Liars and Killers escrita por A Lovely Lonely Girl


Capítulo 38
Capítulo 34


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Fico muito feliz que estejam gostando da fanfic, muito obrigada por lerem, de coração. Desculpem pela demora do capítulo, minha avó faleceu devido ao covid-19 e minha vida virou de cabeça pra baixo por um tempo. Enfim. Pelo menos ela está num lugar melhor agora.
Como me apaixonei por Corte de Espinhos e Rosas, fui atrás de mais livros da Sarah J. Maas. Foi a melhor decisão que tomei na vida, porque Cidade da Lua Crescente é A obra de arte. Estou fascinada com a quantidade de palavrões do livro, mas também, a classificação é +18 hahaha.
E vocês verão no presente capítulo o resultado de eu ficar me inspirando em livros de fantasia. Eu estou nas nuvens com esse capítulo ♥ Mais personagens, mais intrigas, mais gente poderosa ♥
Gostaria de agradecer de coração:
Do Wattpad: @0LuaAzul0 @Itami_Malfoy_Uchiha @EvelynBorges770 @dark-sia @iSTR4WB3RRY_ @LuizHenriqueLangePom @clara1w @Oisol2619 @RafaelaSilveira5 @lokideus @Ste_Kura @MarinaBotelho @sadbbyz
Do Social Spirit: @Lucy-Scarlet @KarolayneGR @MoonKryo @Amon_com @Anamalokeira165
Do Nyah!: Sinceramente, nem sei porque me incomodo de colocar o Nyah aqui. Ninguém lê mesmo kkkk
Espero que vocês gostem de ler esse capítulo tanto quanto eu amei escrevê-lo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/647604/chapter/38

 {Katherine Adams Kohls}

Eu sentia tudo –— desde a água salgada com forte cheiro metálico que encharcava meus tênis até as chamas douradas que chamuscavam meus cabelos pretos. O cheiro de sal, sangue e cabelo queimado me atingiu como um soco no estômago –— uma onda súbita de náusea atravessou minha garganta. Meu corpo se moveu sozinho, antes mesmo que meu cérebro registrasse o que estava acontecendo.

Me joguei no mar de sangue e me impulsionei o mais fundo na água que conseguia, cada vez mais longe da terra, cada vez mais fundo. Meu corpo se movia sozinho, meu cérebro, pouco fazia para tentar impedi-lo. Quando recobrei meus sentidos, compreendi a urgência que tanto sentia – eu estava em chamas. O cheiro de cabelo queimado... Forcei minhas pernas a se moverem, até que minha cabeça encontrou a superfície. Quando observei em volta, notei que era um pântano no meio de uma clareira com um lago de sangue muito fundo. E que eu havia entrado no lago sem pensar duas vezes.

 Suprimi um grito de puro horror. Havia uma criatura gigantesca a meros quatro metros de mim, com seus olhos psicodélicos de arco-íris bem abertos me encarando fixamente. A boca da cobra parecia sorrir de canto para mim, e me assistia com diversão enquanto eu me debatia como uma mosca na teia da aranha.

— LOKI! O BASILISCO! É O BASILISCO!— Gritei tão alto que me esqueci de continuar batendo os pés. Afundei no lago de sangue. Uma coisa se movia abaixo dos meus pés – um rastro de chamas douradas me seguia sem cessar. Parecia outra cobra, mas essa brilhava e queimava. Gritei ainda mais alto debaixo da água ensanguentada e comecei a me forçar para trás, de volta para onde tinha entrado. Minhas lágrimas estavam misturadas ao lago de sangue, eu tentava encontrar uma saída, eu precisava achar uma saída...

A terra tremeu. O lago tremeu. E eu sabia, sabia que aquele monstro gigante havia se movido e estava pronto para me devorar. Eu não sentia nada direito, nem sequer respirava direito, e minha cabeça estava tão confusa...

Meu corpo foi arremessado violentamente contra o tronco de uma árvore, do lado oposto ao da cobra gigante. Perdi o ar quando minha coluna colidiu contra o tronco da árvore e então foi uma queda seca de dois metros de altura. Raízes negras e selvagens não são o tipo de travesseiro ideal para se cair de cabeça; ainda mais quando você está paralisada com olhos arregalados igual a um peixe morto.

Onde eu estou? Cadê o Loki? Por que a Kitty resolveu calar a boca justo quando eu estou precisando de ajuda? Pelo menos um xingamento cairia bem, me distrairia do fato de estar quase fazendo xixi nas calças.

Me ergui como pude e demorei um pouco para me desvencilhar do campo de raízes negras, principalmente porque meus pés sempre escorregavam e tropeçavam por entre elas. Eu estava imunda e inundada pelo líquido viscoso, e, para o meu desespero, a cobra gigante havia se deslocado para o meu lado do lago, com uma expressão de interesse e inteligência. Respirei fundo. Okay, sim, eu poderia morrer. E sim, ao que parecia, eu estava ali, completamente sozinha, desarmada e enlouquecendo na frente de uma cobra gigante desconhecida. Nem sinal do deus da trapaça. E, depois de avaliar mais cautelosamente, percebi que o meu surto de relacionar qualquer cobra gigante que aparecesse na minha frente ao meu trauma cinematográfico de infância (tanto que me arrepiava cada vez que reassistia a Harry Potter e a Câmara Secreta) foi um tanto quanto equivocado.

O principal motivo: a cobra era linda. Seus olhos eram grandes com milhares de explosões de cores, seu corpo era totalmente branco, com exceção do que pareciam ser tatuagens de runas negras e douradas em suas escamas. Seus olhos pareciam delineados de um dourado intenso. Algo dentro de mim, uma estranha e antiga vibração parecia me guiar, indo contra os protestos de meu lado consciente que me diziam para ficar longe... Me aproximei do animal, ao mesmo tempo que me dei conta de categorizá-la meramente como um animal gigante seria um insulto e tanto. No mesmo instante, compreendi quem era. Ela era uma força antiga da natureza, era o início e o fim de um Ciclo divino. Reverenciei a criatura, que se ergueu. Sua cabeça estava à altura das copas das árvores. Ergui o rosto e sorri para ela:

— Grande Jörmungand, Serpente de Midgard... É uma honra conhecê-la. — Ela inclinou levemente sua cabeça para a esquerda, e aquele meio sorriso se alargou em sua boca. Uma parte de mim devia estar gritando “PERIGO!” e “AFASTE-SE!”; mas essa parte estava sendo abafada pela minha curiosidade incontrolável e pelo meu fascínio por ver a nêmesis de Thor ao vivo. E foi naquele momento que notei que eu devia estar realmente perdendo minha sanidade porque uma voz reverberou pela minha cabeça enquanto a cobra me olhava nos olhos.

Quem és? Como uma coisinha tão pequena e insignificante como tu encontraste o caminho para o meu exílio?

— Você fala! Que fascinante! — Meu sorriso se ampliou, e a cobra parou de sorrir. Ela se aproximou de mim, ficando da minha altura — quero dizer, sua cara já era da minha altura, então foi muito enervante vê-la se aproximar. Eu sabia que não sairia correndo. Eu sabia que ela não me atacaria. E sabia que o que quer que fosse tudo aquilo, era algo que o Destino queria que acontecesse. E que eu estava coberta de sangue. Usando uma roupa razoável e comum. Com os joelhos tremendo de frio. Pois é, não era meu melhor dia para encontros épicos planejados pelo Destino. Eu ergui minha mão e acenei para Jörmungand, desajeitadamente. —  O-Oi. Meu nome é Katherine Adams Kohls, eu tenho 17 anos e moro em Midgard. Pode me chamar de Kate, se quiser. — Jörmungand pareceu retesar por um momento.

Há... Algo errado. Uma presença... Indesejada.

— Uma presença indesejada? — Olhei em volta, esperando que o deus da mentira se revelasse a qualquer momento. —  Deve ser o Loki. Sabe, o Loki? O seu... Pai? —  Franzi o cenho olhando para a criatura majestosa que mantinha seus olhos fixos em mim. —  Vem cá, o Loki é seu pai mesmo? Vocês, tipo, não se parecem em nada. —  Jörmungand piscou, o meio sorriso estava de volta.

Loki é meu criador, sim. Porém, não é a presença dele que me incomoda. É algo... Mais próximo. Dentro de ti, pequena midgardiana.

—  Se serve de consolo... — Me sentei no solo, que estava menos lamacento que o resto de terra que nos cercava. —  Aparentemente, tenho uma coisa maligna dentro de mim que tenta tomar o controle do meu corpo há anos. Não sei se foi inventado na minha cabeça, não sei se é um parasita de outro mundo que quer me fazer mal... Só sei que tento lidar com ela sem que afete as pessoas à minha volta. Lidar com o monstro interior, sabe como é. — Dei de ombros. Não era um assunto muito agradável de se falar, mas eu estava batendo papo com uma entidade gigante de mais de mil anos. Enquanto ela não me devorasse, eu continuaria abrindo a boca.

Este fardo não pertence a ti. Sinto duas almas em revolta competindo por um único corpo, um único receptáculo. É mau presságio.

— Mau presságio é estar presa neste lugar desconhecido sem fazer a mínima ideia de como voltar para casa. — Olhei de soslaio para a cobra e sorri. Eu encerraria aquele assunto me fingindo de boba. Eu não revelaria mais nenhum segredo meu, não quando não tinha certeza se a cobra era confiável. — Obrigada por me fazer companhia. De verdade. Ainda não consigo acreditar que te conheci! Eu sempre te achei uma das criaturas mais poderosas do Universo! — Jörmungand sibilou alto e abriu sua boca, deixando suas presas gigantes a meros centímetros do meu rosto. Meu coração ficou preso na garganta e meus olhos esbugalhados quase escaparam pelas órbitas. O interior da boca dela era tão grande e escuro, eu seria um mero petisco para ela. O hálito da cobra cheirava a veneno e à morte certeira. Se eu fosse um pouco mais medrosa e um pouco menos tapada, teria borrado as calças.

          PRESTE ATENÇÃO AOS SINAIS, MENINA. Um corpo nada mais é do que um receptáculo temporário ao qual a alma está confinada antes que complete sua transcendência. E. Receptáculos. Se. Quebram.

          Assenti compulsivamente, com as mãos tremendo. Me fazer de boba foi um tiro saindo pela culatra. A cobra fechou a boca e fixou seus olhos nos meus, se certificando que eu tinha recebido o recado. Ela se ergueu, olhou para trás de mim, em seguida me olhou uma última vez.

            As raízes de Yggdrasil possuem as respostas que tanto procura. Volte para casa, pobre alma roubada. Que a Serpente de Fogo Dourado a guie em sua jornada.

          Jörmungand entrou no lago de sangue, sem dar sinal de que sairia de lá tão cedo. Me levantei do chão, sentindo todo aquele cheiro de sangue e morte impregnado em minha pele. Olhei em volta, prestando atenção ao meu redor. Uma clareira com árvores altas e raízes de mangue. O lago era largo e intensamente carmim, ficava bem ao centro da clareira. Havia uma ilha de grama azul no centro do lago, onde a cobra gigante estava quando coloquei meus olhos nela pela primeira vez. Olhei para o céu – não era azul, mas de um tom canela revoltante.

            — Katherine. — A voz de Loki vinha da direção para qual Jörmungand havia olhado antes de ir embora. Não me virei. Não consegui. Antes de ter a chance de avisá-lo, me inclinei para frente e uma quantia alarmante de sangue e vômito saiu de minha boca. Meus joelhos fraquejaram, mas ele me segurou antes que eu caísse de cara no solo lamacento. Barulhos guturais saíam entre meus dentes cerrados. Loki me segurou em seus braços, encostei minha cabeça em seu peito e fechei os olhos enquanto o deus da mentira me carregava para longe dali.

            — Me desculpe. De verdade. — Meus olhos estavam embaçados de lágrimas. — Caramba, eu fiquei com tanto medo de estar sozinha! Pelo menos... Pelo menos Jörmungand não tentou me matar e... E ela não me deixou sozinha.

            — Katherine. — O modo como Loki me chamou me fez calar a boca de imediato. — Você está catatônica, não para de tremer e sua perna direita fica chutando o nada com força a cada cinco segundos. Estou te levando para um lugar melhor agora. Jörmungand ficou para trás, entendeu? Ela não voltará. E não vou te deixar sozinha em outro lugar desconhecido.

            — Aonde nós vamos? Tem comida lá? Tem música? — Meu cérebro parecia ter se desconectado e eu estava aérea e sem filtro. Por algum motivo, não conseguia calar a boca. Como se, devido ao choque de estar cara a cara com as presas venenosas da Serpente de Midgard tivesse sido tão forte que minha parte consciente se negava a aceitar o fato. — Loki, você já foi a um sarau dos deuses? O que terá nesse lugar novo?

            — Água limpa e pessoas boas que te ajudarão a ficar apresentável. Sigyn há de querer minhas bolas em uma bandeja de prata se ela te vir nesse estado. — Eu ri de leve.

            — Isso seria engraçado. — O deus parou de andar e respirou fundo.

            — Feche os olhos, pequena guerreira. — Fechei os olhos, e senti um frio na barriga muito forte. De repente, o céu ficou mais límpido, o ar, mais puro. O cheiro de morte se fora, e fora substituído por jasmim. Loki continuou caminhando, sem pressa, e eu continuei quieta, de olhos fechados.

            — Quando tudo isso acabar eu vou querer comer um prato gigante de macarrão. E depois nós dois vamos assistir Piratas do Caribe comendo brownies e bebendo mais um daquele seu chá queimador de línguas. — Eu senti seu torso tremer de leve enquanto ele ria.

            — Se lembre se soprar o chá da próxima vez, por favor. Me pouparia muitas de suas reclamações. — Loki parou de andar, e o barulho de água corrente era mais alto naquele lugar. Ele me colocou com delicadeza no chão. — Pode abrir os olhos agora.

            No momento que abri os olhos senti que queria absorver cada detalhe que me cercava. Estávamos à beira de um riacho cuja água era cristalina, conseguia ver inúmeras espécies de algas coloridas que viviam submersas. E logo ali, entre algumas algas comprida cor de cereja...

            — O que é aquilo? — Apontei para uma pequena criatura que ficava rodeando a alga. Era quase humanoide, parecia uma mulher de cabelos compridos usando um vestido de gala esvoaçante. E as cores eram de tirar o fôlego, sua pele era cor de menta, e o vestido, de um laranja vibrante. Seu cabelo comprido era de um vermelho-sangue intenso.

            — Amaridis. — Chamou Loki, se dirigindo à criatura. Seu tom autoritário fez a pequena moça do lago erguer a cabeça e nos encarar seriamente. Num piscar de olhos, a criaturinha aumentou de tamanho, e fiquei boquiaberta quando notei que sua pele parecia ser de seda.

            — O príncipe fugitivo. — A mulher se aproximou e saiu da água, seus movimentos eram tão fluidos, quase etéreos. — O que o traz ao Recanto das Musas?

            — Minha companheira teve uma experiência um tanto... Difícil. — Os olhos da mulher me avaliaram. Eram como duas azeitonas pretas brilhantes. Seus lábios eram cheios, suas sobrancelhas, arqueadas e suas bochechas, protuberantes. Ela não tinha nariz, mas havia guelras em seu pescoço. Era uma criatura aquática, então. Ela franziu os lábios quando olhou para mim.

            — Não devia envolver crianças em seus assuntos, Loki. Principalmente quando existe uma quantia tão generosa sendo oferecida em troca da sua cabeça. — Amaridis estendeu a mão para mim, que aceitei de bom grado. Ela me ajudou a levantar e em seguida me colocou dentro do riacho, na parte mais rasa. Fiquei submersa até a cintura. A água começou a adquirir um tom rosado, e segurei um gemido de prazer por ver que a sujeira estava indo embora. Amaridis pegou um objeto esponjoso do fundo do riacho e passou a esfregar meus braços com ele. O sangue encrustado em minha pele sumia cada vez mais.

            — Para sua informação, essa “criança” é bem mais poderosa do que você pensa, querida Nadhir. Acabamos de sair do exílio de Jörmungand. — A fêmea parou por um instante de esfregar os meus braços e me olhou nos olhos, com as sobrancelhas erguidas. Meio constrangida, assenti para ela:

            — Eu... Entrei em um lago cheio de sangue. Por isso estou tão...

            — A Serpente de Midgard está desaparecida há séculos. — Ela se inclinou para frente, seus olhinhos pretos fixos nos meus. — Está me dizendo que encontrou o caminho para seu exílio?

            — Ela... Jörmungand não me disse que estava desaparecida. — Franzi o cenho. — Ela só me avisou sobre como um só corpo não consegue aguentar duas almas ao mesmo tempo. — A mulher abriu a boca, chocada. A ferramenta esponjosa removedora de sujeira caiu de sua mão e voltou para o fundo do riacho. Eu ouvi Loki soltar um risinho debochado e me virei para ele, franzindo o cenho.

            — Katherine, essa é Amaridis. Ela é uma velha conhecida minha. O Recanto das Musas é famoso por seus seres raros e antigos, destinados a manterem segredos e conhecimentos para si. Pelo menos até que o Destino envie viajantes que precisem mais desse conhecimento do que eles próprios. Não estou certo, Nadhir? — O meio sorriso que Loki me dirigiu me fez desviar o olhar dele. Tentei não corar na frente da desconhecida. O deus parecia mais relaxado e jovial naquele lugar.

            — Eu nunca soube de alguém que compreendesse as palavras de Jörmungand. — Murmurou Amaridis, com os olhos fixos em mim. Dei de ombros, ainda constrangida. Não sabia o que responder à mulher, em parte porque ainda estava tentando entender se a “conversa” com a cobra havia realmente acontecido ou se tudo não passara de uma alucinação minha. Talvez Kitty me fizesse ver coisas, me enlouquecendo aos poucos.

            — Aposto que Katherine adoraria lhe contar mais... — Loki analisou as próprias unhas por um instante, mantendo a pose e fazendo charme. — Mas acho que ela não está muito confortável nessas roupas sujas. Você poderia, por benevolência... — Ela o cortou:

            — Sempre por benevolência... — A mulher suspirou e revirou os olhos. Ela então sorriu para mim, um sorriso sincero, acalentador. Ela acariciou minha bochecha com delicadeza. — Eu cuidarei de você, meu bem. Não me surpreende que esteja tão quieta e desconfortável. Deve ter sido traumático encontrar uma besta fera como Jörmungand!

            — Não a chame desse jeito. — Meu tom de voz foi cortante, ameaçador. A mulher murmurou um pedido de desculpas desajeitado. Jörmungand não era um monstro gigante genérico de histórias de terror, era uma criatura sábia e letal, de milhares de anos. Quando olhei para o lado, Loki tinha um sorriso enorme nos lábios e um brilho incandescente nos olhos.

            — Bom, agora as deixarei à vontade. Estarei com Gazzur ajudando nos preparativos para a fogueira de hoje. Akenovre. — Loki acenou brevemente e desapareceu no ar, deixando para trás uma leve fumaça verde.

            Amaridis me ajudou a me despir, em seguida me guiou para o centro do riacho, onde a água era estranhamente mais quente do que nas margens. Ela conversou comigo por algum tempo enquanto me ajudava a tirar todo aquele sangue de mim. A água era mágica, com certeza. Quando começava a ficar rosada demais devido ao sangue, ela automaticamente voltava a ficar cristalina. Amaridis me contou algumas histórias sobre o que era aquele lugar e quem eram as pessoas que moravam ali. Seres pacíficos de todos os lugares se uniram e encontraram aquele lar, um lugar de paz e harmonia, que valorizava a cultura e os mais diferentes tipos não-violentos de artes.

            Ela era versada nas artes da cura e da regeneração, além do entretenimento visual. Ela demonstrou um pouco de seu poder mostrando imagens maravilhosas de criaturas mágicas no reflexo da água. Amaridis me fez sentar em uma rocha no meio do riacho quando viu meu machucado nas costas — tanto a marca do bastão de meu desentendimento com o Luke quanto os enormes hematomas que ainda estavam surgindo quando fui arremessada na árvore e caí em cima das raízes, no exílio de Jörmungand.

            Respirei fundo quando senti suas mãos traçando marcas em minha pele com firmeza. Amaridis sussurrou algumas palavras, e levei um susto quando ouvi vários estalos vindos das minhas costas. Gemi de dor, mas em seguida suspirei de alívio. Parecia que alguém tinha retirado um espartilho extremamente apertado do meu torso.

            — Sua postura é deplorável, seus músculos são duros feito pedras e seus ossos estalam mais do que sapatos de sapateado no festival de Iridell. — A mulher suspirou. — Não aceito realizar trabalhos e deixá-los mal acabados. Você vai ficar aqui comigo até que eu termine tudo, entendeu? Nem que tenhamos que ficar neste lago até a próxima Ascensão das Luas Gêmeas. — Seu tom era firme, mas não havia repreensão. Era um tom preocupado, de quem realmente se importa. Me lembrei de Sigyn no mesmo instante, e sorri.

            — Muito obrigada pela ajuda. Eu... Não saberia a quem recorrer. — A mulher aquática soltou uma risada melodiosa:

            — Então escolheu o companheiro certo, humana. Garanto que isso não é um problema para o príncipe de Asgard.

            Não consegui conter o pequeno sorriso que surgiu em meus lábios.

 

 

          {Loki, The God of Mischief}

          Gazzur me guiou até os fundos da enorme cabana de madeira que ele dividia com sua irmã mais nova, Zidara. Ambos eram adeptos de uma religião ancestral adoradora da Magia. Os dois não possuíam nem um sopro de mana sequer em suas almas, porém conseguiam manipular a energia vital de qualquer ser que os rodeasse. Era fascinante observá-los utilizando essa habilidade.

            Gazzur e Zidara eram arketorianos, uma espécie de espíritos etéreos que desenvolviam corpos imortais ao longo do tempo. Extremamente poderosos por conseguirem manipular a energia vital de outros seres, principalmente se ameaçados. No entanto, escolheram uma vida modesta no Recanto das Musas, menos majestosa do que dizimar exércitos inteiros em busca de glória e poder; mas mais satisfatória; afinal, o Recanto era voltado para a evolução da alma e engrandecimento do espírito.

            — Nós tivemos uma colheita farta este ano, graças às noites de Lua Cinza, alteza. — Franzi levemente o cenho ao escutar meu título. Eu não o ouvia havia muito tempo. Sabia que Gazzur estava tentando ser gentil ao me tratar daquela forma. Eles eram pessoas boas, todos ali. Estavam dispostos a ajudar a todos os viajantes que aparecessem, contanto que não comprometessem a árdua paz que haviam conquistado. Gazzur estava cortando lenha para a fogueira. — A Névoa congelou as montanhas ao norte de Alderos, então as crianças se divertiram deslizando em toras pelos Picos Menores. Lonyr transformava a neve em travesseiros fofos e gigantes para que elas não se ferissem tão gravemente. — Sorri brevemente, satisfeito. Aquele lugar sem dúvida era um pequeno paraíso.

            — Hunne já conseguiu teletransportar seu corpo todo ou Amaridis ainda tem que ficar lhe remendando os braços e pernas de volta ao torso? — Perguntei.

            — Aquela pirralha melequenta agora está praticando poções de ervas e transmutação. Transformou o próprio cavalo em uma fênix velha. O pobre animal levou um susto. — Me virei quando vi Zidara sentada na janela, as pernas longas cruzadas e cascos pintados de verde claro. Sua longa trança de fios prateados terminava com uma lâmina negra na ponta. Uma lembrança de seus tempos de guerreira, sem dúvida. Muitos já haviam perdido suas vidas pela lâmina negra, e Zidara era tão excepcional no domínio de lâminas que lhe rendera seu nome de guerreira — Ela era a Mantícora. Ela sorriu para mim, pulou da janela e me abraçou forte. Enrijeci sob seu toque, desconfortável, ciente de suas intenções.

            — O príncipe trouxe uma convidada, Zidara. — O tom de voz de Gazzur era de repreensão. — Não os importune com suas ideias absurdas. — A fêmea franziu o cenho para o irmão:

          — Aquela coisinha humana? Convidada do príncipe? — Zidara se afastou de mim e soltou uma gargalhada seca. — Eu a vi nua no riacho com Amaridis. Ela quase não tem curvas!

            Minha expressão se tornou impassível. Zidara e eu já havíamos nos divertido no passado, compartilhamos informações preciosas um com o outro. Ela soubera como libertar Fenrir das correntes para que eu o entregasse a Hela como uma oferta de paz entre Asgard e Hellheim. Eu havia cumprido bem meu papel de diplomata na época, um mero peão de Odin prevenindo a destruição de Asgard pela Deusa da Morte. Muito conveniente para o Pai de Todos.

          — Soube que teremos rostos novos na fogueira de hoje. — A fumaça esbranquiçada indicava que Lonyr havia se teletransportado para a sala. O elfo da luz abriu um amplo sorriso. — Achei a garota... Interessante.

            — Interessante? — Ergui uma sobrancelha para ele, que deu de ombros. Lonyr, o elfo da luz que abandonara Alfheim para buscar conhecimento elevado sobre o próprio povo, possuía uma arrogância quase tão grande quanto seu ego.

Eu conhecia todos os moradores havia muitos séculos, desde quando fora enviado para catalogar a extensão do território do Recanto das Musas, assim como seus recursos naturais, mágicos e militares. Seu posicionamento político também era digno de nota e, apesar de não terem um líder pois não acreditavam no conceito de hierarquia de comando, Amaridis se apresentara como representante do grupo, apenas por ser a mais antiga entre as criaturas a habitar aquele lugar.

Mais tarde descobri que essa missão me fora designada apenas para me afastar de Asgard durante uma visita de Karnilla para reportar o progresso do treinamento de Amora a Odin. O Pai de Todos sempre fizera tudo o que estivesse ao seu alcance para que meu caminho nunca cruzasse com os das duas feiticeiras. No fundo, Odin sabia que me proporcionar um treinamento superior em magia poderia me fazer mais poderoso até mesmo do que ele. Ele jamais correria o risco de perder o precioso trono. Muito menos para o filho de Laufey.

Zidara riu, ainda desdenhando do porte físico de Katherine. A personalidade dela espelhava a de Lonyr em alguns aspectos — ambos eram excepcionalmente inteligentes e habilidosos, mas também sabiam como serem preconceituosos mesquinhos de merda às vezes.

            — Para um humano inferior, talvez. — A voz da fêmea parecia ficar ainda mais aguda quando ela desdenhava dos outros ao seu redor. — Aquela coisinha mal pode ser chamada de fêmea. Não possui atrativos aparentes. — Um sorriso de escárnio surgiu nos lábios da arketoriana. Lonyr sorriu de lado:

            — Pode não ter atrativos tão aparentes, mas as ancas parecem bem férteis. — Ele cruzou os braços casualmente, como se meu olhar não denunciasse minhas intenções de estripá-lo caso ele pronunciasse uma única sílaba no timbre errado. — Talvez eu me divirta com ela até o Sol da Revelação aparecer. Soube que, quando fêmeas humanas são traçadas por machos de outros Reinos, ficam de joelhos e agradecem por serem abençoadas. — O elfo riu com deboche, sua pele imaculada parecia brilhar.

Minha visão ficou turva.

            No momento seguinte, eu estava sobre ele, com minhas mãos ao redor de seu pescoço enquanto Lonyr se debatia abaixo de mim em busca de ar. Eu havia me teletransportado de volta ao riacho sem pensar duas vezes, e depois estava sufocando Lonyr pressionando-o debaixo da água contra as rochas mais pontiagudas dali. O elfo da luz se debatia abaixo de mim, eu apertava cada vez mais seu pescoço, um sorriso estampado em meu rosto com um prazer cruel. Aquele filho da puta teria o que era merecido. Ele podia salvar criancinhas e animaizinhos de estimação nas horas vagas, mas eu não o perdoaria pelas merdas que ele dizia, principalmente sobre aqueles que eram considerados inferiores pelos elfos da luz.

            Ouvi passos apressados e escandalosos na água do riacho, e em seguida fui derrubado para o lado com força. Alguém havia se jogado sobre mim para me impedir de assassinar o elfo da luz babaca com minhas próprias mãos. Segurei o corpo da pessoa que se jogara em cima de mim, em seguida a puxei para a superfície comigo, pronto para dilacerar sua garganta por ter me interrompido. Minha aura esverdeada já começava a me rodear quando vi dois olhos verdes penetrantes me encarando, ferozes. Por um instante, perdi o ar, absorto pelo brilho daqueles olhos desafiadores. Despertei de minha distração quando senti que Katherine me empurrou para trás. Sua mandíbula estava trincada, seus punhos fechados revelavam que ela estava pronta para me socar caso eu insistisse na punição de Lonyr.

            — No que você está pensando?! Quer que nos expulsem daqui? Eles têm regras estritas sobre não-violência! — Respirei fundo, trincando os dentes. Ela realmente só me via como um feiticeiro inconsequente e instável?

            — Eu estava apenas defendendo a sua honra, Katherine. Acredite em mim. — Ela parou e franziu o cenho, em seguida balançou a cabeça olhando para baixo. A estudei com mais atenção. Ela estava limpa, e não usava mais suas roupas de Midgard. Observei silenciosamente enquanto ela seguiu até Lonyr e o ajudou a se sentar. Era uma parte rasa do riacho, eu havia me certificado disso para que a morte do elfo fosse ainda mais humilhante. Minha atenção se prendeu na humana, e senti algo estranho se agitar dentro de mim enquanto avaliava sua aparência.

            Katherine usava um dos vestidos de Amaridis, que deixava os ombros e a clavícula expostos, assim como um decote que valorizava, e muito, seus atributos femininos. O tom vermelho-carmim do vestido contrastava com sua pele pálida, seus olhos verdes e sua longa cascata de fios negros. Como ela havia se molhado, o vestido se colara ao seu corpo, revelando ainda mais suas curvas, mesmo que não fossem tão esculturais quanto as de asgardianas e outras fêmeas imortais. Engoli em seco quando vislumbrei um detalhe um tanto quanto tentador — uma de suas coxas grossas escapara pela fenda lateral do vestido. Percebi que estava admirando-a enquanto ela se inclinava sobre Lonyr para checar se ele estava bem. Ela tocou seu ombro, se inclinou sobre ele para olhá-lo nos olhos...

            Foi o suficiente.

Me apressei em tirá-la da água, ignorando seus protestos sobre ter que consertar a merda que eu havia feito. Ela não iria confortar aquele imbecil, não quando ele literalmente havia revelado suas intenções de simplesmente fodê-la e descartá-la e ainda insinuar que ela beijaria seus malditos pés depois disso, como se ele fosse a porra de um deus.

— Ele é imortal. Vai sobreviver. — Minha raiva estava em cada palavra e cada gesto. Segurei seu braço e a levei para mais longe do riacho, até a sombra das árvores da floresta. Longe o suficiente para que nenhum daqueles malditos hippies bisbilhoteiros pudesse ouvir a nossa conversa. Quando paramos de andar, ela puxou seu braço, me fuzilando com o olhar. Respirei fundo, correndo os dedos pelos meus cabelos. Certo. Ela não sabia o motivo de minha explosão, e eu havia prometido a mim mesmo que nunca mais descontaria meu acesso de raiva na humana. Não depois que vira claramente a marca roxa de minha mão em seu pescoço, tão definida que era possível até identificar o posicionamento dos meus dedos. Me recordar do ferimento que eu lhe causara foi como tomar um choque, um que fez com que toda a minha raiva de Lonyr fosse esquecida. Por enquanto. Katherine colocou suas mãos sobre seus braços, afagando-os com vontade. Seus dentes estavam trincados. — Com frio? — Perguntei, o mais gentilmente que consegui. A morena olhou no fundo dos meus olhos, uma expressão enigmática em seu rosto. O momento de fúria havia ficado para trás para ela também.

— Por que você disse que estava defendendo a minha honra? O que aconteceu? — Franzi os lábios, incomodado. Ela cruzou os braços, acompanhei distraidamente o movimento com os olhos, que se desviaram para o seu decote convidativo... Voltei a olhar para seus olhos. Aqueles não eram nem o lugar, nem o momento apropriados para deixar que meu lado lascivo me distraísse.

— Lonyr disse algo muito desrespeitoso sobre mulheres humanas. Referindo-se a você. Foi ofensivo, realmente não foram as palavras de um cavalheiro e senti o impulso de fazer alguma... — Parei de falar quando percebi que um meio sorriso surgiu nos lábios de Katherine. Naqueles lábios esculpidos pelos deuses, dos quais eu havia provado havia algumas horas. Meu subconsciente já começava a fazer uma lista de pelo menos uma dezena de coisas que eu adoraria fazer com aqueles lábios tentadores. Engoli em seco, tentando fazer com que a nuvem de luxúria em minha mente se dissipasse.

— Agradeço a sua intenção, mas não quero que você fique brigando, principalmente por minha causa. — Ela esticou sua mão e tocou o meu braço esquerdo, de leve. Consegui sentir o calor de sua pele mesmo sobre a manga de minha camisa preta. — Da próxima vez que alguém disser algo desrespeitoso sobre mim, ignore. Não vale a pena arranjar confusão por alguém como eu. — Eu estava prestes a discordar e começar a argumentar meu ponto de vista, mas ela se abraçou de novo. Uma tentativa de encerrar o assunto desagradável, percebi. — Vamos procurar um cobertor? Estou ficando com frio. A água estava gelada.

Com um pequeno gesto da minha mão esquerda, nós dois ficamos secos instantaneamente, dos pés até o último fio de cabelo. Katherine sorriu e me agradeceu, segurando a saia do vestido e fazendo uma curta reverência de brincadeira. Sorri de lado ao ouvir sua risada alta. Amaridis havia feito bem mais do que só tirar Kate de seu estado de choque, a julgar por como a humana parecia relaxada e mais ereta. Admirei sua clavícula, seu pescoço delicado, o modo como, de alguma forma, seu corpo parecia mais harmonioso. Senti um tão familiar formigamento na ponta dos dedos, queria tocá-la até traçar cada detalhe de seu corpo, até memorizar a sensação de sua pele quente sob meu toque. Queria vê-la se arrepiar ao sentir meus lábios em seu pescoço, estremecer levemente ao ouvir minha voz rouca perto de sua orelha, sussurrando tudo o que ela devia fazer em seguida, e o que eu faria com ela. A faria gemer o meu nome até que seus pulmões ficassem sem ar.

 Ergui os olhos novamente para o seu rosto, e vi que ela estava arqueando uma sobrancelha, um sorriso debochado nos lábios. Suspirei, segurando minha vontade de revirar os olhos:

— O que foi agora? — A humana cruzou os braços mais uma vez e jogou o cabelo comprido sobre o ombro:

Nada... Estou apenas pensando no poder que o vestido certo pode ter. — Ela inclinou levemente a cabeça para o lado, o sorriso zombeteiro fixo em sua boca macia. — Acho que nunca o vi tão concentrado em minhas roupas antes, Loki. Interessante...

— É um vestido e tanto. — Assenti, concordando. Kate riu novamente. O modo como ela me provocava era arrebatador. Mas a maneira como seu riso reverberava sob todo o meu corpo e me preenchia com calor... Katherine não fazia ideia, mas ela poderia me ter ajoelhado aos seus pés lhe implorando por mais daquele sentimento desconhecido, tamanha era a minha sede por ela. Estendi minha mão para a midgardiana, com um sorriso charmoso. — Então, vamos para a fogueira?

Katherine aceitou minha mão de bom grado, com um sorriso tão resplandecente que me tirou o ar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam deste capítulo? Muito obrigada por lerem a história!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Liars and Killers" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.