Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 13
O que corre de noite na floresta?


Notas iniciais do capítulo

Olá, meninas!! Como eu disse, esse capítulo me arrancou algumas lágrimas. Espero que não me odeiem por causa dele!! Mas é também um dos caps mais esperados!
Nos falamos lá embaixo, bjs!



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Meu pai estava agindo estranho nesses últimos dois dias. Ele me olhava mal humorado constantemente. E eu não estava entendendo o que tinha feito de errado. Talvez seja o que eu não tenho feito: não tenho tentado descobrir o que tinha naquela pasta parda. John provavelmente já tinha dado um jeito naquela pasta para que eu não mexesse nela, mas era óbvio que a minha falta de interesse não era algo natural.

Isso poderia, sim com certeza, ser atribuído a Jacob Black. A notícia de que estávamos juntos correu como fogo em mato seco pela cidade. Tudo começou com a versão normal dos fatos: eu e Jacob saímos das piscinas juntos e ele me deixou em casa depois. No entanto, conforme os dias iam passando, tudo estava sendo distorcido. A última notícia que soube foi que nos beijamos na frente de todos na piscina de La Push, para logo em seguida eu ter dormido na casa dele.

Eu realmente tentava ignorar esses comentários, ou os olhares maldosos que recebia de algumas mulheres quando andava na rua. Francamente! Até a caixa do único restaurante que tinha sorvete na cidade me olhou de cara feia, errando três vezes ao passar minha compra.

Poderia facilmente ignorar tudo isso se ao menos eu tivesse visto Jacob nesses dois dias. No entanto, ele sumiu. Não que eu tenha ligado para procurar ele (eu nem sabia se ele tinha celular ou telefone em casa), muito menos tinha ido até a oficina. Mas ele também não veio. E eu não sabia o que isso poderia significar.

O tempo em La Push só piorou, agora nevava pra valer. Eu estava sozinha em casa, apertada na manta do sofá enquanto assistia Friends. Havia uma caneca de chocolate quente em minhas mãos, que Jane fez antes de sair. Ela também passava um bocado de tempo na reserva, com Emily e Sue. Austin tinha saído para ir até o mercado comprar as coisas para o jantar. E eu não tinha ideia de onde John estava.

A porta se abriu me assustando, droga, eu tinha derramado chocolate quente na manta – era a manta de casamento que Jane tinha ganhado da falecida vovó Evans. Ela ia ficar bem brava. Meu pai entrou sacudindo o corpo dos flocos de neve em seu casaco. Ele parecia bem bravo.

– Parece que agora você vai casar. – ele disse com sua voz grave como trovão. Foi aí que notei o motivo do mal humor de John. Eram os boatos que ele era forçado a ouvir todos os dias. – Vivian Westphal disse que o Black te pediu em casamento no dia em que vocês foram vistos nas piscinas, logo depois de vocês ficarem se agarrando no meio da floresta.

Nossa. O que é que dava na cabeça dessas pessoas?

– Eu tô me dando bem e nem sabia. – comentei com as bochechas coradas e voltei meus olhos para a televisão, embora minha atenção estava em John.

Ele hesitou na porta, parecia incerto do que fazer a seguir. E isso não era nada bom. Só havia uma situação na qual John sempre fazia esse movimento. Geralmente era para conversar sobre sexo, gravidez, drogas ou relacionamentos. Como eu aparentemente estava com Jacob, acho que só poderia excluir o quesito drogas dessa conversa.

John se sentou ao meu lado no sofá, apoiando seus tronco nos joelhos. Ele encarava a televisão também, mas eu via seu olhar de canto em mim, provavelmente esperando que eu notasse que ele queria conversar. Bufei e desliguei o Netflix.

– Desembucha, pai.

– É só que você tem que fazer algo a respeito disso, entende? – ele disse de uma vez. Eu era muito parecida com meu pai quando o assunto era perguntas. Despejava tudo de uma vez, sem nem tentar amaciar as coisas antes. – Outro dia ouvi que Black ia te pedir em casamento por que você já estava grávida.

– Caramba! Só tenho tomado alguns potes de sorvete, não devo estar tão gorda assim! – falei achando graça.

– Isso não é engraçado.

– É sim. Bem hilário, na verdade. – eu ri. – Pai, boatos vem e vão. As pessoas vão se cansar de falar disso depois de um tempo. Eu já perdi as contas de quantos boatos ouvir falar ou já fiz parte na minha antiga escola. Se tem uma coisa que eu não me importo é o que uma cidade pequena acha de mim.

John ficou calado, ainda encarando a televisão agora desligada.

– Então... O que realmente está pegando? – meu pai realmente estava tentando conversar normalmente comigo sobre isso? O que está pegando? De onde ele tirava essas coisas?

Não é que eu tenha problema em conversar sobre sexo, drogas e rock ’n roll com meu pai ou minha mãe, na verdade com qualquer pessoa. Eu realmente acreditava que o tabu que envolvia sexo no ambiente familiar deveria ser quebrado, os filhos precisavam de orientações dos pais para esse tipo de coisa. Criar um tabu em cima disso, no qual seu pai não sente que tenha intimidade o suficiente para conversar sobre isso não era bacana.

A questão era que meu pai não se sentia confortável por causa de suas próprias limitações, então eu não fazia muito esforço para conversar sobre isso. Fora que com a minha mãe sempre foi o oposto. Não havia nada que Vahiné não quisesse conversar.

– Você sabe da história real, pai. Deve ter ouvido na reserva. Nos encontramos nas piscinas e depois saímos. – dei de ombros.

– Então vocês estão juntos?

Franzi o cenho, eu poderia dizer que sim, mas não sabia qual era a conotação de “juntos” do meu pai. Se juntos para ele era que iríamos casar daqui alguns meses, então não, definitivamente não. Agora se juntos era estar namorando e vendo que no que ia dar, acho que poderia afirmar.

Não é como se Jacob tivesse rotulado o que estava acontecendo.

Será que eu poderia me autonomear sua namorada? Isso era tão confuso!

– Parece que sim. Estamos nos conhecendo melhor. – disse evasiva.

John ficou um momento em silêncio, analisando sob diversos pontos o que eu tinha dito. Rolei os olhos com isso. Ele tinha que relaxar um pouco mais!

– Ele não é... Meio velho para você? – seu tom de voz veio com uma estranha derrota.

Estreitei meus olhos para ele, notando seu tom. Ele não parecia prestes a argumentar meu recém relacionamento com alguém mais velho, não parecia me aconselhar a ficar com alguém mais novo, era como se a gente já tivesse brigado muito sobre isso e agora ele teria desistido, só perguntando para confirmar.

– Sim. No entanto, não vejo como isso pode ser um problema. – falei me mexendo desconfortável, o quesito idade ainda era um pouco sensível para mim. – Não é como se fôssemos nos casar, pai. Só estamos vendo no que vai dar tudo isso. Não precisa se preocupar.

John assentiu, seus olhos agora no chão.

– Bom... Só... Tome cuidado. Sabe como é... – e pigarreou – Segurança sempre.... Entende?

Nunca vi ele tão vermelho e nem lutar tanto para dizer a palavra “camisinha”. Eu ri, curtindo com o desconforto dele. Assenti, por que não havia mais nada para dizer. Deixei que meu pai fosse fazer algo na cozinha (eu sei que ele só foi para lá como uma desculpa para não precisar mais ficar me olhando). Voltei a ligar o Netflix, mas já tinha perdido o interesse na série.

Subi para o meu quarto e me joguei na cama. Eu achei que as férias de inverno seriam mais legais. Não era bem assim. Sem a escola, eu não tinha muita coisa para fazer além de ficar vendo televisão. Pelo menos não nesses dois dias. Se ao menos Jacob tivesse me ligado ou algo do tipo... Eu ao menos teria algo interessante para fazer: beijar, beija, beijar.

Algo no meu travesseiro estava me incomodando. Bati a cabeça nele, para amaciar ainda mais. Havia algo duro. Sentei na cama e puxe o travesseiro para fora. O livreto estava bem ali, onde eu costumava deixar ele. Fazia muito tempo que eu não o lia. Desde antes das provas.

Abri o livro onde parei e observei aquela letra cursiva. Não faltava muito para acabar ele. Então voltei a ler.

“Os problemas com os frios foram raros a partir de então. Os filhos de Taha Aki protegeram a tribo até que seus filhos fossem bem velhos para assumir seu lugar. Nunca eram mais de três lobos de uma vez. Era o bastante. Ocasionalmente, um bebedor de sangue aparecia por essas terras, mas eles eram pegos de surpresa, pois não esperavam encontrar lobos. Às vezes, um lobo morria, mas nunca mais foram dizimados como na primeira vez. Eles aprenderam a lutar com os frios e transmitiram o conhecimento, de mente de lobo para mente de lobo, de espírito para espírito, de pai para filho.

O tempo passou e os descendentes de Taha Aki não se transformavam mais em lobos quando chegavam à idade adulta. Só muito tempo depois, se um frio estivesse por perto, os lobos voltariam. Os frios sempre vinham sozinhos ou aos pares, e a alcateia continuava pequena.

Chegou um bando maior, e os bisnetos prepararam-se para combatê-los. Mas o líder falou com Ephraim Black como se fosse homem e prometeu não prejudicar os quileutes. Seus estranhos olhos amarelos davam prova de sua alegação de que eles não eram iguais aos outros bebedores de sangue. Os lobos eram em menor número; não havia necessidade de os frios proporem um tratado quando podiam ter vencido a contenda. Ephraim aceitou. Eles cumpriram sua parte, embora a sua presença tendesse a atrair outros.

E o seu número forçou o surgimento de uma alcateia maior do que a tribo já havia testemunhado. Exceto, é claro, na época de Taha Aki. E assim os filhos de nossa tribo carregam novamente o fardo e compartilham o sacrifício que seus pais suportaram antes deles”.

(Eclipse, pg. 188 a 189)

Eu olhava a página sem ver. O capítulo havia acabado, mas a pressão em meu peito parecia grande. Olhei novamente para o nome: Ephraim Black. Quais eram as chances de Jacob ser parente dele? Quantos Black tinham em La Push? E ainda mais, essa história não era tão antiga. Não se o nome Black perdurou até hoje – levando em conta a doideira que seria se fosse parente de Jacob.

Fechei o livreto e o coloquei de volta em seu lugar de origem, debaixo de meu travesseiro. É claro que não. Jacob não era bisneto de um possível líder-lobo. Isso tudo era história para assustar as crianças quileutes a não falarem com estranho e a não entrarem na floresta.

O que corre de noite na floresta?

Não tinha nada a ver. Eu não era tão imaginativa assim.

Mas, se eu realmente não acreditava nisso tudo, então por que meu coração estava acelerado e as palmas de minhas mãos estavam suadas? Por que eu temia continuar a ler o livreto, ou, ainda pior, ver a imagem no final do capítulo. A do lobo grande de dentes de adaga. Por que eu estava reprimindo meu sonho de dois dias atrás? O que tinha nessas histórias que me impressionava tanto?

É engraçado como as pessoas insistem em serem obtusas mesmo com a verdade na cara delas”. Jacob tinha me dito isso na festa de Drew. No dia eu não achei que ele estava falando sério, achei que era só uma superstição boba. Mas e se não fosse...? Não, não tinha como algo assim entrar na minha cabeça. Não era biologicamente possível que um ser humano se transformasse por completo em um lobo ou em qualquer outro tipo de animal. A genética nunca permitiria algo assim, era contra qualquer equilíbrio da natureza.

O barulho da porta batendo fez com que eu pulasse da cama. Sai do quarto e desci as escadas. Meu pai tinha saído. E pelo visto estava com pressa. Tinha deixado a televisão ligada e o forno também. Franzi o cenho.

Desliguei a televisão e o forno. Ele nem tinha levado as chaves do carro.

Meu coração acelerou com a única possibilidade que faria meu pai levantar e sair correndo de casa em pleno jogo de futebol: alguma coisa tinha acontecido. Subi para o meu quarto com o peito ainda mais pesado e o coração acelerado. Eu não podia seguir ele, não acho que conseguiria ver mais corpos mutilados ao vivo.

Mas eu poderia saber o que estava acontecendo.

Saí do meu quarto e fui até o de John e Jane. Abri as gavetas do armário do meu pai, olhando se havia alguma pasta parda nelas. Olhei em todas, mas não achei nenhuma. Então me abaixei e olhei debaixo da cama, havia uma caixa de sapato marrom. Quando a abri, vi que eram só fotos e mais fotos. Uma caixa de lembranças, e era de Jane, pois tinha seu nome assinado na tampa. Distraí-me um pouco ao ver as minhas fotografias de criança ali. Eu não sabia que ela guardava a foto de quando eu lhe dei o primeiro pedaço de bolo em meu aniversário. O único que eu tinha passado aqui. Não sabia do quão importante isso tinha sido para ela e machucou meu peito que ela tenha entendido dessa forma.

Na verdade, eu só tinha feito isso para cutucar Vahiné, que havia me mandado passar o aniversário aqui. Lembro de mostrar uma cópia dessa foto para ela e Vahiné enlouquecer, ligando para John para reclamar – a rixa entre Jane e Vahiné era algo que eu nunca entendi, mamãe sempre foi mais feliz longe de meu pai, então eu não entendia o motivo do ciúme.

Coloquei as fotos de volta na caixa. Eu não ia mexer nas coisas de Jane. Apoiei-me na cama para me levantar, mas um barulho de papel amassando me distraiu. Franzi o cenho. Apalpei a cama, mas não havia nada de volumoso entre as colchas. Então em um ímpeto eu levantei o colchão pesado.

Haviam quatro pastas pardas.

Meu coração acelerou e eu peguei todas. Coloquei a cama no lugar novamente, arrumando os lençóis para que eles não vissem que eu tinha mexido ali. Eu só poderia imaginar o que meu pai faria comigo caso descobrisse.

Fui para o meu quarto e fechei a porta. Fechei as cortinas também, como se esperasse que alguém subisse até minha janela pela árvore. Sentei na cama e abri a primeira.

Newton, Mike.

Havia toda uma ficha de um cara louro, de olhos claros e queixo pontudo com cara de bebê, por mais que tivesse quase seus 30 anos. Na ficha dizia que ele era dono de uma loja de objetos esportivos. Ele foi casado com Jessica Stewart Newton. Tinha dois filhos. Um menino de 9 anos, Hunter, e uma menina de 3 anos, Hilary.

Passei para a próxima página. Meu estômago embrulhou, por mais que eu ainda olhasse. O corpo estava cheio de escoriações, como o homem do rio. Parecia que um animal o tinha atacado. Eu não ousei olhar para as outras partes do corpo dele, então forcei minha visão para a descrição do laudo médico.

Escoriações por todo o corpo (face, dorso, pernas, braços e pés)

Traqueia danificada

Sem sangue no corpo

Pulsos e tornozelos quebrados

Havia ainda muitas outras características que eu não entendia do que estavam falando, então fui pulando até as considerações finais do médico legista.

“A causa da morte foi a traqueia danificada, as escoriações no resto do corpo não foram o suficiente para causar a morte ou a perda total de sangue. O corpo foi encontrado no meio da floresta ao redor das montanhas. A hora estimada da morte foi às 14h49m. O ataque foi causado por um animal selvagem”.

O resto da página eram os relatos da família e amigos que viram Mike Newton por último. Havia também fotos do local onde ele fora encontrado. Observei a floresta próxima das montanhas. O chão, no qual foi demarcado pela perícia, não possua sangue. Eu notei isso porque a folhagem não estava úmida. O sangue geralmente não era absorvido com tanta facilidade pela terra. A poça ainda ficava durante um tempo, empapando o local. E não havia nenhuma poça ali.

Olhei as outras fotos em busca do sangue, mas não achei nada.

Tentei não ler o relato dos amigos, nem dos filhos e muito menos da esposa. Fechei a pasta e a coloquei de lado para não olhar mais para ela. Era fácil saber que alguém tinha morrido na floresta, provavelmente atacado com um animal selvagem e descontrolado, era doloroso, mas era fácil. Agora saber que essa pessoa tinha filhos, esposa, pais e avós era mais complicado. Tornava tudo muito mais pessoal.

Puxei a outra pasta e prendi a respiração. Era o homem do rio. Eu achei que nunca mais fosse ver o seu corpo que ainda assombrava meus pesadelos de vez em quando.

Lee, Blane.

Então esse era o nome dele. Não havia muita informação em sua pasta. Ali constava que ele era apenas um montanhista que estava no lugar errado e na hora errada. O seu laudo era muito parecido com o de Mike Newton. As mesmas escoriações, o mesmo problema com a falta de sangue, traqueia quebrada e pulsos quebrados. Ficou difícil de estimar a hora do óbito por ele ter passado muito tempo na água.

O laudo estimou que ele tenha percorrido toda a extensão do rio Quileute.

A outra pasta eu já sabia mais ou menos quem era. O homem na floresta de La Push. Não olhei para as fotos. Não precisava delas para me lembrar de como o corpo estava. O nome dela era Abigail Bass. Ela morava em La Push, perto do píer da marinha. Trabalhava como guia turística em tempos de turismo, mas em outra parte de tempo trabalhava na loja de Mike Newton de artigos esportivos.

Eu não entendia o porquê dessa vez a morte tinha sido tão horrível assim. O laudo médico não dizia muita coisa, por que não havia muito o que dizer. Não foram encontrados escoriações, os membros foram simplesmente arrancados. Outra anomalia também era que a poça de sangue foi encontrada junto ao corpo.

Fechei a pasta e respirei fundo. Só faltava mais uma.

Abri a outra pasta e meu coração acelerou. Era Tiwa Anoki. Ele era do conselho tribal. Eu só lembrava de seu nome por causa de meu pai. Ele tinha insistido para que eu conversasse um pouco com Tiwa no dia do aniversário de Billy, foi um dos vários que se lembraram de me segurar quando bebê. A imagem do rosto velho, com rugas profundas era bem nítida. Olhei a data do óbito. Aconteceu há quatro dias.

Fechei a pasta, sem querer saber como ele havia morrido.

Eu não conseguia encontrar uma relação entre as mortes. Todos eram da região, mas não havia conexão entre eles. A não ser por Abigail, que trabalhava na mesma loja de Mike Newton.

Coloquei as pastas debaixo da cama de John e Jane novamente, para que ninguém desconfiasse. Eu não precisava delas para me lembrar do detalhe da morte de cada um deles. O pior de tudo é que eu sabia que não era um animal. Aquilo não era um ataque de animal. Animais carnívoros abatiam suas presas de diversas formas. Se fosse um lobo, o primeiro ataque aconteceria nos calcanhares, para derrubar a presa. Os felinos geralmente usavam as garras para parar suas presas e depois mordiam os pontos onde o fluxo de sangue era maior, assim a presa morreria mais rápido. Nada disso batia com os laudos.

Eu agi no automático. Coloquei a manta de casamento de Jane para lavar, meus olhos longes dali. Nem me importei com o frio que fazia lá fora, onde ficava a lavanderia. Voltei e dei de cara com meu pai, que também estava entrando. Ele tinha o rosto cansado e abatido.

– O que aconteceu? – perguntei correndo até ele.

John notou que eu sabia o que estava acontecendo. Eu o tinha acompanhado por muito tempo para saber quando algo grave ocorreu. E esse parecia ser um dos casos.

– Você vai saber de qualquer forma. – ele disse cansado. – Collin foi atacado. A polícia está fazendo a perícia no local.

Eu senti minhas pernas bambas. Minha vista estava embaçada e acho que John me segurou para não cair, por que de repente sua jaqueta marrom estava muito próxima do meu rosto. Se a polícia estava fazendo a perícia no local... Então Collin não tinha sobrevivido. A polícia não fazia perícia em locais onde não aconteceu um crime.

Acho que eu estava chorando, mas não tinha como saber, eu estava tão alienada. Havia um grande espaço em meu coração que doía. Eu estive com Collin há dois dias. Eu estava dando uma bronca nele por jogar Brady na água gelada. Ele estava comemorando as férias de inverno. Ele estava bem.

Eu sentia que estava sufocando, havia algo em minha garganta que apertava e fazia com que meu choro fosse mais estrangulado. Um desespero tomou conta do meu corpo quando a notícia foi caindo ainda mais nem minha mente, quando tudo foi mais profundo dentro de meu peito. Parecia que alguém estava me esfaqueando repetidas vezes.

Collin estava bem há dois dias.

Como? Como algo assim poderia ter acontecido com Collin?!

Lembrei das pastas pardas e meu peito rasgou de dor ao saber que ele seria uma daquelas pastas. Em que estado estaria seu corpo? Como ele teria morrido? Pelas mãos de quem? Eu já não aceitava antes a ideia de um animal estar atacando os outros antes. Agora parecia algo inconcebível. Minha mente viajou sem querer para Farad.

E então braços quentes estavam a minha volta. Não eram quentes como o de John, eram ainda mais quentes e pareciam me reconfortar só por estarem ali. Mas não foi o suficiente para que a minha dor passasse. Foi Collin. E pensar nele no pretérito só me magoava ainda mais.

Estavam me levando para algum lugar. Quando senti algo macio abaixo de mim notei que era minha cama. E eu estava me despedaçando. As imagens vinham sem que eu as chamasse. Elas se misturavam entre o Collin que eu convivi e os corpos que encontrei durante o tempo que passei aqui.

O peito quente abaixo de mim respirava lentamente, o coração batia estável. O meu choro ganhava intensidade em alguns momentos, para abrandar em outros. Eu notei que era Jacob quem estava deitado na minha cama, comigo em seu peito. Quando olhei para seus olhos encontrei muita dor, muita raiva, muito rancor e uma tristeza profunda. Mas eles estavam secos.

O choro renovou sua força quando Austin chegou com Lali e Graham, todos chorando em silêncio. Levantei da cama e corri até Austin, que me abraçou com força enquanto seu choro também ganhava força. Senti o abraço desajeitado de Lali, sendo seguida por Graham.

E por mais que Jacob tivesse me consolado antes, eu precisava dos únicos que pareciam sentir o que eu sentia. Acho que Jacob juntou a minha cama com a de Austin, por que quando caminhamos para uma delas, as duas estavam juntas. Ele estava no canto do quarto e saiu sem dizer mais nada. Eu o observei ir com um peso no coração. Queria que todo mundo ficasse aqui no quarto comigo, onde eu poderia vê-los, onde saberia que estavam seguros. Queria trazer Lynn e Embry para cá, assim com Billy, Rosie e qualquer outra pessoa que tenha cruzado o meu caminho.

Acordei com um sobressalto. A noite já tinha caído fazia tempo e nós quatro estávamos apertados na cama. Todo mundo tinha dormido também depois de horas de choro. Em certos momentos eu escutava o movimento no andar de baixo, a notícia parecia correr audível pela cidade. No entanto, agora estava tudo em silêncio.

Novas lágrimas cegaram meus olhos e eu as deixei rolar em silêncio. Respirei fundo pela boca, por que meu nariz estava entupido. Eu queria vê-lo. Só assim eu iria acreditar. Mas, mais do que isso, eu queria me sentir segura. Queria me sentir bem e controlada.

Sequei as lágrimas com as costas das mãos, levantando com cuidado da cama para não acordar os outros. Havia sim um lugar que me causava pânico ao pensar, mas depois me recebia de braços abertos. Calcei as botas de frio e joguei meu casaco nos ombros. Saí do quarto e não fechei a porta, para não fazer barulho.

Desci as escadas e notei que John dormia na sala. Tudo estava desligado. Fui para a cozinha e saí pela saída dos fundos. O vento gelado pareceu preencher cada canto do meu corpo e foi o suficiente para que eu esquecesse um pouco a dor do meu peito. Corri pela varanda e não parei no gramado. Ali, na lateral da minha casa, estava a floresta de La Push. O único ligar que poderia me fazer sentir melhor.

Assim que adentrei na orla da floresta uma brisa aquecida varreu meu rosto. Eu não sabia como uma brisa tão morna poderia estar soprando em um dia de frio como esse. As copas das árvores balançavam de um lado para o outro. Fechei meus olhos quando uma nova onda de lágrimas varreu meu rosto. Eu só precisava ficar um pouco sozinha, recompor meus cacos sozinha.

Fui andando pela floresta enquanto mais lágrimas vinham e eu deixei que as memórias também viessem. Parecia tão surreal! Eu o tinha visto há dois dias, inferno! Não era tanto tempo! Ele estava bem!

Minha visão não era noturna e com as lágrimas não adiantou muito. Eu fui tropeçando e caindo durante o caminho, enquanto fungava também. Desisti de tentar andar e encostei em uma árvore grande e nodosa, suas raizes saiam da terra e faziam um círculo a sua frente. Eu entrei no círculo e me sentei de qualquer jeito. Agarrei meus joelhos enquanto o choro me tomava.

Mas não havia lugar melhor para chorar. Ali ninguem iria alimentar a minha dor com mais choro. Eu conseguiria lidar sozinha com meus próprios sentimentos, sem a interferência de terceiros. Havia várias hera-estrelas que estavam penduradas nos galhos da árvore e desciam até quase meu ombro. Elas pareciam me acalmar mais do que todos os tapinhas que levei nas costas hoje.

Fechei os olhos e desejei que nada disso estivesse acontecendo. Desejei que o pânico e dor em meu peito passassem como um passe de mágica. Mas, mais do que isso, desejei que quem quer que tenha feito aquilo com Collin pagasse.

Aos poucos o pânico foi passando, então fui me concentrando no silêncio ao meu redor. Quando entrei na floresta, os animais noturnos pareciam bem acordados. Agora, no entanto, tudo estava em completo silêncio. Parecia que a floresta inteira estava reagindo a morte de Collin. Porém o tom no ar foi outro.

O que corre de noite na floresta?

O pensamento me assolou com um estremecimento. Barulho de galhos sendo quebrados me despertou da tristeza e torpor. Eu estava no meio da floresta – onde várias outras mortes tinham acontecido – e no meio da madrugada. Estava pedindo para ser atacada.

Ergui meu corpo e olhei ao redor, mas não consegui ver muita coisa. As copas das árvores estavam muito juntas umas das outras. Não dava para ver muita coisa. O barulho de folhas sendo pisadas continuou. Meu coração estava acelerado e parecia querer sair pela minha boca. Havia também a adrenalina que começava a correr em minhas veias. Isso fazia com que minha visão ficasse um pouco melhor.

Alguma coisa na minha frente estava se movendo. Apertei meus olhos quando vi um brilho de dois pares de olhos. Eles eram altos demais para ser de uma pessoa e brilhavam como os olhos de um animal noturno. Minha boca ficou seca enquanto eu me mantinha parada. Havia várias regras de sobrevivencia na floresta que eu sabia por amar tanto biologia selvagem, e uma delas era não fazer movimentos bruscos.

Eu nem sei o porquê as pessoas aconselhavam a isso. Não era como se eu fosse sair dançando ao ver um animal selvagem noturno. Meu corpo estava tão travado que eu nem pensava em me mexer, quanto mais fazer movimentos bruscos.

Os olhos do animal pareciam cada vez mais perto, eu também podia escutar suas patas macias amassando galhos e folhas. Eu sabia que eram macias pelo leve barulho que faziam ao pisar no chão, o que poderia me indicar que não eram cascos.

Ele era alto demais para ser um leão, alto demais para ser um lobo. Tinha o tamanho ideal de um urso de pé. E se fosse um urso, eu estava mesmo perdida.

Quando o vi, não consegui ficar parada. Meu primeiro instinto foi dar um passo para trás. Eu estava encostada na árvore, sem ter por onde correr. Se fosse correr, ou seria direto para o animal, ou eu teria que pular as raízes altas, correndo o grande risco de cair estatelada no chão e virar comida. Mas não havia como olhar para esse... Essa coisa e achar que seria comida viva.

Não era um lobo.

Era o lobo.

O que corre de noite na floresta?

Era isso o que corria. Era isso o que estava matando as pessoas. Foi isso quem matou Collin. O mais impressionante não era seu tamanho, mas sim a sua exata representação no livreto debaixo do meu travesseiro. Se aquele livro era real ou não, eu não sabia, mas eu podia confirmar que era um lobo fora do comum que corria de noite na floresta. Isso era só um dos itens impressionantes. O outro era ainda pior: eu já o vi antes.

Ele se mesclava tão bem ao redor, que eu reconheci seu pelo esverdeado do sonho que tive há alguns dias. Era ele, e o pânico que senti no sonho foi o mesmo que estava sentindo agora.

O animal rosnou, os pelos de seu dorso se arrepiando. Suas patas frontais se curvaram e ele agachou, pronto para atacar. Eu ia ser devorada por ele. E no entanto, ao mirar seus olhos negros, havia uma inteligência diferente me encarando. Era uma inteligência fria e calculista, não irracional como eu esperava que fosse.

Uma luz forte atingiu o animal, revelando toda a sua longa pelagem esverdeada. Ele rosnou e então voltou para as sombras, para depois virar as costas e sair correndo na direção oposta da luz. Tive que protegem meus olhos com a luz forte. Ouvi mais passos, dessa vez pesados e nada uniformes. Eram homens, eu podia apostar a minha vida.

– Gaele! – escutei a voz grave de Jacob. Ele estava sem lanterna, mas eu escutava as outras pessoas mais atrás.

Então tudo se encaixou. Como a peça final de um quebra-cabeça extremamente complicado e minucioso. Tudo parecia certo dentro de minha cabeça, embora fosse realmente, realmente muito difícil de acreditar. Mas que outra explicação tinha?

– Gaele, o que está fazendo essa hora aqui? – ele disse dando um passo na minha direção.

– Fica longe de mim, Jacob. – falei firme, tão firme que me surpreendeu por um momento.

Eu fui andando pela lateral dele para conseguir sair das raízes da árvore. A luz de uma lanterna forte ainda iluminava um pouco o caminho, alguém estava logo atrás de nós, mas não parecia compelida a vir mais para frente.

– Aquela coisa... – eu disse sem conseguir terminar. Jacob estava vestindo um short e uma regata preta. Não era uma roupa para o frio que fazia. – Aquilo era... – não consegui terminar. Era surreal demais para terminar.

– Gaele se acalme e me deixa te explicar. – ele disse, sua voz persuasiva entrando em meu sistema nervoso. Eu quase o obedeci, mas meu medo era maior do que eu.

– Então é isso o que a tribo esconde? É isso o mistério todo? – eu dizia cada vez mais possessa, mas também mais temerosa.

Eu nunca o temi tanto quanto agora. Nunca senti tanto pavor de Jacob Black. O que importava seu passado, se ele era assim no presente? O que importava o que eu sentia por ele, se ele era essa maldade pura? Não havia outro adjetivo para aquele animal que vi. E se Jacob fazia parte do mesmo segredo, então ele também era daquela forma.

Jacob não disse mais nada. Ele estava parado a metros de mim, mas não se moveu para tentar me impedir de ir embora. Ele nem precisava confirmar ou negar, eu não era tão obtusa assim. Estava claro que esse era o segredo da floresta. Foi aquilo quem matou Collin, aquilo que estava matando todo mundo. E Jacob também era aquilo. Seria ele responsável pelas outras mortes? Até onde ele estava metido com os crimes que estavam acontecendo? Seria uma sede por sangue característica dos filmes de horror?

– Nunca mais se aproxime de mim. – falei lentamente e entre os dentes. – Nunca mais.

Eu não lhe dei as costas, só o fiz quando não conseguia vê-lo mais. Não quis ter um último vislumbre de seu rosto severo e de seus olhos contorcidos em dor. Ele não deveria estar sentindo dor, eu é quem deveria sentir. Eu é quem fora enganada durante todo esse tempo.

Sentia como se tivessem me usado como marionete. Ele me fez acreditar que as mortes eram culpa de alguém que não era ele, de alguém monstruoso. Mas ele era o monstro da história.

Corri de volta para casa. Minha cabeça estava tão cheia de coisas, tão lotada de acontecimentos que eu não conseguia fixar os pensamentos. Eu pensava em Collin e depois pensava no lobo gigante que quase me comeu viva. Então voltava a pensar em Collin e depois em Jacob Black e suas mentiras. Se eu continuasse assim eu iria ter um problema cerebral.

Corri para o lavabo e fechei a porta. Ele era pequeno o suficiente para que eu me sentisse segura. Encolhi-me no canto da porta, abraçando minhas pernas enquanto balançava de um lado para o outro. Não havia mais lágrimas em meus olhos que eu pudesse derramar no momento, embora eles ardessem querendo lágrimas. Não havia nada em meu peito além de dois sentimentos: dor e raiva.

E eu estava surtando. Estava entrando em um pânico silencioso para não acordar a casa inteira. Eu quis gritar, mas não podia, então soquei a mão na boca enquanto o grito saia abafado.

A imagem do lobo esverdeado preenchendo meus olhos. Balançar o corpo não estava me ajudando. Eu queria gritar mais, mas minha garganta já estava doendo. Não dava para absorver aquilo, mas ao mesmo temo eu não via outra explicação.

Eu não podia ficar mais aqui. Não dava mais.

Eu ia embora.


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Notas finais do capítulo

Não me matem, não me matem, não me matem!!!!!
Foi muito doloroso! ;'(
Sobre o capítulo anterior: SÓ ELOGIOS PARA VOCÊS, MINHAS LINDAS!
Mr. Salvatore (ta aí a revelação!, rsrsrs, obrigada pelo comentário, amore!); Assiria (seja bem-vinda, flooor! Que bom que está gostando, espero que continue conosco); Lee Girlrock (amo suas observações sobre os personagens, flor, espero que tenha respondido a sua angústia com a Gaele, rsrsrs) e Lilian Blackwell (obrigada pela intensidade em cada comentário, amo saber o quanto você está gostando!)
É isso gente, o próximo capítulo vai ser bem pauleira. Não consegui NÃO me lembrar de você, Lee, ao escrevê-lo. Espero poder corresponder a sua ansia por tretas!!!!
Não digo mais nadaaa u.u
Kkkkk,
Beijos e até semana que vem!



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