Fábio

Duas semanas que não sabia mais notícias da Lis, estava sendo tremendamente doloroso, primeiro tentei focar no que me restava de ideias e escrevi até quase sangrar meu dedo, depois comecei a digitar tudo, três dias só focado nisso. Quando isso acabou fiquei apenas relembrando tudo que vivi com ela, procurando onde estava o meu erro, eu podia ter ficado com ela só o primeiro dia, logicamente aquela história do café foi um preságio que isso não acabaria bem, mas não eu tive que ir atrás dela uma segunda vez, e uma terceira... Agora restava sofrer, Igor, que não falava comigo a dias, tinha razão, deixar Lis para trás foi como se alguém tivesse morrido, mas dessa vez não foi a pessoa que eu amava, e sim eu que estava morrendo lentamente sem notícias dela. Mesmo que eu não pudesse tocar nela, eu queria saber como estava, aqueles olhos inchados não eram só culpa minha, ela estava com problemas mas eu não dei espaço para conversas pessoais, esse foi meu erro maior. Antes de tudo que tipo de amigo eu era?

Os nossos dias fixos de encontro eram os piores, nos outros eu fingia que estava tudo bem, mas naqueles dias específicos era um vazio sem fim, então não me surpreendi muito quando no primeiro dia estacionei meu carro uma rua antes do restaurante e fiquei esperando ela sair.

Todos os funcionários foram indo embora um a um, até que ela apareceu, Lia ao seu lado, ela foi melhor em perdoar as amigas, pois estavam sempre bem próximas, ela mais linda do que nunca, cabelo preso num rabo de cavalo, roupa impecavelmente branca, meu coração quase parou quando seus olhos pousaram no lugar onde deixava meu carro nas outras vezes.

E assim segui a semana indo ao restaurante nos dias que antes a teria nos meus braços. E na segunda semana passei a ir todo dia, estranhamente durante a segunda semana nenhum dia consegui vê-la, Lia sempre saia sozinha, algo estava errado.

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–Igor? Igor eu estou falando com você!

–Ah desculpa, estou ocupado cuidando da minha vida.

Fiz que não escutei a provocação.

–Ontem fui no restaurante e não vi a Lis.

–Vai ver que ela está cuidando da vida dela também.

–Pára com isso cara, aquilo tudo já passou estamos de boa certo?

Igor continuou anotando algo em seu caderno depois levanto e pegou sua mochila se arrumando para sair.

–Onde vai?

–Continuar cuidando da minha vida.

–A não acredito, você vai parar com isso?!

–O que foi Fábio, pensei que aqui cada um tinha que cuidar da sua própria vida, e agora quer saber onde vou?

–Você tem saído todo dia e voltado tão tarde, poxa estou curioso.

Igor continuou sério.

–O que quer saber?

–Na verdade só quero saber se tem falado com a Lia?

–Todo dia, agora estou indo passar a tarde com ela.

–Sério assim já? –brinquei.

–Sério? Sim sério Fábio, quando eu gosto de alguém bacana como a Lia eu quero que ela saiba que é sério.

–Ela fala da Lis? – tentei ignorar a indireta dele.

–Elas são amigas não são. Tenho que ir.

–Ei cara, Igor, poxa você é meu irmãozinho, me desculpa se fui um idiota outro dia, mas eu fiquei magoado, você sabe tudo que aconteceu comigo...

–Eu sei Fábio, eu estava lá com você... E sofri com você.

–Então eu me senti traído com aquela armação do fim de semana e tal.

–Eu já pedi desculpa também e fique sabendo Fábio que nunca mais vou me meter na sua vida... A menos que você peça.

Igor saiu e me deixou arrasado. Eu estava merecendo tudo aquilo, mas não estava suportando o afastamento da Lis e esse gelo do meu melhor amigo. Então resolvi sair correndo atrás dele.

–Igor. –ele estava na metade da rua. –Ei cara, me desculpa e por favor... se meta na minha vida que não sei mais o que fazer. - supliquei.

Ele ficou um tempo me olhando como que pensando o que ia fazer.

–Tudo bem, eu vou te desculpar, porque tá difícil conviver assim, e por que você também é meu melhor amigo.

Venci distância e dei um abraço nele.

–Que isso velho assim eu me apaixono! –ele brincou

–Então onde vai?

–Vou num mutirão.

–Mutirão?

–É desses que se reúnem um monte de gente para ajudar outra pessoa.

–Desde quando você se une nesse tipo de coisa?

–Desde que uma das melhores amigas da garota que eu to afim está com problemas.

–Melhor amiga, de quem você está falando. – de uma forma estranha eu já sabia a resposta.

–De quem você acha?

–Da Lis? O que aconteceu? Meu Deus ela está bem?

–Calma, fisicamente ela está bem, mas financeiramente falando não.

–Igor desenrola isso.

–A confeitaria da família tá mal das pernas, cheia de dívidas, estão tentando quitar tudo para poder vender.

–Vender, mas nas poucas vezes que a Lis falou desse lugar parecia muito especial.

–E é, mas como a mãe está doente, não tem mas como ajudar, então foram chegando as dividas e depois tiveram que mandar embora os funcionários.

–Por isso ela estava todo dia ajudando a tia... o que a mãe dela tem?

–Fábio quando a Lis ia embora correndo nas sextas, porque nunca perguntou onde ela ia?

–Sei lá, eu achei que ela não queria me contar, ou que era pessoal demais e...

Engasguei ao perceber que ela provavelmente estava sofrendo muito, mesmo assim não dividiu nada comigo.

–Bom então não é eu que vou te contar. Tenho que ir agora Lia está me esperando com o pessoal.

–Eu vou com você!

–Ah vá... Eu não quero ser testemunha do seu assassinato, todas as amigas da Lis estarão lá, a tia, o primo... Ou seja você tem pouca chance de sobreviver.

–Eu prefiro arriscar. -respondi decidido.

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Quando chegamos ao lugar marcado onde todos se reuniriam antes de ir para confeitaria a primeira que me viu foi Nanda.

–O que você está fazendo aqui?

As outras seguiram o olhar da amiga estranhando a atitude agressiva dela e deram de cara comigo.

–Igor, eu não acredito que você trouxe esse cara! -Lia ficou chocada.

–Ele insistiu muito, não pude dizer não. -Igor me olhou quase que dizendo “eu avisei.”

–Olha só, eu antes de qualquer coisa, gosto muito da Lis, e se ela está precisando de ajuda quero ajudar, como amigo.

–Amigo? Tá bom! -Sol estava igualmente irritada.

–Você é um cretino isso sim! -Nanda chegou perto de mim e colocou o dedo no meu peito. – Tentamos ajudar você, e o que fez? Despedaçou o coração da Lis, afinal desgraça pouca é bobagem não é?

–Eu tentei ser franco com ela só isso.

–Se queria só dormir com ela, porque ficou todo esse tempo com essa bobagem de amizade-colorida?

–Isso não existe, é pior que sexo aventura ou sem compromisso como queira chamar.

–Eu não consigo explicar, eu não pude me afastar dela...

–Cara, você é mais idiota do que pensamos!

Nanda bufou e saiu de perto de mim.

–Por favor eu quero ajudar vocês, o Igor me falou que vão ajudar na confeitaria, fazer doces para vender na feira amanhã, eu preciso ajudar! -falei firme.

As três se olharam e foi Lia que chegou perto de mim e disse com os olhos cheios de lágrimas.

–Você tem mãe Fábio?

–Sim, claro... - falei exitante

–O que você sentiria se sua mãe começasse a ter atitudes estranhas que nunca teve antes?

–Como assim?

–Sei lá, esquecer coisas básicas como o número de telefone, ou seu endereço. Sair para dar um passeio e não saber voltar para casa... Guardar coisas e não lembrar onde deixou? Sei lá... de repente ela esquece que tem um filho! Como se sentiria.

Olhei para Igor confuso e notei que assim como as meninas ele estava com os olhos marejados.

–Não sei Lia, eu ficaria mal eu acho...

–Provavelmente... -ela deu um longo suspiro. - O que sabe da mãe da Lis?

–Nada... -falei rápido.- Não sei nada.

De repente senti vontade de chorar também, mas engoli e fiquei esperando o que mais ela me diria.

–Mal de Alzheimer já ouviu falar?

Eu chacoalhei a cabeça afirmativamente.

–Essa doença vai deixando incapacitado uma pessoa ativa como a mãe da Lis por exemplo... sabe Fábio nós não temos raiva de você...

–Temos sim! -Nanda falou interrompendo a amiga.

–Bom temos... Mas temos mais raiva de nós mesmas, por levar Lis naquele maldito bar com uma proposta de diverti-la e tirar o foco de todo o sofrimento que há mais de dois anos ela vive. Sabe o Lucas? Ex dela, não aguentou, aquele babaca... Só sugou a alegria que restava em vez de ficar do lado dela... Ai surge você com toda a sua história de amigos de sexo.

–Parecia legal até eu queria achar um amigo assim... -Sol falou levando uma cotovelada de Nanda. -Ai, credo!

–Só que você não queria só isso né? Fez cena de ciúmes, ficou atrás dela, cuidou, animou... Poxa cara que mundo você vive? A Lis é uma eterna romântica, um cara abre a porta ela já fica toda animada, imagina um homem lindo dando todas as pistas de que estava apaixonado por ela?

Por mais duro que fosse escutar isso, eu sabia que ela tinha razão.

–Eu...

–Você o que? Quis brincar com ela?

–Não! Em nenhum momento eu quis brincar, eu só simplesmente não posso...

–Não pode o que? Assumir um compromisso com uma mulher maravilhosa? Não pode se apegar? Não pode demostrar o que sente? O que você não pode Fábio? Pare de ser covarde!

–Não posso... Não posso perder ela... - o que eu falei saiu sem eu sentir mas fazendo todo sentindo quando eu ouvi.

Igor se aproximou e colocou a mão no meu ombro.

–Até que enfim cara!

–Eu não posso perder a Lis... falei para mim mesmo assimilando esse fato.

–Você já perdeu! -Nanda era a mais brava. -Teve a chance no fim de semana que arrumamos, vou me arrepender para o resto da minha vida disso, mas você fez o que?

–Olha só eu entendo, a raiva de vocês, eu também estou com raiva de mim... mas eu não sabia direito o que eu queria...

–E agora num minuto sabe?

–Sei apenas que eu não quero ficar longe dela, por favor me deixem ajudar, me deixem ter a chance de pedir desculpa, de me explicar!

Elas se olharam pensativas. Igor ainda com a mão no meu ombro disse baixinho.

–Fé irmão, se ainda está vivo, resta uma esperança.

–Tudo bem. – Lia falou. – Pode ser que a gente se arrependa amargamente, mas vamos deixar você ir junto.

–Só que dessa vez ou vai ser amigo dela, ou vai namorar ela, está entendendo? -Nanda se juntou a Lia na minha frente. – Sexo por sexo não existe nessa equação.

–E tem mais se você magoar ela dessa vez está acabado!

Senti meu coração aliviar, eu reconheci que não podia mais viver sem ela, só não sabia em que lugar queria estar na vida dela.