Beep-Beep, Richie! escrita por Arrriba


Capítulo 1
See you in your dreams...


Notas iniciais do capítulo

Não é a minha primeira fic na categoria "A Torre Negra", mas é a primeira abordando "A Coisa". Para entender essa oneshot é preciso ter lido toda a série de livros da Torre, e também o livro It: A Coisa (Se você apenas viu o filme, infelizmente não vai entender a história, pois usei uma situação aqui que é mostrada apenas no livro - e que foi uma pena ter ficado de fora do filme... Aliás, não sei por que ainda insisto em ver as adaptações que fazem das obras do titio King ¬¬')Duvido que essa fic tenha algum público, mas se você chegou até aqui e está disposto(a) a ler a fic, seja bem-vindo(a)! Espero que goste da leitura x)



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Nos últimos dias daquele rigoroso inverno, a memória de Richie vinha oscilando com antigas recordações que antes permaneciam latentes em alguma porção obscura de seu cérebro. Imagens muitas vezes soltas e sem qualquer contexto (embora incrivelmente nítidas), se projetavam como verdadeiras explosões de cor, e apesar de sua essência ser indiscutivelmente antiga, ainda assim soava um tanto recente aos seus olhos.

Ele sentiu um cheiro forte de esgoto, e logo em seguida um flashback de um passado distante nublou a sua noção de tempo.

“A Tartaruga es-está m-m-morta...!” — A voz de Bill ecoou num desespero sincero dentro dos recantos mais afastados da mente cansada de Richie, pairando sem significado no vácuo que eram suas lembranças.

Richie Tozier ajeitou com cuidado a posição de seu desgastado quadril sobre o estofado macio da poltrona, empurrando os óculos de armação escura para mais perto dos olhos enevoados pela idade. A dor causada por sua bursite fez com que uma forte luz ofuscasse sua visão já defasada, arrancando-lhe um gemido doloroso quase involuntário.

— Ah, Eds, você estaria orgulhoso de mim! Já estou te alcançando no coquetel de pílulas, meu bom rapaz... — Riu, ainda que o gesto fizesse a dor piorar. Um gosto amargo temperado apenas por tristezas alojou-se no fundo de sua garganta, sumindo por completo com o breve sorriso da recordação de seu antigo amigo. A imagem da última vez que o viu veio assombrá-lo sem muita cortesia. O fim de Eddie Kaspbrak, o hipocondríaco que certa vez salvou a todos com sua bombinha de asma, e que por fim foi abandonado morto no lar da Coisa.

As lembranças antes completamente perdidas estavam retornando num único golpe, tão devastadoras quanto a própria tempestade que assolou Derry vinte e sete anos antes, quando ele, Bev, Big Bill, Ben e Eddie enfrentaram pela segunda vez o mal que coexistia nos esgotos mais profundos da cidade. O coração de Derry.

“Era uma fêmea...” — pensou, repleto de asco naquele súbito entendimento — “Por que esse passado está vindo à tona? Por que não continua esquecido como nas últimas décadas?”

— Porque chegou a sua vez de flutuar, Boca de Lixo! — A voz veio detrás de Richie, suave e traiçoeira, trazendo consigo o fétido odor de todas as crianças mortas pela insaciável fome da Coisa.

Richie virou-se num sobressalto, o coração que batia há quase setenta anos agora ameaçando falhar em seu peito magro. Não viu nada que chamasse sua atenção além da janela aberta, que permitia com que o vento assobiante da madrugada entrasse por uma pequena fresta. Respirou com certo alívio, quase disposto a rir ante os seus próprios delírios senis. “Foi o vento, claro...”

Ele levantou-se, caminhando devagar até as cortinas esvoaçantes que vieram lhe assombrar naquela noite, intuindo com o pouco que restara do poder dos sete que seu medo ainda seria devidamente explorado naquela fria madrugada.

E não tardou a ser.

Richie jamais poderia imaginar que seus pulmões ainda guardavam todo o fôlego usado naquele grito, que cortou a calmaria da noite como um relâmpago divide a imensidão do céu. Junto ao seu reflexo idoso na vidraça da janela, estava também a imagem cruel e milenar de Pennywise, encarando-o com o típico brilho atroz de suas íris amarelas e tão atemporais quanto sua própria idade. Lábios escarlates se arreganharam num enorme sorriso, deixando à mostra todos os dentes serrilhados que prometiam dilacerá-lo como já haviam feito com tantos antes dele.

Estilhaços de vidro voaram para cima de Richie, atingindo-o com a força de todo o ódio incutido naquela criatura, a fúria em suas íris potencializada por todas as vezes que fora contrariada por aqueles meros humanos. Cacos penetraram fundo na pele do homem idoso, mais lascas do que ele seria capaz de contabilizar agora manchadas com o próprio sangue, e o poder do impacto o fez cair no chão, machucando ainda mais o seu quadril. Centenas de balões de diversas cores ultrapassaram desordenadamente o espaço aberto deixado pela pequena explosão, até que os olhos desumanos de Pennywise entraram mais uma vez em foco.

— Não é possível! Bill matou você!

— Matou, é? — Gargalhou à medida que os pompons laranjas passavam pelo buraco da janela, sorrindo ainda mais largamente ao ver Richie se esgueirar, frágil e desajeitado em meio à velhice, para longe das garras que logo o alcançariam — O B-B-B-Big B-B-Bill m-matou a C-Coisa? MATOU, RICHIE? — Perguntou num urro grave e furioso, mais daquele hálito insuportável se impregnando nos arredores — Sou eu quem mata, Boca de Lixo. Eu sou eterna, e vou continuar devorando almas até muito depois do seu tempo!

— Me parrrece que esse seu apetite chega a serrr meio patológico, madame, ah sim! — Richie usou a antiga Voz do Policial Irlandês, percebendo com temor crescente que aquele antigo subterfúgio não resultou em benefício algum. A Coisa continuava vindo até ele, seu passo em nada modificado. — Como você voltou? E por que não está mais em Derry? — Questionou agora com seriedade, ciente de que aquele era o seu fim.

— Vocês mataram apenas uma de minhas cascas, mas minha essência é imortal. Eu sou feita de luz, Richie. Das luzes da morte, lembra? — Sorriu ainda mais largamente — Eu já fui o cerne de Derry, e agora todos lá flutuam. Você também vai flutuar...

— Dispenso, meu bom palhaço. Particularmente, minhas habilidades em natação nunca foram aceitáveis.

Pennywise rugiu, um som que fez Richie se esgueirar ainda mais para longe do gutural estrondo que era sua voz, e logo o invólucro do palhaço começou a se desfazer, transbordando luz à medida que a Coisa novamente revelava sua verdadeira forma. O aracnídeo, a imagem mais próxima que a mente humana era capaz de recriar, ganhou o contorno de seus longos quatro metros e meio, suas compridas pernas peludas impulsionando um salto certeiro que a fez cair em cima de Richie. Pedaços do teto desabaram sobre os dois, porém nenhum deles notou.

Por trás das lentes dos óculos, Richard Tozier sentiu seus olhos serem puxados para as gemas rubras da enorme aranha, e pela segunda vez ele a enfrentou no ritual de Chüd.

A sensação de ser jogado para longe de seu corpo foi ainda mais arrasadora do que da primeira vez. A Coisa estava inegavelmente melhor preparada e tinha a seu favor a imortalidade, que lhe conferia eterna vitalidade enquanto os Otários apenas envelheciam e tornavam-se fracos demais para enfrentá-la. A cada ciclo, o poder que os uniu diminuía, restando apenas poucas lembranças daquela época que compartilharam em Derry.

Richie trincou com força os dentes ao apertar a língua mental da Aranha — agora banhada por fontes de intensa luminescência —, o desespero crescente em seu peito lhe avisando que nunca mais veria o mundo através de seus próprios olhos, o suor em sua testa servindo como advertência da enorme demanda de energia que o ritual exigia. Soube então que, muito provavelmente, para ele o mundo como conhecia acabava ali.

— Exatamente, Boca de Lixo — a Aranha disse, capaz de ler seus pensamentos e se adiantando em alimentar-se de sua angústia — Dessa vez nada pode te proteger do seu destino. Devia ter aceitado meus balões quando ainda era criança! Garanto que seu sofrimento não chegaria nem perto do que vai sentir agora.

— O que você fez com os outros, sua maldita?

— O mesmo que estou prestes a fazer com você. Todos flutuam aqui embaixo, todos, sem exceção.

Ele se contorceu brevemente, sentindo a cada segundo que perdia um pouco mais de espaço naquela imemorável disputa. Iria perder, e dessa vez não havia Bill, Eddie, Bev ou Ben para interceder por ele. Naquela causa derrotada, não ousou lutar por sua vida, mas sim por um pouco de entendimento.

— Seu nome não é Pennywise... Nunca foi... — O último Otário disse com tranquilidade, apenas constatando um fato subitamente percebido por ele.

— Assim como você, eu tenho muitos nomes, Boca de Lixo. Já fui a Eterna, a Devoradora de Almas, Comedora dos Mundos, já fui Pennywise... — A Coisa hesitou, e de repente a luz que irradiava de si tornou-se ainda mais densa em meio ao próprio desagrado, quase vacilando na atrocidade de seu brilho — Já fui Mordred...

“Mordred... Esse é o verdadeiro!” — Constatou, como se o próprio Outro lhe cochichasse essa informação — “Outro não... Quem criou a Coisa e a Tartaruga foi Gan... Talvez até a própria Torre...” — pensou, sem compreender em nada os fundamentos daquele raciocínio, porém ainda assim ele lhe pareceu certo. Não apenas certo, mas ao mesmo tempo poderoso.

— MORDRED NÃO É O VERDADEIRO! — A Coisa guinchou de ódio, uma fúria tão inarticulada que por um momento o controle sobre Richie vacilou, ameaçando escorregar. Noutra época, talvez Richie fosse forte o bastante para se aproveitar daquele breve momento de fraqueza, contudo esse não era mais o seu caso. A sua capacidade se perdera com o Clube dos Otários, e logo a Aranha já estava firme novamente sobre sua língua mental — Mordred surgiu num mundo que seguiu adiante, um lugar que não representa nada para esse universo. Fui gerado lá, mas renasci aqui, imortal, quando meu corpo frágil e imaturo desfaleceu no Mundo Médio. Aquele era o território da Tartaruga, este é o meu, e nos meus domínios eu sou eterna!

— História comovente... Devia entregar um roteiro para que o Big Bill a escrevesse, e...

— Beep-beep, Richie! — A Coisa

(Mordred)

disse antes de começar a devorá-lo.

E Richie Tozier gritou pelo que pareceu a própria eternidade, para enfim flutuar.

“— Não dá pra ter cuidado em um skate, cara!” (um garoto)

“Seja verdadeiro, seja corajoso, enfrente. Todo o resto é escuridão.” (Bill Denbrough)


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Notas finais do capítulo

Só eu sei o quanto A Coisa foi intensa, muito intensa, pra mim. E, acreditem ou não, este fim que eu criei foi menos melancólico do que o final escrito por Stephen King, na minha visão. Aquelas últimas páginas acabaram comigo. De verdade. :/Enfim, provavelmente ninguém nem vai ler isso, mas caso algum fã de Stephen King tenha achado essa humilde história, espero que tenha curtido o crossover!



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