A volta de Lydia escrita por Tania Picon


Capítulo 5
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/643948/chapter/5

Capítulo 04

Lydia suspirou, percebendo que mais uma música chegava ao fim. Apoiou os cotovelos sobre a mesa e ficou vendo os casais deslizarem na pista de dança, não conseguindo, assim, reprimir um leve sorriso. Lembrava-se de maneira saudosa do quanto costumava gostar de dançar. Mas já era a segunda música e ainda não recebera um convite sequer. Nem o do conde, nem o de nenhum outro. Um novo suspiro para ganhar fôlego. O corpete lhe apertava tanto, que estava difícil de respirar.

Balançou os pés inquietos no sapatinho azul ocultos sob a mesa. O vestido era no mesmo tom: azul celeste. Seu cabelo castanho estava preso num penteado elegante, ornado com diminutas flores brancas. Por cima, um xale ainda cobria o decote indiscreto. Mediante a alegria de Lizzy, Lydia não pode se negar a usar o traje. Mas ao se olhar no espelho, ela se considerou indecente: o vestido mostrava uma imagem que não mais condizia com ela. O corpete comprimia seus peitos, que se insinuavam, mais fartos pelo aperto, e que subiam (brancos, arredondados e provocantemente sedutores) pelo decote. Inquieta, ela se mexeu ao perceber que alguém a chamava pelas costas.

Podia ser o conde, que afinal a tiraria para dançar! Esperançosa, ela se virou bruscamente para trás. Mas sua ilusão era doce... e ela bem sabia que era inútil.

O jeito que ele a fitara ao se apresentaram... Um rosto duro e inexpressível. Nenhum sorriso fora dirigido a ela. Nenhum olhar de reconhecimento. Nada. Era como se ela não fosse nada. Como se fosse uma desconhecida. E ela agora se perguntava se não preferia ter recebido um olhar de desprezo, ao invés dessa fria indiferença. Era como se ele não se lembrasse. Como se ela não tivesse significado nada para ele. E isso doía. E ela agora estava consciente: a indiferença doía mais do que o desprezo.

Afinal, Lydia aceitou o convite para dançar de Mr. Leopold Langbert. Embora ele já tivesse seus 21 anos, parecia recém saído da adolescência. Era tímido, sem nenhum atrativo: magro com uma vara de trigo, com as pernas finas que mal conseguiam sustentar o próprio peso do corpo. Provavelmente ele não saberia dirigir uma conversa, provavelmente erraria quase todos os passos de dança e certamente pisaria nos sapatinhos azuis que ela usava, mas Lydia não se importou.

Dançar seria um alento. Seria uma distração para não pensar na indiferença do conde. Aquele que um dia fora o seu James. Aquele com quem fora imprudente, ao esquecer de todas as normas e regras de conduta. Mas com quem fora extremamente feliz por quase uma hora.

Ela tirou o xale nos ombros e, de costas, tentou puxar o corpete para cima para cobrir o decote. Quando a música começou, ela se concentrou nos passos. Deixou-se levar totalmente pela música. E Lydia bailou com leveza, com passos graciosos, com uma elegância que ela mesma desconhecia que possuía. E quando dirigia um sorriso contido para o seu par, expressando todo o seu contentamento, ela reparou que uma pessoa estava parada, de braços cruzados, e com a sua atenção rígida fixa nela. Lydia gelou e se desconcentrou ao ver o conde olhando-a daquela maneira. Teve que baixar o rosto, e esqueceu de cuidar do seu corpete, que livre, deslizou para baixo, expondo seu colo e a parte superior de seus seios.

O conde de Randoff, vendo o decote ousado de Lydia Wickham, vendo o seu par de dança percebendo aquele belos seios quase a mostra no mesmo instante em que ele, não pode reprimir a raiva, que ficou estampada em seus traços. E ele saiu do salão, com passos largos e pesados, dando as costas para uma Lydia que o observava completamente estupefata.

Então ele, afinal de contas, a reconhecera! Não havia mais dúvidas. E ela não pôde concluir se achava isso bom ou ruim. Só o que sabia era que precisava esclarecer as coisas. Por que ele a desprezava antes e agora a encarava com essa fúria? Por que ele parecia ter demonstrado um sentimento de posse, como se ela pertencesse a ele?

A música parou, e ela fez uma mesura para o seu par. Pretendia se afastar e seguir na mesma direção do conde. Para uma porta que dava para o lado de fora. Ar puro. Era tudo o que ela precisa, além de uma conversa franca para esclarecer os fatos. Mas um novo convite para uma dança a surpreendeu, impedindo-a de seguir em frente.

Lydia dançou quatro danças seguidas. Os homens agora a rodeavam tais como abelhas em volta do mel. Sim, ela estava bonita. Mas o que os atraiam, ela não tinha dúvidas, era a sua juventude e o belo par de seios agora praticamente desnudos. Não era um decote indiscreto, era a última moda e todas as mulheres usavam um parecido, só que ela não se sentia a vontade com ele. Ela preferia continuar invisível.

Lydia parou, ofegante, ao encerrar a quarta dança, não por causa do esforço pelo movimento, e sim pela impertinência e audácia do seu par. Ele ousou, inicialmente ela acreditou ser sem intenção, aproveitar a dança para roçar de leve com o cotovelo em um dos seus seios. Mas depois, quando o gesto se repetiu lá pelo meio da dança, Lydia, que não era nenhuma estúpida, percebeu a intenção e começou a ficar nervosa. E então a dança acabou. Edward Morgan sorriu, um sorriso que Lydia achou que tinha um quê de malicioso, que lembrava o sorriso típico de George Wickham, e, com um frio no estômago, se inclinou com a menção de sussurrar algo discretamente em seu ouvido. Só que ela, educadamente fez uma mesura e pediu licença, antes que ele pudesse concluir o gesto.

E Lydia, num caminhar rápido, praticamente uma corrida (só não correu por considerar deselegante) saiu pela menos porta que James havia sumido há vários minutos atrás. Uma varanda. Ar puro. Seu coração batia forte, descompassado.

– Quem eles pensam que eu sou! – ela grunhiu, num tom de voz quase inaudível e cruzou os braços sobre o decote num gesto de proteção.

Nem sinal de James, que estranho. E ela se apoiou na murada e ficou olhando para baixo, admirando o belo jardim. E então, como se pressentisse que algo estava errado, se virou para trás, passou os olhos pelo salão, e percebeu que Edward Morgan, o seu admirador impertinente, estava vindo em direção à sacada onde ela se achada a sós no momento.

– Oh, Deus! – ela apertou ainda mais os braços sobre o peito.

Era evidente que ele ainda não a vira, mas seria apenas questão de segundos. Havia uma escada que levava aos jardins, provavelmente por onde o seu James fugira, mas não havia tempo para ela sair por ali sem ser vista. Então Lydia recuou, dando passos para trás, quando percebeu que ali ficaria oculta pelas sombras, entre os largos pilares da propriedade. Inicialmente ela não se escorou às paredes, ficando às margens, pois estava muito escuro mais atrás. E ela, com a respiração acelerada, percebeu quando Edward desceu os degraus, soltando uma risadinha do mais puro alívio. E foi então, que ela deu mais dois passos para trás...

Tinham alguém ali com ela! Como ela não ouviu sua respiração? Como ela não notou antes? Ela estava tão nervosa, e tão ofegante e assustada, que não percebeu que havia alguém ali com ela até esbarrar em seu corpo. E aquele corpo... A dureza de seus peitorais, onde ela inicialmente tocou, e aquele cheiro... Era inconfundível.

– Oh, é você! – e Lydia, totalmente impulsiva, sem pensar no que fazia, sentindo ainda o alívio de ter escapado de Edward (que lhe lembrava do ex-marido!), sentindo uma imensa alegria por estar novamente a sós com ele, esticou os braços e o abraçou. Colocou os braços ao redor de sua cintura e apoiou a cabeça impulsivamente em seu peito.

E o conde, inicialmente rígido, sem falar nada, logo cedeu e a abraçou também.

– Estou tão aliviada! – ela começou a falar, sem pensar, sentindo-se totalmente protegida e segura na fortaleza daquele abraço. Lydia dispensou as formalidades, não o chamando de Sr. ou de Conde Randoff, por que, para ela, ele era apenas o seu James, o seu homem misterioso. – A minha irmã me deu esse vestido e parecia tão feliz, e tem sido tão boa para mim, que eu não consegui recusá-lo, mas esse decote... Oh! Estou mortificada! – ela escondeu ainda mais a cabeça em seu peito - Tudo o que eu queria era ter ficado em casa! Eu detesto bailes, detesto essas pessoas, e eles pensam que só por que eu sou viúva, podem ter certas liberdades comigo! Mas a Lizzy disse que eu deveria vir, por que você é nosso vizinho, mas eu... Oh! – ela se calou por alguns segundos, sem saber como continuar – Que bom que você está aqui.

Ele, ainda calado, depositou os lábios nos cabelos dela, e ela percebeu um sorriso quando ele beijava o alto da sua cabeça. Lydia sorriu também, sentindo-se intensamente feliz. Ela estava com ele, nos braços dele. E ele estava sorrindo para ela.

E então, por um ou dois minutos, eles se mantiveram em silêncio, abraçados, sentindo o calor um do corpo do outro, até que ela voltou a falar.

– Por que você está aqui? – ela perguntou – E não está na festa?

– Porque – ele falou pela primeira vez – eu não gosto de festas.

– Não gosta de festas? – ela se surpreendeu – Mas você é o anfitrião! Não pode sumir assim! As pessoas irão comentar!

– Eles estão acostumados, Lydia – ela não pode deixar de sorrir, ao ouvi-lo sussurrar o seu nome pela primeira vez naquela noite– Eu sempre sumo das festas. Gosto do silêncio e evito aglomerações.

– Oh! Eu também! Mas... Então por que você oferece bailes?

– Para manter boas relações, pela minha filha. Para que ela consiga um bom casamento, já que ela logo será apresentada a sociedade.

– Ah.

Ela se afastou um pouco para tentar enxergá-lo, mantendo ainda os braços ao redor da cintura dele. Mas estava tão escuro, que ela percebia vagamente o negro de seus olhos.

– Por que você não apareceu no jantar? – ele percebeu que ela o observava, e então perguntou.

Lydia não sabia, mas ele estava chateado e aborrecido por esse motivo, e por isso, a tratara com um pouco de indiferença e desdém ao serem apresentados.

– Oh, o jantar! Você sabia? – ela ficou assombrada - Sabia que era eu?

– Eu desconfiei. – ele respondeu meio sério - Foi por isso que eu aceitei o convite. Eu queria vê-la.

– Mas como? Como você soube?

– Fitzwilliam Darcy é meu amigo, e ele me contou um dia que sua esposa tinha uma irmã morando com ele que era viúva. E que ela se chamava Lydia.

– Quando? Quando você descobriu?

– Algumas semanas depois do nosso último encontro.

– Oh! E você foi ao jantar por que queria me ver?

– Sim. Eu não tinha idéia de quem você era, Lydia – ele falou numa voz gentil agora, até um pouco carinhosa. Seus braços ainda enlaçavam o corpo dela – E quando soube, eu temi pelas conseqüências, e então resolvi te procurar. Eu pretendia fazer o certo, mas você não quis me ver.

– Mas eu... Mas eu... – ela ficou desconcertada. – Eu não me sentia bem...

– Verdade? – ele inclinou o rosto mais para baixo e a prendeu no negro dos seus olhos, de uma forma que ela não pode mentir.

– Eu ouvi a tua voz, eu soube que era você... E então... – ela piscou para fugir daquele olhar. – Fiquei com medo.

– Você fingiu estar doente.

– Sim... – ela novamente escondeu o rosto no peito dele, envergonhada. – Sinto muito.

– Tudo bem. – ele tocou os lábios suavemente em seus cabelos. – Você está cheirosa. – comentou.

– Obrigada... – ela balbuciou. Estava começando a ficar ofegante. – E você pretendia fazer o certo...

– Sim. – ele assentiu.

– E o certo era? – Lydia subiu o rosto para olhá-lo.

– Você poderia engravidar, Lydia. Então, naquele jantar, eu pretendia pedir sua mão. – o cantinho dos lábios dele se curvaram num sorriso discreto que Lydia, mais acostumada com a escuridão, conseguiu enxergar. Ficou com o coração aos pulos.

– Você... pretendia... me... pedir... em... casamento? – ela repetiu lentamente, tentando assimilar a informação.

– Sim, Lydia. Você me daria à honra de ser a minha esposa? De ser a minha condessa?

– Oh! – ela pulou e se agarrou em seu pescoço, depositando um suave beijinho em seus lábios fechados. – Isso é lindo! Você querer se casar comigo é tão lindo! – ela suspirou encantada – Mas o meu casamento foi um inferno, eu não posso mais me casar! Jurei que nunca mais me casaria!

Ele ficou rígido com a surpresa, e Lydia estava tão emocionada que sequer percebeu que ele pretendia afastá-la de seus braços.

– E depois – ela continuou ainda agarrada ao pescoço dele, e ver o sorriso radiante que ela mantinha no rosto o desarmou. O conde ficou confuso. Não era uma rejeição? - eu não posso fazer isso com você. Não é justo. Não é justo que você se case comigo.

– Por que não? – ele estava sério, mas não se moveu. Estava mais confuso e surpreso pelas palavras dela do que ultrajado pela recusa.

– Porque... – ela suspirou e afinal parou de sorrir, comprimindo os lábios de uma maneira nervosa – Porque você merece algo melhor – ela subiu o braço e acariciou os cabelos dele – Porque você deve querer ter filhos, e eu fui casada durante 5 anos e nunca engravidei. Eu não posso ter filhos. E não é justo que você se prive de ter um herdeiro.

Agora ele ficou totalmente desconcertado. Ele queria essa mulher, queria-a muito. E há anos ele não se interessava assim por ninguém, desde a morte prematura de sua esposa. Mas o fato dela não poder ter filhos, era realmente um grande empecilho. Ele, de fato, precisava de herdeiros. E ele então não falou nada, ficou refletindo, considerando as palavras dela.

– Eu irei viajar a negócios, Lydia – ele afinal falou – Ficarei um mês fora, talvez mais. Ainda não sei. Quando eu voltar, podemos conversar?

– Sim! Oh, sim! – ela se deu conta que gostaria muito de vê-lo - Mas um mês? Tanto tempo?

Ele sorriu. Ela não escondia seus sentimentos.

– Lydia... – ele não mais resistiu.

As palavras não eram mais necessárias. E ele inclinou a cabeça e capturou seus lábios num beijo ardente. Um beijo intenso, que durou vários minutos. E então, eles ouviram vozes. Dois homens conversavam escorados na mureta onde Lydia havia estava antes. E Lydia e James, com medo de serem descobertos na escuridão, o que seria certamente um escândalo, encerraram o beijo e permanecerem em silêncio. James apertou Lydia em seus braços de forma protetora.

– Você tem que voltar para festa? – ela sussurrou logo após os homens terem voltado para dentro do salão de baile.

– Ainda não.

– Então vamos sair daqui? – ela propôs. Lydia estava louca de desejo por ele, e queria continuar beijando-o. Queria beijá-lo e beijá-lo, até se fartar. Mesmo estando ciente que jamais se fartaria.

E ele, sem a necessidade de palavras, entendeu. Deixou o esconderijo, se esgueirando pelas sombras, e Lydia, alegre e sorridente, o seguiu. Ela o seguiria para qualquer lugar. Esgueiraram-se até o quarto dele, onde se amaram novamente. E depois voltaram para a festa, agindo quase como se nada tivesse acontecido. A não ser pelos olhares que trocaram à distância. Olhares cheios de promessas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A volta de Lydia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.