Minha mãe arregalou os olhos, incrédula diante daquilo. A minha escola é excelente, uma das melhores da cidade, se não for a melhor. Dona Mikoto no mínimo estava se perguntando o porquê daquilo.

- Pode repetir ? - Ela indagou, como se não estivesse acreditando no que acabara de ouvir.

- Mãe, eu quero mudar de escola - Falei convicto.

- Desce do carro, Sasuke - Ela falou enquanto abria a porta para sair também.

Fiquei um pouco confuso, mas não desobedeci, visto que a minha mãe estava um pouquinho -muito- irritada. Ela pegou sua chave, abriu o portão pequeno e ambos entramos, sem trocar uma palavra sequer.

Passamos pelo jardim, chegamos na varanda e a mamãe abriu a porta da frente, ainda sem falar comigo. Já dentro de casa, ela se sentou no sofá da sala e me olhou com uma expressão séria.

- Pode contar tudo, Sasuke. Eu te conheço e sei que alguma coisa aconteceu.

- Mãe, não aconteceu nada - Insisti na mentira.

- Tá escrito "idiota" na minha testa ? - Minha mãe realmente estava brava e eu engoli em seco - Você aparece no carro com os olhos inchados, com certeza de tanto chorar, e agora vem me dizer que quer sair da escola. Sasuke, o que tá acontecendo ?

Soltei um suspiro alto. Não tem pra onde correr, minha mãe me conhece melhor do que ninguém e sabe que alguma coisa aconteceu. Rendido, coloquei minha mochila no chão, ao lado da mesinha de centro, e me sentei no sofá ao lado da minha mãe.

- Meu professor de física não pôde dar aula hoje, então tivemos uma substituta. Ela pediu pra eu ler um parágrafo de um texto, e eu fiquei com vergonha de dizer que não queria ler.

- E você leu ?

- Li - Respondi cabisbaixo - A senhora sabe que eu não funciono quando tô nervoso... Foi um desastre e todo mundo começou a rir de mim.

- Por isso você estava chorando ?

- É - Assenti - Mãe, eu não quero voltar pra lá, agora todo mundo já sabe... Não quero ser motivo de gozação novamente.

- Sasuke, quando é que você vai crescer ? - Minha mãe indagou com a voz séria, embora não estivesse zangada - Filho, existem coisas que não têm jeito. Você vai ficar mudando de escola cada vez que uma pessoa descobrir que você tem dislexia ? Você não acha que, ao invés de fugir dos seus medos, deveria enfrentá-los como um rapaz maduro e não como um garoto mimado ?

- Mãe, a senhora não entende - Não deu em outra, comecei a chorar novamente - Vão rir de mim de novo, vão falar coisas horríveis que nem quando eu era criança. Eles não entendem... O que eu posso fazer ?

- Abre o jogo, não tenha medo, para de se esconder. Filho, não tenha vergonha de voltar para a escola depois do que aconteceu hoje, se alguém questionar ou falar alguma coisa, você simplesmente admite que é disléxico - Ela falava como se fosse a coisa mais simples do mundo - Não tem segredo, a melhor forma de resolver os problemas é sendo honesto e admitindo as coisas.

- Eu ainda acho que fugir é a melhor solução... - Falei enquanto tirava meus tênis para poder colocar os pés em cima do sofá - É mais fácil e prático.

- Fugir é a solução dos covardes, sabia ?!

- Pois então eu sou covarde - Dei de ombros.

- Não, você não é ! E não, eu não vou te colocar em outra escola.

- Mãe, por favor - Implorei - Por favor...

- Não insista - Ela levantou do sofá, mas não saiu da sala, permaneceu de pé, com as mãos na cintura e de frente para mim - Não vai mudar de escola e fim de papo. Você já é grandinho o suficiente pra resolver os seus problemas. Quando era criança, aí era outra história... Agora não.

- Tudo bem - Abaixei a cabeça e murmurei baixinho - E, mãe... Perdão por ter mentido pra senhora.

- Mentido pra mim ? - Minha mãe ficou confusa.

- Pra senhora e pra Shizune... Eu não estava com dor de cabeça, só falei aquilo pra poder vir embora.

- Ah, e você acha que eu não percebi que você estava mentindo ? - Levantei a cabeça e olhei para a mulher que me encarava com uma sobrancelha arqueada, mas logo ela sorriu, deixando a expressão séria de lado - Dessa vez passa, ok ?

- Tá bom - Assenti.

- Agora eu preciso ir trabalhar, seu pai já deve estar desesperado com a minha demora - Ela me deu um beijo na testa - Até mais tarde.

- Até.

Minha mãe saiu, me deixando sozinho... Ou melhor, não tão sozinho, pois assim que peguei uma almofada para poder me deitar no sofá, meu bichano apareceu e se deitou ao meu lado. Meu gatinho é esperto, ele nunca sobe no sofá quando a minha mãe está por perto, ele tem amor à vida.

- E aí garoto... - Falei com a voz triste e fiz carinho na cabeça do Thor. Ele me olhava como se soubesse o que estava acontecendo - Sabe, no fim das contas, você é a única pessoa que me entende... Quer dizer, você não é bem uma pessoa, mas é meu amigo - O bichano me encarou com os olhões arregalados e miou, o que deve significar alguma coisa, já que o Thor tem preguiça até de miar - Eu sei, mas é difícil. Sabe, os outros alunos não me compreendem... - Suspirei pesadamente e meu gatinho subiu na minha barriga antes de miar novamente. Eu heim, desde quando o Thor mia desse jeito ? - Garoto, você está certo, como eu não pensei nisso antes ? - Me sentei no sofá, colocando o Thor no meu colo - Sakura e Naruto... Eles se mostraram pessoas boas e pareciam realmente preocupados comigo. Eles podem me ajudar, podem ficar do meu lado e, quem sabe, poderemos ser amigos - Sorri para o Persa que me encarava e fiz carinho nele - Não se preocupa, você sempre será o meu companheiro número um.

Coloquei meu amigo felino no chão e fui andando até a cozinha, me senti mais esperançoso e também um doido de pedra por ter dialogado com um gato como se ele fosse realmente capaz de me compreender. Se bem que eu acho que, no fundo, o meu bichinho me entende de verdade.

Abri os armários da cozinha até encontrar os pacotinhos de chá. Camomila, perfeito ! Pus água pra ferver e fiquei esperando; minha cabeça dói, acho que acabei chorando tanto que realmente fiquei com dor de cabeça. Era só o que me faltava...

Enquanto a água fervia, fui até o quarto dos meus pais para procurar a bolsinha de remédios da mamãe, ela sempre tem algum remedinho pra dor de cabeça. Na verdade, mães sempre têm remédio pra tudo.

Após muito vasculhar, encontrei a bolsinha rosa com bolinhas pretas, que é onde a minha mãe guarda os remédios. Abri e me deparei com uma farmácia ambulante, tem remédio pra tudo aqui, mas não demorei para encontrar o que eu queria. Tirei um comprimido e guardei as coisas do jeitinho que estavam antes.

Voltei para a cozinha, a água já estava no ponto. Peguei a minha xícara do Capitão América, coloquei a água, um pouquinho de açúcar e, por fim, o saquinho de chá.

Fiquei pensando no que Sakura e Naruto disseram mais cedo, eles foram realmente compreensivos comigo, mesmo que eu não merecesse, afinal, fui um idiota, principalmente com a Sakura. Mas eles demonstraram que realmente estão dispostos a serem meus amigos, não me sinto totalmente seguro, mas acho que o melhor a fazer é dar uma chance. Eu devo isso a eles.

Por muito tempo tive medo de me aproximar das pessoas, me lembro que na minha infância, até mesmo os que se diziam meus amigos chegaram a praticar bulling, me colocaram apelidos e se divertiam quando a professora me mandava ler algo em voz alta. Todos riam e era constrangedor, uma vez que aos nove anos eu lia como um aluno que mal tinha sido alfabetizado.

Odeio admitir, mas Sakura e Naruto tinham razão. Talvez eu fosse mais fácil enfrentar essa situação se eu tivesse amigos de verdade com quem contar, mas, quando mudei de escola, simplesmente decidi que o melhor a fazer seria me afastar dos outros para evitar que alguém descobrisse. Eu tinha medo, ainda tenho, mas eu não sou mais criança... Como sempre, a minha mãe está certa, eu não posso mais ficar fugindo disso, uma vez que não existe um remédio para curar a dislexia.

[...]

Hoje é dia de entregar o trabalho de biologia, então não posso simplesmente inventar uma desculpa e dizer que estou doente só pra faltar aula. O que eu tô pensando ? Não posso fazer isso, mentir de novo não !

Acabei me surpreendendo ao chegar na sala de aula, pois ninguém tocou no assunto. Ninguém...

Sakura sentou novamente perto de mim, ela chegou animada e jogou sua mochila no chão antes de se sentar na carteira ao meu lado. Ainda não me acostumei com essa desorganização dela.

- Bom dia, Sasuke.

- Bom dia.

- E então... - Ela desviou o olhar e sorriu meio sem graça - Sobre ontem... Eu fiquei preocupada por você ter ido embora, queria saber como você estava, mas não tenho o seu número e nem sei onde você mora - Criatura que fala... Ela parecia meio desconcertada - Então, você está melhor ?

- Tô sim - Suspirei e desviei o olhar para as minhas mãos que estavam sobre a carteira - Acho que tô...

- Sasuke, você parece preocupado com alguma coisa.

- Realmente estou - Olhei para ela e sorri meio sem jeito - Fico com medo de virar motivo de chacota depois do que aconteceu ontem.

- Que bobagem - A rosada começou a rir - Sasuke, depois do que aconteceu a Anko conversou com a Shizune e ela veio aqui na sala para conversar com os alunos.

- O que ela falou ? - Arregalei os olhos, completamente em pânico.

- A verdade - Sakura falou como se fosse óbvio - Ela explicou que você é disléxico e os alunos compreenderam. Você não precisa ter medo de nada.

Devo confessar que aquilo foi um alívio. Saber que os outros alunos ficaram sabendo da verdade e ainda aceitaram de boa foi um motivo grande o suficiente para fazer brotar um sorriso bobo nos meus lábios.

- Parece que eu me enganei... - Sorri de canto e ajeitei meus óculos de armação vermelha - Juro que pensei que a atitude deles seria diferente.

- Sasuke, se um problema não for explicado, realmente ninguém vai entender. Mas, justamente para evitar chacotas, a coordenadora explicou e todos entenderam - Sakura sorriu docemente - Todos riram, pois ninguém sabia, Sasuke.

Sakura estava certa mais uma vez. Nossa, como eu sou um idiota. Mas, ora essa, depois de tudo que eu passei, meu medo é perfeitamente compreensível.

- Bom dia - Naruto apareceu com uma tremenda cara de zumbi, largou sua mochila no chão e se jogou na certeira atrás de mim - Eu finalmente consegui... Terminei de assistir Death Note... Pela sétima vez... Cara, eu sou viciado nesse anime...

- Não me diga que você assistiu tudo de uma vez ? - Sakura indagou com os olhos completamente arregalados.

Bem, a julgar pelas olheiras do loiro, com certeza ele assistiu todos os episódios de uma vez. Ele estava parecendo o próprio L, mas numa versão loira dos olhos azuis.

- Você tá com olheiras gigantes, não dormiu à noite ? - Perguntei.

- Não... - Ele respondeu e depois bocejou. Coitado, deu até pena, ninguém merece ficar com sono - Acabei de assistir às 5:40, o despertador tocou às 6:00.

- Que anta ! - Disse a rosada - Por que diabos não assistiu aos poucos ?

- Não tem emoção - Explicou o loiro - O legal é ver tudo de uma vez !

O Naruto tá parecendo eu em semana de prova, quase um figurante do The Walking Dead, uma coisa realmente bizarra. Durante as aulas, ele dormiu que roncou e babou nos cadernos, foi hilário.

Na aula do professor Orochimaru, que é quase uma fusão do Michael Jackson com o Gene Simons da banda Kiss, tivemos que apresentar o bendito trabalho que fizemos sobre a malária.

Nessas horas eu preciso engolir a minha vergonha e falar em público. Não é algo tão difícil, dá um frio na barriga, mas não é nada que dê pra eu simplesmente travar e não conseguir apresentar. Isso já aconteceu, mas não acontece mais.

Graças à minha mãe, que leu as anotações para mim, a coisa ficou mais fácil. Tudo parece mais simples quando alguém lê a matéria pra mim, uma vez que preciso ler várias vezes para conseguir interpretar direitinho, sem falar que às vezes acabo confundindo algumas letras, consequentemente leio a palavra de forma errada.

No fim das contas o trabalho deu super certo, até o Naruto que estava bêbado de sono se saiu bem. Percebi que Sakura me olhava com certa admiração e me questionei o porquê daquilo; eu heim, que menina estranha.

Nos sentamos nos nossos lugares após apresentar todo o trabalho sobre a malária, assim que Sakura se sentou em sua carteira, ela se aproximou de mim e sussurrou :

- Sasuke, você é muito inteligente - Pelo tom de voz, percebi o quão admirada ela estava e até estranhei - Sinceramente, não entendo o porquê de você ter vergonha de admitir que tem dislexia, se mesmo disléxico é mais inteligente que muitos alunos daqui.

- Ora essa - Uni as sobrancelhas e franzi a testa - Se você diz - Dei de ombros.

- Sasuke, tô falando sério. Você é inteligente pra caramba.

- Quer saber - Encarei a rosada e suspirei - Aquelas anotações que você me deu pra estudar... Bom, estava difícil de interpretar e então eu pedi para que a minha mãe lesse pra mim, só assim eu consegui entender direito.

- E quantas vezes a sua mãe leu pra você ? - Ela arqueou a sobrancelha. Ora essa, que garota intrometida.

- Apenas uma vez, eu estava com tanto sono que acabei dormindo.

- Uma vez, Sasuke... A sua mãe leu todas aquelas informações pra você apenas uma vez e você gravou, explicou tudo direitinho...

- Eu tenho a memória boa, e daí ?

- Você se põe tanto pra baixo que sequer percebe o quanto é inteligente, Sasuke.

- Eu sou inteligente, Sakura. Mas não adianta de nada se eu pegar uma prova e não conseguir interpretar um texto ou uma questão - Expliquei.

Acho que ela estava pensando que as coisas são muito fáceis. Sim, eu tenho uma boa memória e gravo as coisas com bastante facilidade, por isso quase sempre peço para que alguém leia as matérias para mim quando vou estudar, ou então apelo para as vídeo aulas no YouTube.

- E você estuda sozinho ? - Ela perguntou, visivelmente interessada no assunto.

- Na maioria das vezes sim, eu estudo sozinho.

- Sabe - Ela sorriu - Você já sabe onde eu moro, se precisar de ajuda, estou à disposição.

- Bem... - Minhas bochechas ficaram vermelhas como um pimentão, desviei o olhar para milhões de lugares diferentes, olhei até para o loiro dormindo e roncando na carteira atrás de mim. Putz, o que eu devo fazer ? - Vou pensar no caso - Respondi.

Não, com certeza não irei aceitar, mas não posso parecer um grosso novamente. Sei lá, conheço a Sakura há tão pouco tempo, essa proposta dela chega a ser estranha, embora gentil, só que eu me sinto completamente envergonhado e não poderei aceitar. Pelo menos por enquanto.