A Seleção da Herdeira escrita por Cupcake de Brigadeiro


Capítulo 58
Você Aceita? | A Escolha


Notas iniciais do capítulo

GENTE ME PERDOA NO PROX CAP QUE SAI NO FINAL DE SEMANA EU VOU EXPLICAR



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Eu nunca abri meu coração (ooh)

Para todas as possibilidades (ooh)

Eu sei que algo mudou

Nunca me senti assim

E aqui, esta noite

 

Isto poderia ser o início

De algo novo

Parece tão certo

Estar aqui, com você (ooh)

E agora, olhando em seus olhos

Eu sinto em meu coração (sinto em meu coração)

O início de algo novo

 

Agora, quem poderia imaginar (ooh)

Nós dois juntos aqui, esta noite (ooh yeah)

E o mundo parece mais brilhante (brilhante)

Com você ao meu lado

Eu sei que algo mudou

Nunca me senti assim

Eu sei que é real

 

Este poderia ser o início

De algo novo

Parece tão certo

Estar aqui, com você (ooh)

E agora, olhando em seus olhos

Eu sinto em meu coração

O início de algo novo

 

Eu nunca soube que isso poderia acontecer

Até acontecer comigo

Eu não sabia disso antes

Mas agora, é fácil ver

— Start of Something New, High School Musical

 

Não acho que vá demorar mais para que ele acorde — escutei uma voz familiar dizer, no meio de um monte de outras vozes.

Pisquei, demoradamente, sentindo muita dor no canto da barriga, onde eu já havia posteriormente levado um tiro, quando olho, estou enfaixado nessa área.

— Olha, eu não disse? Acordou! — Stuart exclamou, comemorando, e eu consegui dar um pequeno sorriso, fechando meus olhos novamente. — Safado demais você, Peeta! Eu to te vendo acordado e sorrindo!

— Shhh, ele precisa descansar um pouco mais. A pressão ainda está alta — Ouvi a voz de Maggs. — Peeta, como está se sentindo?

Suspirei devagar, tentando abrir meus olhos novamente, agradecendo por ter cortinas no lugar onde estou, e as luzes estarem fracas.

— Dor no corpo, mas acho que consigo me sentar — respondi, com a garganta arranhando muito. Tossi, e quase chorei de dor. — Água, por favor.

Stuart em um passo logo me deu um copo com água, e bebi devagar, mas de uma só vez. Respirei fundo, o que fez com que meus ferimentos doessem mais uma vez, mas consegui lidar bem com a situação, na medida do possível.

— Bem, Peeta, eu tenho um monte de coisas que tenho que fazer, além de ter que cuidar de Katniss, mas irei refazer seu curativo. Seus ferimentos não foram tão sérios quanto nós imaginamos que seriam, a única coisa séria aqui foi seu machucado posterior na barriga, tendo este aberto. Precisaram dar vinte pontos, e é muita coisa. O que é bizarro em você e em sua irmã, é que ela foi ferida acidentalmente na mesma região, eu não sei se isso é incrível ou ainda mais assustador.

Ri, assim como Stuart. Mas logo me preocupei.

— Calma, ela está bem, foi a única de nós, com exceção de você, é claro, que se machucou. Papai está só um pouco assustado, mas está ocupado em distrair Ben de todo o caos, e aliás, eles, Amanda e Stacy estão em um hotel aqui perto. Acharam melhor sair um pouco daqui, e do tumulto.

Maggs assentiu, com um simples sorriso.

— Sua irmã está dormindo, o namorado dela está acompanhando-a em alguns exames, mas vocês ficam no mesmo quarto aqui na ala hospitalar. Você pode se sentar?

Não respondi, apenas me coloquei sentado, com pouca dificuldade, mas muita dor, como fisgadas. Comuniquei Maggs sobre isso.

— Bem, vou trocar seu curativo para podermos analisar melhor o que aconteceu. No motivo para a dor. Usamos nanotecnologia, não era para estar assim.

Refez o curativo, passando uma espécie de caneta com uma luz vermelha sobre meu ferimento. A dor aliviou consideravelmente.

— A cada duas horas, preciso que passe isso sobre o seu ferimento. Em uma semana, vai estar melhor, e em um mês ou dois, até a cicatriz vai sumir.

Assenti, sem me preocupar muito sobre isso, desde que não doa mais tanto quanto doeu enquanto me costuravam em secreto, ou depois que fiquei em pé por mais de seis horas junto de Cato para receber os ministros da Alemanha, onde entre a equipe estava o príncipe Nicolau.

Maggs se despediu rapidamente, e Stuart ficou me fazendo companhia, me atualizando sobre tudo o que aconteceu enquanto eu estava fugindo pelo palácio. Me comunicou das mortes, um número altíssimo, maior do que todas as outras mortes que ocorreram pelo resto de Panem durante o atentado ao palácio.

— Todos os Selecionados estão bem na medida do que é possível, porém alguns foram mais afetados do que outros… Cato é o pior. Perdeu a mãe, e ao salvar uma das irmãs de Calvin, acabou perdendo uma das pernas.

Fiquei em estado de completo choque.

— O quê…? — balbuciei, não querendo acreditar que aquilo era verdade. — Mas Cato é um modelo de passarela, como ele vai aguentar não poder mais fazer o que sempre amou. Sempre comentou o desejo de continuar no ramo, mesmo com a possibilidade de nós sermos todos Um.

— Eu sinceramente não faço a menor ideia, Peeta… — meu irmão parecia triste pela situação. — A irmã dele foi dopada, não aguentou a notícia de ter perdido a mãe. Quando acordou, Stacey foi conversar com ela. Acho até que estão no hotel agora, elas conversam muito.

Balancei a cabeça, mas tudo começou a girar.

— Será que consigo ir até onde Cato está?

Stuart olhou para mim com os olhos semicerrados, me analisando da cabeça aos pés. 

— Acha que eu sou maluco, Peeta? Depois de tudo o que aconteceu com todo mundo, acha que eu estou te dando confiança para uma coisa dessas? É para você descansar. Sei da sua amizade, mas você precisa estar bem para ajudar outra pessoa, entenda isso.

Suspirei devagar por causa das dores no corpo. 

— Busca um lanche para mim, por favor? — Pedi, cinco minutos depois de um silêncio confortável entre nós dois, preenchido pela televisão em um desenho que ele gosta.

— Você quer comer o quê? Não pode ser nada gorduroso ou pesado.

— Um sanduíche de atum serve, eu estou com fome… — falei arrastado, com a intenção de persuadi-lo a me deixar sozinho no quarto.

— Ok, vou pedir para as tias que ficam trazendo as refeições buscarem. Espere aí,  vou chamar uma delas.

Assenti, balançando a cabeça devagar, fazendo a minha melhor expressão de dor, para que ele acreditasse no que eu estava passando, e que não me levantaria nem por um milhão de doces.

Mas assim que ele fechou a porta eu me arrastei, mesmo que me contorcendo de dor para fora da cama, colocando a calça jeans limpa que estava para mim em cima da cômoda, e a blusa azul claro também. Suspirei, com dor, tomando dois comprimidos para dor, e sai do quarto após colocar uma máscara branca no rosto. Não que isso vá evitar que alguém me reconheça, eu tenho meu rosto estampado por todo o país, mas é um “vai que” me ajude a fazer o que eu quero fazer agora.

Andando o mais rápido que eu consigo, passei por entre várias pessoas conversando, alheias para eu passando descaradamente no meio delas. A ala onde eu estou é absurdamente privilegiada, sempre foi, mas agora, andando pela enfermaria do palácio, o quarto em que eu estou alocado pode facilmente ser como se fosse o quarto de hospital que Katniss iria.

Nunca havia visto a enfermaria dessa forma. Há pelo menos cem pessoas em um lugar que estava suposto para alocar apenas vinte, é sufocante. Claro que os hospitais em meu distrito são muito piores, são quinhentas pessoas em um lugar para dez, mas tanto tempo longe da minha realidade me fez esquecer como as coisas são no mundo real.

— Bom dia… onde fica o quarto de Cato Mason? — perguntei, tocando o braço de um enfermeiro que eu já conhecia, assim que ele terminou de atender uma jovem com o braço enfaixado e o olhos roxos.

— Senhor Peeta? Você foi alocado na zona laranja! Seu ferimento é grave! — bufei, revirando os olhos. — Não me olhe assim! Você tem a mesma idade que eu, sabe que seu caso é sério!

— Eu sei, mas preciso ir ver meu amigo. Onde ele está? Não adianta apertar esse botão para chamar a Maggs, Carson! — Eu o ameacei, mesmo que minha condição fosse extremamente de vulnerabilidade, percebi quando pegou o controle que chama diretamente a médica-chefe.

— Olha, o caso dele é delicado demais, senhor… ele está na zona vermelha, ainda inconsciente. Você pode vê-lo, mas muito rapidamente, cruzando o corredor, na sua esquerda, conte três quadros com moldura vermelha. Lá está o quarto dele.

— Obriga — antes que eu terminasse minha sentença, ouvi um grito.

— Mamãe, olha! É o selecionado Peeta Mellark ali! —     Congelei, sem saber o que poderia fazer.

— Quem? — Uma voz perguntou, então pareceu me notar, e exclamou: — Oh, meu Deus, é ele mesmo! Pessoal, é o Peeta!

— Hey, por favor, não pode ser ele, meu irmão está no quarto se recupe — então a voz de Stuart sumiu, bem ao lado do meu pai, e o tumulto começou, pessoas querendo falar comigo, e Carson sem ter muito o que fazer.

— Eu vou chamar a Maggs — disse o enfermeiro, arregalando os olhos com a minha situação. Tive que tirar a máscara, e sorrir para as pessoas, não tinha algo que eu pudesse fazer.

— Oi, tudo bem? Como você está? O que aconteceu? — perguntava eu, sinceramente, mesmo que quisesse apenas ver como está meu amigo. Fiquei muito abalado vendo a situação de todas as pessoas que se encontram aqui.

Essa ala é de pessoas verde, ou seja, não correm nenhum perigo que possa ocasionalmente ser agravado, que possa piorar ou algo semelhante. Aqui, é quem quebrou um braço, uma perna, teve arranhões ou coisa similar. Meu caso é grave porque eu fui baleado, e estou com inúmeras scratchers pelo corpo, principalmente nos braços e nas mãos.

— Tudo foi muito de repente, uma hora eu estava com meu namorado, mas na outra eu estava no chão, com o braço quebrado, e ele havia desaparecido. Há cinco horas descobri que ele foi assassinado — escutei uma jovem falar, e não tive a menor ideia de como consolá-la, o que dizer em um momento como esse. Seus olhos estão inchados, assim como a mão do braço que teve quebrado.

— Eu profundamente sinto pela sua perda, Abigail… — respondi, com meu coração não mão por me sentir tão useless em um momento como esse.

A ala é para pessoas que não correm mais nenhuma complicação física, mas é impressionante o quanto damaged elas estão interiormente. É uma história mais difícil do que a outra.

Meia hora depois, a calma foi restabelecida, porque todo mundo queria falar comigo, me abraçar, ou algo assim, como se eu fosse alguém que merecesse esse tipo de recepcionamento. Falei com todos, nem que tenha sido apenas através de um olhar, ou um sorriso sincero. Eu não sou mais do que nenhum deles, não entendo o motivo de quererem tanto estar tão perto.

— Peeta! Céus! Será que vai ser necessário eu e sua família colocarmos alguma babá para garantir que você obedeça? — Maggs exclamou, logo depois que eu sai da ala, na tentativa de enfim ver Cato.

E Maggs não me parou sozinha, estava com meu pai, Stuart, Amélia, Dean, Ben, Stacey e Amanda, todos parecendo muito aborrecidos.

Suspirei profundamente.

— Você mentiu para mim, me dizendo que estava com fome, Peeta! Seus ferimentos foram muito sérios para você sair assim como se absolutamente nada tivesse te acontecido! — Stuart exclamou.

— Imagina o seu ferimento abre, filho! Não faz ideia da dificuldade que foi para te achar, e agora para tratar que isso não infeccione de maneira que possa até te levar ao óbito! — Meu pai continuou a bronca. Ben parecia triste e decepcionado comigo, mesmo com apenas cinco anos de idade. Não sei como ele possa ser tão inteligente.

— Eu só queria ir ver o Cato, porque eu sei que nenhum de vocês deixaria! Eu só quero ver como o meu amigo está, porque sei que ele faria o mesmo se tivesse acontecido comigo — repliquei.

— Entendemos a sua preocupação, Peeta, mas você precisa priorizar a sua própria saúde. Não pode salvar o mundo todos os dias — Dean falou antes que Maggs pudesse falar. — Sua saúde é muito importante, seu caso é extremamente delicado, e o de Cato ainda mais. Você precisa estar bem para poder falar com ele, e com todas essas outras pessoas. Muita gente conta com você.

— O que seu cunhado disse é totalmente verdade. E Peeta, eu não posso estar toda hora vindo ver você. Estou atendendo a Katniss que está em um caso complicado também. Por favor, volte para o seu quarto, ok? E fique lá, seguindo as instruções que deixei.

Infelizmente, mesmo tão perto, não consegui chegar até o quarto onde Cato estava, e fui escoltado de volta para o meu, onde dois enfermeiros foram ver como eu estava, limpando meu curativo.

Amélia se deitou ao meu lado, me abraçando com cuidado, porque ela também está machucada. Todos os outros foram lanchar, apenas me deixaram aqui com ela porque sabem que eu obedeço Amélia.

— Como você está? — ela me perguntou, fazendo carinho no meu cabelo. Fechei os olhos, inclinando o corpo em sua direção.

— Triste e preocupado. Conversei com algumas pessoas, e a situação foi horrível. Não que eu duvidasse, mas não estava esperando que fosse ser tão ruim quanto foi.  Eu tive apenas uma perspectiva no dia. Hoje eu tive umas cinquenta outras, e não sei dizer se foi bom. Me deixou mais preocupado para ver como Cato está.

— Fiquei sabendo o que aconteceu com ele, e eu estou completamente em choque também. Ele não merecia o que viveu, sinceramente. E sobre os outros… o sentimento de impotência fica cada vez maior.

Concordei, respirando devagar, por estar sentindo fortes dores, mesmo com a medicação. Quando saí da cama mais cedo, soltaram dois pontos internos da minha cirurgia.

Não muito o que conversarmos aqui, nesse momento, então caímos no silêncio de palavras que queremos falar, mas de maneira confortável. Sempre é bom estar com Amélia, e hoje não é diferente.  Não sei o que eu seria capaz de fazer sem ela por perto.

Fiquei fazendo carinho em suas costas, enquanto ela afagava meu cabelo com suas mãos de irmã mais velha, quase uma mãe. O quanto nós amadurecemos em sete meses? Nós sempre tivemos que pensar como nossos pais, desde que Amanda nasceu, pois as coisas desde que temos cinco anos passaram a ficar mais difíceis, desde muito novos pensamos sobre como nossos irmãos estão, como vão ficar, até onde podemos ir com determinada escolha.

Entretanto, com a minha saída de casa, a morte de nossa mãe, e todas as outras dezenas de variáveis que nos aconteceram, tivemos que amadurecer ainda mais. Amélia muito mais do que eu, uma vez que tomou para si toda a responsabilidade de fazer nossos irmãos crescerem o menos desfalcados possíveis.

Quando eu estava quase dormindo, dois enfermeiros chegaram com utensílios médicos que eu nunca havia visto antes.

— Olha, se isso não resolver seu caso, vamos precisar levar o senhor para a ala vermelha — um disse, bem preocupado com o estado do meu ferimento. — Essa é uma tecnologia médica usada apenas em casos muito extremos. Seu ferimento está infeccionando de uma maneira impressionante, mas pelo lugar que foi, não há muito o que possamos fazer para reverter o que está acontecendo.

— Mas o que é isso, exatamente? — Amélia perguntou por mim, franzindo o cenho para o que parecia ser uma esponja de aço, com luzes roxas de baixa intensidade.

O enfermeiro que parecia ter no máximo 25 anos sorriu tranquilamente.

— É um aparelho que ativa células do organismo para que se regenerarem o mais rápido possível, também contém infecções, é algo bem específico. Não usamos muito porque é muito complexo, às vezes até provoca efeitos colaterais severos.

— Mas vamos usar em você porque sinceramente, se conseguiu andar e cumprimentar todas aquelas pessoas sem desmaiar com o seu ferimento, você vai conseguir lidar com isso. Maggs quer que fique bem o mais rápido possível para que você pare de se machucar.

— Ok… — concordei sem ter muita escolha. — Vai doer?

— Não muito mais do que já está doendo — respondeu. Senti que ele estava sendo sincero. Respirei fundo, e fechei os olhos.

*

Um dia depois do novo procedimento que fui submetido, e Maggs ter me examinado novamente para ter a certeza de que a infecção agora não mais ia se alastrar e cedo ou tarde me levar ao óbito, eu já estava ajudando a cuidar dos feridos.

Não fui autorizado a fazer isso, mas simplesmente não aguento passar mais um dia preso dentro de um quarto, sem poder fazer nada.

— Uno! — exclamou a menina de treze anos que jogava comigo, Stuart, Ben e mais três crianças na faixa etária dos doze anos. Carol, a menina, recebeu um tiro de raspão na perna, que está imobilizada, mas para evitar que se estresse, por ser uma criança, e gostar de falar, querer mexer com as coisas, achei melhor juntar com outras crianças que esperavam por seus responsáveis, e fazer algo que todas pudessem se distrair.

Sem contar que isso também é bom para a minha cabeça. Antes que o jogo terminasse, um guarda que eu não me lembro de conhecer, chegou e pediu para que eu acompanhasse-o.

— Ordens de sua majestade — disse, polidamente, fazendo uma pequena reverência.

Assenti, sem contestar, porém com um forte frio na barriga, preocupado com o que pode ser. Não vejo Katniss desde o ataque, há três dias. Parece que foi uma eternidade atrás. Nunca vivenciei dias tão longos, tão desgastantes, tão… eu nem sei ao certo ao que eu poderia comparar. Sem dúvidas essa foi a semana mais intensa da minha vida inteira.

— Nossa — foi a primeira coisa que eu disse depois de um minuto caminhando pelos corredores do palácio. Nunca vi tanta movimentação, pessoas de um lado para o outro arrumando móveis, pintando paredes, organizando quadros, e um cheiro de baunilha suave no ar. Tenho o sentimento que no final desta semana não haverá nenhum sinal do atentado que o palácio sofreu.

Mas algo muito mais estranho me chamou a atenção… conforme eu, Peeta Mellark, caminhava, as pessoas iam se curvando, em reverências. Não entendi absolutamente nada.

— Por que as pessoas estão fazendo isso? Eu só sou um Selecionado, não alguém da realeza — murmurei, mas o guarda que me escoltava parece ter escutado. — Você está sabendo de alguma coisa?

Ele balançou a cabeça em negativa.

— Nada, senhor. Só cumpro ordens.

Assenti, um pouco constrangido, afundando minhas mãos nos bolsos da minha calça jeans, encolhendo os ombros na blusa social azul claro que tia Effie me deu enquanto eu estava internado. Sorriam para mim enquanto eu passava, isto por todo o percurso até o quarto de Katniss. Os guardas que estavam parados na porta dela eu conhecia, me fazendo suspirar aliviado, por ver que colegas meus estavam bem. Eu ainda nem consegui ver Cato, quem dirá saber se todos os guardas e servos do palácio que eu tenho boa relação.

Não diferentemente da maioria, James e Kurt fizeram uma reverência, e James ainda se atreveu a me dar um sorrisinho malicioso. O guarda que me trouxe se posicionou ao lado de um deles, e um servo anunciou minha entrada.

Procurei mas não encontrei Katniss de primeira ao olhar para dentro do quarto impecável, pois muitas pessoas estavam ao redor da cama, mas quando me perceberam - o que não levou nem cinco segundos para isso -, pude percebê-la, deslumbrante como sempre, com uma expressão muito séria, que a deixava mais madura. Seus cabelos longos estavam no tom natural, castanho - nem claro, nem escuro -, como se fosse chocolate ao leite, presos em um coque bagunçado. As bochechas coradas, pelo sol das duas da tarde que batia no seu rosto comum, mas que para mim sempre é diferente. Não está usando nenhuma maquiagem. Eu já a vi de muitas formas, e sei quando está usando algo ou não.

Um de seus seios está à mostra, porque um está enfaixado, em decorrência de um ferimento no ombro. Admiro ela ainda mais, por não permitir que a vejam em uma posição de maior vulnerabilidade por causa disso. Um sobretudo branco - com detalhes em rosa claro - está em seu ombro ileso, mas é possível perceber a falta de blusa e o dorso exposto. Katniss é incrível. Mesmo em um quarto com vários homens, e mulheres de poder, não tem como não perceber que ela é a rainha de Panem. A coroa de ouro branco com cristais que está brilhando radiante em sua cabeça é só um detalhe. Ela tem a essência da realeza transbordando de seus poros. Gostaria de tirar uma foto desse instante e colocar em um quadro, fazendo um paralelo com uma obra renascentista, do período moderno.

— Majestade, assim como a senhorita solicitou, este é o selecionado Peeta Mellark, de Sant Cloud — anunciou o conde Vicente. Eu nunca tinha visto ele pessoalmente, apenas em fotos nas aulas de história. É muito mais jovem do que retratam, parece ter no máximo 28 anos, com o cabelo ruivo caindo nos olhos, dá para perceber que ser conde não é algo que goste de ser reconhecido como tal.

Faço uma reverência, para Katniss e todos os outros que estão na sala. Dou um sorriso de lado, um pouco sem graça pelas roupas simples que estou usando. Por sorte estou com uma sandália bege nova e que cobre meus dedos e meu calcanhar, dá para disfarçar no meio de todos esses sapatos de couro e sociais.

— Por favor, vocês estão dispensados para almoçar, gostaria de ficar à sós com o senhor Mellark — Katniss diz, ainda sem olhar na minha direção, assinando alguma coisa.

— Sim, majestade — e todos saem do quarto enorme, me deixando sozinho com Katniss.

Estou em uma ponta, perto da porta, e ela na cama. Suspira profundamente, se apoiando nos travesseiros pomposos atrás dela, e olha pra mim. Tem um sorriso doce, de lado, no seu rosto tão bonito, mesmo cansado. Não consigo não rir para ela. Tudo é tão fácil e simples entre nós, que eu sou incapaz de descrever em palavras.

— Por um instante pensei que você tinha desistido de mim, Peeta — ela diz, baixo, conforme vou caminhando em sua direção.

— Como poderia pensar algo assim sobre mim, Majestade? Eu estava na sala laranja, Maggs não me deixou sair do quarto, se não eu teria acampado aqui no seu quarto desde que  houve o ataque, sabe disso — falo em um tom de deboche, embora sincero, fazendo ela ri alto, relaxando, me deixando abraçá-la com o devido cuidado por causa de seu ferimento. Suspiro em seu abraço. O choro vem logo, tanto em mim quanto nela. — Por um momento eu achei que eu nunca mais pudesse abraçar você de novo, Katniss. Deus sabe o quanto eu pedi para que você estivesse bem.

Minha voz saiu trêmula, porque parece surreal poder tê-la tão perto, presa no meu abraço. Poder beijar seu pescoço, e sentir seu perfume amadeirado e suave ao mesmo tempo é o maior de todos os privilégios. Ela nem diz nada, apenas soluça, e eu a abraço mais apertado.

Não sei quanto tempo dura esse abraço, mas o suficiente para que a dor de quase perder um ao outro fosse apaziguada, assim como o luto pelo o que aconteceu. Não cabe uma palavra de conforto. Sabemos que infelizmente tudo aconteceu. e não vai ser fácil.

Quando nos separamos, eu não nos deixo totalmente separados. Entrelaço nossos dedos com uma mão, e com outra afago seus cabelos, fazendo com que ela se apoie nos travesseiros de maneira confortável. E acabo me deitando ao lado dela, ficamos de frente um pro outro, mas com os olhos fechados. Sua mão livre para em minhas costas, nos deixando ainda mais próximos. Analisando tudo o que já passamos, é difícil entender em que momento nós desenvolvemos toda essa intimidade.

— Como você está? — pergunto, mesmo que o silêncio das nossas conversas que ainda não tivemos e precisamos ter, pois o silêncio entre nós é confortável.

— Em paz.

Respondeu, e eu abri meus olhos, ao mesmo tempo que ela. Faz carinho com a ponta dos dedos nas minhas costas. Seus olhos estão cinzas com fios azuis, como normalmente são. E só tem paz.

— E você? — pergunta de volta.

Nem penso duas vezes antes de responder.

— Em paz.

Bem, pelo menos agora, nesse instante. Eu sei que meus amigos estão se recuperando, Cato ainda não acordou do coma induzido, Calvin está em estado de observação por conta do que aconteceu com sua irmã, e muitas outras coisas, mas nesse momento… agora, no presente, olhando nos olhos de Katniss, viva, eu sinto paz.

Ela esboça um sorriso cansado, mas satisfeito com a minha resposta, fechando os olhos novamente. Faço o mesmo. Não é como se eu tivesse pressa de alguma coisa.

— A Seleção terminou — começa, falando baixo. — E eu tomei minha decisão.

Abro os olhos novamente. Meu coração bate acelerado no peito agora, chega a causar uma dormência na ponta dos meus dedos.

— Meu pai renunciou o trono, e está muito frágil de saúde agora. O reino está enfraquecido por causa destes atentados.

Balancei a cabeça em concordância, continuando a afagar seu cabelo, olhando-a nos olhos. Amo seus olhos. Me apaixonei de maneira súbita, e não sei como é um mundo sem que eu possa olhar para ela dessa forma, sem fazer carinho em seus cabelos. Ela é linda.

Mas não posso me esquecer do que aconteceu há duas semanas atrás, quando descobriu sobre eu e Delly, e do quanto isso a magoou, do quão ruim foi para sua saúde. Aqui mesmo é possível perceber o quanto emagreceu nesses últimos tempos.

— …e estão cobrando de mim um posicionamento… — continuou. — ...e eu quero me casar com você, Peeta.

Quando ela disse, foi como se as coisas ficassem em um nível tão alto, que senti meus ouvidos fazerem um barulho alto, como se eu estivesse debaixo d’água.

Me sentei na cama, mas ela continuou deitada, me olhando, um pouco preocupada.

— O quê? — perguntei, e ela riu de mim, acompanhando, e se sentando na cama também. — Katniss, isso é muito sério. E eu achei que tecnicamente você ainda estava com ódio de mim.

Ela riu bem sincera dessa vez, jogando a cabeça pra trás, divertida. Pegou uma caixinha azul marinho embaixo do travesseiro e colocou na minha mão.

— Peeta, eu não consigo guardar raiva por muito tempo. Sem contar que eu tive provas de todos os acontecimentos, e Prim ama você. Não é como se eu pudesse escolher alguma outra pessoa. Bem, se você não quiser, eu posso encontrar quem me queira e… — deixou a frase solta no ar, em um tom brincalhão, mas eu estou em um profundo estado de choque. — Ok, você não quer se casar comigo, tudo bem, tudo bem, vou pedir para chamarem o…

— Katniss, eu não consigo acreditar que isso está acontecendo comigo agora.

— E por quê?

— Não sei, acho que eu simplesmente não imaginava que algo desse tipo pudesse realmente estar acontecendo comigo. Não sei em que momento, mas eu estou e sou completamente apaixonado por você, Katniss. Não sei quando sua existência passou a ser um alívio para a minha alma, não sei em que momento eu passei a precisar de você sorrindo para fazer meu dia melhor, ainda que não estivesse do meu lado. Mas eu sei que você tem todo o direito de querer discutir comigo por mais tempo sobre tudo o que aconteceu. Você é maravilhosa, e eu não consigo me imaginar hoje passando a eternidade de dias finitos ao lado de outra pessoa que não seja você. Apenas quero te dizer que se você quiser esperar, eu espero por você até o fim dos tempos. Não tome uma decisão assim a menos que você tenha tanta certeza.

Ela fez uma expressão pensativa, assentindo. Olhou para o lado, então para a caixinha azul que estava nas minhas mãos.

— E depois de me conhecer tão bem, acha mesmo que eu estaria te pedindo em casamento se não estivesse segura da minha pergunta?

Perguntou, olhando dentro dos meus olhos. São tão intensos. Tão cinzas. Tão ela.

Então, nesse momento, eu posso finalmente respirar de forma aliviada, como eu não fazia há duas semanas. Me desfaço no esboço de um sorriso, e ela ri, sabendo qual é a minha resposta. A forma da qual ela se afoga no meu abraço é tão doce, tão delicada. Não consigo parar de me cobrar para não ser tão sentimental.

— Bem, acho que pelo menos a senhorita majestade merece um pedido mais formal, não acha? — sussurrei em seu ouvido, fazendo ela dar uma risadinha, se escondendo ainda mais no meu pescoço, segurando firme a parte de trás da minha camisa, como se para eu não me afastar.

— Já que insiste… — ainda que relutante, eu me afasto um pouco, segurando a caixinha azul, e me levanto da cama.

Ela já está com os olhos cheios de lágrimas, olhando bem pra mim, com um de seus sorrisos puros, como um doce de goiabada.

— Vossa Majestade, eu humildemente gostaria de perguntar… — comecei em um tom sarcástico, fazendo ela rir, e eu também. Mas me coloquei sobre um joelho, ainda que meus machucados sejam muito recentes, e estejam doendo muito. Fiquei sério, emocionado, mal podendo acreditar que esse momento é real. — Katniss, você me daria a honra de se casar comigo?

Abri a caixinha, que desde o início se podia imaginar o que é que continha. Duas alianças finas, de ouro. A dela tem pequenas pedras de cristais em rosè, e uma outra linha delicada de ouro branco, como eu havia escolhido, enquanto a minha é apenas comum, com uma linha fina também de ouro branco. Nós escolhemos os modelos das alianças quando entramos na Elite. Pedi para tia Effie me acompanhar no dia, porque nunca tinha visto uma aliança, a não ser nas mãos de pessoas do distrito dois ou três. É um luxo muito grande esse tipo de coisa.

— É claro que eu aceito! Você sabe que não precisa de toda essa formalidade! — respondeu, e mesmo que em tese tenha ela sido quem havia me proposto, o nervoso é o mesmo. E uma felicidade inexplicável preenche a minha alma, mesmo com tudo o que tem acontecido.

Depois de quase duas semanas, não consigo conter, e logo depois de colocar a aliança em seu dedo, a beijo.

Um beijo cheio de saudade, de amor, e também como pedido de desculpas mais uma vez. Eu nunca mais vou esconder qualquer coisa dela. Com exceção do meu relacionamento com Delly, foi efetivamente a única coisa que não compartilhamos, porém não pretendo mesmo esconder mais nada. Eu sou completamente de Katniss desde o dia que saímos para caminhar nos jardins. Mas fui cego demais para não perceber isso mais cedo.

Passou suas pernas ao redor da minha cintura, já que eu estou de joelhos ao lado da cama, e me puxou para onde ela estava. Eu fui. As respirações ofegantes, os sorrisos entre os beijos, a coroa na cabeceira, suas mãos empurrando os papéis para o chão, as minhas tirando seu sobretudo, arremessando-o para junto dos papéis, junto com a minha camisa… As nossas calças estavam desabotoadas, a dela escorregando, quase na metade da perna, e a minha no mesmo caminho… os meus beijos abaixo de seu pescoço, beijos decididos em continuar..., quando fomos interrompidos por batidas na porta. Só deu tempo de nós gritamos um “não!”, e um “tudo bem, mais meia hora” do outro lado, para cairmos na risada, e a porta fechada.

— Em quanto tempo a gente casa e poder usar uma tranca na porta? — perguntei, me jogando ao seu lado na cama, e ela gargalhou, rolando para passar um braço pela minha cintura.

— Logo, logo… provavelmente depois da minha coroação, que vai acontecer na semana que vem. Talvez o casamento seja em um mês.

— Se eu não te conhecesse e não estivesse acostumado na maluquice que é tudo isso, eu estaria surpreso, e até desesperado. Mas agora? Katniss, eu só quero passar a minha vida do seu lado.

Falei muito sincero, ainda tentando recuperar o fôlego, assim como ela. Não estou pensando em mais nada além de nós dois nesse instante.

Não foi preciso nenhum de nós dois dizer mais nada. Procurei minha roupa pelo quarto, ajeitando a pequena bagunça que fizemos, e pouco tempo depois Annie e Madge entravam no quarto com nossos almoços, mantendo a porta aberta.

Katniss pediu para que eu acompanhasse-a durante as reuniões pelo resto do dia, e fiz conforme seu desejo. Prestei atenção ao que falavam, auxiliando ela com as notas, falando algumas coisas, quando eu via ser conveniente.

— Majestade, agora que sua decisão está tomada, acha adequado resolvermos a data para sua coroação pública? — perguntou um dos ministros.

— Sim, podem e devem, para o mais rápido possível. Apenas um comunicado eu não acho que seja suficiente, precisam ver que há uma líder, e as coisas vão mudar — ela disse séria, naquela pose de realeza.

Ao seu lado, apenas olho para ela, com um olhar cheio de orgulho.

— Tudo bem, as criadas já estão elaborando suas vestimentas. Será algo histórico. A primeira rainha coroada sem um casamento. Mesmo que em um mês vocês estejam se casando, e o senhor Mellark will be coroado como rei consorte na mesma ocasião.

E daí, o assunto foi para as questões políticas do nosso casamento. Até sobre as cores das roupas foi debatido! Quando terminou, eram quase dez da noite.

Maggs tomou um susto ao me ver aqui, mas ficou feliz, porque eu consegui cumprir seu pedido de não fazer muito esforço. E eu continuei no quarto com Katniss, conversando, rindo, com suas criadas e enfermeiras. Inclusive, a ajudei a cuidar de seu machucado, que ainda está um pouco sério, por causa de seus outros medicamentos.

— Acho que vou mandar uma mensagem para meu pai só para avisar que eu vou passar a noite aqui — avisei, pedindo licença para Madge, Annie e Katniss, em meio uma discussão sobre qual a coroa mais bonita. Estranhamente eu adorei o assunto, e estou ainda mais surpreso pela quantidade de coroas que uma pessoa pode ter.

P.M: Ô pai, eu estou com a Katniss desde hoje mais cedo, e vou dormir aqui. Esqueci de avisar. A Maggs me deu alta também. Foi mal.

S.M: Agora que você me avisa???? Peeta, eu estava muito preocupado, porque você não atende o Smarter! Ben chorou a tarde toda querendo ter notícias suas. Não custa NADA avisar. Já sei que está aí, mas porque Amélia viu a localização do seu smarter.

Senti as minhas bochechas ficarem muito coradas de pura vergonha.

P.M: Desculpa, pai…

E nem mandei mais nada, porém tive a sensação de que ele e meus irmãos estavam rindo de mim.

Voltei para a roda de conversa, me sentando ao lado de Katniss, entrelaçando nossos dedos, dando um sorriso para ela.

Pouco menos de dez minutos depois ficamos sozinhos no quarto, deitados um ao lado do outro.

— Eu sei que agora tem o casamento, e tudo mais… mas nós estamos bem de verdade? Katniss, eu entendo completamente se você quiser mais tempo e… — eu ia continuar falando, mas ela me silenciou com um beijo na minha bochecha.

Sou muito inseguro quando se trata do sentimento das outras pessoas. Tenho plena consciência da grande dor que causei para ela, e ainda me parece injusto que eu esteja aqui.

— Peeta, se eu não tivesse te perdoado, eu teria pedido Gale em casamento. Ou ninguém. Eu sei que não preciso de ninguém para governar o país e resolver problemas. Mas eu quero alguém comigo, porque eu amo você. E porque eu te entendo, nem consigo me imaginar contando algo como o que aconteceu entre você e a Delly. Só vamos prometer não esconder nada um do outro. Tudo bem?

Na maior parte do tempo, eu fico me perguntando o que eu fiz para merecer uma pessoa assim.

— Eu amo você — disse, da forma mais sincera possível. — Eu não vou esconder nada de você.

Ela deu um olhar esperto, de quem sabe que eu estou dizendo algo que é verdade ou certo, é aquele olhar que eu amo. Todos os seus olhares e sorrisos eu amo. Esse em particular.

Esse ano novo que começou há uns dias será muito bom. Difícil, mas eu sei que ela está aqui, e vamos fazer funcionar.


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Notas finais do capítulo

FELIZ ANO NOVO GENTEEEEEEEE FELIZ NOVA DÉCADA FELIZ 2020 PESSOAL OBRIGADA POR TUDOOOOO



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