A brisa fria faz meu cabelo balançar em frente aos meus olhos dificultando a visão que tenho da tela do meu celular. Bufo, irritada, e pego um prendedor de cabelo para tentar fazer um coque. Só tentar mesmo.

Devo ser uma desonra para todas as mulheres porque não sei nem fazer um coque com o cabelo.

Lucca: A sereia saiu para nadar.

— Finalmente – murmuro.

Lucca decidiu, por livre e espontânea pressão, me ajudar a invadir o vestiário masculino para mexer no armário do Icaro e ver se ele tem documentos falsos ou membros decepados guardados. Por sorte os garotos fazem aula de natação juntos, se não isso seria impossível.

Saio do meu esconderijo em uma moita próxima a porta do vestiário e ando na ponta dos pés até o local. Encontro a porta aberta, como Lucca me disse que estaria, e passo por ela.

Os filmes sempre apresentam vestiários como locais bagunçados e fedidos, mas esse é apenas quente e cheio de vapor demais. Não encontro cuecas e meias com chulé espalhadas pelos cantos e fico aliviada por isso.

Encontro armário onde Icaro guarda suas coisas e coloco a senha que Lucca o viu usar para abrir o cadeado. Fácil demais.

Se o FBI não me contratar para trabalhar com eles, vou abrir minha própria agência de espionagem e ser como As Três Espiãs Demais.

A touca hipster está por cima das roupas dele, reviro as peças até encontrar uma carteira do Capitão América.

Eu sei que garotos são garotos e não devo julgá-los por isso, mas não consigo evitar fazer careta ao encontrar um preservativo dentro da carteira. Pelo menos ele não tem Aids, eu acho.

— Achei! – quase dou um pulinho para comemorar.

A carteira de identidade traz o nome de Icaro Lewis, ele é um ano mais velho do que eu e os nomes dos pais não são familiares para mim e sua foto está atualizada, até a touca hipster está nela. Suspiro e guardo a carteira com o documento de volta no armário.

Escuto passos se aproximando e imediatamente vou para baixo do longo banco no centro do vestiário puxando um saco cheio de bolas de basquete para ficar na minha frente e dar cobertura.

— Eu ainda não acredito que comi a Larissa – a voz é de Joshua Boston, um veterano como eu.

— E eu a Stephany, essas calouras são bonitas e fáceis demais.

Joshua e seu amigo continuam a conversa sobre como foi fácil iludir as garotas e leva-las para a cama. Tenho vontade de vomitar e cogito seriamente a ideia de fazer isso no tênis dele.

Os garotos ficam conversando durante toda a aula de natação até que os outros alunos cheguam para se vestir. Mantenho os olhos bem fechados para não ver nada que não devo e ouço Icaro e Lucca conversando acidentalmente.

— A Anna é sua namorada? – o loiro pergunta sem nenhuma hesitação.

— A Anna? – ouço Lucca rir – Ela é quase uma irmã.

— Você diz isso porque não tem chance com ela ou porque é verdade?

— Eu digo isso porque cresci com ela – Lucca não tenta ser simpático – Você não está se intrometendo demais na vida de alguém que acabou de conhecer?

— Sinto muito, cara. Não quis ser invasivo.

— De boa, só toma cuidado pra não ser assim com a Anna.

— Acha que ela pode criar a teoria de que eu sou a Secret se quiser saber mais sobre ela?

Ouço Lucca rir e quase consigo imaginar o que ele está pensando.

— Você nem imagina a teoria que ela pode criar.

— Icaro Lewis – digo derrotada e me sento ao lado de Lucca na arquibancada da escola.

Perdi mais da metade do intervalo de hoje trancada no vestiário masculino até que o treinador abriu a porta novamente.

— Lewis? Eu não me recordo desse sobrenome – ele franze as sobrancelhas – Onde você esteve esse tempo todo?

— Vestiário – ele me olha confuso e completo – Fiquei presa lá depois da sua aula de natação.

— Que droga.

— É.

Luca se vira para mim de supetão com cara de quem viu a avó pelada tomando água de madrugada.

— Você ficou observando os caras pelados?

— O que? – agora é minha vez de fazer a expressão bizarra de assombro – Não! Eu só ouvi algumas conversas que usei em uma matéria da Secret.

Lucca fica visivelmente aliviado e eu tenho que controlar minha vontade de socá-lo. Meu melhor amigo me vê como uma pervertida que observa garotos no vestiário?

— Qual seu veredito sobre o Icaro? – ele pergunta com os grandes olhos avelã olhando bem nos meus.

— Ele está limpo.

— Então você acha que pode ser amiga dele?

Não respondo essa pergunta e saio sem dizer mais uma palavra para a minha aula de história.

Existem pessoas que não gostam de história, só posso dizer que as acho loucas. História é minha segunda matéria favorita na escola, perde apenas para literatura, e talvez isso seja culpa da minha irmã mais velha que gostava de me obrigar a ajuda-la a estudar para as provas ou do meu pai que colecionava antiguidades. Enfim.

Enquanto outros gostam dessa aula para cochilar, eu aproveito para observar tudo e todos sem deixar de prestar atenção na matéria.

A sala está praticamente vazia quando eu entro nela e ando até a última carteira ao lado da janela. Esse é meu lugar favorito em todas as aulas porque é discreto e também é onde a internet móvel funciona melhor.

Outros alunos começaram a entrar na sala para a infelicidade do professor Anthony que já me confessou ficar bem mais contente quando os arruaceiros não estão presentes em sua aula.

O professor caminha lentamente em minha direção dando tempo para que eu esconda o meu joguinho de celular.

— Bom dia professor – cumprimento.

— Olá, senhorita Kaulitz – a barriga redonda, olhos azuis e a barba o deixam parecendo um papai Noel de shopping que se perdeu – Tenho um favor para lhe pedir.

— Um favor?

— Sim – ele olha para a porta da sala e depois para mim – Tenho um aluno com muitas dificuldades na matéria, gostaria que você o auxiliasse.

Bem, isso não é novidade. O professor Anthony sempre me pede para ajudar os alunos que tem mais dificuldade em sua matéria o que é maravilhoso porque ele me recompensa fazendo vista grossa para as minhas faltas e “acidentalmente” esquecendo-se de marca-las no diário. Ops!

Vai dizer que você pensou que tudo que a Secret sabe é apenas enviado para o blog e que eu descubro no banheiro feminino? Tem muito além disso, acredite.

— Adoraria – respondo sorrindo de forma simpática – Quem vai ser meu pupilo?

— Ele já devia estar aqui – o professor se vira em direção a porta novamente – Ah, ali está ele! – com um sina o educador chama o aluno para se aproximar de nós.

Não sei se fico surpresa ou com vontade de me socar quando vejo o Icaro se aproximando.

— Senhor Lewis quero que conheça a senhorita Kaulitz, ela é minha melhor aluna e vai auxiliá-lo para superar suas dificuldades.

— Olá Anna, é uma honra ser seu aluno – ele estendeu a mão para mim.

— Só pode ser brincadeira.

— Vocês se conhecem? – o professor nos olha confuso– São namorados?

— Não – respondemos juntos e depois nos encaramos.

O professor Anthony riu.

— Jovens – foi tudo o que ele disse antes de se afastar.

Icaro puxou uma carteira vaga e a deixou junto a minha. Depois arrumou seu material sobre ela, sem deixar de sorrir nem por um segundo.

— Estou feliz por tê-la como tutora – Icaro disse com aquele irritante sorriso no rosto.

— Por que?

— Eu não sei explicar, você e o Lucca são as poucas pessoas com quem gostei de conversar desde que cheguei aqui.

Semicerrei os olhos para ele.

— Espero que você esteja falando a verdade, Icaro.

— Por que? – o sorriso dele vacilou.

— Porque você tem cara de quem gosta de aprontar.

— E o que eu poderia aprontar sendo seu aluno?

— Eu não sei, mas se tem alguém que sabe é você.

Ficamos nos encarando por cinco segundos até cairmos na risada juntos.

— Isso foi bem idiota da sua parte.

— Tenho meus momentos – sorri – Então, qual a sua dificuldade em história?

Icaro me explicou o pouco que sabia sobre a matéria e confessou que dormia muitos nas aulas de histórias na antiga escola. Típico.

O professor Anthony começou a passar a sua matéria enquanto eu explicava para Icaro sobre a antiguidade Oriental.

A aula passou sem que eu me desse conta e quando percebi o sinal anunciando o final dela estava tocando.

— Droga – murmurei enquanto guardava os meus materiais o mais rápido possível.

— Tem algum compromisso? – Icaro perguntou calmamente.

— Não – respondi porque não posso dizer a ele que vou espionar as garotas no banheiro feminino nos intervalos entre as aulas.

— Então relaxa – ele pegou a minha mochila de guaxinim e a segurou – Vou te pagar um milk-shake para agradecer pela aula, que tal?

Uma parte de mim gritou com essas palavras. Como ele ousa atrapalhar a espionagem da Secret? Ele quer me sabotar? Nunca vou sair com ele e deixar de postar alguma matéria bombástica no blog.

— Acho bom você estar preparado para gastar muito dinheiro com cobertura extra.

Icaro sorri e a parte de mim que não estava gritando ficou contente com isso.