Dear Diary, escrita por LiKaHua


Capítulo 5
Capítulo 5 — C9H13NO3


Notas iniciais do capítulo

Fazia tempo que eu não sentia isso com uma fic. Um monte de comentários pra responder, pessoas animadas e curiosas com o que viria... eu estou tão feliz que nem sei o que dizer, sério! Aqui está mais um capítulo da Ellen.
Obrigada pelo apoio, gente, obrigada obrigada obrigada ♥



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Querido diário,

Começar o dia dissecando sapos não é, com certeza, o melhor jeito, principalmente se você tiver o estômago fraco como Tracey, minha colega de classe. Ela desmaiou depois que eu abri o sapo e apontei o intestino. Mas não foi pior, o Ted Drecker vomitou e toda a sala ficou fedendo a água sanitária depois da limpeza, ainda não consigo decidir qual dos dois odores é pior, o de vômito ácido ou o de água sanitária.

Ontem quase não dormir direito. Michael passou por mim no corredor e me olhou, não sei por que, são raras as pessoas que me enxergam e eu não consigo vê-lo como uma dessas, normalmente eu sorrio e cumprimento quando alguém me nota, mais por educação mesmo, mas com ele eu não consegui, desviei o olhar, me senti tão estranha, não sei bem o que aconteceu. Além do mais, ele é o capitão do time, a estrela da escola, nunca perceberia uma nerd como eu, acho que estou começando a ser afetada pelos livros. Vi ele na aula de matemática também, mas não tive coragem de olhá-lo e foquei o máximo que podia nas equações, não que estivessem difíceis, não estavam, mas eu queria tanto ser absorvida por algo que me fizesse esquecer que ele estava ali.

Tive dois tempos de inglês e geografia. Passei o almoço na biblioteca lendo um livro qualquer, eu adorava ler qualquer coisa, usava fones de ouvido para ter uma desculpa e não falar com mais ninguém, por mais que eu fosse invisível, eram poucas as vantagens, sempre havia alguém que insistia em fazer com que eu me arrependesse da minha existência, e não falo só do meu pai, mas de Vanessa Clarke e sua trupe. Quando saí da biblioteca elas estavam em frente ao banheiro feminino, que ficava quase no fim do corredor, eu tentei mudar de caminho, mas era tarde demais, ela derrubou meus livros no chão enquanto dois caras do time de futebol me arrastavam pra dentro do banheiro e enfiavam minha cabeça na privada. Vanessa tirava sarro de mim perguntando qual a reação química do meu rosto com a água e antes de sair ainda me disse para ficar longe do Michael, como se ele fosse propriedade dela ou coisa assim. Eu não me defendi. E é disso que mais tenho raiva em mim, eu só fiquei lá, depois, com o rosto molhado, sentada no chão do banheiro olhando meus livros e cadernos espalhados, me encolhi e comecei a chorar. Algum tempo depois, quando saí e fui para o meu armário colocar outro suéter e enxugar o cabelo, vi que chegaria atrasada na aula de física. Meus braços estavam machucados, com marcas vermelhas que eu sabia que ficariam roxas, eu tenho a pele clara e isso facilita, por isso, quando meu pai está bêbado eu sempre fujo dele, se ele me batesse — como já aconteceu outras vezes — ficaria muito na cara. Da última vez eu fiquei uma semana sem ir na escola por causa do rosto inchado. Minha mãe sempre entra na frente pra me defender, mas é muito duro pra mim porque, mesmo que ela mande, eu não quero correr, eu quero ajuda-la, quero que ele pare com aquilo.

Não conto pra minha mãe sobre o bullying. Acho que ela já tem muita coisa para se preocupar e ainda lidar com isso, eu consigo suportar e, quando está muito pesado, eu vou para o telhado da escola ou fico embaixo das arquibancadas do campo de futebol, aí eu vejo o Michael treinar. Gosto de ver ele treinando, do jeito que ele corre e dá tudo de si para ser melhor do que já é, a maneira como ele assente quando o treinador pega no pé dele por alguma bobagem, o jeito como ele lida com as chatices dos outros atletas, sempre com um sorriso e no bom humor. Ele consegue reunir uma quase multidão nos treinos, a maioria de garotas, que ficam gritando por ele como se fosse o Brad Pitt ou o Tom Cruise em campo, mas ele não dá muita bola, apenas acena pra elas e sorri. Desde que entrei no colegial nunca vi o Michael com uma namorada, acho que ele nunca ficou com ninguém da escola, embora a Vanessa jure por tudo que tem que já ficou com ele no baile de calouros do ano passado e conta vantagem disso pra todo mundo. Hoje eu fiz isso, fiquei olhando pra ele pelas frestas das arquibancadas de madeira, e pelos tênis sujos e sandálias de salto das garotas sentadas. Me sentia segura ali, ouvindo minha música, sonhando acordada com um garoto que provavelmente nem sabia o meu nome.

Você sabe o composto da adrenalina, diário? É um fenol, álcool e amina, ou em outras palavras C9H13NO3. Quando eu estava indo para casa hoje, no meio do frenesi de alunos loucos para ir pra casa, para o bar ou por qualquer outra lugar que costumassem frequentar, eu vi Michael novamente, ele estava parado em um carvalho que tem no pátio frontal da escola, olhava para a porta com certa expectativa e, quando saí, fez menção de caminhar na minha direção, até deu alguns passos. Quando temos medo, a adrenalina coloca nosso sangue nas pernas em um fluxo maior para que possamos correr. Por isso ficamos com as mãos geladas e o rosto pálido. Eu parei. Não sei o que aconteceu, porque eu estava pronta pra correr, mas parei, enquanto as pessoas passavam por mim e enquanto ele caminhava determinado ao meu encontro. Era pra mim que ele estava andando mesmo? Não, acho que eu tinha ficado louca. Foi no momento que a Vanessa apareceu e entrou no caminho dele, me lançando um olhar mortal, que eu saí correndo, peguei a rua principal e fui andando pra casa, demoraria mais já que eu, na pressa, ignorei o ônibus, mas eu não me importava, era um tempo a mais para pensar, para me acalmar. Ficou parecendo um daqueles filmes melosos que eu assistia sozinha nos sábados, em que o bonitão nota a rejeitada e eles caminham um para o outro no meio de uma luz que ofusca todo mundo.

Quando cheguei em casa, meu pai já estava, tinha bebido de novo e estava com uma garrafa na mão, da qual ele tomava cerveja no gargalo mesmo. Acho que ainda estava um pouco sóbrio porque mamãe estava fazendo o jantar, eu vi sua expressão assustada quando entrei e soube que era melhor ir para o quarto, estudar. Mas meu pai me deteve. “Onde estava até agora?” Perguntou com a voz embriagada. “Na escola.” Eu respondi e era verdade, mas ele jogou a garrafa contra a parede e, de repente, tudo passou como um borrão. Os gritos, os socos e chutes... como quando você tem um pesadelo e cai da cama, acordando assustado. Não quebrei nada, são só uns hematomas nos braços, pernas e abdômen, nada que a roupa não cubra, minha mãe quebrou o nariz e estou preocupada com ela. Depois de ter passado um tempo com a Vanessa e dois “amigos de time” do Michael, não pensei que meu dia podia acabar assim... Dessa vez, o composto da adrenalina não fez efeito.

Quem sabe, nos meus sonhos, o Michael não me salve.

Ellen.


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Notas finais do capítulo

É, eu sei, é tenso '-'