A morte, a morte provavelmente seria uma libertação. Uma libertação para toda a dor que eu sinto, ela seria tão bem vinda quanto um grande copo de limonada em uma tarde quente de verão.
Eu acho, não, eu tenho certeza que eu já fui marcado, pois neste exato momento há um Ceifador ao meu lado, sua capa, negra como o breu, encobrindo o rosto esquelético. Ele sussurra em meu ouvido “Vamos lá, acabe com isso. Ninguém realmente ira notar, uma despesa a menos para as pessoas que lhe criam” e eu o estou ouvindo, eu o estou dando razão “Do outro lado vai ser melhor, venha comigo” e eu, novamente, o estou dando razão.
“Você será meu amigo?” Sussurro para o nada, no canto escuro de meu quarto. Uma leve brisa toca meu ouvido quando a voz gélida responde em minha cabeça.
“Como sempre fui” e eu acredito, e como acredito “Como vai ser? Sua velha e boa lâmina, ou a alta sacada?”
“Minha lâmina me proporcionara alívio pela última vez, mas a sacada me libertara” respondi, parei de falar com o nada e olhei para o meu lado, um contorno, uma sombra se destacava na escuridão existente em meu quarto. Os remédios, provavelmente, isso é coisa dos inúmeros remédios que tomei a menos de uma hora.
“Aqui, tome. Quanto mais rápido melhor” uma lâmina afiada deslizou para perto de mim, eu sorri. Não um sorriso de alegria ou um dos sorrisos que passava o dia distribuindo por ai, mas sim um daqueles sorrisos genuínos, que você conseguira dar uma vez em toda a sua vida, se tiver sorte. Não é um sorriso alegre, mas ainda assim é verdadeiro. Não sei de onde surgiu.
Talvez da boa sensação de finalmente poder encontrar minha tão sonhada libertação ou talvez eu esteja enlouquecendo como todos dizem que estou. Talvez não aja explicação, talvez eu só esteja tendo a oportunidade de sorrir de verdade pela primeira e última vez.
Peguei a lâmina em minha mão, sentindo seu leve peso. Não havia incertezas em meus atos. Subi a manga de minha blusa, uma bonita blusa do Beatles, vou sentir saudades de usa-la, não por eu gostar da banda ou coisa parecida, mas simplesmente por ela ser boa em esconder meu braço cheio de cicatrizes, esconder meu braço mutilado.
Pesei novamente a lâmina, ela quase não tem peso algum fisicamente. Mas emocionalmente pesa uma tonelada. Observei minhas cicatrizes do braço esquerdo uma última vez. Passei a lâmina afiada bem fundo, por sobre linhas grossas e brancas. Observei enquanto o sangue ia saindo pelo ferimento, o alívio que eu sempre sentia não veio, porém. Eu sabia o motivo, todo o meu corpo livre de tensão, o sorriso ainda em meus lábios, eu finalmente estava pronta, pronta para a morte. Meu Ceifador podia enfim levar minha alma, seriamos bons amigos lá, no inferno.
Passei outra vez e outra vez e outra vez e mais um vez. O chão estava coberto por um liquido escarlate, muito abundante para ser penas meu sangue, olhei para o meu lado e meu Ceifador chorava, pensei que criaturas assim não possuíam sentimentos. Sorrindo eu lhe disse para não se preocupar, que eu estava bem, que isso era o mais próximo da felicidade que eu chegara em toda a minha vida. Ele assentiu e também sorriu, sua face esquelética esticando-se medonhamente era a coisa mais bela que eu já vira.
Me levantei com o braço ainda pingando sangue dos machucados que eu fizera em mim mesma, abri minha cortina e depois a porta que levava a minha sacada. A minha liberdade. Podia escutar o caminha arrastado de meu Ceifador atrás de mim. Cheguei a grade e me pus do outro lado, meu braço formigou um pouco pelo grande esforço, mas não doeu, não doía mais. Meu Ceifador fez a mesma coisa.
“Juntos?” perguntei lhe estendendo o braço ensanguentado.
“Juntos” a voz gélida, que não era mais tão gélida assim, me responde. Pegando minha mão.
Contei até três mentalmente, sei que meu Ceifador também o fez por que quando pulamos, nos pulamos juntos.
O sorriso ainda em meu rosto e seus olhos ainda derramando sangue.