A Queima da Bruxa escrita por Apolla Lilium


Capítulo 1
A Bruxa na Fogueira


Notas iniciais do capítulo

Espero q gostem
Foi uma inspiração que surgiu no meio da aula :D



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Andava pela praça segurando forte a mão de minha mãe. Era uma tarde fresca de primavera e o lugar estava simplesmente maravilhoso. As árvores verdes e cheias de folhas, as flores desabrochadas colorindo o chão, a água das fontes provocando arco íris enquanto dançava em esguichos. Os cheiros eram muitos e prazerosos: terra remexida, flores diversas e pipoca recém pronta. Os sons [se misturavam em uma orquestra harmoniosa: o vento batendo na copa das árvores, os pássaros cantando, cães latindo, bicicletas amassando folhas e tocando suas campainhas de sinos, a água caindo das fontes e conversas e risadas dos visitantes do parque... Era um belo lugar.

De repente senti algo. Como se uma névoa aparecesse e cobrisse o momento, tudo pareceu ficar escuro e denso. O ar não parecia mais tão fresco e eu me vi sufocando nele. Apesar de não estar em um lugar fechado, o próprio ambiente começava a me cercar. As árvores pareciam esticar seus galhos ásperos para tentar me prender e um cheiro podre de miséria tomou conta de tudo.

A orquestra parou e durante um tempo fiquei sem ouvir nada, mas então pude distinguir um barulho. Começou longe e baixo, mas à medida que se aproximava aumentava a tal frequência que mais parecia um show de rock... Soavam como pessoas. Elas não estavam cantando ou discutindo umas com as outras, estavam gritando mesmo. Suas vozes se misturavam e eu não conseguia entender nada do que ninguém falava.

Olhei ao redor tentando identificar quem estava fazendo isso, mas as pessoas que estavam no parque pareciam presas em uma espécie de transe; todas paradas e sem nenhuma expressão... Se não eram elas que faziam o barulho? Quem seria?

Como uma resposta a minha pergunta começaram a aparecer, do nada, pessoas desfoques, como fantasmas, quase transparentes. Usavam vestes estranhas, algumas luxuosas, outras maltrapilhas, mas todas consistiam em vestidos bufantes para as mulheres e calça e casaco para os homens. Apesar de ser uma grande multidão, ninguém pareceu perceber minha presença, tampouco as pessoas do parque perceberam os vultos.

Eles faziam gestos obscenos com o corpo, todos direcionados para um lugar específico. Alguns demonstravam raiva, ou asco e poucos uma pontada de pena, mas todos tinham desprezo no olhar... Para quem dirigiam essa raiva? Qual era a origem dela?

Foi então que a vi. No meio da praça, havia um pequeno e simples coreto, mas havia uma imagem opaca a frente de um pequeno palco improvisado de madeira onde no meio havia uma mulher. Ela não devia ter mais que dezoito anos e era muito bonita, porém essa beleza estava escondida embaixo de uma camada de poeira, e milhares de hematomas, alguns tão recentes que era possível ver o sangue escorrendo. Vestia um trapo velho que antes já fora um vestido e o cabelo estava tão sujo e embaraçado que mais parecia um monte de raízes. Ela estava muito magra, os ossos apertavam a pele como se quisessem pular para fora, o rosto era pontudo, o nariz se inclinava em um angulo estranho e os olhos, apesar de estarem fundos e contornados de olheiras melancólicas, carregavam uma imensidão de sabedoria e harmonia, como se o tragassem para o fundo de sua alma.

Havia dois homens grandes e mal encarados parados cada um de um lado da mulher. Um se vestia totalmente de negro e carregava um pedaço de madeira com uma espécie de pano molhado em algo enrolado na ponta em uma das mãos. O outro era um tipo de padre, vestido com uma túnica branca e de aparência limpa, carregando uma grossa bíblia e uma enorme cruz de ouro cravejada de joias pendia de seu pescoço.

Curiosa, resolvi correr até lá já que os outros vultos tinham sua atenção para o trio no palco. Ninguém percebeu minha aproximação então logo eu consegui chegar até a misteriosa moça.

O homem de preto incendiou o bastão que segurava, transformando- o e uma tocha, e começou a se aproximar da menina no meio do palco. Ela estava olhando para o mesmo lugar que eu e enquanto essa cena se desenrolava percebi sua respiração ficar mais rápida e gemidos de súplica saírem de sua boca, ela começou a se debater como se quisesse fugir, mas suas mãos e pernas estavam presas ao redor de um grande e grosso toco de madeira velha.

Aos pés da menina havia um amontoado de lenha e palha como uma fogueira. Quando estava pensando no que fariam com aquilo, o homem de roupa preta jogou a tocha acesa na lenha e instantaneamente tudo pegou fogo.

Nunca imaginei o quão bem a carne humana poderia conduzir o fogo... E nunca imaginei o quão alto alguém poderia gritar. Primeiro foram as roupas, mas quando chegou na carne... Parecia que a garganta dela iria estourar, quase dava para ver as cordas vocais tremendo. Seus olhos estavam para saltar de suas órbitas e eram vermelhos e repletos de veias. Ela babava e se convulsionava como uma lesma mergulhada em sal. O suor pingava de seu rosto e o cabelo desgrenhado grudava em sua face.

Comecei a sentir um gosto estranho em minha língua, amargo e seco, gosto de cinzas; minha garganta queimava pelas chamas engolidas sem querer e meus olhos ardiam das inúmeras lágrimas que rolavam por minhas bochechas.

Comecei a ouvir um barulho vindo detrás de mim. No início eram baixos sussurros e murmúrios, porém logo se transformaram em gritos que pareciam impossíveis de tão altos.

Quando me virei, buscando a origem desses gritos, descobri que vinham da multidão que ocupava a praça. Homens e mulheres gritavam e faziam gestos obscenos na minha direção; Muitos dos quais estavam na frente começaram a cuspir e lançar pedras, cacos de vidros, comidas podres e até mesmo excrementos.

Por que aquelas pessoas faziam aquilo? Por que estavam sendo tão cruéis?! O que aquela pobre garota havia feito para merecer aquilo?! Nada poderia ser tão errado a ponto dela estar sendo submetida a tal sofrimento?! Alguém deveria fazer alguma coisa!

Olhei para o padre do lado dela. Ele, com certeza, era uma pessoa de bem e iria ajudá-la... Mas ele apenas ficou lá parado balbuciando palavras estranhas de forma rápida enquanto lia a bíblia. Comecei a puxar as vestes do homem implorando que ajudasse aquela mulher... Porém ele me ignorou, como se eu não existisse e varreu o sofrimento dela para debaixo do tapete.

Eu tinha que fazer alguma coisa para salvar aquela alma! Corri para mais perto da fogueira, mas houve uma pequena explosão que queimou e machucou minhas mãos. Pensei em ir até a fonte de águas dançantes e tentar apagar o fogo. Olhei para a menina e... Já era tarde.

Vi, com horror, a pele negra e ressecada, o cheiro podre de carne e cabelos queimados invadiam minhas narinas, a boca estava escancarada e os olhos esbugalhados, um deles em um ângulo estranho, parecendo estar pendurado.

Seu corpo estava duro e sua feição apagada... Estava morta... Acabou.

A multidão atrás de mim explodiu-se em vivas e comemorações. Até mesmo música começou a ser tocada! O padre ao meu lado fechou a bíblia com força e disse:

— In nomine patris, et filii, et spiritus sancti. Amen.

Eu realmente não sei o que deu em mim… Já enfrentei a morte antes, minha avó havia morrido ano passado... Mas não sei se foi o fato da menina parecer ser apenas um pouco mais velha que eu, ou o fato de que havia tantas pessoas ali comemorando seu sofrimento... Mas aquilo começou a me incomodar... O horror da cena, o pavor da vítima, a apatia dos presentes... Como seres humanos podiam fazer aquilo com outro ser vivo?! O que os motivava a serem tão cruéis!

Fiquei chorando agachada na fogueira na frente da menina não sei quanto tempo, até que senti a mão de alguém tocando de forma delicada meu ombro. Quando eu levantei os olhos estava de frente a uma mulher.

Parecia ter uns vinte anos. Nunca vi alguém tão bonita. Era como se felicidade pura irradiasse dela, como se estivesse iluminada por um holofote. Ela se destacava naturalmente. Vestia um vestido longo e solto branco com flores discretas de várias cores. O cabelo era loiro e cacheado e estava preso em uma longa trança, pendendo de seu pescoço havia um colar com um pingente com uma estrela dentro de uma roda.

Ela sorriu preocupada e perguntou:

— Criança, qual o problema?

— A moça... Ela... Estava bem aqui.

Olhei ao redor procurando os vultos que havia visto, mas todos tinham desaparecido e o parque voltou a ser o mesmo que era antes. A mulher pareceu confusa e disse:

— De que moça está falando?

— A que morreu...

Ela pareceu surpresa. Chegou mais perto de mim e disse:

— Pequena, você viu essa moça?

Afirmei silenciosamente com a cabeça. Ela perguntou:

— E como se sente?

– Triste.

— Por quê?

— Porque ela morreu! Isso foi errado! Foi cruel!

A mulher a minha frente deu um sorriso triste e disse:

— Exato... Essa era uma das minhas antepassadas. Morreu na fogueira condenada a bruxaria durante a Idade Media.

– Bruxaria?

— Isso mesmo.

— E como eu a vi?

— Ora, você é especial, criança. Tem um dom que poucos possuem. Sua alma é forte e você vê além do mundo físico. É tão sensível que conseguiu captar meu feitiço de clarividência mesmo estando fora do círculo.

— Feitiço? Círculo? Do que está falando?

A moça apenas sorriu e disse:

— De coisas profundas, pequena.

— E como essas coisas são?

— São bonitas... São mágicas... Quer que eu ensine a você?

— Ensinar o que exatamente?

— Ensinar a compreender a natureza, a entender o que o vento diz e a falar a língua das plantas. Conversar com os animais e se entender com as criaturas mágicas. Ensinarei-te a ver a Deusa e o Deus. Irei te mostrar como flutuar entre os mundos e como fazer magia.

— Nossa. Vai me mostrar tudo isso?

— Se quiser.

— Eu quero!

Eu sorri. Um dos maiores e mais brilhantes sorrisos de toda a minha vida. Ela retribuiu meu sorriso e disse:

— Será uma honra. Qual se nome pequena?

— Lana.

— O meu é Sophia e eu a guiarei nesse caminho.

Sorri e acenei um “sim” com a cabeça. Ela levou suas mãos ao cordão de seu colar. Com cuidado, quase adoração, ela o retirou e o colocou envolta do meu pescoço dizendo:

— Sua primeira lição: eu lhe ensinarei o que e quem é a Deusa Mãe.

Sofia: Significa "sabedoria" ou "a sábia".

Lana: Significa "minha criança", "pedra", ou "a reluzente", ou ainda "a que flutua.


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Notas finais do capítulo

Críticas são bem vindas
Comentem por favor
Que a Deusa esteja com vocês :D



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