Eu já estava ficando louca de raiva com do Ramonn. Caramba! Que moleque sem noção. O cara me ignora, me trata como se eu fosse nada, me deixa sozinha e depois me chama pra sair. Qual é o problema dele?

Eu até entendo que ele se sentiu sozinho quando me ocupei do desfile,mas eu não dei 100% de atenção à ele como sempre porque tinha outras obrigações.

Mas parecia que Ramonn não conseguia entender isso. Eu não sabia que ele era tão infantil.

Ele mudou completamente, não confiava mais em mim, me deixava sozinha. Me pergunto onde está o cara que prometeu nunca me decepcionar.

Eu conhecia o Ramonn desde que eu era pequenininha, e ele sempre cuidou de mim, até comia meus legumes.

A história dos legumes foi uma história muito engraçada. Na terceira série, a diretora decidiu que todos os alunos deveriam ter pelo menos duas refeições saudáveis por dia, porque muitas crianças estavam com anemia. Então os nossos pais tinham que mandar lanches saudáveis contendo legumes ou frutas. Como minha mãe era muito legal comigo, ela revezava entre mandar frutas e legumes, o problema foi que meu pai comprou um monte de brócolis, e eu não conseguia gostar daquilo. Às terças e quintas eu tinha que lanchar brócolis cozidos com batatas e cenouras cozidas, nos outros dias só frutas.

O brócolis não descia de jeito nenhum, mas o Ramonn me disse que gostava e sempre comia os meus, e em troca me dava sua beterraba crua com repolho, que era melhor que o brócolis, por sinal.

A diretora ainda não satisfeita com nosso tormento, pediu um acréscimo de 5 reais na matricula para que todos os dias ela nos oferecesse caldinho de feijão, mas por sorte não era ruim.

Perdi as contas de quantas vezes Ramonn comeu meus brócolis e tomou meu suco de beterraba, perdi as contas de quantas vezes salvei a pele dele comendo repolho,pepino e melancia.

Uma pessoa tem que gostar muito de você pra comer todo o brócolis com gosto de meia suja que sua mãe faz, certo? Sim. Por isso me apaixonei por ele.

Deve ter começado com uma admiração intensa, porque ele era legal, engraçado e sempre me protegia. Mas depois as coisas começaram a mudar, meu coração batia forte por ele. E de repente BUM! Ramonn saiu da minha vida como o sol some em dia de chuva.

A noticia de que eu teria que ir pra uma escola publica me atingiu como um soco no meio da cara. Eu teria que deixar tudo para trás, inclusive meu amigo Ramonn.

Mas tentei não ficar triste com isso, não queria que meus pais se sentissem mal, não era culpa deles a falta de dinheiro.

Fui para a escola publica, fiz novas amizades e fui esquecendo Ramonn. Dois anos depois eu já tinha aceitado que nunca mais o veria. Três anos depois eu já nem me lembrava dele, e quatro anos depois foi como se ele nunca tivesse existido.

Quando terminei o nono ano do fundamental, recebi a noticia de que a melhor escola da cidade abriu um programa de bolsas, e existia uma bolsa completamente free.

Contei aos meus pais e eles fizeram questão de tentar conseguir uma bolsa para mim.

Quando fomos para a entrevista, tive que fazer um teste avaliativo psicológico, e um sobre assuntos do ano letivo anterior. Tive que conversar com uma psicóloga, ela me explicou que eu nunca poderia faltar às aulas sem um atestado médico, que eu nunca poderia ser chamada à direção, que eu nunca deveria receber reclamação ou advertência dos professores, minhas medias deveriam ser a partir de 8.5, e se quaisquer dessas regras fossem quebradas eu corria o sério risco de perder a minha bolsa.

Prometi à psicóloga que eu nunca causaria problemas e que minhas notas seriam as melhores.

– É bom que você dê muito valor à sua bolsa, Annelise. Pois muitas pessoas dariam muita coisa pela sua vaga, apenas 10 pessoas conseguiram esse privilégio. –ela disse.

– Eu soube, muito obrigada por ter me dado a vaga. – eu disse.

– Você está qualificada, e merece essa oportunidade.

Ela me entregou o uniforme, os livros e meu horário. Já estava tudo certo.

***

Minhas melhores amigas, Thays e Hallyna, também conseguiram bolsas de estudo, e descobrimos que ficamos na mesma turma, foi uma maravilha. No nosso primeiro dia na escola, encontramos a sala bem cedo pra pegar lugares na frente, quando estávamos decidindo qual o melhor lugar alguém chamou meu nome, tomei um susto porque achei que Thays e Hallyna eram minhas únicas conhecidas, mas era voz de menino.

Quando me virei demorei para reconhecer, mas depois percebi que era o Ramonn.

Eu não conseguia acreditar que depois de tanto tempo ele apareceu. Fiquei muito feliz mas só mostrei 10% dessa felicidade, não sabia o que ele pensava de mim agora.

Ele parecia tão confuso ao me ver, também não soube o que pensar, minha única certeza era que o que eu senti por ele no passado voltou junto com ele.

Com o tempo se passando, ele continuou sendo meu amigo. Mas muitos meninos me chamavam pra sair e eu pensava se devia deixar meus sentimentos por Ramonn de lado.

Mas quando eu menos esperava ele me pediu em namoro. Lembro como hoje cada palavra que ele me disse:

Eu estou apaixonado por você, Liz. Estou apaixonado por você desde a quarta série, fiquei arrasado depois que você mudou de escola, minha vida não foi mais a mesma,foi difícil pra mim, mas agora estamos juntos de novo, e eu não posso mais esconder o que sinto. Eu sei que você já gosta de uma pessoa, se não for eu, eu vou entender, mas se um dia você me der uma chance eu prometo que não vou te decepcionar.

Eu acreditei em cada palavra e aceitei ficar com ele. Mas ele mentiu.

Ele me decepcionou e muito, e tudo por causa da porcaria do desfile, por causa da idiotice dele e por causa da vaca da Mayra Mello.

O que eu ia fazer? Eu era uma aspirante a cantora, tinha um empresário cheio de expectativas, uma família que me dava indiretas o tempo todo, e um namorado que não confiava e mim e agia como se tivesse 10 anos.

Passei tanto tempo pensando nisso quem nem notei que a professora de historia falou comigo.

– Então, Annelise? - disse ela.

– Desculpe, professora, qual foi a pergunta?

– Perguntei como se deu o processo de civilização no Egito antigo.

Suspirei. Por sorte eu tinha lido sobre isso em casa, porque eu não tinha ouvido uma única palavra da professora. Respondi tudo o que me lembrei e ela pareceu bem satisfeita.

Quando a aula acabou Ramonn nem se mexeu. Armando e Thays disseram que iam me esperar na porta, eu disse que não ia demorar porque Rick já estava me esperando.

Cutuquei o braço do Ramonn.

– A aula acabou, Ramonn. – eu disse pacientemente.

– Nem percebi.- ele disse com a voz arrastada. Mas logo começou a falar num tom mais alegre.

– Lizzie, você quer sair? Ir pro shopping, cinema, ou uma lanchonete? – ele perguntou.

– Agora? – perguntei descrente.

– Sim. – ele respondeu como se fosse uma oferta irrecusável.

– Agora não posso, Ramonn, eu já marquei de sair com o Rick, ele está vindo me buscar.

– Você não me disse nada. – ele protestou.

– Você não me deu oportunidade. – expliquei.

– Ok, desculpa. A gente se vê amanhã então. – ele disse meio triste.

Eu estava cansada dele, e louca pra sair dali, mas de repente ele me abraçou e beijou minha bochecha.

Automaticamente o abracei e o puxei para um beijo na boca.

– Lizzy,Lizzy! – Armando estava me chamando.

Eu esqueci completamente que ele e Hallyna estavam me esperando na porta.

– Tchau, Ramonn. – eu disse, saí da sala junto com Armando.

Meu corpo foi, mas meu coração ficou lá e entrou em tristeza profunda.

Armando cutucou minhas costelas.

– Não fica triste, Lizzie, depois tudo se resolve. – ele disse.

– Se concentre na sua reunião com o Rick. – acrescentou Thays.

– Está tudo bem, vai ficar tudo bem. – eu disse mais para mim mesma do que para eles.

Voltei minha mente para a reunião com Rick. Será que o Diego estaria lá?

A idéia de vê-lo me animou. E dessa vez não me repreendi por isso.