Contraposição escrita por Blue Butterfly


Capítulo 2
Capítulo II




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Maura acordou uma última vez e sentiu o corpo dolorido. Ela moveu lentamente a cabeça do chão, sentindo a bochecha friccionar na poeira. As pontas dos dedos pousados perto de sua boca roçavam um líquido gelatinoso. Mais desperta, ela se deu conta de que aquilo era a própria saliva. Se sentindo nauseada, ela rolou para o lado e esfregou o rosto tentando se livrar da sensação pegajosa do fluído. Clorofórmio, ela pensou, considerando o cheiro que sentira antes e as manifestações de seu corpo. A salivação excessiva, a náusea e a dor de cabeça que sentia agora eram alguns dos sintomas listados à exposição da substância tóxica. Ela sentiu o pulso acelerar. A quanto ela tinha sido exposta? Ela virou a cabeça para o chão e cuspiu uma quantidade nova e considerável de saliva. Ela tinha que expelir aquilo do seu corpo o mais rápido possível, e na maior quantidade que pudesse - o composto químico fora conhecido por ser usado como anestésico antes, na medicina, mas agora era mais conhecido pelo poder de destruição do sistema nervoso central, rins e fígado.

Ela apenas prestou atenção ao seu redor quando um raio de sol se encontrou com seu rosto. Estava claro, e a considerar pela temperatura baixa, ela diria que ainda era manhã. Ele virou a cabeça e estudou ao seu redor. Era um lugar imenso, sujo e abandonado. Ela tinha sido jogada em... Deus, aquilo era uma jaula? De certa forma. Parecia mais uma cela de prisão. Tinha um cadeado pesado trancando sua única saída, e no chão não havia nenhum resquícios da noite passada, a não ser... Ela engatinhou até o ponto em que olhava e segurou entre seus dedos um pequeno pedaço de uma pétala, despedaçada. Aquilo tinha sido real, afinal de contas.

Você será a ruína dela. A voz soou como um trovão forte na sua cabeça e ela deixou com que a pétala caísse de novo, e estalou os olhos. Eles iriam matar Jane. Ela não tinha certeza do porquê, mas se Jane chegasse perto dela, Jane morreria.

Ela começou a respirar fundo, apalpando o chão numa procura inútil de escape. Sua única saída era por aquele conjunto de ferros e sem uma chave, sem um instrumento, seria impossível escapar. Em seu desespero, ela não notara a presença de um homem se materializando do lado de fora da cela. Quando ele falou, ela jogou o corpo para trás, e lançou a cabeça em sua direção.

'Ela está vindo. Se você tocá-la, ela morrerá. É assim que será.' Ele disse como uma profecia e cada pelo de seu braço se eriçou.

Ele ainda usava o capuz, e Maura não podia distinguir seu rosto. Juntando sua coragem, ela esbravejou. 'Você nunca vai relar as mãos nela!'

O homem com completa paciência tirou um celular do bolso, e Maura observou enquanto seus dedos corriam pela tela, até que ele apresentou uma série de imagens.

O apartamento antigo de Jane. O apartamento de Frankie, visto por fora. Sua própria casa vista por fora e... por dentro. O carro de Jane com a morena ainda dentro dele. Ela e Jane em seu carro.

Ela fechou os olhos. Ela sabia o que ele queria dizer, mostrar: ele estava no controle.

'Você é a isca. Toque-a e ela morre.' Ele disse de novo e desapareceu, deixando-a para trás, aterrorizada.

...

A detetive levou a mão aos lábios em um sinal de silêncio. Depois ela mostrou três dedos para os colegas que estavam do outro lado do galpão, sinalizando para que seguissem adiante e invadissem pela parte de trás. Ela, Korsak, Frankie e Will - um dos detetives da divisão em que Jane confiava - iriam pela frente. No tempo que ela considerou apropriado, ela chutou a porta de madeira velha, arrebentando a fechadura e abrindo-a facilmente. O barulho ecoou dentro do ambiente e ela sentiu a adrenalina da caça correr pelo sangue. Para seu desespero, o lugar estava completamente vazio, abandonado. Ela sentiu a garganta apertar e a raiva diminuir, cedendo espaço ao que seria pura melancolia. Seu olhar se encontrou com o de Korsak, e ao mesmo tempo que ela queria gritar com ele e dizer que ela estava certa, ela queria desesperadamente que ele dissesse algo para animá-la, para recuperar qualquer fagulha de esperança.

O que ele fez.

Seu dedo estava apontado para o fundo do galpão, e Jane se deu conta de que a porta seguinte poderia dar acesso a um outro segmento da construção. Ela avançou com força restaurada, e quando encontrou um cadeado novo e pesado não hesitou em disparar a arma para destruí-lo. Uma vez solto, ela e Frankie empurraram a porta que se abria em duas e se depararam com um segundo armazém, tão sujo e abandonado como o anterior.

Armas em punho, ela inspecionou o lugar cuidadosamente. Ele não estava tão vazio assim. Caixas de madeira e cadeiras estavam espalhadas aleatoriamente pelo chão. Á sua frente ela distinguia outra porta, nos fundos. Um barulho de corrente a fez apontar a arma para sua direita. Uma ratazana do tamanho de um gato apareceu no chão, e Jane amaldiçoou o animal. Atrás de si, um barulho denunciava a presença de outra pessoa ali - quando ela olhou para trás, alguém estava correndo na direção da porta que eles haviam entrado.

'Parado!' Ela gritou enquanto apontava a arma para o sujeito, mas Frankie já estava em disparada. Korsak, pelo rádio, pedia reforços para os policias que tinham ficado lá fora.

'Continua.' Ele disse para Jane e meneu a cabeça.

Ela chutou um rolo de corda do chão e respirou fundo. De onde aquele desgraçado tinha saído? De uma forma ou de outra, ele estava ferrado. Ele seria pego tão logo colocasse a cara para fora do prédio.

Faltava agora o lado esquerdo do ambiente para ser checado. Lá, uma construção primitiva se erguia e Jane temeu se aproximar mais, achando que aquilo poderia desabar em sua cabeça. Ela se aproximou com cuidado e seus dedos seguraram em uma barra de ferro. Elas seguiam erguidas até o fim da parede, e ali a falta de luz deixava o ambiente sombrio - digno de filme de terror. Os raios de sol alcançavam apenas o canto oposto ao que estava, e foi graças a eles que ela viu...

Maura.

Com um grito, ela correu em disparada para lá, Korsak em seu calcanhar. Em seu desespero ela não conseguia dizer se a médica estava bem, machucada, consciente de si. O cadeado foi facilmente quebrado com o disparar da arma, e Jane empurrou a porta para frente, entrando tão rápido dentro da cela que foi só quando os olhos assustados de Maura se encontraram com o dela e as mãos da loira a empurraram de volta, que ela considerou que toda movimentação poderia ter mais assustado ela do que lhe aliviado.

'Não!' A loira gritou, e com os pés empurrando o chão grudou suas costas na parede.

'Maura, sou eu. Eu não vou te machucar.' Ela ergueu as mãos, querendo mais do que nunca colocar a mulher nos braços. Seus joelhos caíram no chão, e ela devolveu a arma no coldre. 'Tá tudo bem. Você vai ficar bem.'

Mas a loira desviou o olhar rapidamente. Seu corpo estava tremendo, e chacoalhando a cabeça ela escondeu o rosto nas mãos. As palavras de seu sequestrador rodopiavam em sua mente, e na confusão entre querer Jane com ela, e querer Jane salva, ela começou a chorar. Um toque, ela morre. Uma conversa, ela morre.

'Maur, querida.' A voz doce de Jane tentava lhe convencer de que tudo estava bem. Mas não estava. Não iria ficar.

Jane tentou alcançá-la com apenas uma mão, mas tão logo seus dedos tocaram o joelho de Maura, a mulher gritou.

'Não me toque! Sai daqui!' Ela disse com força, sentindo o corpo tremer incontrolavelmente, a cabeça latejar em dor. 'Vá embora!' Ela esbravejou, tentando alertar Jane, mas lhe faltava eloquência agora - simplesmente porque não poderia ter.

'Jane.' Korsak murmurou para a morena e quando ela ergueu a cabeça para encontrar seu olhar, ele balançou a cabeça em negativo. Entendendo o recado, ela se levantou e deu alguns passos para trás.

'Vá embora.' Maura repetiu de novo. Por alguma razão estúpida ela se lembrou de Susie, e de como tinham impiedosamente matado a colega de trabalho. Era tão fácil para os caras ruins tirarem a vida de qualquer um deles. Ela soluçou. Por que eles não estavam saindo? Eles não conseguiam sentir o risco que estavam correndo ficando ali?

'Eu vou checar Frankie.' Jane murmurou, se sentindo duplamente derrotada - primeiro porque não conseguira evitar o sequestro da loira, e agora porque, aparentemente, Maura a odiava. Ela arrastou os pés no caminho de volta, a cabeça baixa e os ombros caídos. Ela não imaginava, em nenhum dos cenários que havia criado em sua cabeça, que Maura fosse reagir assim à sua presença.

Korsak limpou a garganta e olhou para Will que tinha chegado ali quase no mesmo momento que os dois. Ele fez um sinal com a mão, pedindo para que ele esperasse ali, em guarda. Depois se ajoelhou na frente da médica e tentou se aproximar.

'Ei, Maura. Podemos conversar?'

Ela não respondeu, apenas continuou em seu silêncio descomunal. O único som era o de fungadas que eventualmente lhe escapavam.

'Nós queremos tirar você daqui, e levá-la para casa. Mas antes precisamos saber se você está machucada. Se você pode se mover.' Ele tentou mais uma vez.

Casa, ela pensou, eles entraram em minha casa e eu nem notei.

'Não.' Sua reposta pareceu um tanto confusa para Korsak. Ele não sabia dizer se ela estava dizendo que não estava machucada, que não podia se mover ou sabe-se lá o que.

'Lembra-se do Will? Ele vai ajudar você sair daqui, ok?' Korsak disse gentilmente.

'Não me toquem.' Ela quase implorou e se encolheu no canto. 'Jane não pode me tocar!' Ela quase gritou.

Korsak suspirou e lançou um olhar para o homem. 'Ela não vai. É uma promessa. Mas vamos tirar você daqui, ok?' Ele disse de novo e meneu a cabeça, sinalizando para que Will a levantasse dali.

O homem se ajoelhou onde Korsak estava antes, e falou antes de se atrever a relar nela. 'Ei, doutora. Vamos tirar você daqui, tudo bem? Você está a salvo, ninguém vai machucar você.' Ele tentou alcançá-la com seus braços e a invasão tinha sido um erro.

Maura recuou e tentou afastar os braços do homem com suas mãos, mas seu corpo tremia tanto que ela mal conseguia controlar seus movimentos. Quando ele a segurou - gentilmente - pelos braços, ela se sobressaltou e jogou o corpo para trás batendo com força na parede. O movimento fez com que o ar faltasse aos pulmões e ela começou a tossir como se tivesse engasgado, e quando o esforço foi demais, ela se curvou para frente e vomitou - o que não era nada, senão uma mistura de suco gástrico e saliva.

'Ei, você tá bem.' Ela escutou o policial dizer, mas ele não sabia o quanto aquilo era mentira. Quando os braços do homem passaram por suas costas, seu corpo sobrecarregado de toxina finalmente sucumbiu ao estresse, e ela sentiu-se perdendo todos os sentidos.

...

'O que aconteceu com ela?' Jane disparou quando notou que Will carregava a mulher no colo, para fora do galpão. Ela correu de encontro com o policial, e seus olhos assustados estudaram cada centímetro do corpo desfalecido da loira.

'Ela desmaiou.' Korsak afirmou o óbvio, levando uma mão ao ombro da detetive. 'Jane, escuta... Existe uma grande chance dela ter sido drogada, você sabe... O que ela disse...' O homem não terminou a frase, sentindo que não precisava.

A morena balançou quase que imperceptivelmente a cabeça, sua mão correndo pela testa da médica, afastando o cabelo loiro grudado pelo suor ali. O rosto estava pálido e sujo, e Jane queria desesperadamente levá-la para casa, porque Maura não pertencia àquele cenário encardido e assustador.

'Eu já chamei uma ambulância.' Ela murmurou de novo, sentindo um aperto no peito. 'Frankie pegou ele, Korsak.' Ela disse em voz baixa, sem se importar em olhar para nenhum dos homens. Seus olhos estavam grudados em Maura, e tendo agora a mulher perto de si, quieta e acessível - de certa forma - Jane tentava descobrir porque a loira a expulsara do local mais cedo. Enquanto Korsak dizia que ela estava sob o efeito de drogas, Jane tinha uma certa desconfiança de que na verdade a médica a odiava agora.

É claro, tinha sido culpa dela. Sua presença na vida de Maura significa perigo para a outra - qualquer pessoa que quisesse torturar Jane sabia que sua família, o que incluía Maura, era o seu ponto fraco, tornando-os assim em alvos.

'Leva ela até o carro, ok?' Ela disse quando Will arrumou o peso da médica nos braços. 'Eu vou para o hospital com ela.'

'Jane, Maura disse que não - ' Korsak começou, mas a morena lançou um olhar afiado para ele e ele levantou as mãos em rendição.

'Eu sei o que ela disse, obrigada. Vou com ela mesmo assim.' Ela rebateu com irritação e colocou as mãos na cintura.

Maura teria que fazer muito mais do que gritar com ela para que ela se afastasse. Até que elas sentassem e conversassem, Jane não arredaria o pé de seu lado - ainda que estivesse se sentindo um lixo depois do acontecido, ainda que as palavras afiadas e os gestos para com ela tivessem machucado seu coração. Ela estava magoada, essa era a verdade. Estava contente, sem dúvidas, por tê-la encontrado viva, mas um pedaço de si tinha morrido dolorosamente no momento em que Maura a tinha empurrado com as mãos e virado o rosto afim de não encará-la.

Dentro da ambulância a detetive segurou relutantemente a mão da loira. A palma estava suja, o dorso, igualmente. Ela massageou com o polegar a mão da médica, sentindo cada osso frágil sob o seu toque. Depois de um minuto a loira fechou sua mão inconscientemente, segurando o polegar de Jane. A morena se limitou então a brincar com os outros dedos no dorso dela. O toque era reconfortante, mas ao mesmo tempo levava Jane para uma dimensão de ambiguidade, deixando-a suspensa entre a sensação presente e a dúvida do futuro. Daqui algumas horas, com Maura acordada, a médica permitiria essa mesma troca de afeto?


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