Eu de Letras, ela de Irônicas escrita por Sr Devaneio


Capítulo 25
Capítulo 24 – Quebrador de Corações (você vem mesmo?) [alternativo]


Notas iniciais do capítulo

Olá queridx!
Estava eu relendo alguns trechos da história quando me deparei com uma outr versão deste capítulo, mais "hardcore" e com mais tretas. Como vou precisar escolher um pra versão final e oficial mais tarde, deixo a responsabilidade de avalia-los com vocês.
Podem me dar essa ajudinha? rsrsrs
Comentem as impressões de vocês e qual capítulo gostaram mais e por quê, por favor.
Obrigado por sempre!
Tenham uma ótima leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/646936/chapter/25

Anna ouviu passos. Alguém descia as escadas.

Não eram os passos de Anabeth e, pesados que eram, duvidava que fossem os de Ellie. Mas ela já sabia quem vinha ao seu encontro.

Os passos haviam parado. Ele estava ali. Ela evitou olhar para trás, mas não teve alternativa quando Andrew chamou seu nome:

— Anna?

Era óbvio que ele estava sozinho. Entretanto, ainda foi capaz de se surpreender ao vê-lo ali, parado, sem outro alguém por perto. Talvez fosse o rebuliço de sentimentos dentro de si, que querendo ou não acabavam por deixa-la com a guarda mais enfraquecida.

Anna também se surpreendeu ao notar que sentira estranheza em ter seu nome dito pela voz dele. E para ela, foi estranho o fato de ter sido estranho. Não que fosse ruim, mas mexia com o vendaval de dentro e aquilo não era algo que poderia ser descrito como agradável.

— Hum? – emitiu o que foi capaz naquele exato momento.

Ele estava sério. Não transparecia irritação ou qualquer outra coisa, somente seriedade (o que inquietou Anna interiormente, uma vez que ela tinha ciência sobre o fato de não estar conseguindo lê-lo logo de imediato - embora não fosse admitir que algo tão simples era capaz de também deixa-la tão vulnerável).

Andrew inspirou de forma profunda e audível antes de soltar o ar e dizer:

— Precisamos conversar.

Sr. Óbvio. Talvez ele estivesse realmente nervoso ao citar detalhes que de tão implícitos estavam na cara. Mas era bom o fato de a iniciativa vir dele. Excelente, de fato.

Aquela frase fez algo dentro de si reagir com endurecimento. Igualmente séria, ela sustentou o olhar por um instante. Era verdade e ambos tinham consciência do fato. E ela precisava daquilo, por mais que se recusasse a admitir. Então se virou para devolver o livro que segurava à estante e, enfim, nada mais impedia. Anna balançou a cabeça concordando. Ela sim estava indubitavelmente nervosa, mas não deixaria transparecer. Pelo menos não tão rápido.

Então ele veio em sua direção e parou bem diante dela. Olhos nos olhos, se encarando ao mesmo tempo em que resistiam à troca de qualquer sentimento ou palavra não dita entre si. Apenas encarando, sérios, azuis intensos versus castanhos suaves – quase antônimos.

Andrew inspirou mais uma vez e engoliu em seco, finalmente desviando o olhar para, aparentemente, começar a falar. Provável que estivesse reunindo e organizando os argumentos.

Ela tomou a voz antes que ele começasse:

— Ei, isso vai demorar. Podemos ao menos tomar um banho antes? A tinta ainda não secou totalmente e, além de eu não querer sujar os móveis, quero me sentar e ficar mais à vontade. Meu corpo também está coçando e vou ter o cabelo e pele ressecados se não me limpar logo. Só um banho e voltamos para cá, pode ser?

Ela dera bons motivos e em uma quantidade suficiente. Sabia que ele concordaria.

Andrew a observava com uma sobrancelha levantada antes de concordar, de fato. Ele era tão lindo e cheirando a  tinta e suor estava… provocante, no mínimo. Anna perguntou-s por uma centelha de segundo por que raios estava pensando naquilo.

— Claro. Afinal... podemos entrar e sair daqui a hora que quisermos. Ao que parece, a casa é nossa — ele respondeu.

— É. É sim – ela falou pouco antes de passar por ele e parar de repente bem em frente ao primeiro degrau. Sabia que ele a acompanhava com os olhos, sentia o peso – Pensei por um momento: seria o castanho antônimo do azul? – perguntou sem virar o rosto.

Na verdade ela havia pensado em voz alta. O nervosismo foi tanto que por um momento tomou conta de si e ela fraquejou. Era humana. Logo se arrependeu do que dissera mas já não tinha mais jeito.

— Te vejo daqui a pouco – despediu-se e subiu rápido antes que pudesse ser vencida outra vez nos detalhes.

Anabeth e Ellie não estavam mais por ali. Nem dentro nem fora da casa – Anna constatou. Nesse momento, seu celular emitiu um bipe indicando uma nova mensagem. Anabeth. Estava com Ellie no quarto, a segunda tinha concordado em ajudar a começar a arrumar tudo para a mudança.

Anna se pôs a caminhar rumo ao encontro das duas com a cabeça e o coração (ela sabia) ocupados demais. Foi bom porque compensaram a falta de companhia e encurtaram o caminho.

Já de frente para a porta, Anna abriu sem bater, devagar, e viu Anabeth receber ajuda para guardar algumas roupas em uma caixa organizadora de plástico cor-de-rosa. Ambas se viraram apenas para conferir quem estava entrando, embora Anabeth já desconfiasse. Anna avisara o que tinha sido decidido antes de começar a tratar dos assuntos pendentes com Andrew.

— Você vem também, né?! – Anna dirigiu-se à melhor amiga.

— Anabeth respondeu sem olhar para si, dobrando algumas roupas de forma que coubessem no compartimento:

— Somente se você quiser que eu vá, embora você saiba que eu jamais a abandonaria de qualquer maneira. Porém, falamos sobre isso depois. Vá resolver sua vida pessoal com o cara por quem se apaixonou. Eu e Ellie vamos cuidando daqui.

Anna olhou para Ellie, que lhe lançou uma piscadela confirmando o discurso de Anabeth. Anna sorriu em agradecimento e pediu à Anabeth qualquer coisa para vestir enquanto ia em direção ao banheiro.

Anabeth bateu à porta não muito tempo depois e entrou assim que o shorts jeans de Anna foi ao chão. Mesmo com uma camada de roupas por cima, a tinta havia conseguido sujar sua pele e até mesmo partes da lingerie de um  tom suave de salmão. Anna entrou no box, a amiga deixou as peças limpas sobre a tampa da privada e pegou as sujas do chão, saindo em silêncio logo depois.

Anna era sempre muito grata à amizade de Anabeth. A amiga estava presente para tudo o que ela precisasse na hora em que precisasse, sempre. E Anabeth sabia que era recíproco, embora precisasse bem menos vezes se fossem comparar. Anna sorria enquanto tirava as peças restantes por ser acometida com algumas lembranças inevitáveis que tinha ao lado da melhor amiga.

Água morna desceu com o giro do registro, levando consigo o grosso da tinta de seu corpo para o ralo, que recebia água colorida e misturada entre si diversas vezes. Observando aquela cena, Anna pegou-se pensando se o que tinha com Andrew terminaria daquela forma. Literalmente, de alguma maneira, pelo ralo. Impossível, ela constatou, visto que amizade não é um elemento tangível.

Essa percepção clara da lógica das coisas serviu para lhe acalmar um pouco o coração.

Ele observava a água, que de incolor não tinha nada, sendo engolida pelo ralo de maneira impiedosa. Ininterrupta. Refletia em uma coisa e em várias ao mesmo tempo e não sabia o que estava sentindo e se era certo ou não. Mas estava ali, aquela sensação estranha e diferente, por tanto tempo esquecida. Não era boa nem ruim. Na verdade, parecia mais como uma ligeira ansiedade aliada a algo um tanto quanto mais infeliz, e o fato era que Andrew não estava sabendo lidar com aquilo.

Então ele permanecia lá, apenas sentindo a água quente do chuveiro descer por seu corpo, lavando-o; retirando suor e tinta, momentos felizes e confusos, alegria e frustração... Um mix de tantas coisas, assim como a água multicolorida a seus pés.

Havia chegado rápido até o apartamento – até mesmo ele havia se surpreendido. Subira as escadas correndo, não se importando com os vultos que apareciam nos arredores (passara tão rápido e absorto em si mesmo que as pessoas que apareciam pelo caminho eram como vultos ao seu redor) e até se surpreendeu com a força e velocidade do modo automático que se encontrava quando abriu a porta do quarto. Com medo de assustar Chad, foi logo entrando e pedindo desculpas enquanto fechava a porta atrás de si com um pouco mais de força que o desejado – acabara por escapulir. Chad não estava para variar. Havia apenas o quarto vazio, com a luz poente das cinco tornando a visão das camas e pertences de ambos ligeiramente épica, em um tom de dourado-pôr-do-sol. Por algum motivo aquela visão o fez lembrar de quando Anna entrelaçou as mãos nas dele, no dia em que ele adentrou pela primeira vez o bloco feminino.

Por outro motivo qualquer, mas igualmente curioso, aquilo tudo o inspirou de uma forma estranha, trazendo algumas vontades incomuns lá de dentro do seu âmago. Andrew permitiu-se agir por aquela excitação crescente de estar com adrenalina correndo por seu sangue, a percepção de estar sozinho no quarto e a ansiedade (e ligeiro temor inegáveis) que a conversa trazia. Andrew permitiu-se sair um pouco da zona de recato que estabelecera para si próprio, puxando a camisa suja e ainda meio molhada de tinta e (mais de) suor e atirando-a para frente antes de chutou os tênis outrora pretos de qualquer maneira e soltar o cinto – descendo todas as peças restantes de uma vez só. Calça e cueca permaneceram jogadas de qualquer jeito no meio do quarto. E ele não se importava. Não naquele momento.

Seu coração batia acelerado com aquela sensação de liberdade contida já que estava sozinho dentro de um quarto, mas que ainda era sensação de liberdade e ele permitiu-se aproveitar daquilo respirando fundo. Podia sentir os poucos e finos pelos (devido ao estágio inicial de renascimento) de seu corpo eriçando-se com a novidade e ele, por um momento sentiu-se bem. Que engraçado era ser humano: estava amargurado e há muito frustrado, irritadiço e confuso, mas ainda podia ter sensações boas. E sensações boas sobrepondo-se às ruins. Isso era fantástico, na verdade. Evitava que ele afundasse em negatividade, pra variar… Equilibrava um pouco tudo.

Deus era um cara que sabia bem das coisas...

Andrew virou-se estranhamente energizado e, indo em direção à porta de entrada, girou a chave trancando-se consigo mesmo. Então partiu para o chuveiro, permitindo-se algo mais: deixar a porta do banheiro aberta.

Ele observou a si mesmo no espelho uma vez antes de entrar na ducha: o cabelo escuro multicolorido e arrepiado com a tinta que secara, pescoço, a barba por fazer e parte do peito antes branco, agora, os olhos azuis que brilhavam com o misto repentino de sensações positivas com outras nem tanto por sob camadas de tinta de cores diversas... Comparou a si mesmo com uma obra de arte moderna, uma pintura realista que trazia consigo alguma mensagem forte sobre caos interno e sentimentos – que praticamente escorriam por seus olhos – e ele pegou-se refletindo por um instante que aquilo que via poderia ser uma representação muitíssimo bem feita do termo “humanidade”. Mas então a imagem de Anna lhe acometera outra vez e, como se nunca tivesse estado lá, aquela efêmera epifania foi sugada pelas sensações que a imagem lhe causava. Ele entrou no box e girou o registro, extremamente reflexivo.

O que conversaria com ela, afinal? Ele não tinha mais certeza – e só naquele momento tinha se dado conta do fato. O que ele teria para dizer a ela? E o que ela teria para lhe dizer? Ele pensava enquanto retornava de seu ligeiro flashback de alguns instantes ao mesmo tempo em que observava a água, que de incolor não tinha nada, sendo engolida pelo ralo de maneira impiedosa.

O que ele diria a ela e o que ela diria a ele, afinal de contas?

E acontecesse o que tivesse de acontecer: ele estaria aberto àquele incerto?

Sentia que esse momento seria decisivo de alguma forma para ambos. Temia isso. Ansiava por isso. Estava em conflito(s).

Andrew esfregou o cabelo com um pouco mais de força como de costume torcendo para que de alguma forma o gesto limpasse não só a tinta em sua cabeça, mas também seus pensamentos.

Só funcionou com a tinta.

Quando Anna retornou ao porão aconchegante da casa, Andrew já estava lá, sentado no sofá como se ainda não tivesse saído. Entretanto, a pele branca imaculada e os cabelos escuros ainda meio molhados denunciavam o óbvio. Quando ela entrou, ele levantou-se do sofá da direita, o que ficava encostado à parede.

— Não há necessidade de formalismos – Anna cortou.

Ele sentou-se novamente sem dizer nada. Ela ficou no sofá da esquerda, acabando por estar bem de frente com ele. Seguiu-se um pequeno intervalo de tempo em que o silêncio quase constrangedor se instalou entre ambos.

— É a primeira vez que te vejo de chinelos – ele comentou casualmente, observando seus pés.

Estaria ele nervoso? Anna não conseguia lê-lo. O tom de voz não denunciava muita coisa, embora estivesse sentado completamente ereto, podendo indicar certa tensão. Talvez estivesse em um estado de espírito ambíguo.

De fato, a moça estava um pouco mais casual que ele próprio: usava um suéter fino e marrom simples de manga longa, shorts jeans e os chinelos. Os cabelos soltos e também úmidos caíam pelos ombros despreocupadamente. Andrew trajava calças jeans azul escuras, uma camiseta branca aparentemente confortável e All Star. Seu cabelo, em contrapartida, estava penteado como o de um bom menino. Parecia que ele estava arrumado e pronto, prestes a sair para algum lugar enquanto ela havia havia se preparado para passar uma tarde de domingo em casa regada a pipoca e Netflix. Novamente opostos.

Andrew suspirou pesado.

— O.k., por onde começamos? – iniciou.

E então, algo nele depositou em Anna uma pontada de algo não muito bom. Lá no fundo do seu ser, de maneira que poderia ser até mesmo discreta. Mas estava lá.

Anna sentiu o piscar de seus olhos vacilarem ligeiramente. Era estranho, porque ela não fazia ideia do que era nem o que causava —  embora suspeitasse que fosse o homem sentado à sua frente, que naquele momento olhava para algum lugar qualquer parecendo extremamente concentrado nos próprios devaneios. Em todo o caso, era incapaz de decifrar aquilo com plenitude. Só sabia que... céus, ele estava lindo. E mexia consigo, embora ela não fosse admitir. Ou talvez sim, visto que estavam ali… A incerteza pode ser uma inimiga sádica se aliada à ansiedade.

Então, ela percebeu: ele havia se barbeado. E aquilo lhe trouxera uma pontada de irritação, porque quando estava com o rosto liso, Andrew rejuvenescia de uma forma que, não só em sua personalidade mas também em seus traços físicos, aquela inocência insana dele era acentuada. E ela não queria o Andrew inocente naquele momento. Queria o Andrew que, ela sabia, ainda não havia se mostrado direito: Anna queria irritação, emoção, raiva ou até mesmo fúria, frustração e desejo expostos, jogados para fora. Não queria uma capa de educação e bom senso, como sempre tinha. Não, ela queria mais. Queria quebrar os muros dele e trazê-lo, o Andrew de verdade, à tona. Ela queria humanidade e não uma casca de contenção e barreiras protetoras; queria vê-lo perder a cabeça de alguma forma para, então, saber que era mesmo real. Tudo aquilo, por mais que a possibilidade de doer estivesse escondida atrás das paredes.

Ela queria sinceridade. Nada mais.

Era estranho ao cubo, mas Anna realmente desejava que ele sentisse o que muitas vezes ela havia sentido e estava sentindo naquele exato instante. Não por vingança, repito, mas para ter certeza de que tudo aquilo era real, de que eram duas pessoas normais sentindo coisas que pessoas normais sentiam, por mais doloroso que fosse às vezes. Assim, quem sabe, ela talvez pudesse ter certeza de que, ao menos, vinha sofrendo por algo de verdade. Então, de alguma forma, tudo aquilo não só faria sentido como também valeria a pena de algum jeito. Por mais que doesse. Porque ela precisava acreditar que não era irreal ou inexistente. Por mais que doesse...

“Droga, Andrew! Por que você sempre me surpreende assim? Era pra ter deixado a barba como estava. Você sempre tem algum detalhezinho para me pegar desprevenida, como um tipo de trunfo do mal.” – praguejou internamente.

Andrew era previsível – fato – porém, ainda assim, às vezes ele era capaz de apresentar algumas dificuldades para si na tarefa de ser decifrado. E, se não podia lê-lo, Anna sentia-se completamente despreparada para bater de frente em qualquer aspecto e detestava aquilo, pois se sentia injustiçada. Mas a paixão, afinal, sabia muito bem ser um jogo injusto.

Ele olhou para ela, diretamente para ela e todos os pensamentos sumiram num instante. Em contrapartida, a sensação inicial aumentou mais rapidamente.

— Bem, quer falar alguma coisa? – ele perguntou. – Não sei por onde começar – confessou em seguida, após uma breve pausa seguida por um ligeiro sorriso de canto de boca, como que pedindo desculpas.

Aquela falsa vulnerabilidade aliada à falsa inocência. Junto com a frase. Junto com... aquele sorrisinho. Cínico. Isso a irritou, mas Anna prometera a si mesma que não perderia a cabeça – o alvo, afinal, era o outro. Acontecesse o que tivesse de acontecer, ela permaneceria inabalável – ao menos aparentemente. Era difícil, mas ela iria conseguir! Afinal, ela também sabia ser cínica quando necessário.

Anna endireitou-se mais ainda. Já tinha a frase pronta em mente. Sabia como agir:

— Eu vou ser bem sincera com você e gostaria de reciprocidade.

Ela sabia, ah, ela sabia que ele não seria perfeito nesse tipo de autopreservação. Por mais que estivesse acostumado, Andrew não suportaria manter os muros erguidos para sempre e haveria de baixa-los por um instante, mais cedo ou mais tarde. Em algum momento extremamente bem pensado, ele começaria a agir de maneira previsível – e era só disso que ela precisava.

Ao menos era nisso que ela havia apostado noventa por cento de suas fichas.

Com aquela última frase toda a atenção dele era dela agora. E Anna sabia disso. Sentia pelo peso do olhar atento sobre si. Ótimo. Era assim que começava.

— Você sempre é. Não espero nada diferente dessa vez. – Ele respondeu atento aos movimentos da outra. – E eu sempre sou sincero com todo mundo.

— Não comigo. Não quando se trata de sentimentos. – Anna suspirou indicando cansaço – Andrew, eu preciso te pedir perdão, mais do que tudo. – Engoliu em seco. Estava adentrando territórios emocionais que a faziam se sentir mais frágil quando pisados. E porque era verdadeiro – Por que... bem, eu não devia ter brincado daquela forma, com tanta intensidade, com você. Não quando havia um interesse real...

Ele notara a ênfase à sua menção.

— E isso significa...?

— O que você já sabe. Eu... – tentando disfarçar, apertou as unhas nas palmas das mãos – Você... me chamou a atenção de uma maneira que outros caras geralmente não fazem.

Andrew ergueu uma sobrancelha enquanto cobria a boca com ambas as mãos fechadas uma na outra.  com seriedade no olhar. Suas palavras foram cortantes, embora não em tom ofensivo:

— Então você só brinca com quem não te “chama a atenção”?

Aquilo soou expositivo e pareceu cafajeste. Anna sentia a vergonha estampada no rosto. Estava constrangida a ponto de suas mãos suarem e seus dedos tremerem quase que imperceptivelmente. Segurava uma mão com a outra, apertando, em busca de acalmar a si própria. Tinha, de verdade, achado que seria mais fácil. Quer dizer, confessar um sentimento por alguém não parecia ser tão complicado...

Mas era, no mínimo, assustador. Terrível. Agora ela sabia.

E a verdade é que ela não tinha certeza quanto aos sentimentos de Andrew; em alguns momentos ele dava indícios de uma coisa para logo em seguida agir como se não tivesse absolutamente nada. Aquilo a confundia de um tanto... Poxa, por que não confirmar ou negar? Por que não ser claro e direto? Era crueldade, de certa forma.

E se não fosse recíproco, ela se sentiria humilhada por si mesma, traída pelo próprio coração. Sabia que ia doer e tentava se preparar para ambas as situações (embora não soubesse o que fosse sentir caso descobrisse que ele sentia o mesmo).

Andrew permanecia em silêncio. Com cautela, Anna tornou a olhar para o amigo e percebeu que suas bochechas estavam um pouco mais vermelhas que antes. Ele estava corando? Com calor (de fato, a temperatura ambiente parecia ter aumentado nos últimos cinco minutos)? O que aquilo significava?

O que aquilo significava, droga?

— Eu não… Quero dizer, não é assim. Do jeito que você falou, parece que eu sou… bem, eu me sinto covarde e injusta — se defendeu.

— Me dê alguma razão para acreditar que não é então.

Aquilo foi como um tapa. E dos que ardem.

— Como é?

— Já te ocorreu que você lida com outros seres humanos?

— Ei, pera aí. Você está me julgando por ser quem eu sou, é isso mesmo?

A irritação aumentou.

— Você está recebendo desta forma — ele estava tranquilo e aquilo não ajudava. Não ajudava mesmo.

— Andrew, por favor. Eu não deveria estar te dando satisfação nenhuma, mas em primeiro lugar: eu só brinco assim com quem tenho intimidade. Ao contrário do que pode parecer pra você, eu não sou baixa a ponto de tomar a liberdade com desconhecidos.

— Eu não disse que…

— Você insinuou. Meu Deus, quanto tempo faz que nos conhecemos? Você é uma prova viva disso, eu fiz questão de me aproximar antes de tentar qualquer coisa — aliás venho fazendo até hoje… De qualquer forma, em segundo lugar, eu não brinquei assim com muitas pessoas.

A necessidade de se justificar que ela sentia, embora soubesse que não devia (e talvez por esse exato motivo), a irritava. O.k., aquilo não seria nada como ela tinha planejado.

— Anna, não se trata de serem muitos ou poucos. Se trata do fato de que estamos lidando com seres humanos. E eu não quero te dar uma lição de moral nem nada do tipo, o que você faz e com quem você faz não é problema meu. Mas é problema meu quando alguém quer jogar comigo e eu falo da minha situação quando pergunto: Nunca te ocorreu que você pode iludir as pessoas com esses joguinhos? Nunca te ocorreu que aqueles que se tornam seus alvos podem não receber desta forma?

Aquilo a calou. Porque ela nunca tinha, de fato, pensado daquela forma. E porque…

— Nunca te ocorreu que você pode machucar os sentimentos de alguém? — ele disse por fim, soando magoado.

Anna refletiu por um momento em tudo que Andrew dissera.

— Eu nunca tive a pretensão de iludir ninguém. Porque antes de você não houve nenhum outro.

Parecia uma ironia da vida, mas em contrapartida ao que absolutamente todos achavam de si, Anna – que realmente sempre fora popular e querida por todos – nunca havia se apaixonado antes por ninguém.

Desviando o olhar mais uma vez, Anna deixou uma risada inconformada escapar. E completou, tornando a olhar para Andrew:

— Nunca imaginei que isso pudesse ser, realmente, tão difícil...

Ele sabia o que ela estava dizendo nas entrelinhas. E como sabia! Tanto que podia, sem qualquer dificuldade, sentir empatia pela moça à sua frente. E era o que sentia, também.

Porém, não estava sendo agradável de forma alguma. Pelo contrário, desde que Anna começara a se confessar, seu peito como que ardia agoniado. A sensação de angústia e opressão interna cresciam a cada palavra que ela dizia e Andrew se sentiu extremamente cansado ao ter de lidar com toda aquele vulcão interno que fortemente ameaçava explodir enquanto permanecia impassível diante da outra. Era um esforço físico e emocional tremendo e naquele momento ele entendeu que sairia dali totalmente esgotado.

Mas as sensações... elas eram as piores, sem sombra de dúvidas.

Ele praguejava também, bastante, sobre si mesmo e sobre tudo aquilo que estava acontecendo. Não podia ser. Anna não podia ter despertado interesse genuíno nele que não o de amizade. Ele não suportaria.

A verdade é que Andrew sabia do que sentia e sabia muito bem. Enterrado sob palmos de terra fictícia e entulhos de desculpas e mentiras contadas para si mesmo, ele começou a sentir que aquilo estava ficando dificílimo de conter. Tremia e agitava-se dentro de si com a fúria de um animal selvagem enjaulado e ele temia aquilo demais. E temia as tantas lembranças que lhe pesavam a cabeça, bem como o fardo carregado por seu coração.

Estava quente e ele sentia o suor minando para fora de seu corpo devagar. O ar parecia mais opressivo e pesado, como se estivesse respirando gás carbônico em vez de oxigênio.

Ela falava e falava, então parou para olhar discretamente para si. Suas bochechas estavam vermelhas de uma forma que... Ela estava incrivelmente – lembrou-se da palavra que usara quando foram visitar as crianças do orfanato, em um dos desafios pela casa – “engraçadinha”. Completamente engraçadinha de um jeito tão...

Então Anna olhou para baixo por um instante e sorriu. Não sorrir espontaneamente como sempre fazia, este era mais forçado e engasgado, como que expulso para fora. O fato é que aquela visão o fez ouvir o próprio coração bater uma vez forte e audivelmente, como se estivesse em seus ouvidos.

Outra sensação brotou e começou a crescer rápido.

— Nunca imaginei que isso pudesse ser, realmente, tão difícil...

Você não fazia ideia, Anna...

Aquela frase chamou sua atenção para um detalhe. Ele abaixou as mãos para dizer:

— Espera. Você... nunca falou sobre isso com alguém? Quero dizer, nunca…?

Ela negou com a cabeça. Então, olhando diretamente nos olhos dele, falou com todas as palavras.

— Não, Andrew. Nunca me declarei para ninguém antes porque eu nunca me apaixonei... Até te conhecer.

Naquele instante, ouvindo em alto e bom som, o tempo parou para ele. Ela havia dito.

Andrew enrubesceu. Anna soube na hora:

era

recíproco.

Um alívio indescritível meio que abraçou seu coração. Ela queria sorrir e pular exaustivamente enquanto gritava qualquer coisa em uma língua inventada. Entretanto, logo sentiu certo desânimo, um cansaço estranho que lhe acometera de uma vez.

— É... Acho que saiu. Consegui.... – ela olhou para ele e sorriu pedindo desculpas (embora não soubesse por que exatamente) – Eu me apaixonei por você, gringo.

Andrew fechou os olhos, abaixando um pouco a cabeça.

Sem esperar por quilo, Anna surpreendeu-se:

— Andrew?

Ele começou a balançar a cabeça de um lado para o outro, em sinal de negação. Aquilo a deixou extremamente confusa.

— Andrew? Está tud...?

— Não. – interrompeu. Sua voz saíra um pouco mais grave que de costume.

Anna franziu o cenho:

— Hum?

— Eu não acredito em você. Seria injusto e maldoso, especialmente maldoso.

Então ele levantou a cabeça e, por algum motivo, vê-lo com os olhos marejados a ponto de quase transbordarem entristeceu a Anna também.

— Por que está fazendo isso? – ele atirou, visivelmente abalado.

Enquanto Anna processava tudo, Andrew levantou-se de súbito e passou por ela. Parou no meio do caminho, com as mãos entrelaçadas por cima do pescoço e a cabeça baixa, em silêncio. Ou quase, não fosse sua respiração descompassada e pesada, que mais soava como um bufar contínuo.

Anna levantou-se e andou até Andrew, confusa e um pouco temerosa. Parou perto e estendeu a mão para tocá-lo nas costas, mas algo a impediu, sugerindo que era melhor não. Ela recolheu a mão obediente.

— Andrew... o que está acontecendo?

— Não se brinca com os sentimentos de outra pessoa dessa forma. Eu já lhe disse isso. – ele respondeu, soando indignado.

— Eu realmente não estou entendendo...

Andrew virou-se de uma vez, assustando-a.

— Você gosta disso, não é? Eu devia ter imaginado. Linda, divertida, inteligente e extremamente popular... Com certeza cheia de gente interessada.

Anna franziu o cenho, totalmente abismada com a mudança repentina de humor. A aparente tristeza de Andrew havia se transformado em raiva? O que estaria acontecendo ali?

— Entendi. Eu devia ter imaginado ou suspeitado de algo...

— Andrew, você está me confundindo tanto que estou assustada. Do que está falando?

— Ora, por favor! Apaixonada por mim? – Seu tom era zombador – Conta outra! Mas eu imagino o por que de ter permanecido tanto tempo por perto… Eu era um desafio, não? O único que você ainda não tinha nem conversado, talvez…?

— Como é que… Andrew! Eu não acredito que você possa estar insinuando algo desse tipo! – Anna começou a se indignar também.

— Então o que foi, Anna? O que foi que te fez se aproximar de mim? Desde o começo, eu… nunca tinha entendido, de verdade. Mas você deve ter tido um bom motivo. Um muito excelente, na verdade...

Anna sentia-se ofendida, mas parando para pensar… não havia nenhum específico. Andrew simplesmente fora a pessoa que passou por perto quando ela precisava dscer de uma árvore. Nada mais, nada menos.

— Não há nenhum motivo. Eu precisava de ajuda e você era a pessoa mais próxima no momento. Foi um acaso, mas você não vê? – Ela tentou ignorar o incômodo que a insinuação dele lhe trazia ao se aproximar – Foi um acaso extremamente positivo. Eu gosto muito de você desde o primeiro momento em que parei para notá-lo de verdade. Ninguém manda no coração.

Andrew desviou o olhar meio que revirando os olhos ao mesmo tempo, cruzou os braços e um brilho diferente passou por seu olhar por um instante. De maneira imediata ele tornou a encarar Anna e, sem cautela alguma, atirou:

— Assim como foi um acaso você estar na mesma festa que eu, claro. E assim como foi um acaso você se envolver com Austin – não que eu tenha alguma coisa a ver com isso, não me entenda mal, você é livre para se envolver com quem quiser. Eu só… estou cansado dos seus acasos. Exausto talvez soasse melhor.

E ele não dissera aquilo simplesmente com raiva ou rancor na voz. Nem mesmo com remorso de nada. Andrew usara um tom de extremo enfado e desabafo e isso, por alguma razão, foi até Anna como uma sensação amarga.

— Sabe, – ele continuou – às vezes me pego pensando na possibilidade de eu não ter estado debaixo da sua árvore aquele dia e, às vezes… Essa probabilidade impossível me conforta um pouco.

Começou a doer devagar nela, porém não havia acabado ainda. Andrew estava com arco em punho e flecha puxada ao máximo. Fez o que faltava - atirou:

— Às vezes, Anna, eu sinto que talvez gostaria de nunca ter te conhecido. Porque você… Você não mede esforços pra brincar com o sentimento alheio.

A flecha veio com uma velocidade surpreendente até o peito de Anna e trouxe uma sensação ruim e aguda ao fincar fundo em seu peito.

— Você é confusa demais e me confunde demais – bufou – Aah, como você me confunde…

Anna tentava absorver as palavras de Andrew. Cabisbaixa, ela ficara sem reação por alguns instantes. O que Andrew tinha visto naquela noite? Certamente o que ele devia estar imaginando não era nunca o que tinha acontecido. Anna sabia e sabia também que não valeria a pena explicar. Mas, ainda assim… se ele mencionara o fato era porque se importava, de alguma maneira.

— Você está errado. - Reagiu, levantando a cabeça novamente - Eu não estou “livre para me envolver com quem eu quero”. Exatamente pelo que disse a você agora há pouco. É engraçado… há pouc tempo parecia ser um sentimento feliz, embora eu tivesse uma noção de que não seria fácil; agora, depois do que você falou… machuca. E o que você quer dizer com “eu não mexi esforços pra machucar os outros”?

Andrew inspirou fundo de uma maneira um tanto  quanto diferente de uma simples puxada de ar. Aquilo significava alguma coisa? Anna não se importava mais em tentar descobrir.

Ele ergueu uma sobrancelha parecendo desconfiado e receoso. Mas sem respondê-la:

— O que é que te prende então?

— Você. O que eu sinto. Porque não há nada pior do que esperar algo de alguém e acabar frustrado. Mas, mais do que isso: não há nada pior do que você despertar o interesse em alguém, saber que é recíproco, mas não receber nenhuma devolutiva clara. E não há nada pior do que você respeitar o tempo da pessoa quando, na verdade, só querem brincar com os seus sentimentos. Não há nada pior que dar chances pra um cara que entra no seu jogo ao mesmo tempo em que se mantém distante. E não há nada pior que repetir isso e se envolver até chegar num ponto onde mesmo desistir não é mais possível. Porque você já está maldita e suficientemente apaixonada pela pessoa a ponto de não conseguir estar com outro alguém sem se pegar pensando nela. O que foi que você fez comigo, Andrew? E por que comigo?

Andrew não esperava por isso, nem pela mudança repentina no humor cabisbaixo de Anna. Ele a olhava perplexo, surpreso e confuso.

— Mas o quê? Eu não fiz nada com você! Não é minha culpa se você...

Anna sorriu com ironia e olhos marejados:

— A gente não escolhe mesmo de quem vai gostar. Ninguém controla o coração… Mas você é tão cego a ponto de ignorar isso ou faz de propósito? De verdade, eu prefiro levar um tapa a descobrir que você é um cafajeste – por favor, não seja esse tipo de cara. Não me deixe saber que eu me apaixonei por um sedutor barato. Eu não mereço e não aceito isso.

Andrew olhou para os lados, abrindo e fechando a boca sem saber o que responder. Ele bufou mais uma vez, cerrando os olhos. Então, soando indignado, foi respondeu:

— Eu não sou um cafajeste.

Anna rebateu rápido:

— Então por quê? Se não estava realmente interessado, por que me deixou acreditar que estava? É só isso que eu quero saber. Por que você brinca comigo dessa forma?



Ela estava extremamente ofendida, eu podia sentir. Aquilo abrandou meu humor, de alguma forma. Eu não me sentia mais irritado ou… Só que eu não tinha feito por mal – de verdade, e teria de achar uma forma de explicar isso.

— Eu não quis, de verdade, te dar falsas esperanças. Jamais faria isso com ninguém, Anna. Quanto mais alguém como você. Você é uma amiga por quem tenho muito carinho.

Com os olhos começando a marejar, ela rebateu:

— Não consigo acreditar em você... Desculpa, mas eu não consigo.

Eu entendia, de uma forma que ela jamais poderia imaginar. Fora exatamente o que eu respondera. Ela, então, me atirou facas em vez de palavras:

— Entende? Não parece. Porque você age como se estivesse incrivelmente bem com tudo isso. Quase como se gostasse, porque não existe outra explicação pro que você faz, quebrador de corações.

O.k., aquilo me golpeou. Forte. E doeu naquela região mais sensível de mim, a parte obscura do meu ser que mexe com meu passado e presente.

Quebrador de corações.

Ela endureceu o olhar de repente:

— Você ainda não me respondeu. Vamos lá, agora talvez nem importe mais, mas mesmo assim: por que me deixou acreditar que era recíproco, Andrew?

Anna não fazia ideia de como aquilo machucava – ou fazia? Será que passara a ter noção e, pior, por minha causa?

Espantei-me com a tristeza súbita descarada em meu próprio tom de voz.

— Você nunca teve mesmo um coração partido, não é?

Ela suavizou mais o olhar. Aquilo mexia com nós dois.

— Sinto que estou à beira de um. E você ainda não me respondeu.

Era verdade que era completamente injusto ela sofrer aquilo daquela forma. Ela não tinha nada a ver com os meus problemas, mas ao mesmo tempo eu não conseguia… Eu nem sabia, na verdade o que sentia; mas conhecia, com toda a veracidade que existia em mim, o fato de que eu definitivamente não queria me apaixonar de novo.

Minha cabeça doía.

— Anna, eu realmente não faria nenhum mal a você de nenhuma forma possível. Mas, para ser completamente sincero, nem eu mesmo entendo o que sinto. Eu queria muito poder dizer que sinto o mesmo e… – um suspiro saiu  antes que eu pudesse contê-lo – Bem, só me desculpe. Se eu ao menos soubesse que você estava passando por isso tudo, eu daria um jeito de me afastar para evitar seu sofrimento. Não sei se algum dia você vai conseguir me perdoar, mas eu queria muito que ainda pudéssemos ser amigos. Muito mesmo...




Como era?

Então, Anna se lembrou do que Ellie dissera pouco antes de voltar para conversar com Andrew, no corredor de seu prédio.

Assim que fechara a porta, Anna mal havia dado três passos quando Ellie surgiu e chamou-a para lhe dizer, ligeiramente receosa e em um tom de voz baixo, como quem confessa um segredo:

“— Eu talvez não devesse falar isso agora, mas a questão é: eu faço Psicologia, não sei se você sabe, e estudo bastante sobre comportamento humano. Sobre o Andrew, Anna... ele gosta de você sim, mas há alguma coisa… Bem, ao que me parece, se minhas análises e observações estiverem corretas, Andrew pode ter passado por alguma situação extrema de choque, trauma ou perda no passado e isso gerou um bloqueio com relação a sentimentos desse tipo. - Ela observara Anna por um momento, sondando sua absorção das palavras - Claro que não é nada conclusivo ainda, mas a julgar pela forma como ele age e pelo que fala… Andrew está preso na primeira das cinco fases do luto.”

Agora começava a fazer sentido o fato de Andrew jamais ter mencionado muita coisa em seu passado. Anna ligava os pontos em sua mente, mas faltava um resquício, algo mais, só um pouquinho mais para confirmar o que ela cogitava.

Sem titubear, ela recuperou seu dom da fala e mandou de uma vez:

— Você já teve um coração partido, não é?

O olhar dele, antes transitando entre irritação e mágoa, se sobressaltou. Não só o olhar, mas Andrew literalmente levou um pequeno susto com aquela pergunta.

Ele cerrou os lábios e baixou os olhos. Era isso.

Ele sofria.

Anna não pôde evitar o sentimento de compaixão que aqueceu-lhe o peito. Devagar, ela se aproximou:

— Conversei com Ellie há pouco tempo e ela me disse algumas coisas que me abriram os olhos, de certa forma.

Parando em frente a Andrew, que permanecia aparentemente abalado, ela reduziu mais ainda o tom de voz:

— Alguém que você gosta muito te machucou bem aqui — delicadamente ela pousou uma das mãos no centro do peito dele —. E isso de alguma forma te traumatizou. Agora você prefere adotar uma postura de evitar qualquer contato que porventura possa se tornar íntimo…

Ele levantou o olhar e seus olhos se encontraram de novo. Uma sensação de conforto aliviou um pouco o peso acumulado no peito de Anna.

— Entendi — ela disse.

Como Andrew permaneceu quieto e triste, Anna acabou com a distância que havia entre ambos passando os braços pela cintura dele. Ele enrijeceu o corpo e ela apertou o abraço. Ficaram assim por um tempo.

— Você tem razão, eu posso ter me deixado levar pela frustração e ter te julgado mal. Me desculpe, Andrew. — Ele não cedeu. Ela acrescentou — Não sei quão grande foi sua decepção, mas saiba que você não tem que carregar isso pra sempre. Eu te conheço o suficiente para saber que tem um bom coração e dói em mim ver você sofrendo assim. Não sei exatamente por quê.

Ele finalmente relaxou o corpo.

— Só… me deixa te ajudar. Você não precisa carregar uma mágoa dessas, por mais que seja lógico querer isso. Você não merece, Andrew.

— Ninguém pode me ajudar com isso. — Ele falou com um pouco de rouquidão na voz.

— Desculpe, mas você está enganado. Você merece ser feliz.

— Como eu faria isso?

— Abrindo mão da mágoa e permitindo que seu coração se cure. Estou disposta a ficar do seu lado se você quiser. Não tem que passar por esse processo sozinho.

Um momento de silêncio.

— Anna, eu… eu não sei lidar mais com sentimentos românticos. Seria um peso pra qualquer um. É melhor ficar sozinho do que desgastar outras pessoas...

Anna se afastou um pouco para poder olhá-lo nos olhos. Então segurou o rosto de Andrew com as mãos. Ele fechou os olhos em contato com o toque dela.

— Pessoas fazem escolhas todos os dias. A cada instante. Da mesma forma que quem te machucou escolheu fazer isso, você tem o poder de escolher se libertar. Não se mantenha preso ao passado, Andrew. Isso não faz bem a ninguém. E, ei… Quando eu digo que estou disposta, quero dizer que eu escolho estar com você, para te ajudar, para fazer companhia. É uma decisão minha que faço por nó… Por você. E por mim.

— Por que escolher algo assim? — Ele franziu o cenho, confuso.

— Eu já lhe disse o motivo. Gosto de você.

— Só isso?

Anna sorriu descrente:

— “Só?”. Você acabou de me falar sobre traumas e sentimentos, mas parece não ter experiência alguma com isso. — Anna riu. — Que fofo!

Andrew franziu o cenho mais ainda.

— Você é realmente uma gracinha. Parece um bebezão de um metro e noventa e setenta quilos de músculo. Mas sim. Só por isso.

Então, ela estendeu a mão:

— Vem comigo. Vou te mostrar que relacionamentos nem sempre são um desastre doloroso. Mais ainda, vou te mostrar que você pode sim ser feliz ao lado de alguém que goste.

Ele olhou da mão estendida para os olhos de Anna desconfiado.

— Eu não sei…

Anna cortou:

— Seja sincero consigo mesmo: você quer?

— Anna…

— Quer ou não? Sim ou não?

— … Quero.

Ela sorriu.

— Então vem. Vai ser muito melhor dessa vez.

— Como você pode ter tanta certeza?

— Porque, sozinhos, nós dois vencemos cinco outros grupos numa competição. Porque eu me divirto demais quando estou com você e sei que você também gosta. Porque há reciprocidade. Porque somos adultos. Porque é comigo que você está falando e sou eu quem afirma.

— Porque somos a melhor dupla.

E apesar da leve ironia, do tom brincalhão e do charme jogado, Andrew sabia o que ela queria dizer com aquilo.

Vacilante, ele levantou a mão.

— Você confia em mim, Andrew?

Ele inspirou fundo. Valia a pena tentar(?).

A mão dele se aproximou sem pressa. Envolveu a dela, com suavidade, e se fechou.

A mão decidida dela apertou a relutante dele de modo a transmitir confiança. O toque para ambos foi reconfortante.

— Confio.

Anna sorriu. O coração de Andrew também. Ambos claramente mais aliviados.

— Então, temos um novo acordo. Você me fará feliz e eu continuarei te fazendo feliz também. Sem pressão, sem cobrança. Apenas porque somos dois adultos e estamos escolhendo isso. Aceita?

Ele piscou e engoliu em seco. Então assumiu um olhar mais determinado e balançou a cabeça:

— Aceito.

Anna deu um sorriso de contentamento genuíno. E surpreendendo Andrew mais uma vez, agarrou-o em um abraço sincero.

— É muito bom te abraçar, moço! — Comentou satisfeita.

Ele retribuiu o abraço.

— É muito bom ser abraçado por você, moça.

E sorriu porque era verdade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que eu gostaria de dizer? Bom, eu... gostaria de agradecer à Academia... aqueles...

Valeu por terem lido! Em breve tem mais porque estou com saudades desse enredo romântico.
É isto. Não se esqueçam de comentar, beijinho, beijinho, tchau tchau! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Eu de Letras, ela de Irônicas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.