Cinza escrita por Iluminada


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Eu sempre soube que todo mundo era mais ou menos igual. Ora, somos todos feitos da mesma matéria. Do pó viemos e ao pó voltaremos. Todos pó. Todo mundo é mais ou menos cinza; descolorido. Pó de fábrica. Não sei porque, mas eu sempre achei que pó de fábrica deveria ser cinza. Cinza que nem todo mundo. Depois de um tempo, cinza vira sinônimo de tédio. Gente - que é sinônimo de cinza - vira sinônimo de tédio. Até eu, no fim das contas, virei um tédio. Porque, se bobear, eu sou mais cinza que todo mundo.

É curioso isso de todo mundo ser cinza, sabe? Todo mundo da mesma cor e um que se destaca é logo percebido. Mas geralmente é só algum engano. Certamente há alguma coisa na Física que explique como o cinza pode parecer tão colorido às vezes, só pra me tapear com sopro cuidadosamente calculado de ilusão. E o cinza vai parecendo mais sem graça a cada vez que isso acontece. Parece impossível, mas assim é. Deve ser Deus o culpado; Ele manda em tudo, não é? Ele deve ser cinza.

Não ache você que cinza, só porque é sem graça, é perfeitamente tolerável. Não é. É horrível, se você quer a minha opinião. Se todo mundo fosse branco, ou preto, ou vermelho, ou a porcaria da cor que fosse, até suportaria. Mas cinza? Cacete. Cinza nem parece cor. É essa coisa meio vomitada que alguém decidiu que seria cor. Que infeliz ideia. Antes tivesse decidido que cinza seriam as pessoas!

Cin.za s.f 1. ser humano ∎ adj.2g.2n.s.m cinzento

E seria tão apropriado! "30 cinzas mortos em desastre natural", "Cinza mata três outros e foge em seguida", "Cinza pula de prédio após constatar quão patética é sua existência". Tudo faria muito mais sentido se assim fosse. Todos os cinzas do mundo teriam consciência plena da sua cinzitude e dela tirariam o proveito que pudessem. Entretanto, os cinzas seriam, por natureza, muito tapados e isso lhes permitiria tirar, de fato, muito pouca vantagem. Apenas alguns acidentes raros seriam capazes de ser menos tapados, o que lhes daria alguma chance a mais do que tinham os outros. Ainda assim, a cinzitude, traiçoeira como é, não lhes permitiria ser nada muito digno de nota; seriam apenas ligeiramente menos indignos. E apenas isso.

Os únicos capazes de ser grandes, fortes e notáveis seriam aqueles com traços coloridos. Mas, se até aqui eles não tinham sido citados, certamente isso significa que não eram lá muito numerosos. A verdade, crua e fria, como é de sua natureza, é que os de traços coloridos praticamente não existiriam. Vez ou outra surgiria algum, mas logo sucumbiria. Descobririam que a cinzitude não era natural como se pensara a princípio; como eu pensei. A cinzitude, cochichariam pelos cantos, é doença! Incurável e altamente contagiosa.

Perdição. A humanidade teria seu fim. Todos patéticos, tediosos e sem ambições. Acabaria a pintura, os livros virariam objeto qualquer, silenciariam-se os instrumentos todos, até as paredes e mesas e cadeiras perderiam o pouco de cor que lhes restava; tudo cinza. O único som a ser ouvido, substituindo as risadas e os gritos animados, seria "tec, tec, tec, tec...".

A Terra era um grande escritório.


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Notas finais do capítulo

Até a próxima!



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