes calmos e serenos agora brilhavam em puro amor, então eles se beijaram, e quando isso ocorreu, uma luz eclodiu do corpo de ambos, uma luz tão brilhante que forçou ela a fechar os olhos, e nesse momento, ela acordou.

Quando abriu os olhos novamente podia sentir o suor colando-a no lençol, o coração batia rápido, as mãos tremiam, com as pernas bambas ela se levantou da cama improvisada e se segurando na parede andou, quase engatinhou, até o interruptor, e assim que o acendeu, pode ouvir um barulho leve, como o farfalhar de asas de um pássaro, olhou em volta, o coração “quase saindo pela boca”, mas tudo de anormal que vira fora a janela, levemente aberta.

Era quase seis da manhã, o sol começara a tomar o lugar da lua no céu, o vento entrava silenciosamente pela janela aberta, a jovem, enrolada no cobertor e encostada na parede, se sentia quase como sua professora de ciências, paranoica e maluca.

Como pudera permitir se distrair? Ele queria o perdão de Deus ou não? Afinal, é para isto que estava ali, tinha de se concentrar nela, e em cada movimento, não poderia se distrair com nada, não poderia fazer barulho, tinha de ser silencioso como a noite, poderia ser até engraçado dizer isto, afinal, estava vigiando a filha dela.

O relógio marcava 6:54 quando ela se levantou, se vestiu com pressa, sem se importar em conferir a aparência andou até a rua, a cabeça girando em pensamentos disformes, a Outra confundindo-a, “Porque não acabar logo com isso? Sabe que no final não vai ter escolha”, “Eu juro, não vai doer nada”, batendo a porta com força atrás de si começara a correr, como se pudesse fugir da própria mente, o anjo abrira as asas, branca e negra, e a seguira, voando pelos céus, o vento batia nas asas, os olhos semicerrados, o corpo seminu quase congelando no frio da manhã, um espião secreto de Deus.

Começou a descer rapidamente até o chão, escondendo as asas do resto da população, e como um mero jovem continuou a caminhada atrás de sua vigiada.

A garota andou quase correndo, era início de inverno, o ar frio formava uma leve fumaça branca com a sua respiração, os passos batiam em poças d’água, as nuvens escondiam o brilho do sol e dava a tudo uma aparência doente, os cabelos negros chicoteavam com o vento, os olhos, opacos, olhavam para todos os lados, em um instante era como se todas as pessoas desaparecem, como se estivesse congelada no tempo, o barulho do trânsito cessara, olhou em volta, com o coração batendo forte, a rua estava completamente vazia, ao menos até onde os olhos poderiam alcançar, o vento soprava forte, e tão rápido quanto saíra ao normal, tudo voltou, as pessoas apareceram, sorrindo e conversando, ela voltou a andar, tão rápido quanto podia, as pessoas na rua olhavam para ela, correndo alucinada pela rua, sem parar, ela não podia parar, “Eu vou acabar com você”, ecoara em sua mente, como uma frase soprada no ouvido, não podia descansar, tinha de correr e fugir, fugir deste mundo, fugir desta realidade mórbida em que vivia, “Por que você não desiste? É mais fácil e indolor”, não é real. Não é real, é apenas minha cabeça, repetia, “Estão apenas adiando, eles sabem que você não vai conseguir, eu vou dominar você e o mundo”, a voz ecoava por todo seu corpo, fazia anos que não escutava a voz dela, até chegara a pensar que estava curada, lembrava-se como se fosse ontem, a garota “imaginária”, a Outra, que a perseguia para todos os lados, como uma sombra, sussurrando coisas horríveis em seus ouvidos, a mandando fazer barbaridades grotescas com qualquer um que conhecesse, que por anos ficara em silêncio, sem incomodar, por que justo agora?

A chuva veio do nada, forte, partindo como granizos, o vento a acompanhou, fazendo árvores balançarem com violência, o céu antes opaco agora estava negro, escuro como o inferno, a jovem caíra ao chão, sem forças para poder lutar contra, não agora, não logo após perder tudo e todos que tinha.

Por que não deixa de ser fraca e começa a lutar?

Uma pequena frase, sussurrada ao pé do ouvido, girando ao redor dela, girando ao redor de seu próprio caos, a dor que apertava seu peito sumiu, como em um estalar de dedos, era algo angelical, caída ao chão, sendo chicoteada pelo vento e cortada pela chuva, ela se sentiu em paz pela primeira vez naquela semana, era mágico, uma paz divina tomando conta de seu corpo, nem a Outer teve coragem para acabar com esse momento, era como um desejo reprimido no peito, sem poder fugir, a única palavra a poder ser dita, Obrigada.

–Nunca mais deixe isso acontecer. – A voz forte e graciosa chegou aos seus ouvidos, acordando-a de um sono profundo, sentando-se em um pulo olhou para o homem sentado ao pé da cama, a expressão impassível, encarando-a com olhos bicolores, duros como pedra, sem dizer nada levantou-se e antes de sair pela porta soprou uma frase para ser carregada até os ouvidos da garota. – Por que não deixa de ser fraca e começa a lutar?

A voz chegou como um abraço apertado e quente em um dia frio de inverno, o som da porta se fechando fora apenas um disfarce, o anjo não sairia dali tão cedo, desde que chegara não conseguira parar de contemplar a garota, não era perfeita, era apenas linda a sua própria maneira, a garota sem nome, como lhe chamavam no colégio, perdida em meio a pessoas que não lhe entendiam, com uma mente tão brilhante, cheia de ideias, bem, é o que se espera da filha do Sol e da Lua, não é? Ela não é assim tão especial, é apenas um reflexo do que seus pais querem que ela seja, é apenas uma semideusa perdida, é apenas a única que pode impedir o fim do mundo.

Há milhares de anos, quando Lúcifer se rebelou contra Deus, levara milhões de anjos consigo, anjos caídos, e Deus concedera a chance de conquistarem seu perdão a muitos poucos anjos arrependidos, o que deixou os outros anjos com raiva, alguns em especial, com muita raiva, raiva suficiente para saírem caçando os chamados Redimidos (anjos que tiveram a chance de conquistar o perdão de Deus), e bem, não importava mais quem eles já foram, estavam dominados pelo pecado, agora só lhes restava uma alternativa: matar para preencher o vazio que um dia já fora Luz.

Um destes anjos, aquele que levara o nome de um dos preferidos de Deus, Castiel, não teve a chance de poder se redimir, e agora caçava os redimidos como se fossem meros inimigos e não seus irmãos, eles agora eram apenas mais nomes na sua lista de morte

A ira é um dos pecados mais perigosos, a ira consome, a ira engana, o vazio no peito que todos pensam que ela preenche, bem, ela apenas o aumenta, e quando não sobrar nada, irão ver o quão destruídos ficaram.


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