Apesar de tudo que aconteceu nos últimos dias, Lua conseguiu se adaptar bem como professora e não tem oferecido muitos problemas, apesar de Estrela continuar de olho nela. No final de mais um dia de aula, Estrela e eu conversávamos sobre isso, enquanto íamos em direção à saída.

—Acho que a Lua ainda deve aprontar mais alguma coisa – considerou Estrela – Pelo visto, terei que continuar aqui até ter certeza de que ela não vai causar mais problemas.

—Mas ela parece estar gostando bastante de dar aula – comentei.

Estrela ficou em silêncio, mas Lua que, por acaso (ou não), estava bem atrás de nós, não resistiu em responder meu comentário.

—Isso mesmo, Vitor fofinho – disse ela, para o completo susto de um pobre distraído como eu – Descobri minha verdadeira vocação!

—Pretende mesmo ficar aqui na Terra? - perguntou Estrela.

—Sim. Também me apaixonei por esse planeta, assim como você – respondeu Lua, com um ar de orgulho perceptível.

—Não diria que sou uma apaixonada por esse lugar – disse Estrela – Mas a Terra sempre foi meu interesse científico. Meu dever é mantê-la protegida de desequilíbrios ecológicos que criaturas como você podem causar.

—Euzinha? Mas eu não poderia estar mais adaptada a esse lugar – retrucou Lua.

É verdade. Passo tanto tempo com Estrela como colega de aula que às vezes esqueço a verdadeira missão dela: manter o equilíbrio ecológico daqui. Lembro que Estrela é uma ecologista intergaláctica extremamente gabaritada no Setor W.

—Pode ficar sossegada, maninha – falou Lua – Posso cuidar bem desse planeta. Também tenho um Portal Gun. Posso identificar facilmente ameaças. Você disse que a região dessa cidade é a mais propensa a ter invasões aliens, não é?

—Sim – disse Estrela – Tudo culpa daquele diretor imbecil que usou o Eternium para criar portais a torto e a direito...

—Eternium? - perguntou Lua – Está falando daquele cristal que consegue criar energia? Achei que fosse só uma lenda.

—Não é – disse Estrela, ajeitando a mochila nas costas – Mas atualmente ele está guardado pelo Kevin e todo o esquema de segurança dele. Mas até agora aqueles incompetentes não descobriram nada. Aposto que se eu levasse o Eternium para ser analisado no Setor W descobriríamos muito mais sobre ele.

—E como uma coisa valiosa dessas veio parar aqui na Terra? - Lua parecia bem interessada.

—Por que quer saber? - perguntou Estrela.

—Agora sou uma personagem recorrente por aqui, bebê. Quero ficar por dentro dos babados – disse Lua.

—É uma longa história que não interessa em nada para alguém que só quer ensinar inglês em uma escolinha de bairro de um planeta primitivo – disse Estrela – Estou indo na frente, Vitor. Até mais.

—Chata – disse Lua, mostrando a língua enquanto Estrela se afastava.

—B-Bem – gaguejei – Acho que também já vou indo.

—Calma aí, Vitor fofinho – disse Lua, em tom cantarolante – Você é bem mais legal que a minha irmã, né?

—V-Você acha? - respondi.

—Claaaaro que acho – disse ela, enquanto bagunçava o meu cabelo (como odeio ser baixinho) – E você vai me falar sobre esse cristal, não vai? Quem controlar aqui, consegue fazer praticamente tudo. Imagina só: um cristal que produz a própria energia. Nunca mais vamos precisar nos preocupar com contas de luz. É demais!

—Mas se cair em mãos erradas...pode acabar com nosso planeta – falei.

—Entendi. Por isso é melhor mesmo ficar guardado – disse Lua – Mas...você confia mesmo nessa CICE?

—Bom, eles dominam tudo que se refere a alienígenas no nosso planeta – respondi – Eles tem domínio de várias tecnologias. Se fossem fazer algo contra nós, já teriam feito.

—É...olhando por esse lado – falou Lua – E na Estrela? Você confia?

—Por que está dizendo isso? - perguntei.

—Bom, ela trabalha para o governo do Setor W – disse Lua – Mas...ela já falou alguma coisa sobre o Setor W para você?

—Agora que você falou...ela raramente fala disso. Só sei que é um lugar mais avançado que a Terra – respondi.

—Sim, isso é verdade – falou ela – Mas...será que eles são tão bonzinhos assim?

—Do que está falando? - perguntei.

—Bom, viver no Setor W não é ruim...mas nem mesmo eu sei direito o que o alto escalão de lá quer – respondeu Lua – E acho que a Estrela deve saber alguma coisa.

Nunca tinha parado para pensar nisso. Se o Setor W é um lugar tão avançado quanto dizem, por que possuem interesse no que acontece em um planeta tão ridículo para eles como a Terra? Além disso, pelo que a Estrela fala, a Terra é muito distante do Setor W. Por que ela se preocupa com algo que acontece tão longe?

—Imagino as suas dúvidas – continuou Lua – A única coisa que eu sei é que o Setor W gosta de analisar diversos locais do universo.

—É. A Estrela me contou que eles observam a Terra praticamente desde a formação dela – comentei.

—Não só a Terra, mas de muitos outros lugares – falou Lua – Mas eu também não sei de muita coisa. Só lembro de ter ouvido uma vez...que o Setor W quer acumular o máximo de informação possível sobre tudo no universo.

—Sério? - perguntei.

—A pergunta é...por que eles querem fazer isso? - disse Lua – Isso eu não tenho muita certeza. Talvez a Estrela saiba, mas...ela nunca me disse nada.

—Nem para mim – lamentei.

—Bom, preciso almoçar – falou Lua, saindo de sua rara postura séria para seu jeito excêntrico de costume – Até mais e não esqueça de fazer a lição de casa.

—T-Tá – gaguejei.

Essa conversa ficou na minha cabeça por alguns instantes. Ao me voltar para o portão, ouvi a voz de Mabi.

—Vitor – disse ela.

—Mabi! - voltei para trás totalmente sorridente. Sim, ela estava ali...junto com o Eduardo, é claro.

—Já está indo embora? - falou ela – Estávamos pensando em almoçar no centro e ficar na escola para resolver a lista de matemática. Está bem difícil, não acha?

—É...é verdade – comentei – Acho que vou fazer isso.

—Legal. Vamos estudar juntos – disse Mabi – E a Estrela? Já foi embora?

—Ah, já – falei – Ela foi na frente dessa vez.

—Que pena – lamentou Mabi – Podíamos estudar todos juntos.

—Se bem que a Estrela não deve se importar muito com notas. Ela já tem pós-graduação, não é? - comentou Eduardo.

—É. Isso é verdade – falei – Mas...até que ela gosta de se passar por aluna.

—Ela é bem legal – disse Mabi – Pena que é meio fechada com as coisas dela.

—Sobre isso... - balbuciei, revelando minha preocupação mais do que gostaria.

—O que foi? - perguntou Mabi.

—Acho que...é melhor conversarmos no almoço – falei, em um tom sério. Em poucos instantes, almoçamos em uma lanchonete próxima e, enquanto comíamos, contei tudo que Lua havia me dito.

—Ah, a Estrela é fechada, mas parece honesta – disse Mabi – Ela já fez tanta coisa para proteger nosso planeta de alienígenas estranhos. Não é, Du?

Eduardo, por sua vez, estava pensativo, mexendo o canudo de seu suco.

—Edu? No que está pensando? - perguntou Mabi.

—Eu concordo que Estrela é uma pessoa de caráter – falou Eduardo – Pelo menos é o que aparenta.

—Eduardo! Você tá duvidando da Estrela? Ela é nossa amiga! - bronqueou Mabi.

—Eu sei disso – continuou ele – Mas ela também é uma profissional que segue ordens do Setor W, um local que conhecemos muito pouco.

—É. Não sabemos nada da origem da Estrela, isso é verdade – concordou Mabi.

—Esse é o ponto – falei – Tem muita coisa da Estrela que não sabemos. E nem a Lua, a irmã dela, sabe.

—O que sabemos é que o Setor W é um local de tecnologia inimaginável para nosso nível de conhecimento – falou ele – Uma civilização que domina teletransporte e viagem temporal não é pouca coisa.

—Fora que eles também podem se regenerar muito rápido – lembrou Mabi.

—Mas tem algo ainda mais preocupante – disse Eduardo, em tom sério, olhando para cima em ar de reflexão – É uma civilização capaz de manipular memórias.

—Ah, sim. A Estrela usa isso direto para manter a identidade dela a salvo – comentei.

—Memórias são importantes, Vitor. Elas são o que utilizamos para guiar nossas crenças no passado – explicou ele – Você já parou para pensar...

Ai, estava demorando.

—Você já parou para pensar que se suas memórias estiverem enganadas, tudo que você acredita sobre o passado pode estar errado? - perguntou ele.

—É. Olhando por esse lado, só posso afirmar que comi pão com manteiga no café da manhã por lembrar disso – respondi.

—Mas e se suas memórias forem falsas? - prosseguiu ele – E se você não comeu pão com manteiga, mas apenas acredita que comeu?

—Onde está querendo chegar, Eduardo? - perguntou Mabi.

—Se Estrela pode usar o Portal Gun para apagar memórias...o que nos garante que ela já não tenha usado o Portal Gun em algum de nós? - concluiu Eduardo.

—Edu! Essa acusação é muito grave! - exclamou Mabi, indignada.

—Não estou acusando ninguém, estou apenas levantando a possibilidade – explicou ele.

—A Estrela nunca faria isso! - alegou Mabi.

—O que você acha, Vitor? - perguntou Eduardo.

—Eu...eu não sei – falei.

Depois do almoço, tentamos estudar, mas não conseguia tirar aquela conversa da cabeça. É realmente possível: será que Estrela já manipulou minha memória em algum momento? Será que ela está mesmo escondendo alguma coisa? Amigos não deviam desconfiar uns dos outros, mas ao mesmo tempo...Estrela era muito diferente de mim. Enquanto eu sou apenas um pobre nerd da Terra tentando sobreviver ao colégio, ela é uma ecologista de renome vinda de uma civilização extremamente poderosa. Ela deve saber coisas que eu não consigo nem imaginar! Mas será que ela usou mesmo o Portal Gun em mim? Não adiantaria nada perguntar à Estrela, afinal, se ela usou, vai negar que usou por não querer me fazer lembrar, mas se não usou...eu nunca me perdoaria por ter desconfiado dela assim.

Acho que Mabi percebeu que eu não estava concentrado nos estudos e sugeriu que fôssemos embora sem terminar a lista. De fato, não conseguia me concentrar em nada. Eu só conseguia pensar nessa dúvida: Estrela está ou não escondendo alguma coisa? Parei no meio do caminho para casa, olhei para as ruas desertas ao meu redor e depois olhei para cima, como se implorasse uma resposta aos céus.

—Eu...queria muito saber se Estrela está escondendo algo de mim – falei, em voz alta.

—É isso mesmo que você quer? - disse uma voz estranha atrás de mim. Eu me virei para trás e praticamente caí no chão de espanto. Era uma garota de pele e cabelos muito brancos. O vestido leve que ela usava também era branco, assim como seu par de sapatos. Além disso, ela tinha olhos azuis piscina maravilhosos que se destacavam com perfeição. Acho que nunca vi uma garota tão linda na minha vida. Ainda amo a Mabi, mas não poderia mais dizer que ela era a garota mais bonita do universo. Mas, como ela apareceu ali? A rua estava deserta há dois segundos atrás.

—Não precisa ter medo – disse ela – Estou aqui para te ajudar.

—Q-Quem é você? - perguntei.

Ela sorriu de modo reconfortante. Quem, afinal, era ela?