Posso ir aonde você vai?
Podemos ser próximos assim para todo o sempre?
E ah, me leve pra sair e me leve pra casa (para todo o sempre)
Você é meu, meu, meu, meu
Amado

Senhoras e senhores, por favor, fiquem de pé
Com cada cicatriz de corda de violão na minha mão
Eu aceito essa força magnética de homem para ser meu amado
Olhe nos meus olhos, eles vão te dizer a verdade

A garota da minha história sempre foi você
Eu afundaria com o Titanic, é verdade, por você, amada
Você vai guardar todas as suas piores piadas para mim
E em todas as mesas, eu vou guardar um lugar para você, amada (guardar um lugar)

Posso ir aonde você vai? (Posso ir aonde você vai, querida?)
Podemos ser próximos assim para todo o sempre?
E ah, me leve pra sair e me leve pra casa (para todo o sempre)

 - Lover, Taylor Swift ft Shawn Mendes

— Majestade, não é necessário nos ajudar dessa forma – uma criada diz, um pouco constrangida com a minha permanência no quarto, assim como Stuart e Ben. Eu e meu irmão achamos engraçado.

— Eu não tenho nada para fazer hoje, para a infelicidade de vocês – declaro, com um sorriso. – Podem ir passando os carrinhos.

Ainda que um pouco sem jeito, perceberam que não era nenhuma brincadeira da nossa parte e que iríamos ajudar. Ganhei do pai de Katniss uma coleção incrível de carros em miniatura, de diversas marcas, modelos. É muito especial porque não tenho absolutamente nada para preencher as estantes e nichos que não sejam plantas. Amélia me presenteou com algumas fotografias para eu colocar em um mural vazado feito por ela e Stacey. Ben me deu um desenho abstrato, alegando ser nós todos, e Stuart me presenteou com uma maquete muito bem elaborada com pregos e parafusos, uma réplica impressionante do jardim real. Pedi para que fizesse uma outra da estufa mas ele tem me deixado de lado por causa da escola técnica de mecânica.

— Pra quê uma bancada do banheiro tão grande? – meu irmãozinho pergunta, ficando na ponta dos pés para tentar ver o final da pia de mármore branco craquelado com prata. – Você não tem tanto sabonete para colocar aqui.

Rio, pegando ele no colo, envolvendo suas pernas na minha cintura.

— Isso é porque nos dias de festa, e que eu trabalho, preciso de espaço para escovar o meu cabelo – jogo meus fios para trás exageradamente, fazendo ele rir. Meus irmãos felizes é arte para os meus olhos. – Mais tarde vou passar prancha no seu cabelo.

Assentiu, despreocupado, se distraindo com a gola alta da minha blusa de frio, idêntica a dele.

— Peeta, depois separa umas plantinhas dessas para eu levar para o meu quarto? – Stu pede, quando retornamos, e os criados já foram dispensados, depois que trouxeram inúmeras peças de roupas e pares de sapatos. Prometeram ainda trazerem ainda mais para o closet infinito que eu tenho agora, porque com o casamento para esse final de semana, eu ainda tenho muitos presentes para receber, o que me deixa um pouco nervoso. Fico me perguntando se eu vou viver o suficiente para vestir todas essas roupas.

— Claro, cabeção – sorri, calçando meias grossas nos pés. Cumprindo minha promessa que fiz no dia da festa de Halloween, Stuart vai morar no palácio, apenas duas portas de distância de mim. Meu pai pareceu muito magoado, porém aceitou sem pontuar nada contra a decisão. No fundo acho que Amanda quer fazer o mesmo, não por nada emocional, apenas porque é a que melhor se adaptou à vida da realeza. Katniss a presenteou com uma tiara bem simples com algumas pedras brilhosas e ela não tira mais isso da cabeça - literalmente.

— Quando eu vou poder morar com você? – Ben pergunta, quando o sento na minha escrivaninha, para poder trocar suas meias. Em algum momento ele as ensopou completamente com água e xampu, fico impressionado com o poder de destruição dessa criança.

— Quando tiver o meu tamanho – Stuart responde, mexendo no meu smarter. – Peeta, aqui tem um monte de relatório, você lê mesmo tudo isso?

Rio, assentindo.

— Pesada é a cabeça que carrega a coroa – respondo, dando de ombros. A pilha de trabalho parece interminável, mas felizmente consegui adiantar dois documentos para a primeira e única semana de folga e lua de mel com Katniss. Embora tenhamos adiado quatro vezes a data do casamento, ainda é muito complicado o fato que a gente não tenha conseguido umas férias mais longas.

Mas já me considero com muita sorte, tendo em vista que nós conseguimos acalmar a bagunça que se instalou por toda Panem e seus ramos. Fizemos inúmeras viagens diplomáticas por toda a nação, para demonstrar força e união. Por alguns instantes nesses últimos meses eu pensei, sim, em desistir da ideia, mas esses pensamentos não duraram mais de um dia. Katniss está ao meu lado, e acho isso mais do que suficiente para espantar qualquer dúvida e problema.

— Vamos montar um trem? – suspiro ao pedido de Ben, mas concordo. Eu não me lembrava que pode ser tão cansativo cuidar de uma criança. Isso porque não fico com ele o dia inteiro, sete dias na semana, não me surpreendendo que meu pai queria “dá-lo” para mim.

— Vamos levar a caixa para a casa do papai, lá eu monto com você no seu quarto, tudo bem?

— A princesa Katniss vai jantar com a gente hoje, não vai? – assinto, e como se por telepatia, minha noiva entra no quarto, seguida por Prim. Stuart, que estava todo esparramado na minha cama enorme, e quase dormindo enquanto organiza seus pregos novos em uma maleta, dá uma cambalhota, endireitando o cabelo. Foi tão rápido, que eu quase não entendi o que rolou. – Anjinho!

Ao ver Katniss, ele se joga da escrivaninha, aproveitando que acabei de trocar suas meias, e se lança no instante seguinte nos braços dela, que prontamente o coloca no colo. Sorrio muito sincero para a cena.

— Viemos chamar vocês, o senhor Sam está ligando e dizendo que está com saudades – Prim avisa, e é difícil conter a vontade de revirar os olhos com um sorriso. Passei as últimas duas semanas dormindo em casa, e vindo para o palácio para trabalhar de manhã até o início da noite. Foi uma estratégia para eu curtir meus últimos momentos como alguém consorte. Os últimos meses exigiram tudo de todos nós, e eu quis aproveitar para ajudar em casa, e me fez muito bem. Eu e Katniss nos aproximamos mais dessa forma, porque ela também aproveitou esse tempo para usá-lo com Prim e seu pai, além da avó paterna, e estão juntos buscando uma forma em conjunto para lidar com a falta da rainha, por mais louca que esta tenha sido.

Num relacionamento, faz bem a gente se afastar um pouco para cuidar de nós mesmos também. Isso é, na verdade, fundamental.

— Papai está sentindo falta de alguém para aguentar Mandy com a nova câmera que você a deu de presente no natal! – Stuart diz, pegando sua mochila. – Não me surpreende que ela logo vá estar em um ensaio fotográfico com a irmã do Cato.

Minha terapia é a jardinagem. De Stacey é a cozinha. Stuart constrói e conserta coisas. Amélia desembocou para a leitura de livros, e também passou a escrever. Meu pai pinta. Amanda tira fotos de si mesma o tempo inteiro.

Todos nós precisamos extravasar nossos sentimentos de alguma forma, e para não enlouquecer, cada um de nós tem um costume diferente um do outro, o que eu acho muito legal e interessante. Mandy foi absurdamente afetada pela morte da nossa mãe, e diz que a fotografia é uma forma de arte tanto quanto os quadros do nosso pai, ou os textos de Amélia, e isso a faz feliz. Nós estamos dando todo o apoio. Semana passada, no meu domingo de folga depois do culto em uma igreja local, eu juntamente com todos nossos irmãos, montamos um estúdio no que seria meu quarto na casa, e ela já conseguiu um trabalho para divulgar uma marca de roupas, onde a dona é Bianca, irmã mais velha do meu amigo Cato.

— E o que estamos esperando? Vamos, vamos! – Katniss nos apressou, com um sorriso.

*

Dirigi até a casa que ganhamos de Katniss ao final da Seleção, e eu estou me sentindo tão bem, que é estranho poder sentir tanta paz assim, após um período tão conturbado nas nossas vidas. Já estou me preparando para o pior qualquer dia desses. Essa é a nossa vida, feito uma montanha-russa.

Pascoal, um cachorro dos cinco que adotamos numa feira de adoção há alguns dias, é o primeiro a nos cumprimentar. Ben literalmente se joga na grama bem cuidada, para abraçar o animal que tem quase o dobro da sua altura. Dou um suspiro longo. Hoje é o meu dia de dar banho nele, e amanhã no Pascoal. Nossa, que raiva me sobe pelo sangue agora.

— Ben, levanta – mando, suspendendo meu irmão pela cintura, o lançando nos meus ombros, enquanto Pascoal ia lamber Stuart, que junto com Prim estava eufórico ao rever o amigo. Suspiro, entrelaçando os dedos aos de Katniss, que ri, olhando a cena em silêncio. Eu quero que a gente tenha mais dias assim. Simples, sendo recebidos por um cachorro doido e muito carinhoso, reclamar das marcas na roupa e quanto que isso é difícil limpar.

— Chegaram bem na hora da pipoca, acabei de conseguir usar a pipoqueira! – Dean anuncia, aparecendo no corredor de entrada ao lado de Amélia, com um balde enorme de pipoca.

— Vamos jogar hoje? – pergunto, depois de dar um tapinha falso na bunda de Ben para ele ir lavar as mãos.

— Claro, majestade.

Ri, depois que Katniss me empurrou e foi se jogar no enorme sofá, abraçando Amanda e Stacey, que gritaram felizes por ela estar ali.

(.)

Tremo os lábios para não rir, mas já é tarde demais. Logo estou me contorcendo no chão, junto com Amélia, ela vence de mim por um segundo. O jogo é para decidir quem fica mais tempo sem rir.

— Agora, o último round! — Stuart anuncia, e Ben grita, batendo palmas. — Amélia e Katniss!

— Essa não vai ser difícil — minha noiva se gaba, jogando os cabelos para trás do ombro, se sentando onde eu estava. Ela realmente ganhou com folga até o momento. — Vamos, querida, ria.

Ames mordeu os lábios, claramente querendo rir, mas não o fez. Assumiu uma expressão neutra.

— Então, Katniss, você sabe o que o pintinho falou para a mãe? — minha irmã pergunta, lendo um dos cartões disponíveis. A gente precisa ir lendo piadas ruins (que acabam sendo engraçadas, por serem sem graça) até um não aguentar e rir.

— Não, o que ele disse, jovem camponesa? — Dean deu uma gargalhada, assim como eu, e todos meus irmãos que assistiam o duelo. Vai ficando mais difícil porque os outros riem, gritam, para tirar a atenção.

— Piu — eu perdi completamente, caindo de costas no chão, sem aguentar. Meu pai riu também, comendo um dos hambúrgueres que trouxemos do palácio.

— Você está muito engraçadinha hoje — era claro que Katniss queria rir tanto quanto Amélia, mas não cedeu, pegando um outro papel do monte de cartas. — Você sabe o que o pato falou para a pata? — ela deixou sair ar do nariz, indicando que estava um passo de rir; minha irmã estava tremendo. — Vem quá.

— Fraco. Sabe como é a piada do pintinho caipira?

— Amélia, essa é golpe baixo — Dean fala, rindo, tirando lágrimas do canto dos olhos.

— Não, deixe ela — Katniss pediu, levantando uma mão educadamente, posando com sua melhor expressão blaze. — Como é?

— Pir.

Ao mesmo tempo, as duas caíram na risada, assim como todos nós. Trabalhamos com a lógica que as piadas precisam ser tão ruins que se tornem engraçadas pelo fato de não podermos rir.

— Ok, as duas ganharam — Stu declara, com um sorriso, pegando as cartas. — Vocês são mágicas no jogo.

— Katniss está de parabéns, a primeira vez que alguém destrona a Stacey — digo, pegando a minha querida pela mão, fazendo girar. Ela ri, me abraçando. Depois de amanhã é o nosso casamento.

— Posso comer? — Ben pede, vendo o nosso pai já se servindo.

Todos nos sentamos ao redor da mesa enorme de jantar na sala para as refeições. São 7 lugares, normalmente, mas hoje temos 10, por causa de Prim, Katniss e Dean. Meu pai está muito emocionado com fato que eu vou morar definitivamente no palácio a partir de depois de amanhã. Passei o último mês inteiro ocupando um dos nove quartos nessa casa, indo e vindo do palácio todos os dias, apenas matar a saudade que temos uns dos outros.

O casamento foi adiado em três meses, no final, porque precisamos fazer visitas, apaziguar o verdadeiro cenário de guerra que ficou o país. Mas isso não foi visto por mim, ao menos, como algo negativo, muito pelo contrário. Tivemos tempo o suficiente para nos conhecermos mais, e confirmar que queremos levar a nossa relação adiante. De igual modo, isso fez com que as pessoas pudessem nos conhecer também, assim como a gente traçasse um plano de governo que possa ser real.

Vamos começar com a destituição dos Distritos.

— Hmmm, que delícia! — Ben grita, com a boca e o queixo cheio de molho de tomate do espaguete. Me inclino em sua direção para limpar sua bagunça, nós dois tivemos um bom tempo para restabelecer nosso elo. Ele é bem chato na maioria das vezes, como todas as crianças, assim como eu me lembrava dos nossos tempos em Saint Cloud, mas eu o amo demais. É uma criança legal, quando quer. Hoje está facilitando a gente gostar mais dele.

— Que bom, mas coma de boca fechada — aviso, com cuidado, checando seu colo, e ficando aliviado ao constatar que ele não manchou a bermuda bege nova. Como estou em casa, fiquei responsável por lavar as roupas, ainda que tenhamos a máquina de lavar mais tecnológica, Amélia e papai não permitem que as roupas de Ben sejam postas, apenas lavadas à mão. Eu não sabia que ele sujava tanto as roupas até ter que lavar uma por uma.

— Que bom que você obedece o Peeta, Baby Ben, espero que me obedeça quando ele for embora — Amanda brinca, do outro lado da mesa, olhando a cena.

— Obedeço o Peeta porque ele é bom, e me deixa jogar video game — sorrio, sentindo até as minhas bochechas corarem. Ben é uma graça. Vou sentir saudade quando sair em lua de mel, e voltar apenas daqui três semanas, uma vez que iremos emendar com uma agenda política. Nós dormimos abraçados às vezes, quando Amélia quer ficar mais tempo com o Dean na sala, ou no próprio quarto mesmo.

— Então ok, se eu deixar também você vai obedecer?

— Não.

Rimos, porque ele está entrando na fase de responder. O único com quem ele não age assim é com o nosso pai e Amélia, é claro.

— Princesa, eu gostei muito da almôndega — ele diz, baixinho pra Katniss, que está do seu outro lado, pegando na mão dela. — Obrigado pela comida. Stacey cozinha bem, mas nada é igual a comida do palácio.

Minha noiva sorri, beijando os fios castanhos escuros dele.

— De nada, Ben. Quem escolheu, na verdade, foi a Prim. Você e ela são praticamente iguais nos gostos.

— Vou agradecer ela depois! — e voltou a comer, comigo de olho, para que não se machuque com o garfo. Ele usa um kit de plástico, mas meu pai está querendo introduzir os talheres que a gente usa agora, que ele tem quase seis anos.

— Stuart e Amélia: louça — meu pai declara, quando todos terminamos de comer a sobremesa. Suspiro sinceramente aliviado. — Peeta, dê banho no Ben.

E logo bufo, batendo pé, enquanto todo mundo ri da minha reação. Todo dia eu tenho dado banho no Ben, e parece ser uma tarefa fácil, mas não é, porque ele detesta banho. Meu pai e meus irmãos estão se fazendo enquanto estou aqui e fico, literalmente, com o trabalho sujo.

— Posso ajudar? — Katniss se oferece, quando eu coloco meu irmão caçula nos ombros, antes que comece a fazer um escândalo.

Prim foi ajudar Stu na cozinha, assim como o Dean foi com Ames, então Katniss ficaria com o tempo vago, enquanto Stacey, Amanda e meu pai estão checando os dois cachorros e três gatos que adotamos nos últimos meses.

— Sim! — Ben responde por mim. — Hoje eu até vou me comportar.

Reviro os olhos, mas pego a morena pela mão, subindo as escadas até o quarto do meu irmão. Ben mesmo “se comportando”, é bem difícil convencê-lo de lavar os cabelos, absurdamente oleosos. Enquanto eu e Amanda lutamos com o ressecamento, ele e todos os outros são com oleosidade.

— Não sei o que acontece, todo dia a gente lava, e todo dia está assim — murmuro, e Katniss ri sinceramente, sentada sobre o vaso fechado. — Ben!

Jogou água para trás, me molhando completamente.

— Desculpe, o Dinossauro atacou o Boston — respondeu, sorrindo, sabendo que me quebra completamente com o seu sorrisinho de dentes pequenos.

— Tudo bem, mas fica quieto aí — peço e ele assente. — Você vai dormir aqui hoje?

— Não sei, mandei mensagem para o meu pai, e ele disse que tudo bem eu ficar com Prim. Nossos guardas vieram mesmo, então tecnicamente não faria diferença… eu estou bem atolada com os preparativos do casamento. Você ajudou muito ficando com a escolha das flores, plantas, posicionamento delas, mas eu estou tendo que enfrentar a temida lista de convidados.

Suspira, e eu também. Essa é a parte chata. Mesmo com toda a ajuda do mundo, ainda temos que fazer muitas coisas. Muitas coisas. Muitas mesmo. Chega a ser surreal.

— Fica aqui essa noite, e juntos nós escolhemos os lugares do pessoal, o que acha? – sorri, parecendo muito aliviada. – É bom que assim eu consigo me acostumar com alguns rostos. O Nicolau disse que se não sentar na primeira fileira vai cortar todo o contato com você.

Ri, balançando a cabeça, apoiando nas mãos. Colocou extensão no cabelo, e parece mais nova com eles tão longos, atingindo sua cintura. Ela cortou na orelha, porque queria se reinventar, mas se arrependeu literalmente quarenta minutos depois.

Termino de arrumar Ben, que está sonolento, então apenas o coloco na cama, avisando meu pai, e então vamos para a biblioteca/escritório/estúdio de Amanda, onde tem um sofá que dá para ficarmos sem dor enquanto analisamos mais de 500 fotografias e temos que montar um esquema de organização preciso. 

— Essa é Clove, Glimmer, e Callum — Katniss aponta, petiscando meu pedaço de bolo de nozes. — Ficam na mesma mesa com o Nicolau e a Dakota.

— Dakota é a noiva arranjada dele, não é? — Ames pergunta. Ela se juntou há alguns minutos para também ajudar. O casamento é em pouco mais de 48 horas e ainda não temos o mapa de assentos certo.

— Sim… — responde. — Ele está arrasado. Tenho medo real que ele vá acabar tendo uma cirrose, de tanto que tem bebido, sabe? Mas não teve jeito, na Alemanha as coisas estão muito complicadas. A família da Lara cobrava por um posicionamento, um herdeiro, então ele precisou ceder.

— Nossa, que horror — Dean murmurou, balançando a cabeça, se metendo, sentando no chão ao lado da minha irmã.

Acabo rindo com a cara que ele fez, e isso logo deixou o clima descontraído de novo. Katniss contou um pouco mais sobre Clove, sua situação.

— Ela ia combinar tanto com o Cato. Até o filho dela se parece com ele — noto, fazendo piada, colocando uma foto do meu amigo ao lado da que ela aparece com o herdeiro e a irmã, rainha da França.

— Caraca, é verdade — Ames se surpreende, como Katniss e Dean. — Parece que são um casal, e olha que eles nem tem fotos juntos.

— Talvez possamos fazer alguma coisa à respeito… não podemos?

Abre o mapa de assentos, e coloca Cato na mesa com sua amiga.

— Então a mesa com os ex-Selecionados fica ao lado, para caso a gente tenha feito algum equívoco — assentimos, partindo para a missão de definir agora a ordem das pessoas que prestarão homenagem.

— Dean, vamos brigar com seus parentes e amigos antes da gente casar, se a gente for, um dia, ok? Não quero nem de longe passar por isso o que vocês dois estão — eu e Katniss rimos, mas a verdade é que de fato é muito cansativo. Tive que fazer medida para a roupa do casamento quatro vezes na semana passada, não emagreci ou engordei, mas porque a roupa está sendo confeccionada exatamente para mim, a ocasião é muito única na história de Panem e afins.

— Eu estou colocando na lista dos convidados uma tia-avó que eu simplesmente nem sabia que existia — Katniss diz. — Vocês tem um pouco mais de sorte do que eu. Pelo menos só sempre existiu vocês mesmos, não tem ninguém perdido, e os que possuem sobrenome Mellark não é nada relacionado à árvore genealógica que compartilham. Só a Germanotta.

Quando fomos ao público expor nosso noivado, muitas pessoas surgiram, alegando serem meus tios, primos, o que poderia sim ser verdade. Meu pai tinha dois irmãos mais velhos, dos quais perdeu o contato quando tinha quatorze anos, mas com pesquisas muito extensas, descobrimos que infelizmente eles faleceram, e já faz muito tempo.

Mamãe veio de um orfanato, não tinha família, só um sobrenome - que não consta no meu registro, apenas de Stacey, Stuart e Ben. O que acarretou um problema maior do que a gente poderia imaginar, levando em consideração que embora menos de 1% da população de Panem tenha esse nome, foram encontradas outras 16 famílias com esse mesmo adereço. Um dos motivos que retardaram o casamento foi isso, a busca por mais parentes que eu poderia ter.

Todos os dias eu precisava tirar amostras de DNA, conversar com pessoas que eu nunca conheci, e tudo o que encontrei foi uma prima de terceiro grau que mora no norte junto com o marido e três filhos, todos do Distrito Cinco. Fui pessoalmente conhecê-la, e o choque foi maior do que eu esperava. Germanotta tem o mesmo formato de rosto oval da minha mãe, com olhos castanhos esverdeados, e cabelo ondulado em tom loiro. Foi como ver minha mãe um pouco mais nova e bem cuidada. Por sorte, no dia, fui apenas com Amélia e Delly, junto com a equipe do palácio.

Ela não quis ir morar no palácio, apenas pediu uma mudança de distrito, se fosse possível, porque acha injusto ser convidada para um casamento de um primo que não tem o menor contato toda a vida. Como ela não quis ser convidada, e nem participar da minha vida, fiz o que ela mesmo havia solicitado, mantendo sua identidade e a da família em sigilo, porém, ainda que eu não a “conhecesse”, sabia que nossas vidas não haviam cruzado ao acaso. A entreguei um valor significativo, que fosse ajudar, assim como uma linha direta, a mesma que tem aqui na casa do meu pai, para me contatar, caso precise de qualquer coisa. Somos família, afinal.

— Acho que por hoje é o suficiente. Durante o café da manhã conseguimos terminar tudo — eu digo, suspirando muito cansado. Amanhã é o último dia sem os pesos reais com as responsabilidades de estar me casando com uma mulher que é rainha de um país enorme como Panem.

Dean e Amélia estão encostados um no outro, depois de nos ajudar a escreverem nos cartõezinhos para indicar os lugares no jantar. Katniss quer que tudo seja simples e delicado, ao ponto de não deixar que outras pessoas façam isso. Eu estou com um pequeno calo no dedo e a mão esquerda - por ser canhoto - manchada com tinta nanquim.

— Vão dormir onde? — Ames pergunta. — A Prim vai dormir no quarto da Amanda com a Stacey, e o Dean comigo.

— Meu quarto foi tomado com as coisas do papai e do Stuart porque vocês já me expulsaram, e como a Katniss está aqui vou forrar o sofá para ela dormir, eu deito no tapete — assentem, e logo partem para o quarto dela. Katniss cai na risada junto comigo. Até parece que ela vai dormir sozinha no sofá.

— Você sabe, né? Da mesma forma que eu durmo com você, Dean dorme com a Amélia — reviro os olhos, beijando seu pescoço, depois que nos deitamos confortáveis.

— Meu pai sabe. Ela fica se fazendo de sonsa — ri mais, assentindo. — A mãe dele que ficou chateada, tanto que preferiu dormir na casa de uma amiga com o marido do que ficar aqui, porque fica subindo boatos pela igreja que eles estão fornicando.

Katniss quase desfaleceu de tanto rir, e eu a acompanho, passando meu braço sobre seus ombros, enquanto ela se aconchega no meu peito. Se eu e Katniss temos um relacionamento em que eu já a vi sem blusa e sutiã e ela me viu delirando quando fui baleado, provavelmente Dean e Ames tem esse tipo de intimidade. Ou mais. Não coloco a mão no fogo por eles não. Não coloco nem por mim que nunca efetivamente fiz alguma coisa, quem dirá pela minha irmã.

E por incrível que pareça, meu pai se sente incomodado mais com minha intimidade com Katniss do que a de Amélia. Acho que Mel poderia ficar grávida que ele não falaria absolutamente nada além de que mataria o pai se não assumisse. Ele descaradamente passa pano para tudo o que as meninas fazem. Minha mãe que não deixaria nenhum dos dois casos dentro de casa. Numa hora dessa, todo mundo estaria em sua devida residência.

(*)

O café da manhã é uma bagunça. Ajudo Katniss com os pontos finais enquanto frito ovos e bacon, ao tempo que Amélia faz o suco de laranja, e Dean (eu estou sinceramente começando a me aborrecer com todo o tempo que ele está passando aqui em casa) terminar de assar o bolo.

Ben aparece de folga para me estressar e tentar subir nas minhas costas, se queimando, e aí vira tudo um espetáculo de horrores. Corro para o banheiro com ele, Katniss gritando chamando meu pai, Amélia me batendo por eu ter deixado a porta de segurança da cozinha aberta. 

— No que eu posso ajudar? — Katniss pergunta, nervosa vendo a queimadura consideravelmente grande no braço do caçula, que esperneia em plenos pulmões enquanto Amélia busca a pomada.

— Ajuda o Dean, daqui a pouco Stacey chega com meu pai e o Stuart. Prim acordou?

Concorda, dizendo que a irmã está tomando banho. Ames encontra a pomada, enquanto eu seguro Ben. Quase choro junto com ele. Fico sentado sobre o vaso fechado com ele aninhado em meu colo, soluçando de dor, mas logo se acalmando aos poucos. Amélia aproveita para enfaixar o ferimento que não é grave mas bem chato e fácil de ter alguma complicação.

— Eu não quero e acho que nem tenho emocional para ter filhos — confessa, em um sussurro, escorando na bancada da pia ao meu lado. Ben está alheio demais com a manga da minha blusa. — Dean disse que quer o que eu quiser.

Não tenho o que dizer. Amélia tem mais do que ninguém esse direito. Ela é uma segunda mãe para todo mundo. Menos para mim. Por isso chorou antes do Dean chegar, com medo de ficar sozinha de novo.

— Você é incrível, Ames — elogio baixo, pegando sua mão, beijando castamente. Ela sorri, um pouco triste. — Depois quero conversar com você.

Assente, beijando minha cabeça. Saímos juntos, e deito Ben no sofá, ligando o ventilador em sua direção, e ele funga, cheio de catarro por causa do choro. Katniss contrabandeia um bombom quando vem desejar melhoras, e Dean dá para ele beber suco de laranja com um canudo enrolado, que tem um carrinho na ponta. Milagrosamente ele fica curado antes do meu pai chegar.

Katniss come devagar minhas tiras de bacon, encostada em meu ombro, conversando com Prim, quando chega uma mensagem no meu Smarter.

Delly: fala pepe

Sorrio, mas desligo a tela. Katniss sabe muito bem que eu me reconciliei com minha amiga, e que a convidei para o casamento. Eu fui com Delly escolher os móveis para sua casa nova, no meio das muitas viagens diplomáticas, e nos acertamos. Julia tem uma casa aqui no bairro, e é onde ela tem ficado, com Stefan e Layla. Ela e meu amigo compraram um apartamento muito bom em Nova York, mas ainda não se mudaram porque ela quer conversar com Katniss primeiro.

Bem, eu não tenho muito o que dizer para ela. Apenas respeitar completamente seu tempo. Mas espero que se resolvam logo… é muito ruim elas nesses maus termos.

— Majestade, perdão interromper seu café da manhã e da vossa alteza Primrose, mas a senhora Johanna e senhorita Madge solicitam sua presença para assuntos relacionados à sua roupa de casamento — um de seus guardas avisa, depois de dois toques na porta da sala.

— Acho que essa é minha hora… até amanhã, meu bem — beija minha bochecha, depois de chamar Prim.

— Até amanhã, queridinha.

Rimos, e a dou um beijo nos lábios, aproveitando que ninguém está olhando. Me dá um tapa, dizendo que isso não dá sorte.

— Priprilimpimpim, não deixa ela desistir do casamento — brinco, e a loira ri, assentindo.

— Não vou deixar que desista porque já estamos adiando há um tempão!

Sai correndo, entrando no carro.

Pensar que amanhã de manhã todos nós seremos literalmente uma nova família, é animador, muito intimidador... mas esse sorriso e esse olhar que ela direciona para mim me deixa em paz e com a certeza de que tudo vai dar certo.