Insidious escrita por Bah


Capítulo 6
Lar


Notas iniciais do capítulo

Seus comentários são meu combustível. Que seja para opinar, criticar, vibrar...apenas não se silenciem, gosto de ler o que têm a me dizer, afinal, os são os leitores que fazem a estória.

Espero que gostem, fiz bem comprido pra compensar o tempo ausente hahah ♥



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Acordei no meio da noite com gritos guturais que eu conhecia bem. Oliver estava em pânico, gritava para que deixassem alguém em paz: "Machuque a mim, deixe ela em paz! Mas que droga, eu não vou dizer! Deixe ela em paz, porra!"

Levantei antes que meus olhos pudessem se acostumar com o breu e meu dedo do pé encontrou o criado mudo com toda a força. Ignorei a dor e subi as escadas tropeçando a cada degrau, gritando por Oliver, tentando dizer que estava tudo bem, que eu estava a caminho. Meu pé latejava, meus olhos ardiam e lágrimas desciam a cada passo.

Cheguei ofegante e me detive ao ver a senhora Hill em cima de Oliver, segurando um de seus pulsos enquanto aplicava algo em seu braço com a outra mão. Sua expressão era de ódio.

_Mas que droga! Será que nem pagando uma fortuna consigo ter empregados competentes?

Olhei para trás e vi Margareth de pijama, os fios grisalhos escapando da touca de dormir. Estava de cabeça baixa, segurando as mãos em frente ao corpo e dava um pulo a cada vez que a patroa excedia o tom de voz. Oliver se mexia lentamente e dizia algo inaudível em meio aos berros de Hill.

_Vão ficar aí paradas, sem dizer nada? E se eu não estivesse passando por aqui? Ele ia gritar a noite inteira!

A veia em sua testa estava aparente e os fios negros sacudiam para todos os lados conforme gritava.

_Sabem que horas são?

Ela finalmente saiu de cima do filho e veio em minha direção. Me encolhi diante de sua altura intimidadora.

_Eu su-subi assim que ouvi, e-eu nã-não...

_Ah, que maravilha! Agora tenho que esperar a criada acabar de gaguejar.

Ela segurou meu rosto, comprimindo minha bochecha, me fazendo sentir ainda mais idiota.

_Faça o seu trabalho. _ Disse pausadamente, como se eu fosse retardada.

Me soltou com violência, ajeitou a camisola de seda, depois os cabelos e saiu.

Quando me dei conta, já estava chorando. Um soluço escapou de minha garganta e, para minha surpresa, recebi um abraço maternal de Margareth, que dava tapinhas em minhas costas e fazia alguns "shhh" para que eu me acalmasse.

_Margareth, será que posso ficar um pouco a sós com ele? _ Perguntei com a voz falhada, assim que me julguei capaz.

Ela deu um sorriso preocupado e nos deixou.

Fui mancando até sua cama e me sentei ao seu lado. Engolia com dificuldade e algumas lágrimas rolavam embora seus olhos estivessem fechados. Enxuguei-as.

_Oliver?

Ele abriu os lábios duas vezes, mas nenhum som saiu. Estava com dores, imaginei.

_O que foi, Oliver? O que está sentindo? Fala comigo!

E então a frase veio em um sussurro.

_O que houve com o seu pé?

Não pude evitar de sorrir.

_Bom, meu pé é o de menos agora. Está com alguma dor?

_Chame o Dr. Velázquez, ele vai saber o que fazer se o dedo estiver quebrado.

_Oliver, podemos esquecer meu dedo e falar um pouco sobre você, por favor?

_Você prometeu não me chamar mais assim. _Disse com um sorriso cínico, ainda de olhos fechados.

_Tudo bem, de que quer ser chamado? Ollie? Olly? O...

_Não! Não precisa me chamar de nada, só...só esquece o Oliver.

_Eu devo perguntar o por quê?

_Por favor, não. Só deite aqui comigo.

Me deitei na cama, mas ele passou um braço por debaixo da minha nuca e me puxou para si. Deitei em seu ombro e repousei uma mão em seu peito. Eu adorava aquela proximidade, embora odiasse admitir.

_Bom, me fale da sua família. Eu estou tão chapado que provavelmente vou dormir no meio, mas preciso de uma distração.

_Falar da minha família? Isso pode demorar...

_Eu não me importo.

_Bom, moro com meus pais e dois irmãos: Lilith e Peter. Lilith tem seis anos e é a criança mais doce que eu já conheci. Não que eu tenha conhecido muitas, mas ela com certeza está em um nível elevado de doçura. _ Ele sorriu _ É tão loira quanto a mãe e tem olhos azuis incríveis, assim como os do... _ E então optei por não citar Adam _ como os do tio. É sensata, madura, linda e com certeza merecia uma família melhor do que a nossa.

_Ei! Não faça isso, não subestime a si mesma...tenho certeza de que você é a melhor irmã que alguém poderia ter.

_É muita gentileza sua dizer isso, mas só de estar aqui eu já provo o contrário. Não se sinta culpado, por favor, se estou aqui é porque quero.

Ele assentiu e começou a acariciar meus cabelos.

_Bom, e seus pais? Peter?

_Minha mãe se chama Ava e meu pai Anthony, e não tem muito o que dizer sobre eles. Peter é a minha vida. Tem os mesmos olhos de Lilith, os meus cabelos e ainda mais sardas do que eu, se é que isso é possível. Ele é autista, foi diagnosticado aos dois anos e a condição só piora. Ele precisa de tratamento, mas não posso...não podemos pagar.

_Você banca toda a sua família sozinha?

_Desde que meu pai ficou desempregado. Mas isso não conta tanto, o dinheiro que ele ganhava na fábrica não pagava nem nosso aluguel.

_Cici, de que tipo de tratamento seu irmão precisa?

_Psicólogos, fonoaudióloga e afins. Ele precisa desenvolver o lado cognitivo, e não é enfiado em uma casa com um pai alcoólatra, uma mãe com histórico de depressão e uma irmã ausente que isso vai acontecer.

_Vou te ajudar com isso, eu prometo.

_Ah, não, de jeito nenhum, eu não te contei nada disso para conseguir mais dinheiro. O que sua mãe me paga já é o suficiente.

_Talvez seja o suficiente para você, mas não para uma família inteira. Eu prometo, vou fazer isso pelo seu irmão. É o mínimo.

_Mínimo? Você não me deve nada.

_Eu te devo tudo, Alicia.

Ergui a cabeça e olhei em seus olhos, que aos poucos foram se fechando, seu corpo relaxando, se rendendo aos efeitos do remédio.

Me levantei e assim que pisei no chão senti que não poderia dar um passo. Meu dedo estava inchado, roxo, em uma posição quase anormal. Não queria acordá-lo, então abri a primeira gaveta do criado mudo. Tinha que haver algum remédio para dor em algum lugar por ali. Revirei os papéis da primeira, da segunda gaveta e nada. Ao abrir a terceira me deparei com alguns desenhos perfeitos só no grafite. Conferi se Oliver ainda dormia e sua respiração era profunda. Comecei a folhear e vi que um era mais lindo e original que o outro. Desenhos de rostos que eu não reconhecia, cheios de vida, expressão e melancolia. Alguns choravam, outros pareciam concentrados, mas nenhum sorria.

Um calafrio percorreu a minha espinha ao analisar os próximos. Era o meu rosto em mais de cem páginas diferentes. Eu dormindo, olhando pela janela, chorando e o pior: segurando Lilith. Em todos os desenhos haviam detalhes nítidos da minha casa, meus familiares, de momentos sozinha, de uma época em que eu não fazia ideia da existência de Oliver, bastou olhar a data embaixo de sua assinatura para que minhas dúvidas se cessassem. O que era aquilo tudo, afinal? Eu tinha medo. Olhei para o homem atrás de mim e não sabia se o conhecia mais, era um completo estranho. Deixei todas aquelas folhas pelo chão e decidi ir embora. Não havia nenhuma explicação lógica que me fizesse considerar normal um cara me observar durante meses, tirar completamente minha privacidade e fazer alguns desenhos idiotas.

Pisei no chão e gritei com a dor lancinante que subiu até meu tornozelo. Oliver se mexeu, então esperei que ele voltasse a dormir para continuar. Mesmo com o pé suspenso, a dor era muito forte para aguentar. Um grito saiu de minha garganta mesmo que meus dentes estivessem cerrados nos lábios.

_Alicia? Está tudo bem? _ Disse esfregando um dos olhos, visivelmente preocupado.

_Está, volte a dormir.

E então viu todos aqueles desenhos espalhados e me olhou com um misto de desespero e medo.

_Eu posso explicar, juro que posso explicar.

_Não, você não pode, Oliver.

Dei mais dois passos e me convenci de que não conseguiria fazer aquilo sozinha. Ele se levantou com a mão na cabeça e se aproximou de mim rápido demais, não conseguiria escapar nem com três pés funcionando.

_Se der mais um passo eu grito. _ Ameacei ridiculamente, apoiada na parede.

_Alicia, não faça isso, sou eu!

_Eu sei! Não sou eu quem preciso de ajuda para diferenciar realidade de fantasia aqui. Sei que é você e é exatamente por isso que estou com medo. Se afaste.

Por mais que eu pedisse, ele não parava de se aproximar lentamente, com as mãos espalmadas, como se eu fosse alguma louca prestes a atacá-lo. Até que alcancei um livro e atirei desajeitadamente em sua cabeça. Por estar grogue por conta dos remédios, não teve reflexo para desviar, mas ainda assim não se abalou. Em um passo largo ficou bem na minha frente, com um filete de sangue escorrendo de sua sobrancelha. Fechei os olhos e chorei. Ele poderia fazer qualquer coisa comigo antes que alguém chegasse.

_Por favor, me deixe em paz... _supliquei em voz baixa.

E então me levantou sem nenhuma dificuldade, me sentou na cama e ajoelhou a minha frente.

_Por favor, eu mal posso ver seu rosto, está tudo girando, eu só peço que me escute.

Neguei com a cabeça baixa, evitando olhar em seus olhos.

_Por favor, Cici, olhe pra mim.

_Nunca mais me chame assim, entendeu? _ Gritei_ Eu estou tão cansada, Oliver! Estou tão cansada das pessoas me enganando, fazendo promessas que não podem cumprir, me fazendo acreditar que...

_Eu nunca enganei você, Alicia.

_O que são todos esses desenhos, Oliver? Me diga! Você esteve me espionando, é isso? Esteve observando cada um dos meus passos? Quantas vezes viu meus peitos? Quantas vezes me viu tomando banho, me masturbando? Você desenhou isso também? Seu porco imundo! Me ouvindo falar da minha família, como se não soubesse até os detalhes dos vestidos da minha irmã.

Proferi debilmente alguns socos em seu peito. Ele nem se moveu. Sua expressão impassível nunca havia me irritado tanto. O sangue entrou em um dos seus olhos, tingindo-o de vermelho e ele parecia nem se importar.

_Eu te amo, Alicia. É por você que ainda estou vivo. É tudo por você, você é minha esperança, foi meu refúgio durante meses, eu...

_Você é louco.

Disse aquela frase olhando no fundo de seus olhos, enfatizando cada sílaba, com a intenção de feri-lo o máximo possível.

_Estou indo embora. Você me pediu para que eu o fizesse um milhão de vezes, agora eu vou e você não vai me impedir.

Para a minha surpresa, apesar dos olhos inexpressivos, seus lábios formaram uma linha reta e então deixou a cabeça pender em meu colo, dando início a um choro incessante.

Empurrei-o e chamei por Margareth. Assim que ela apareceu, pedi para que me ajudasse a chegar em meu quarto e fiz um sinal para que entendesse que eu explicaria depois. Passei meu braço por sobre seu ombro e olhei fixamente para Oliver enquanto mancava até a porta. Com a cabeça na cama, ainda chorando incontrolavelmente, também olhava fixamente para mim.

_Adeus, se cuide. _ Eu disse antes que a porta se fechasse atrás de mim.

...

_Pode me explicar o que aconteceu alí dentro?_ Perguntou Margareth assim que me ajudou a sentar na cama em meu quarto.

_Você sabia que ele me espionava, Margareth? Eu não estou aqui dentro por acaso, não é mesmo? E se ele tivesse um ataque enquanto meu irmão brincava no quintal? Tem noção do risco que isso implicou?

_Ele começou a ter alucinações há dois anos e alguns meses, querida, aqueles desenhos são de bem antes disso. Ele escapava durante a noite e nós o procurávamos como loucas! Aaron, o outro empregado, o viu em cima de uma árvore te observando com um binóculo um dia. Depois que os desenhos começaram a aparecer não tínhamos dúvidas de que era lá que ele passava as noites.

_Bom, o que só prova que sua loucura começou muito antes do que vocês pensam. Qual é, quem desenha mais de cem vezes a mesma pessoa?

_Alguém muito apaixonado.

_Bom, então por que ele não foi mais normal e me chamou para um café? Isso pode ser superficial, mas só de ver o rosto de Oliver, eu teria me entregado a ele.

_Você e o resto da cidade, Alicia, e ainda assim ele preferiu te olhar de longe. Olhe a bagunça que é a vida do garoto! Como acharia espaço para uma garota?

_Bom, não achou para uma garota, mas achou para festas badaladas e alta sociedade...

Ela pareceu desconfortável.

_Enfim, isso não importa agora. Não me sinto mais segura aqui. Oliver não é e nunca foi para mim. A quem eu estava tentando enganar?

Margareth suspirou e olhou para mim com ar de piedade misturado com outra coisa que não pude identificar.

_Bom, vou ligar para o doutor Velázquez antes que esse dedo caia.

E então passou a mão em meus cabelos com um sorriso amigável e saiu.

Eu precisaria de tempo para digerir tudo aquilo.

Olhei minha agenda, que se tornou em diário, e risquei minha indignação em relação a quem Oliver realmente era. Ele podia ser obcecado e agora o meu medo superava qualquer sentimento que eu pudesse ter, mas eu sabia que não era um cretino. Talvez só desfrutasse da vida despreocupada que um dia teve.

Rabisquei as palavras até que ficassem ilegíveis, a não ser a última frase: "Não sou capaz de amar Oliver Hill." Essa ficaria intacta, por enquanto.

Depois de três batidas rápidas na porta, pedi para que entrassem. Velázquez apareceu com sua maleta e franziu o cenho ao ver meu pé.

_Bom dia, moça. _ Disse sem tirar os olhos do meu dedão.

_Não tão bom, como pode ver...

_Parece que temos mais do que um dedo fraturado. Uma rachadura na lateral, talvez...

_E?

_E vamos ter que amputar.

_O QUÊ?!

_Se acalme, é só senso de humor médico.

_Eu não chamaria de senso de humor...enfim, só faça o que precisa ser feito, eu só quero ir embora.

Não sei ao certo porque essa frase o chocou tanto, mas as bandagens quase caíram de sua mão, enquanto seus olhos me fuzilavam com surpresa e, talvez, decepção.

_Ir embora? Mas quando? Por que?

_Por que eu cansei de tantos mistérios, joguinhos. Admito que preciso do dinheiro, mas não posso sacrificar minha saúde mental por isso.

_Vai deixá-lo? Como todas as outras?

_Ele espionava a bunda das outras com um binóculo também?

_Ah, vamos lá, ele não espionou sua bunda... nem sequer a desenhou sem roupa.

_QUE ÓTIMO! Parece que todos sabiam dessa palhaçada, menos eu. E bom, desde quando todos se importam tanto com Oliver assim? Desde quando todos se importam tanto comigo?

Ele terminou a imobilização e eu me levantei o mais rápido que pude.

_Foi bom conhecer vocês, tenham um bom dia.

Eu socava coisas aleatoriamente em minha mala e estava decidida a colocar somente um sobretudo por cima da camisola, calçar chinelos e ir.

_Não vai querer ir embora, Alicia. _ Disse o doutor segurando meu braço.

_Me solte! _ e em um movimento brusco, soltei meu braço_ Nem você, nem homem nenhum me dirá o que fazer. Não me interessa que você seja o braço direito da família, a cria da corja, ou que coma a senhora Hill por uns trocados, esse seu ar intimidador não vai me impedir de fazer o que quero.

E então um tapa pesado atingiu meu maxilar. Olhei atordoada para o rosto que há segundos era tão amistoso. O que havia de errado com aquela gente? Margareth estava encolhida em um canto, cobrindo a boca com as mãos, dirigindo a mim um olhar que dizia: "desculpe, não posso te ajudar."

_Tem muito mais de onde vem este, senhorita Mitchell. Agora você venha comigo e escute o que tenho a dizer.

Ele estendeu a mão para que eu me levantasse e, embora precisasse dela, optei por cuspir em sua palma. Depois de um sorriso diabólico, limpou-a na camisa e dessa vez a mão vinha fechada em minha direção. Fechei os olhos esperando o inevitável, mas ouvi um rugido e, ao abri-los, vi a figura encapuzada de Oliver se jogando em cima do sujeito enquanto Margareth gritava e buscava ajuda. Velázquez foi pego de surpresa, mas ainda assim lhe deu um soco. Tomado de ódio, Oliver o imobilizou no chão e proferiu vários murros naquele rosto magro. Eu podia ouvir os ossos estalando, até que seu corpo parou de se debater e suas mãos deixaram de resistir.

Eu tentava falar, me mover, mas não pude sair do lugar. Oliver se levantou, limpou o nariz sangrando na manga do casaco e perguntou ofegante:

_Você está bem?

Assenti com um meneio de cabeça, mas não consegui segurar a droga do choro. Assim que ele percebeu meu estado, sentou-se ao meu lado e me abraçou.

_E-ele está mo-morto?

_Não, ele vai ficar bem, deixa eu ver esse roxo.

_Não, Oliver, ele não está se mexendo.

_Ele só está inconsci...droga!

Olhei para seu rosto quando interrompeu a frase. Oliver pressionava a lateral da cintura, sentia dor.

_Ele te acertou aí? Oliver, me responda!

Ele continuava encurvado, o rosto franzido, nunca o tinha visto assim.

_É um ataque, vai começar, preciso do sedativo.

Gritei o nome de Margareth algumas vezes, que já subia com a senhora Hill a tiracolo. Margareth aplicou a injeção em Oliver, que tremia incontrolavelmente em meus braços, e o levou para seu quarto com a ajuda de outros empregados, enquanto Hill simplesmente ignorou a presença do filho e foi direto ao encontro de Velázquez, chorando desolada.

_VOCÊ! _ Gritou em minha direção _ É tudo culpa sua! Tudo estava em seu devido lugar antes de você chegar.

Eu não tinha mais forças para responder. Meu rosto estava inchado e eu só pensava em Oliver. Ela partia para cima de mim quando um gemido do doutor a impediu. Seu olhar de rancor se transformou em preocupação, e ela se voltou rapidamente para o homem ferido.

_Será que fraturou algo, querido? _ Disse enquanto apoiava sua cabeça no colo.

Me arrastei até o móvel mais perto, apoiei-me nele para me levantar e saí o mais rápido que pude do quarto. Margareth me esperava no fim do corredor.

_ O que te deu na cabeça para enfrentar o doutor assim, menina? _ perguntou em um cochicho repressor, porém havia orgulho em sua feição.

_Como está Oliver?

_Está bem. _ Disse sem olhar em meus olhos, de cabeça baixa.

_Quero vê-lo.

_Ele está sedado, ele...

Antes que ela terminasse, fui até as escadas.

_Bom, pelo menos aquele cretino fez um bom trabalho em seu pé, pode pisar sem parecer aleijada. _ Disse Margareth enquanto apressava o passo para me acompanhar.

Ela se deteu assim que chegamos em sua porta. Girei a maçaneta e o encontrei deitado, olhando pela janela, dopado, aparentemente bem, se comparado ao seu estado anterior. Sua boca parecia cada dia mais branca e seca.

Bati de leve na porta já aberta. Seu olhar se voltou para mim.

_Entra. _ Disse com um meio sorriso.

_Como você está?

_Me sentindo o super herói que salva a mocinha indefesa. Bom, mas que faz o serviço pela metade e acaba com a pose.

Tentei sorrir, mas não consegui.

_O que aconteceu? Não se parecia com nenhum dos ataques que já presenciei. Você parecia sentir dor.

_Será que você pode ficar comigo? Quer dizer, não ficar na casa, não te pediria isso, mas ficar aqui, comigo, nesse momento. Não quero que vá embora me odiando.

Fui até a cama e me deitei ao sei lado, porém, de costas para ele.

_Sabe, Alicia...agora não dói mais.

Como um trovão, Kimberly Hill entrou no quarto batendo a porta e nos olhou com nojo.

_Alicia, você fica. _ Disse ríspida.

_O que? Não pode me obrigar?

Oliver esfregava as têmporas, provavelmente mais desgastado que eu.

_Realmente, não posso... mas dizem por aí que seu irmãozinho doente precisa de tratamento, não é mesmo?

Olhei para Oliver.

_Você contou?

_Não há nada nessa casa que essa mulher não ouça, Alicia, eu não disse nenhuma palavra.

_"Essa mulher" é sua mãe, não ouse dirigir-se assim a mim novamente.

Ele deu uma risada debochada e me abraçou por trás, afundando o rosto em meus cabelos, como se quisesse fugir do que aquela megera tinha a dizer.

_Tudo bem, o que tem meu irmão?

_Se ficar, pago o tratamento dele além do salário.

_Bom, e se eu recusar?

_Se recusar pode ir. Perde o bom salário que ganha aqui, e é óbvio que com essas qualificações e habilidades inexistentes não conseguirá o mesmo em outro lugar, seu irmão não se trata e você perde Oliver para sempre. Aguardo a resposta até amanhã a noite...ah! Se forem transar, troquem os lençóis, não quero sujeira em minha casa. _ E saiu equilibrando-se em seu salto.

_Inacreditável...

_Não quero que você fique por chantagem. Na verdade quero mais do que nunca que você vá e viva sua vida. Travamos uma batalha contra aqueles dois, e vai ser difícil sairmos ilesos disso.

_Bom, então nos machuquemos juntos.

_Não, Alicia, eu...

_Oliver, meu irmão precisa do tratamento.

_Entendo... _ Disse desapontado.

_E eu preciso de você.

E então uma sobrancelha se ergueu do jeito que eu tanto gostava.

_Não concordo com o que fez e a cada vez que converso contigo sinto que te conheço menos, mas não posso negar o romantismo nisso tudo...e bom, teve o salvamento da donzela também.

Ele sorriu.

_Tem certeza do que quer? Eu posso arrumar um jeito de te dar o dinheiro, mesmo que não trabalhe aqui.

_Isso não me traria você.

_Bom, eu ainda estou no efeito daquelas porcarias, então me belisque se isso for uma alucinação.

E então olhei no fundo de seus olhos azuis e o impulso fez o resto. Toquei com delicadeza a cicatriz em seu queixo e uma de suas mãos pousou em minha nuca. Seus dedos formavam círculos em uma carícia sutil, quase imperceptível. Quando sua testa colou na minha, tive a certeza de que, embora eu tentasse encobrir, estava fazendo o que meu coração pedia há dias. Seu lábio se abriu e fechou e a mão em minha nuca segurava a base dos meus cabelos com mais força agora.

_Cici... _ Disse em um sussurro flamejado de desejo.

Nossos lábios se encontraram vorazes, sem previsão de serenidade. Senti seus lábios secos sendo preenchidos e molhados pelos meus enquanto ele fazia o mesmo com minha alma. Tinha gosto de remédio, de morte e de vida, de dúvida e certeza. Senti a explosão tão descrita nos livros dentro do meu peito, senti a tempestade de Oliver me devastando e renovando por dentro, me senti naufragar em terra firme. Era a ele que eu pertencia.


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