Preso escrita por Mayor Hundred


Capítulo 1
Capítulo 1




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Encaro as grades da janela do meu quarto.

Qual a diferença disso e estar condenado? O direito de ir e vir. A pseudoliberdade de viver uma selva de concentro. De ser uma formiga, caminhando entre monstros que chamamos de prédio. Trabalhando a vida inteira em algo que não faz diferença. Trocando a energia vital por árvores mortas.

Achava que estava preso no transporte público. Nos ônibus, metrôs e trens. Preso junto com pessoas de todas as cores, de todos os lugares, com todo o tipo de história. Nunca me interessei por nenhuma delas. Só queria ser livre. E pensei que estaria, ao comprar um carro. Eu podia escolher a música, e a velocidade, e talvez até a companhia, mas continuava preso.

Quantas horas por dia preso dentro do carro?

Quatro? Cinco? Seis? Horas que nunca vão voltar. Horas de stress, de suor, de raiva. Horas preenchidas com os faróis, os vendedores de sinal, as buzinas e a fila interminável de cavalos automatizados. Cavalos automatizados, engraçado isso. Demos um jeito de prender mesmo os cavalos, sem os prender. E fazer isso para nos prender.

As horas passam devagar dentro de um carro.

E a gasolina é consumida rápido. A borracha dos pneus. A tinta se desgasta. Tudo. E você continua preso. O mundo lá fora fica cada vez mais quente, e não no sentido acolhedor. No sentido infernal. Mas não importa. O inferno está lá fora, mas, aqui dentro, o ar condicionado te refresca.

Mas você está preso.

Seis horas por dia. Trinta por semana. Porra, trinta horas por semana. Mais de um dia gasto no caminho entre A e B.

O A de apartamento, o que é bem oportuno. Apartamentos cada vez menores, e prédios maiores. Às vezes me sinto como uma sardinha, que ainda não sabe, mas está morta e espremida para caber na lata. Lata que quem vai abrir?

Não importa.

Encaro as grades da janela do meu quarto. E, às vezes, ali fumo um cigarrinho. Solto para longe o vapor, desejando poder soltar todo o ressentimento e melancolia com ele. Do outro lado da rua, às vezes vejo um menino. Me lembra muito de mim. Ele brinca de bicicleta na sacada que deve ter uns quatro metros. Às vezes ele me vê também. Acena e sorri. E eu aceno e sorrio. E me vejo preso novamente. Preso junto ao menino. Mas preso separado também.

E então vou me deitar. Se passam minutos, horas, e talvez dias, e eu só olho para o teto. Preso dentro da minha cabeça. Cabeça afundada no travesseiro macio que diz ter tecnologia da NASA. Custou caro pra caralho, e mesmo assim não me faz dormir. Preso aos pensamentos. As contas que tenho para pagar.

Eventualmente chega a hora de acordar.

Três horas para se perder até chegar ao B. B de bosta. B de trabalho. Trabalho não começa com b, mas ninguém se importa. E então estou preso a uma mesa, a um computador, a uma senha, um departamento, um crachá. E outras seis horas da minha vida se perdem, por dia.

Como foi que cheguei aqui?

Às vezes vou ao banheiro, antes de ir embora. Encaro a imagem no espelho e me sinto preso. Dentro daquele corpo estranho. Não sou eu. Não tenho os olhos caídos e tão opacos. Não tenho a boca que parece não conhecer felicidade. Não tenho o rosto murcho e sem expressão. Mas se não sou nada disso, o que eu sou?

Não sei.

Três horas para voltar para o A. A de apartamento. Volto para o meu quarto e fumo novamente. Tudo o que era branco se torna amarelo, de nicotina. E o que não é por nicotina, é por doença mesmo. Me pego pensando nessa doença. Doença de alma. De coração. E quase choro, lembrando que a merda do cigarro foi por influência tua. Tu que me apresentou todas as drogas, inclusive o amor. E essa droga é foda. O meu traficante era você, e eu estava preso a isso. Até que você se libertou.

Foda-se isso. Com uma aliança, eu estaria preso em um relacionamento. Sem ninguém, estou preso nas lembranças. Preso em casa. Preso no trabalho. Preso perpétuo. Preso à liberdade.

Merda de Sartre.

A filosofia não me liberta. E nem a verdade. Talvez sequer a religião. Tampouco o ateísmo. Tudo se torna tão sufocante que chego ao ponto de questionar: por que quero a liberdade? Liberdade do que? Para que?

Onde iria chegar? Quem iria encontrar?

O que viria depois?


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