Elementar escrita por LunaLótus


Capítulo 2
Peças fora de combate


Notas iniciais do capítulo

"Perfeitos. Eles são perfeitos juntos. Moldados, estruturados, modelados um para o outro."



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O dia amanhece, e Thaís desperta com os primeiros raios de sol. Está deitada em sua cama e não consegue entender em como chegara ali. Olha para o lado e se depara com Renato ainda adormecido, ao seu lado. Levanta uma sobrancelha, imaginando o que os pais haviam pensado daquilo. Com certeza, que ela merece um tempo como esse. Dezessete anos não é uma fase fácil.

Mas não acontecera nada. Thaís olha para si e percebe que a marca já retornara ao seu braço. Dessa vez, ela não sentiu dor, ou, muito provavelmente, o seu sono pesado a impedira de senti-la. Pensa em continuar deitada ali, com seu namorado, mas não pode. O jogo começa logo depois que os policiais revistam a sua casa.

E ainda há Alexandre. Ele parece ter gostado dela, e Thaís fica intrigada com isso, e preocupada também. Não pode se dar o luxo de ter como amigo um tenente que caça pessoas como ela. Porém, tem algo de diferente nele, isto ela não pode negar.

Por fim, Thaís decide se levantar e assim o faz, tomando cuidado para fazer o mínimo de barulho possível para não acordar o seu amado. Vai até o banheiro, lava o rosto e encara a si mesma no espelho.

– E agora, Thaís? O que você vai fazer? – diz.

A jovem está assustada. O momento que ela tanto teme chegou, e ela não sabe se terá coragem o suficiente para encarar esse desafio. “Mas eu fui a escolhida”, pensa.

– Deve ter algo em mim que valha a pena.

Vira-se para o chuveiro, tira as roupas e deixa-se estar embaixo da ducha, pensando que não sabe se irá poder tomar outro banho ainda hoje. Afinal, muitos convocados fugiam assim que os policiais revistavam as suas casas... Thaís não consegue entender por que eles ainda faziam essas revistas. Os agentes nunca encontram nada, e o governo sabe disso. Deve ser uma forma de mostrar quem está no poder, intimidar.

Thaís começa a se perguntar sobre os primeiros convocados, das gerações anteriores. O que havia acontecido com eles? Pelo o que sabe, seus próprios pais foram chamados, mas não chegaram a lutar de fato. Algo deu errado na base, e os convocados foram dispensados. É claro que eles tiveram muito treinamento antes disso... Mas e os outros? Será que foram mortos pelo governo? Thaís parece saber, lá no fundo, que sim, e estremece com a ideia.

O banho termina, e a jovem coloca a mão pra fora do boxe, pegando uma toalha. Enrola-se e torna a se olhar no espelho. Passa as mãos nos cabelos. Apesar de não serem tão longos, ela agora tem que mantê-los sempre presos. Alguma coisa poderia dar errado a qualquer momento, e ela teria que fugir. Por isso, desde o dia em que a marca apareceu em seu braço, ela sempre anda armada, com uma mochila por perto, usando blusa de manga ou faixas longas que cubram do seu cotovelo ao seu pulso. Ninguém acha isso antinatural, já que no povoado em que Thaís vive, as pessoas andam sempre cheias de bolsas e com esse tipo de luva.

Thaís sai do banheiro e olha para cama. Renato ainda dorme. Ela vai até o armário, seleciona no controle a roupa mais prática que tiver e onde se possa guardar uma arma. Ela prefere arpões e espadas, nunca arco e flecha ou adagas, mas enquanto não está em missão, usa um simples revólver de disparo rápido. Veste-se e volta para a cama, a fim de acordar Renato.

– Renato – sussurra ela, acariciando seu rosto. – Renato.

Ele não abre os olhos, mas a puxa num abraço surpreendentemente apertado. Thaís sorri e o abraça também, deitando novamente.

– Bom dia – murmura ele.

– Bom dia. Você não foi pra casa.

– Seus pais não pareceram se importar. Nem os meus. – Ele sorri.

– Eles acham que teremos pouco tempo, sabe, para nós dois.

– E estão certos, pelo menos por enquanto. – Renato suspira. – Não quero que você vá, Thai.

– Eu também gostaria de ficar, mas você sabe que essa é minha única chance de acabar com tudo, Renato. – Ela põe a mão em seu rosto. – E assim teremos nossa vida juntos, felizes.

– É a única parte que me anima. Saber que quando você voltar, tudo vai estar resolvido, e poderemos finalmente ficar juntos.

O casal fica em silêncio durante algum tempo, até que Renato sussurra, os olhos ainda fechados, mas a mão no rosto dela:

– Eu te amo.

– Eu sei...

Thaís inclina-se e o beija, sem se importar com o tempo, com sua missão, com o que os seus pais poderiam achar. Seu coração bate acelerado e confortável com aquelas palavras ainda ecoando. Só queria estar ali com seu namorado, viver aquele momento, ter a sensação que a vida tem algum sentido. A porta está trancada, afinal só há eles dois ali. Ajax não poderia entrar e estragar nada.

Renato desliza a mão pelas costas de Thaís, os lábios ainda grudados nos dela. Ela acaricia o rosto, o cabelo dele, seus ombros... Ela pode muito bem se entregar.

Mas Thaís pensa: não pode se comprometer. Ela tem uma missão, e ficar pensando no passado enquanto o presente é desolador não iria adiantar quando estivesse na batalha. A jovem se separa lentamente de Renato, ainda beijando-o. Ele tenta discutir, segurá-la, e ela quase desiste de se afastar, mas não pode. Sua boca vai até o ouvido dele e sussurra, pela primeira vez em sua vida:

– Eu também te amo.

Thaís levanta abruptamente, assustada com o que disse.

Ela nunca havia falado nada daquele tipo e tenta se desculpar, mas Renato a impede. O olhar dele é de surpresa. Ele também nunca tinha ouvido coisa parecida vindo da boca dela. Sempre soube o quanto é preciso pra que Thaís se entregue, e se aquilo havia acontecido, a resposta é simples: ela realmente o ama.

– Renato, eu...

Ela se interrompe. Não sabe o que dizer, como se explicar. Continua olhando fixamente para ele, e Renato nada faz para que ela prossiga. Ele senta na cama e a puxa para perto de si, de modo que ainda possa ver seu rosto.

– Thai... Você não sabe quanto tempo eu esperei por isso.

– Não posso esconder isso de você, me desculpe. Isso só piora as coisas, logo teremos que nos separar e...

– Não, isso só melhora as coisas. Está me dando mais um motivo para eu te esperar. Eu sei que quando começamos a namorar, você não era tão apaixonada por mim quanto eu era por você.

– Desculpa, eu...

– Mas agora isso mudou... E eu estou feliz com isso! Sabe o quanto eu te amo. É isso que importa. Você disse que me ama...

Ele a beija e ela o retribui com carinho. Há lágrimas nos olhos dela, mas Thaís não se esforça para secá-las, afinal são de alegria, alívio, amor. Renato está emocionado. Sempre fora apaixonado por ela, mas saber que ela sente o mesmo é uma coisa nova. Sem dúvida, ele sabia que Thaís gosta dele, mas nunca a ouvira falar isso assim: alto e claro, ou melhor, sincero e sussurrado.

O beijo demora alguns minutos. Nele estão todas as palavras não ditas, todas as horas que eles não passarão juntos, toda a vida que será roubada deles por causa daquela guerra estúpida e necessária. Thaís não pode desistir tão fácil assim. Por fim, eles se separam e sorriem. Renato beija a testa dela e levanta, indo para o banheiro.

Thaís levanta da cama e anda pelo quarto, ainda nervosa pelo o que disse. Não sabe se está arrependida ou não por não ter deixado o sentimento levar os dois por um caminho novo e desconhecido. “É melhor assim”, pensa, “não posso errar agora, por mais que eu o ame”. Ela vai até o grande espelho e olha para si.

– Meu futuro pode não existir. Não posso comprometer o dele também – diz.

Renato sai do banheiro e vai onde Thaís está, e a abraça por trás. O casal encara o próprio reflexo no espelho. Perfeitos. Eles são perfeitos juntos. Moldados, estruturados, modelados um para o outro. Ele beija seu rosto e diz:

– Vamos descer? Seus pais não devem estar em casa – ele hesita – e Thaíssa já deve estar na escola. Estamos sozinhos... Temos o dia todo só para nós.

– Nós e Ajax... – suspira ela.

Ele sorri e sussurra:

– Talvez não.

Thaís vira-se para ficar de frente a ele e olha em seus olhos, surpresa.

– Do que você está falando? – pergunta ela.

Renato lhe dá um selinho rápido e a puxa para a porta, abrindo-a.

– Vamos descer.

Thaís acompanha o namorado lado a lado, de mãos dadas. Eles descem as escadas lentamente, Renato sorrindo e olhando para o rosto dela. A jovem está confusa e desconfiada do que os pais teriam aprontado com ela. Chegam à sala, que está vazia. Nem Ajax encontra-se a vista. O casal se dirige a sala de jantar e sentam-se a mesa, que já está posta. Thaís olha para o prato a sua frente e encontra uma carta.

Nossa Querida Thaís,

Por amarmos você e termos tanto medo de te perder, decidimos sair antes da casa para não ver você partir. Nosso coração está quebrado, mas ontem vimos o quanto é arriscado para você se estivermos por perto e os agentes do governo descobrirem nosso passado, meu e de sua mãe.

Viajamos, meu amor, e Ajax está conosco. Não sabemos quando iremos voltar, mas prometemos que não será um tempo longo. Mas é certo que só voltaremos quando você partir: não queremos pôr você em mais risco por nossa causa.

Perdoe-nos, filha, por colocá-la nesse jogo. Você está nessa luta por nossa causa, é o nosso passado que a acusa. Choro toda noite por pensar no destino que fatalmente passamos a você...

Por isso pensamos que você precisa desse tempo, para se organizar, e para se despedir direito de quem você ama.

Faça o que seu coração mandar, confiamos em você.

Thaíssa diz que você a heroína dela, Luiza está encharcada em lágrimas e todos nós já demos um beijo em você antes de sairmos. Renato ficará com você. E se você for ao meu quarto, encontrará algo que me ajudou quando eu fui convocado. Espero que a ajude também, para compensar o meu erro.

Perdoe esses seus pobres pais... Cuidaremos da sua irmã. Cuide de si, e volte para casa.

Amamos você, e estaremos esperando o seu retorno.

Com todo o nosso amor,

Augusto, seu pai.

Thaís acaba a leitura com lágrimas nos olhos. Não consegue acreditar que os pais partiram e que pode não vê-los nunca mais. Renato já não sorri. Coloca uma mão sobre o ombro dela e a abraça. Ela não percebera que ele havia se levantado. A jovem assim permanece, sem mover um músculo, sem fazer nenhum esforço pra sair daquele estado de torpor.

– Coma algo, amor. Tudo vai melhorar quando você conseguir se alimentar e pensar direito.

– Eles... Eles foram embora... – murmura ela, quase sem voz.

– Eu sei, mas coma algo... – diz ele, com o tom triste e consolador.

– Você sabia? Sabia que eles fariam isso? Sabia que eles iriam embora?

– Não. Eles decidiram isso ontem, depois que o tenente saiu. Você ainda estava na porta quando eles me falaram. Seus pais perceberam o interesse de Alexandre por você, acharam que não era seguro estar por perto. Mas quando fui chamá-la, você estava muito abalada. Caiu em meus braços e a única coisa que fiz foi levá-la para o quarto.

– O interesse de... O interesse de Alexandre?

– Eu também percebi, mas você estava distraída, não viu como ele a olhava. Isso pode prejudicá-la, de alguma forma. Para não piorar a situação, seus pais resolveram partir. Thaíssa estava afogada em lágrimas quando foi ao seu quarto. Você dormia e ninguém teve coragem de acordá-la. Seu pai deixou isso.

Renato tira do bolso um cordão com um pingente simples. Olhando com mais atenção, Thaís percebe que é feito de um material leve e quase transparente. Ao tocá-lo, ela nota o quanto é fresco. Por um instante, acha que aquilo pode quebrar a qualquer simples sopro. É então que ela entende: seu pai é descendente da linhagem do ar, a habilidade dela veio a partir dele. Thaís pega o cordão cuidadosamente e o coloca no pescoço.

– Obrigada.

– Tudo bem. Por favor, Thai, coma algo.

– Acho que não tenho escolha – Suspira ela. Não adianta discutir, ela sabe que Renato está certo e que chorar não fará com que seus pais voltem.

Eles comem em silêncio. Os pensamentos de Thaís estão a, talvez, milhares de quilômetros dali, onde seus pais estão. Eles não disseram aonde vão. Renato enche o prato dela eventualmente, insistindo que ela precisa de energia para treinar. A jovem come sem reclamar, sorrindo com a atenção extrema de seu namorado.

– Bem, o lado bom é que teremos dias e dias juntos – ela diz.

Ele sorri e concorda.

– Que bom que você está vendo o outro lado. Mas não podemos esquecer o treinamento, mocinha.

– Pode deixar, senhor treinador! Mas podemos aproveitar também. Não temos muito tempo juntos.

– E o que vamos fazer agora? – pergunta ele, animado.

– Eu tenho uma ideia.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam?
Sei que não está no meu estilo habitual, mas como esta história já está praticamente pronta, logo eu voltarei com mais romance e comédia



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