Tobias

Abri a porta da casa de Tris silenciosamente. Eu sabia que ela não estava se sentindo muito bem hoje, e não queria acordá-la, caso ela estivesse dormindo. Ao contrário do que eu esperava, eu a encontrei sentada no sofá, me parecendo pensativa e bem de saúde.

— Achei que ia te encontrar desfalecendo no sofá, de tanto passar mal — Eu disse, arrancando uma risada dela — Você parecia estar morrendo, quando ligou hoje cedo para desmarcar nosso almoço.

— Melhorei — Ela disse, sorrindo — Deve ter sido aquela porcaria de pedaço de pizza que eu comi ontem a noite — Ela fez uma pausa, mas depois continuou — Já tomei um trem qualquer que eu achei na caixa de remédios, para estômago ruim, e já melhorei.

— Bom saber — Eu disse, jogando uma caixa de chocolate pra ela — Trouxe pra você, pra fazer você se sentir melhor, mas já que já tá bem, trouxe só pra te fazer sorrir.

Ela me deu um sorriso deslumbrante.

— Vou me sentir mal todos os dias de manhã, a partir de agora — Ela responde, me agradecendo pelo chocolate em seguida.

— O que é que a senhorita estava pensando tão distraidamente? — Eu perguntei, curioso. Tris não era do tipo de pessoa que se perdia em pensamentos e esquecia da vida.

— T., eu não quero mais mexer com organização de festas — Ela diz. Pelo seu olhar, eu percebo que ela esta falando sério — Pela primeira vez na vida eu estou pensando em estabilidade. Eu quero alguma coisa mais normal, que tenha hora para entrar e hora para sair.

— O que você quer fazer então, love? — Eu pergunto, me sentando ao lado dela.

— Eu não sei — Ela suspira — Já pensei em todas as vagas que eu posso me candidatar por ter feito RP, mas não quero nenhuma delas. Não quero trabalhar com assessoria. Nem com nada assim.

— Então você tem só que descobrir o que quer fazer e ir atrás disso — Eu disse, apertando as bochechas dela — Ou faz uma nova faculdade, ou um curso, sei lá. Ou não faz porra nenhuma — Eu digo, só para irritá-la. Ela me olha feio e em seguida responde, ignorando o meu último comentário.

— Eu vou descobrir que porra que eu quero fazer — Ela diz, se encostando no meu ombro em seguida.

— Você ia se dar bem em designer moda — Eu digo, pensando em tudo que eu achava que ela tiraria de letra — Em designer de qualquer coisa, na verdade. Você tem bom gosto — Faço uma pequena pausa — Você também poderia tentar alguma coisa na música, já que tem talento pra isso. Você podia abrir um negócio de organização de festas e ficar na gerência — Dou de ombros. Ela se mexe no sofá e me encara.

— Love, você é um gênio — Ela me dá um beijo no rosto em seguida — Já sei o que eu quero fazer — Ela diz, e eu aposto que a ideia de gerenciar uma empresa de festas foi a que mexeu com a cabeça dela.

— E eu posso saber qual das minhas ideias geniais mexeu com você? — Eu pergunto, curioso.

— Designer — Ela responde, pensativa — Designer de interiores — Ela me dá um sorriso deslumbrante — Não é tão diferente assim do que eu já faço. Vou mudar de decoração de festa para decoração de interiores. Imagina só, vou providenciar o arranjo de ambientes, levando em conta a estética, o conforto e a funcionalidade.

— Definitivamente a sua cara — Eu respondo. Tris se daria muito bem decidindo cores e materiais de acabamento, e organizando a distribuição de móveis.

— Amanhã cedo vou procurar algum curso, para aprender mais sobre isso. É só eu continuar trabalhando como planner por mais alguns meses, e se eu cortar o meu gasto com roupas e acessórios por um tempo, eu devo conseguir pagar.

— Você devia se dedicar só aos estudos, para absorver o máximo das aulas — Eu digo — Eu pago o curso — Eu digo e ela me olha.

— Não, de jeito nenhum — Ela diz, categoricamente.

— Um empréstimo então — Eu digo rapidamente — Quando você estiver bem sucedida nesse meio, você me devolve o dinheiro.

— Tobias… — Ela tenta argumentar.

— Empréstimo entre amigos, porra — Eu digo — Não tem nada demais — Tris não gostava de pedir favor nem dever nada pra ninguém, mas eu achava que um empréstimo era uma boa ideia, assim ela não se desgastava muito.

— Fechado — Ela finalmente diz — Te pago tudo assim que eu puder.

— Não esquenta — Eu digo, deitando em seu colo. Ela começa a mexer no meu cabelo.

— Você acha muita loucura? Digo, largar tudo agora e ir atrás de outra coisa? — Ela pergunta, me parecendo estar tentando descobrir ela mesma se é ou não loucura fazer isso.

— Foi você quem me disse que quando as coisas não estão do jeito que a gente quer, a gente só tem que mudar para outro caminho — Eu digo, olhando pra ela — E outra, você não ia dar conta de, com sessenta ano de idade, continuar a fazer as coisas do jeito que faz hoje em dia.

— Pra que serve a vida senão para arriscar, né? — Ela diz, me dando um beijo na testa — Mas e na corporação, como está indo a investigação?

— Uriah montou um time de pessoas competentes e que ele confia, e eles estão tomando as devidas precauções — Eu respondo — Uriah é um bom advogado, então ele sabe o que é legal e o que não é. Ele também está agindo para conseguir autorizações necessárias. Ele conhece bons juízes.

— E Zeke? — Ela pergunta, mexendo no meu cabelo.

— Zeke é um bom haker, mas não seria muito útil agora que estamos fazendo as coisas de maneira legal, pra não ter problema com a justiça — Eu respondo — E eu preciso dele comigo. Ele é o diretor comercial e eu não posso me dar o luxo de ficar sem um agora.

— Você já encontrou com cuzão do Marcus? — Ela pergunta. Zeke tinha me informado sobre a corrupção corporativa de Marcus no sábado pela manhã. Hoje era quarta feira.

— Ainda não. Ele não apareceu na empresa, não ligou enchendo o saco nem nada assim. Ainda bem — Eu digo — Não sei se eu conseguiria disfarçar.

— Love, você tem que manter a calma. Se o Conde Drácula desconfiar de alguma coisa, é bem capaz de se mexer pra encobrir mais ainda seus rastros, o que vai dificultar tudo — Ela sorri pra mim — Se ele aparecer, você vai ter que se esforçar pra não despejar tudo na cara dele. Ou melhor, pra não socar a mão na cara dele.

— Eu vou me controlar pra não quebrar a cara dele — Eu digo, rindo — Prometo — Eu me ajeito no colo dela. Eu estava tão cansado que poderia dormir aqui e agora.

— Você devia ir tomar um banho e comer alguma coisa antes de dormir — Ela diz, gentilmente — Pra não precisar se incomodar depois.

— Posso dormir aqui hoje? — Eu pergunto, cansado demais para ir pra minha casa. Eu havia passado aqui só para vê-la, mas eu queria ficar.

— Claro que sim — Ela responde — Mas é sério, vai tomar um banho que eu vou no Starbucks comprar alguma coisa pra gente comer. O que você quer?

— Pode comprar qualquer coisa — Eu respondo — Ou o mesmo que você comprar pra você. Sua decisão.

Eu me levanto, indo para o banheiro, e ela segue em direção a porta. Eu sabia que uma das coisas que Tris mais amava na vida era esse Starbucks perto do apartamento dela. Uma mão na roda para pessoas que, como ela, não sabia cozinhar era viciada em cafeína e gostava de coisas rápidas.

Eu jogo meu celular em cima da cama de Tris e entro no banheiro. Todo o que eu quero, durante o banho quente, é esvaziar minha cabeça de todos os problemas da corporação. Eu não queria me lembrar do meu pai, nem do processo que eu pretendia abrir, nem do desfalque, nem de nada. Isso era tudo que eu pensava desde que Zeke e Uriah haviam me dado a porra da notícia.